Quando nos referimos ao Estado, estamos falando da unidade administrativa de um território, abrangendo suas instituições públicas que visam a representação, organização e atendimento dos anseios da população que lá habita. E como instituições, podemos citar o governo (no caso do Brasil, nas esferas municipal, estadual e federal), escolas, prisões, hospitais públicos etc., além das Forças Armadas: Exército, Marinha e Força Aérea. Percebe-se que o conceito de Estado é mais amplo do que o de governo. Quando dizemos, por exemplo, que a Aeronáutica é uma instituição nacional permanente e regular, estamos nos referindo a uma instituição de Estado, por ser ela permanente, como o próprio nome diz, enquanto o governo é provisório.
Acontece que as instituições do Estado estão sujeitas ao seu Chefe Supremo (ou Chefe do Executivo) e sua equipe de governo, com suas ideologias, projetos, promessas de campanha etc., a serem executados. Ainda que num país democrático com o governo dividido em três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), como é (ou deveria ser) o caso do Brasil, este Chefe do Executivo e sua equipe não estão liberados para fazer o que bem entenderem. Acima deles e dos demais poderes ou instituições estão a Constituição e as leis do país. Mas, via de regra, seus planos e projetos são colocados à mesa para aprovação (ou não) e, se aprovados, dependendo de ter maioria no Congresso (Legislativo ou da interferência do Supremo) são postos em prática. São os casos, por exemplo, de controle da mídia, aborto, liberação de drogas, controle da religião etc. E é sobre este último caso que pretendo destacar a seguir.
Com o argumento do Estado laico o Estado brasileiro tem tentado “transformar a religião em um assunto estritamente privado”, diz a matéria da Gazeta do Povo [2], de 29/04/2017, sobre a qual quero destacar (texto adaptado).
Não se pode confundir poder político com poder religioso. Mas as religiões sempre tiveram papel fundamental na construção da maioria das sociedades modernas.
A herança judaico-cristã é uma das bases da civilização ocidental.
Segundo o filósofo Jürgen Habermas, a laicidade é definida como “… a neutralidade do poder estatal, no que tange às cosmovisões, neutralidade que garante iguais liberdades éticas a todos os cidadãos”.
O Estado não deve privilegiar nem coibir determinada religião, mas sim, garantir a liberdade religiosa e de culto, inclusive público.
Estado laico não é o mesmo que Estado ateu, e um Estado que se definisse como ateu estaria, portanto, adotando um posicionamento que viola a neutralidade.
Confundir Estado laico e Estado ateu equivale a confundir a saudável laicidade com o perigoso laicismo – perigoso porque viola as liberdades individuais e pode degenerar para a pura e simples perseguição religiosa, como ocorreu na França revolucionária e nos regimes comunistas.
Certos elementos da cultura de uma sociedade, como símbolos religiosos, formas de culto e até a aplicação do ensino religioso – não obrigatório – devem ser respeitados e não violam o princípio da laicidade.
O argumento do ‘Estado laico’ tem sido usado de forma inapropriada com o objetivo de transformar a religião em um assunto estritamente privado, que só tem espaço de cidadania das portas das residências para dentro. Ora, isso é ignorar a diferença existente entre a dimensão de governo e a dimensão da sociedade. Aqui, cabe ao Estado reconhecer a importância da religião na sociedade, sem ações que tenham o objetivo de minimizar esse fenômeno – o que seria uma interferência indevida. O que quer que as religiões pleiteiem precisa ser justificado em termos puramente racionais.
Como vimos acima, a existência do Estado com suas instituições visam a representação, organização e atendimento dos anseios da população que habita o seu território. Neste caso, se certos grupos sociais como sindicatos, entidades de classe, movimentos sociais e de minorias, são atendidos, os grupos religiosos e/ou igrejas também devem estar nesta lista. Por outro lado, a decisão da legalização das políticas públicas são do Estado, mas esta não pode violar os direitos e garantias dos membros de qualquer grupo social. Os grupos sociais devem ser ouvidos sobre a melhor forma de participar do debate público, de forma justificada sob o prisma da razão e não em detrimento de outras crenças. “Nisso consiste a laicidade saudável: basear as decisões de Estado em princípios puramente racionais, ainda que eles tenham sido defendidos principalmente ou exclusivamente por grupos religiosos”. Desta forma, o Estado laico deve dar a liberdade de culto e permitir sua participação pública – vida política – de qualquer grupo religioso, enquanto este último deve usar sua fé ou crença de forma racional, observando o caráter científico de seus argumentos e para o bem coletivo de seus concidadãos.
Muitos defendem o Estado laico, mas se confundem com as ideias de laicização. O Estado é laico por aceitar todas as crenças religiosas, mas ao mesmo tempo não deve restringir a participação de suas atividade apena na esfera do privado. Sobre isto, sugiro o BTCast – Direito Religioso já informado acima e também o vídeo abaixo do Canal Teologia Liberada, através do Pr. Veridiano Pantarotto:
Notas / Referências bibliográficas:
[1] Imagem
meramente ilustrativa. Disponível em: <Direito
Religioso - BTCast Vida Nova 029 | Bibotalk>.
Acesso em: 1º/11/2023.
Neste
Podcast, os debatedores, explicam de forma muito clara o conceito de
laicidade, estado laico, estado ateu etc.
Eu sou cristão desde pequeno, católico até março de 1980 e protestante a partir de então. Já em março daquele ano (1980), quando comecei minha nova vida espiritual, sabia que entre os chamados evangélicos ou crentes, ou ainda protestantes..., há vários segmentos teológicos e/ou ideológicos: tradicionais, pentecostais e neopentecostais (este último estava no começo na época). Mas há também outras divisões, entre os quais podemos afirmar que incluem parte dos três grupos acima citados, que são – em resumo – os liberais, os fundamentalistas e os conservadores.
A igreja – Assembleia de Deus – da qual passei a fazer parte, em 1980, é fundamentalista. Lembro-me de que numa sala de aula de Teologia, acho que em 1981, um dos nossos professores disse aos alunos – maioria assembleianos – presentes, mais ou menos estas palavras que ficaram gravadas em minha mente: somos protestantes (porque somos herdeiros da Reforma); dispensacionalistas (porque acreditamos que Deus trata com o homem por períodos de tempo, abrangendo alianças e provas), pré-tribulacionistas (pois acreditamos que a Igreja será arrebatada antes da Grande Tribulação) e pré-milenistas (porque acreditamos que Jesus virá à Terra antes de um período de mil anos – literalmente – para governar). Pretendemos estudar rapidamente cada um destes dogmas, mas por ora, quero apenas destacar as três linhas ideológicas que envolvem a comunidade evangélica como um todo, destacando também, o papel dos conservadores na política brasileira.
1.
Evangélicos liberais
Por muito tempo, depois da Reforma e Contrarreforma do século XVI, até o século XIX, havia duas grandes divisões no Cristianismo ocidental: católicos e protestantes. Estes últimos foram os que mais se ramificaram (subdividiram) em várias igrejas e impactaram cultural e politicamente a sociedade europeia e estadunidense.
O
liberalismo, também chamado de
“modernismo”, corresponde à grande mudança no pensamento
teológico, alcançando
seu ápi’ce principalmente
entre
meados do
século XIX e
a primeira guerra mundial. “Os
desafios intelectuais que o século XIX apresentou ao cristianismo
foram enormes, e tanto o protestantismo como o catolicismo viram-se
obrigados a lhes responder”
(GONZÁLEZ [1]).
O
liberalismo teológico foi uma tentativa de resposta a estes
desafios, procurandoadaptar
as ideias religiosas cristãs à cultura
e formas de pensar da época. Uma vez que o mundo não era mais o
mesmo dos tempos da Bíblia e dos credos, era
preciso repensar a fé e transmiti-la em termos que possam ser
compreendidos hoje. A
Revolução Industrial, que afetou não só a economia, mas também
todos os aspectos da vida; o Evolucionismo
de Darwin, quelevou
os cristãos, senão
a se tornarem ateus, pelo menos a pensarem
num Deus imanente que edificou o universo lentamente e pôs em
descrédito a narrativa do Gênesis; o processo científico em geral
foi aplicado à teologia e à crítica bíblica e pôs em cheque os
dogmas cristãos...
Como
enfatizei nesta
minha monografia, [2] neste
período, as
correntes
do pensamento liberal, foram
notáveis
em todos os aspectos da vida, como migrações, principalmente rurais, rompimento dos laços de família, crescente individualismo e egocentrismo (o tema do ‘eu’) que passou a ocupar a literatura da época. O olhar para o futuro, sob a ideia do progresso, contrariava a forma de pesquisa que adotava até então. Até pouco antes, a opinião mais comum era de que as ideias eram certas quanto mais antigas fossem. Agora, muitos dos intelectuais que enfatizavam o ‘futuro’, motivado pelo progresso, em detrimento do passado, vão pôr em dúvida o que se tem dito até então, em matéria de ‘verdades’ histórica e religiosa. E neste sentido, a ‘Teoria da Evolução, de Darwin, é uma expressão dessa confiança no progresso’. Progresso este, teorizado por Augusto Comte, fundador da Sociologia Moderna, que seguia as etapas da ‘… ‘teológica’ à ‘metafísica’, e desta à ‘científica’. (...) No campo religioso, estes estudos, aplicados à Bíblia, produziram fortes abalos e extensos debates”. E nos Estados Unidos, a teoria de Darwin e outras também de relevância defesa do progresso, repercutiram em forma de ‘teologia liberal’ que tentava ‘… harmonizar o cristianismo com a modernidade, caso contrário, a fé cristã se tornaria uma religião irrelevante e sem sentido nos tempos modernos’. Apesar de não ter sido um ‘movimento monolítico’ o liberalismo foi considerado uma ameaça à fé cristã, e exigiu uma resposta da ‘ala conservadora’ de reação ‘antiliberal’, que defendia os ‘fundamentos da fé’ (Nota 2: item 5.2).
E para destacar os principais ensinos do liberalismo quero aproveitar também parte de uma das fontes utilizadas em minha monografia, o texto de Osiel Lourenço de Carvalho [3]:
“A aceitação das teorias das ciências da natureza como a teoria da evolução de Charles Darwin.
O uso da alta e baixa crítica na interpretação da Bíblia.
O reconhecimento da influência de povos vizinhos de Israel na constituição da religião judaica.
A ênfase em Deus como amor, em lugar de sua figura de juiz da humanidade.
A presença, em cada pessoa, de uma centelha divina, proporcionando uma visão otimista quanto à sua identidade e futuro.
A teoria da revelação progressiva, com a influência dos fatores naturais, econômicos e políticos.
Jesus mais que um salvador da humanidade, é exemplo de plenitude das potencialidades humanas.
A Bíblia é um testemunho da experiência religiosa de Israel e da igreja em seus primeiros anos.
As doutrinas e dogmas das igrejas devem ser substituídos pela experiência religiosa de cada indivíduo.”
Como Pierard [4] afirma, “… a Primeira Guerra Mundial esmagou o otimismo inebriante que era o seu patrimônio principal, enquanto os conservadores contra-atacavam…” e “… já na década de 1960, a maioria dos liberais tinha abandonado o otimismo humanista, o imanentismo cultural progressivo e o sonho de um reino terrestre, sem, contudo, ceder terreno quanto à sua interpretação não-literal da Bíblia.” O certo é que a corrente protestante liberal não morreu e continua dividindo espaços com fundamentalistas e conservadores nos dias atuais.
Como vimos acima, o fundamentalismo ganhou força após a primeira guerra mundial. Mas, como teoria ou linha ideológica/teológica, remonta até 1886, quando foi fundado o Moody Bibble Institute pelo evangelista norte-americano D. L. Moody, em Chicago, com o objetivo de combater a alta crítica e o avanço do liberalismo. Além deste seminário, já havia também, desde 1812, o Seminário Teológico de Princeton, de Nova Jérsei (EUA). Segundo o Portal Got Questions [5], “… 97 líderes de igrejas conservadoras de todo o mundo ocidental foram comissionados a escrever 12 volumes sobre os princípios básicos da fé cristã. Eles então publicaram esses escritos e distribuíram mais de 300.000 cópias gratuitamente para ministros e outros envolvidos na liderança da igreja. Os livros foram intitulados Os Fundamentos, e ainda existem hoje como um conjunto de dois volumes.”
Destacaram-se na formalização do Fundamentalismo, final do século XIX e início do século XX, alguns líderes cristãos, como John Nelson Darby, Dwight L. Moody, BB Warfield, Billy Sunday e outros, que estavam preocupados com o fato de que os valores morais estavam sendo corroídos pelo Modernismo ou liberalismo. Esta crença, segundo eles, estava centrada no homem e não em Deus. Seus adeptos, além da influência do Modernismo, era preciso lutar também contra o movimento alemão de alta crítica, o qual buscou negar a inerrância das Escrituras.
O Fundamentalismo é construído em cinco princípios da fé cristã, embora haja muito mais para o movimento do que a adesão a estes princípios [6]:
A
Bíblia é literalmente verdadeira. Associada a este princípio é a
crença de que a Bíblia é infalível, isto é, sem erro e livre de
contradições.
O
nascimento virginal e a divindade de Cristo. Os fundamentalistas
acreditam que Jesus nasceu da Virgem Maria, foi concebido pelo
Espírito Santo e era e é o Filho de Deus, plenamente humano e
divino.
A
expiação substitutiva de Jesus Cristo na cruz. O Fundamentalismo
ensina que a salvação é obtida somente através da graça de Deus
e a fé humana na crucificação de Cristo para os pecados da
humanidade.
A
ressurreição corporal de Jesus. No terceiro dia após a sua
crucificação, Jesus ressuscitou dos mortos e agora está assentado
à direita de Deus Pai.
A
autenticidade dos milagres de Jesus como registrados nas Escrituras
e a literal e pré-milenar segunda vinda de Cristo à Terra.
Diferentemente dos liberais, os fundamentalistas ensinam também, que os primeiros cinco livros da Bíblia foram escritos por Moisés; que a Igreja será arrebatada antes da tribulação do fim dos tempos e a maioria deles também é dispensacionalista (assunto do qual falaremos em outro momento).
Entendo que o fundamentalismo abrange tanto tradicionais quanto os pentecostais e neopentecostais. O fundamentalista exerce certa militância de sua religiosidade e se vê como guardião da verdade, normalmente excluindo a interpretação bíblica dos outros e gerando atritos com os mesmos, isto é, com outros segmentos religiosos.
O Fundamentalismo foi uma resposta radical para a época que nasceu, uma vez que o mundo estava adotando o Modernismo, Liberalismo e o Darwinismo, e a própria igreja estava sendo invadida por falsos mestres. Ele foi uma reação contra a perda do ensino bíblico, mas depois, começou a se fragmentar e se reorientar. “O grupo mais proeminente e vocal nos EUA [por exemplo] tem sido a Direita Cristã. Este grupo de autodenominados fundamentalistas tem sido mais envolvido em movimentos políticos que a maioria dos outros grupos religiosos. Na década de 1990, grupos como a Coalizão Cristã e Conselho de Pesquisa da Família têm influenciado a política e questões culturais. Hoje, o Fundamentalismo vive em vários grupos evangélicos, como a Convenção Batista do Sul. Juntos, esses grupos afirmam ter mais de 30 milhões de seguidores” (Idem). E como dissemos aqui, o fundamentalismo norte-americano chegou ao Brasil, no início do século XIX, como parte do “Destino Manifesto” protestante que se transformou no modelo do “Protestantismo de Missão”. Aqui, este modelo de protestantismo vai se firmar através de um “fundamentalismo” anticatólico e de muita pouca aproximação com a cultura brasileira, dificultando, desta forma, uma aproximação com pessoas de outros credos, mediante o diálogo sadio e amigável com estes grupos.
Os fundamentos são princípios de defesa do verdadeiro cristianismo, mas sua ênfase na inerrância da Bíblia, inclusive de sua escrita (letra-por-letra) fazem com que seus defensores, os fundamentalistas, sejam vistos como extremistas radicais, pessoas que, inclusive, idolatram a Bíblia. E assim, são criticados tanto por cristãos protestantes liberais, católicos e não-cristãos. Na verdade, os fundamentalistas têm uma característica evidente: “A convicção de que possuem o conhecimento absoluto da verdade, da qual se tornaram guardiões divinamente ordenados” (Lloyd Geering. In: Movimento Batistas por princípios – ver Nota 7). Teólogos conservadores como Alister McGrath afirmam que o movimento fundamentalista prejudicou a teologia acadêmica e o consequente debate com os liberais. Além disso, para ele, “… o surgimento do fundamentalismo causou impacto sobre o compromisso evangélico com a erudição em geral”. E no seu “… afã de se identificarem como detentores da verdade e paladinos da defesa do cristianismo, prejudicaram a integralização entre evangélicos e universidades” (Idem). O contraponto entre o radicalismo fundamentalista e a frouxidão (ou descuido com a pureza do verdadeiro Evangelho) do liberalismo pode ser visto, portanto, com a posição do conservadorismo, do qual falaremos a seguir...
3.
Evangélicos
conservadores
Voltando ao que falei no início, sobre a Igreja Assembleia de Deus, como sendo fundamentalista, alguns anos depois, esta posição já havia mudado bastante, e, num outro momento, lembro-me de que outro professor de teologia disse que esta igreja é literalista – interpreta a Bíblia de forma literal –, mas não fundamentalista. Eu fui membro daquela Assembleia em São Paulo, por 37 anos (há várias assembleias e cada uma com peculiaridades próprias), mas na verdade, sempre me considerei um “batisbleiano” (mistura de batista com assembleiano), portanto um fundamentalista por princípio, até certo ponto, mas convivi muito bem com outros que pensavam diferente. Em 2016, ao fazer um curso de pós numa faculdade batista, e ouvindo sobre muitas ressalvas e até críticas sobre o fundamentalismo – e isto num seminário tido como fundamentalista! –, resolvi estudar um pouco mais sobre o assunto, e escrevi o trabalho citado acima: “Fundamentalismo Protestante: dificuldades de interação e diálogo com a cultura brasileira”. Porém, embora eu reconheça esta dificuldade de interação com a cultura, vejo que o fundamentalismo defende pontos que são inegociáveis por serem verdades absolutas da Palavra de Deus. Por exemplo, mencionamos os cinco pontos de fé fundamentalista: a infalibilidade e inerência das Escrituras, a divindade de Cristo e seu nascimento virginal, a remissão dos pecados da humanidade pela crucificação de Jesus, a ressurreição corpórea de Jesus como um fato histórico e a volta iminente de Jesus à Terra. Eu acrescentaria também os cinco solas da Reforma: Sola Scriptura, Solus Christus, Sola Fide, Sola Gratia e Soli Deo Gloria. Estas são defesas também de conservadores. Ah, hoje, morando em Pindamonhangaba/SP e membro da Igreja da Cidade, com princípios batistas, continuo nesta mistura teológica de fundamentalismo com conservadorismo. Há alguma diferença? Para responder a esta pergunta, quero utilizar, na sequência, parte de um texto de um portal batista, bem sugestivo, a propósito: “Movimento Batistas por Princípios”, que afirma que:
embora fundamentalistas e conservadores tenham a mesma percepção quanto à ‘defesa’ da doutrina, há modos diferentes de entender como essa postura apologética é conduzida. Com os primeiros (fundamentalistas), o diálogo é quase nulo; com os segundos (conservadores), é possível dialogar porque estes já se deram conta há algum tempo que as coisas mudaram e o mundo não é mais como antigamente… o conceito ‘fundamentalismo’ é um termo que surgiu no contexto religioso protestante nos EUA, mas que já ultrapassou o âmbito protestante estadunidense há muito tempo, principalmente depois dos ataques de 11 de setembro de 2001. O termo ficou popularizado e hoje pode ser visto sendo empregado não apenas no contexto religioso… Os conservadores passaram a se desvincular dos fundamentalistas por entender que a reflexão precisava acontecer e o recrudescimento a partir de posturas ferrenhamente antagônicas não contribuía para o debate com os liberais e, como consequência, com a sociedade. O que demonstra, que os conservadores procuraram o diálogo enquanto os fundamentalistas continuaram a se verem como os ‘únicos’ detentores de uma verdade que não abria para questionamentos… [7]
Bem, voltando à questão da “inerrância” ou “interpretação” da Bíblia Sagrada, vimos que os fundamentalistas afirmam de maneira peremptória sua inerrância, mas os conservadores preferem, ao invés disso, falar de sua “infalibilidade” “… em questões de doutrina e fé” (Júlio Zabatiero: Idem, Nota 7), considerando o contexto em que o texto foi escrito… Interessante que temos, dentre alguns teólogos bem conhecidos, aqueles que se identifica(ra)m como conservadores e não fundamentalistas, como: Billy Graham, John Stott, Isaltino Gomes Coelho Filho, Ebenézer Soares Ferreira, Irland Pereira de Azevedo etc. E os que são fundamentalistas sem serem conservadores, segundo o artigo a que estamos fazendo referência, são os que não aceitam “a diversidade” do modo de ser Batista. O éthos dos Batistas é ser conservador mas entende como a diversidade (ambos os lados são aceitos) é inerente ao seu sistema denominacional.
Conservadores
e liberais na política
O conservadorismo se estendeu para fora do âmbito religioso e alcançou a política. De 2016 para cá, tornou-se muito comum ouvirmos falar de “direita conservadora” aqui no Brasil. O que isto quer dizer? Um pequeno livro do influencer evangélico Luiz Camargo, “Breve manual do cristão conservador” [8] trata de forma bem objetiva deste assunto. Itens que ele aborda como relação do conservadorismo com a direita do Brasil, liberais x conservadores, a Verdade, globalismo, aborto e outros, demonstram a influência do conservadorismo na política brasileira. Aliás, este conceito vai além do grupo dos evangélicos chegando inclusive a católicos, espíritas e até não-religiosos. Mas o que unem estas pessoas ou grupos? Um resumo pode ser:
O conservadorismo implica em preservar valores, costumes e tradições da cultura judaico-cristã. Portanto, se alguém é antissemitista, e anticristão, por exemplo, não pode ser considerado um conservador, ao passo que na sociedade, alguém que mesmo não sendo evangélico ou cristão, mas aceita os valores cristãos como moral, ética etc., conseguem conviver muito bem como conservadores. Percebo isto na lista de contatos (ou seguidores) nas redes sociais de grandes influenciadores (de direita conservadora) da internet, por exemplo.
Mesmo no aspecto político, os conservadores são contrários ao aborto, mudança de sexo, legalização das drogas, defendem a família tradicional (pai, mãe e filhos), a liberdade (de imprensa, expressão, comércio etc. – com base no livre-arbítrio das pessoas), a pouca intervenção do Estado na economia e na vida das pessoas, são pró-Israel (semitistas), defendem o Estado laico (não o laicismo) etc.
Como partidos considerados de esquerda não aceitam os valores dos conservadores, estes são considerados de direita no espectro político.
Então só existem conservadores de direita? Entendo que não há compatibilização entre os princípios que os conservadores defendem com os defendidos pela esquerda. É comum ouvirmos também de “liberais na economia e conservadores nos costumes”. Liberalismo, neste caso, é diferente do que vimos no sentido teológico acima. E o liberalismo, no sentido econômico, é comum também para conservadores. O certo é que, em geral, os conservadores buscam um governo que seja “… pautado pela prudência, por isso tem como premissa a preservação dos valores morais, religiosos e patrióticos tradicionais da civilização ocidental, que foram estabelecidos não por governos ou pensadores na tentativa de chegar a um objetivo previamente arquitetado, mas pelas relações livres dos indivíduos livres ao longo da história. [9]” Ao contrário da esquerda, o conservador não é revolucionário. Na verdade, é exatamente por meio da revolução que os membros da esquerda tentam destruir todo o alicerce da cultura ocidental preservado pelos conservadores através da história.
Evangélico e protestante são palavras sinônimas correspondentes a um mesmo segmento, mas subdividido, de cristãos não-católicos, que abrangem tradicionais, pentecostais e neopentecostais. Os liberais ainda estão presentes hoje, a maioria defendendo pautas da esquerda, presente em grande número dentro das igrejas, principalmente entre os evangélicos tradicionais e católicos. Mas no campo político, liberalismo não tem necessariamente relação com temas teológicos e morais. O conceito está restrito ao mercado. Muitos políticos liberais são ateus e até amoralistas. É comum, por exemplo, liberais defendendo aborto, drogas, pautas LGBT…, condenando Israel e assim por diante. Estes são, via de regra, bem-aceitos no campo político e nas instituições educacionais, já os fundamentalistas/conservadores – nesse caso, tratados como se fossem apenas um grupo, que pensam igualmente e defendem as mesmas pautas – são muitos criticados, vistos como radicais, retrógrados, terraplanistas, fascistas, extremistas, ultradireitistas, anticiência e às vezes tratados como cidadãos com menos direitos do que os demais. Conservadores são vistos como sinônimos de fundamentalistas, colocados num mesmo balaio, mas nos últimos anos, sua presença tem sido notória no campo político.
É sabido que no Brasil, a maioria é conservadora: não só de evangélicos, mas também de católicos e até outros grupos não-religiosos. Mas há algo preocupante, a meu ver, quando pesquisa como esta do Datafolha [10] aponta, por exemplo, que enquanto o número de “… evangélicos que se identifica com a direita, é proporcionalmente maior que o da média brasileira”, mas, por outro lado, entre os próprios evangélicos “...o número de evangélicos de direita é equivalente aos de esquerda”. Não quero aqui defender nem condenar nenhum dos lados, embora vejo que há uma certa tendência do cristão, ao escolher o lado da esquerda, absorver também suas pautas e viver uma espécie de “Evangelho Segundo Marx”, “Teologia da Libertação” etc. E, por este motivo, escolher governantes que também pensam e agem assim.
Para concluir, quero sugerir o vídeo abaixo, de Luiz Camargo, explicando a diferença, no campo político, entre conservadores e liberais.
Notas / Referências bibliográficas:
[1] GONZÁLEZ, Justo. Uma história ilustrada do Cristianismo: a era dos novos horizontes. São Paulo: Vida Nova, 2009. Apud: AMORIM, Nota 2.
[3] CARVALHO, Osiel Lourenço de. Fundamentalismo Protestante. In: SOUZA, Sandra Duarte (Org.). Fundamentalismos religiosos contemporâneos. São Paulo: Fonte Editorial: 2013, pág.52 e 53.
[4] PIERARD, R. V. Liberalismo Teológico. In: ELWELL, Walter. A. (Editor). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1988 (1ª Ed.), Pág. 428 e 429.
[8] CAMARGO, Luiz. Breve manual do cristão conservador. Campinas/SP: Vide Editorial, 2022.
[9] Idem, pág. 23.
[10] Datafolha: número de evangélicos de direita é equivalente aos de esquerda. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/pesquisa-eleitoral/noticia/2022/06/07/datafolha-numero-de-evangelicos-de-direita-e-equivalente-aos-de-esquerda.ghtml>. Acesso em: 28/08/2024.
Escrevi
de forma breve sobre alguns mártires cristãos2
que viveram e morreram pela sua fé em Cristo. O que eles tinham em
comum eram a convicção de sua conversão do pecado e uma
espiritualidade moldada pelas Escrituras, a Bíblia Sagrada cristã.
Dos mártires que também foram mestres da igreja, os
apologistas, podemos acrescentar ainda – como escreve Franklin
FERREIRA
–, que eles reconheciam sua pequenez em matéria teológica, embora
fossem (grandes) pastores, viviam sua fé e serviços voltados para a
sociedade, tinham sua cosmovisão cristã ou “… uma
visão integral da obra de Deus na criação e restauração de todas
as coisas…,
além do que “… escreveram
e pensaram para a glória de Deus e edificação da igreja…”3.
Dentre
estes mártires, Justino
Mártir
me chamou especial atenção, sobretudo por causa de sua relação
com o Cinismo,
uma filosofia que serviu como o estopim de suas discordâncias com um
filósofo desta
corrente
chamado Crescente,
e que o levou, conjuntamente com seis de seus discípulos, ao
martírio, no ano de 165…
O
Cinismo se caracteriza pelo “… total
desprezo pelos bens materiais e o prazer”,
tinha origem no grego “kynismós”, ou “como
um cão”.
Seus adeptos, os cínicos, deveriam ter uma filosofia moral voltada
para este princípio: vida simples. Eram “… identificados
por possuírem apenas um manto dobrado como vestimenta, um bastão
para auxiliar nas caminhadas e uma sacola para carregar algum
donativo. Desde então, o significado de cínico é atribuído às
pessoas que não possuem apego às convenções sociais e se sentem
superiores por isso4”.
A
questão, até mesmo paradoxal, é o fato de que ninguém consegue
viver o estilo de vida proposto pelos cínicos sem
depender do não-cínico uma
vez que até para se obter donativos alguém que não é cínico
precisa trabalhar e lhe doar o que lhe é necessário para suas
necessidades básicas. Se os cínicos precisam do que o outro ganha,
porque ele é considerado num patamar inferior ao dele? Daí, o
sentido pejorativo para o cinismo, pois o cínico “… designa
um homem agudo e mordaz que
não respeita os sentimentos e valores estabelecidos nem as
convenções sociais”5,
enquanto precisa dos outros para sobreviverem.
Qual
o principal embate entre Justino Mártir e Crescente? Na verdade, não
encontrei qual o ponto filosófico que foi o pomo da discórdia entre
Crescente e Justino, mas o certo é que Crescente o convidou para um
debate e perdeu, pois Justino conseguiu provar que a “filosofia
cristã”, como ele denominava a doutrina e/ou teologia cristã e a
defendia, foi superior ao cinismo de Crescente.
Segundo
consta nos escritos históricos, Justino teve desavenças com
Crescente (ou Crescêncio), um filósofo conhecido como cínico, e em
alguns debates Justino o havia repreendido na presença de seus
ouvintes. Num desses debates, o filósofo Crescente desafiou Justino
acerca do cristianismo e este saiu vencedor, o que induziu Crescente
a buscar vingança, acusando seu adversário perante os tribunais6.
Bem,
Justino escreveu diversas obras entre as quais o relato de discussão
com um rabino judeu chamado Trifon, o “Diálogo com Trifon”, mas
precisou defender sua filosofia cristã também em Roma e, desta
forma, ele tenha
ganhado
no argumento, foi
derrotado nos
tribunais.
O
filósofo Crescente era amigo do prefeito Júnio Rústico que
aconselhou Justino e seus seis discípulos presentes a negarem sua
filosofia cristã, ao que eles se recusaram. Para Justino, disse o
prefeito: “a menos
que se sujeite…,
você
será atormentado sem misericórdia”. E
foi… Depois de açoitados, Justino Mártir e seus companheiros
foram decapitados.
Qual
a lição deste episódio para nossos dias, sobretudo no Brasil? É
que a filosofia cristã de
Justino é a mesma que de alguma medida se faz presente na nossa
sociedade e é defendida pela maioria dos brasileiros, que ficou
conhecida como “direita conservadora”. Por outro lado, o
politicamente correto, dos chamados “esquerdistas”, quer sobrepor
às verdades desta maioria, somada às ideias de “democracia”
(sem “demo”, apenas com “cracia”. Ou
cleptocracia?) de alguns ilimunistros de
nossa corte máxima,
juízes, desembargadores, procuradores, políticos de oposição,
imprensa, artistas etc., ou seja, uma tremenda corja que está
impondo suas “verdades” e querendo que a maioria as engula. A
exemplo do Crescente da época de Justino Mártir que o entregou ao
amigo prefeito, os Crescentes de hoje perdem nas argumentações, mas
estão ganhando nos tribunais, pois têm “amigos” nos
tribunais que
pensam da mesma forma e têm via
de regra a certeza da sua decisão favorável.
Uma vitória seguida de outra e por todo o Brasil, dos canalhas sobre
os conservadores. E embora temos hoje um Presidente que defenda os
princípios da filosofia de Justino Mártir, o conceito degenerado de
laicismo, democracia, direitos
da minoria sobre a maioria, ideias dos biografados, dos
engomadinhos defensores
da “ciênssia", dos não-negacionistas, dos sofisticados do
teatro das
tesouras
etc.,
é
deturpado na mente e bocas
de “veludos”, de “sapões”, de “xandões”, de “amigos
de meu pai”, apenas para citar alguns grandões, enquanto a maioria
conservadora
vai
sendo derrotada. E o Presidente
não faz nada? Pelo sistema ou establishmentque
existe hoje no Brasil,
incluindo o meio
jurídico e a formação dos Três Poderes da República, o caminho
para os conservadores parece não ter saída. E se estes
saem
pacificamente
às ruas, logo aparece um adjetivo para qualificá-los:
os antidemocráticos.
E se são antidemocráticos, então precisam ser parados seja pela
censura nas redes sociais, nos processos sem provas, prisões
arbitrárias
e,
quem sabe, até mesmo
pelo
uso da violência. Além
disso, os milhares ou milhões de “antidemocráticos” que foram
às ruas em apoio ao presidente no
dia 7 de setembro de 2021, foram
adjetivados também por certo iluministro7
de milicianos,
terroristas,
traficantes, fascistas, racistas, supremacistas,
misóginos e demônios das sombras. É mole!
Tendo
em vista este quadro, os defensores da filosofia de Justino devem se
calar? Não, jamais! Mas saibamos
que
por esta defesa, Justino se tornou o Mártir… Quem se atreve a
seguir seu exemplo? Tenhamos
em mente também que no Brasil há muitos Crescentes amigos do
prefeito, do deputado, do senador, do juiz, do iluministro…, menos
do presidente, só se forem como cínicos hipócritas tentando
ocultar
a verdadeira face.
5
Veja: O que é Cinismo.
Disponível em: <https://www.significados.com.br/cinismo/>.
Acesso em> 17/01/2022.
6
In: XAVIER, Erico Tadeu. Justino
Mártir: um filósofo em defesa da fé cristã.
Pág. 17. Disponível em:
<https://revistas.pucsp.br/index.php/ultimoandar/article/view/21517/15766>.
Acesso em 7/01/2022.