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14 dezembro 2023

Segunda Guerra Mundial

Por Alcides Barbosa de Amorim




O século XX assistiu duas grandes guerras de proporções mundiais. A primeira guerra durou entre 1914 e 1918, e embora a criação da Liga das Nações, em 1919, tinha como um dos objetivos evitar novas guerras, isto não aconteceu. De 1939 a 1945, o mundo assistiu a chamada segunda guerra, da qual falaremos a seguir.

Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, Hitler trazia na cabeça a obsessão de livrar a Alemanha da humilhação do Tratado de Versalhes. Esse tratado foi imposto pela França e Inglaterra em 1919, após a derrota da Alemanha.

Em setembro de 1939 a Alemanha invadia a Polônia, fazendo eclodir a Segunda Guerra mundial. Era o começo de uma guerra, a mais destrutiva da história, que envolveu países de vários continentes e que só terminou em 1945, com a rendição incondicional da Alemanha e do Japão.

No plano político, a principal consequência do conflito mundial foi o fim da supremacia da Europa ocidental no mundo...


Veja o texto completo, em PDF, em:

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Segunda Guerra Mundial

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09 dezembro 2023

Tentações militares e outras tentações

Por:  Mary Del Priori Renato Venancio


Governo Populista: imagem adaptada

O fim do Estado Novo sugeria que as antigas oligarquias tinham chance de retornar ao comando político. Mas isso só na aparência, pois o Brasil dos anos 1940 era profundamente diferente daquele que havia existido durante a Primeira República. Dentre essas mudanças, talvez a mais importante tenha sido a que dizia respeito ao novo eleitorado que então surgira.

Em consequência das reformas educacionais e da incorporação do voto feminino, os índices de participação eleitoral, em declínio desde fins do Império – quando os analfabetos foram excluídos do direito de votar –, aumentam sensivelmente. Por volta de 1945, além de mais numerosos do que nunca, os eleitores brasileiros também apresentam um perfil cada vez mais urbano. Um exemplo extremo dessa situação pode ser percebido ao compararmos o estado do Amazonas com a cidade do Rio de Janeiro: enquanto a primeira unidade possuía 28.908 eleitores, o Distrito Federal desfrutava de um colégio eleitoral de 483.374 homens e mulheres.

Como seria de esperar, tal mudança implica uma alteração profunda no perfil dos candidatos e dos votantes. Estes ficam cada vez menos sujeitos aos coronéis, enquanto aqueles não mais precisam ser originários da elite agrária, dependendo agora do próprio carisma, da representatividade junto aos trabalhadores ou de uma máquina clientelista capaz de conceder favores e empregos. Uma vez mais se deve reconhecer a sagacidade do antigo ditador em perceber essas transformações, explorando-as habilmente. A conjugação entre a propaganda política, que fazia dele o “protetor dos pobres”, e a utilização de sindicatos e de institutos de previdência garante seu prestígio entre os eleitores urbanos, tornando-o parcialmente independente das antigas oligarquias. Mais ainda: através do PTB, Getúlio imprime uma dimensão nacional a seu projeto político.

Após o fim do Estado Novo, a amarga experiência eleitoral vivida pelos egressos do antigo Partido Republicano Paulista, em contraste com o retorno do ex-ditador ao poder, ilustra esse estado de coisas. Por isso, para muitos pesquisadores, a década de 1950 é um momento de consolidação de uma prática política definida como populismo: multiplicam-se os políticos que apelam para as massas urbanas e não mais consideram as elites como portadoras de um modelo a ser seguido.

No caminho de retorno de Getúlio Vargas existia, porém, um obstáculo: o Exército. Como vimos, os generais o haviam deposto em 1945. Seu retorno à presidência em 1951 implicava negociações. Estas, por sua vez, são bem-sucedidas. Para muitos militares, Getúlio, por ser um político com forte apelo popular, servia como antídoto ante o risco do comunismo. Em 1945, o PCB, apesar de legalizado às vésperas das eleições, consegue eleger catorze deputados e Luís Carlos Prestes como senador; o que representa o voto de aproximadamente 12% do eleitorado brasileiro, sendo que em algumas cidades, como o Rio de Janeiro, tal cifra atinge 20%.

Nessa época, um impasse sobre os rumos que devia tomar a sociedade brasileira divide o Exército. Até o início dos anos 1940, o debate a respeito do desenvolvimento nacional é dividido em duas correntes: uma defende a “vocação agrícola” de nossa sociedade e a outra se posiciona a favor da industrialização acelerada. Ora, durante o governo Dutra, a primeira posição perde o sentido, pois a maior parte da economia brasileira passa a depender do desenvolvimento industrial.

Devido às transformações implementadas ao longo do primeiro governo de Getúlio Vargas, o modelo de industrialização se depara com sérias dificuldades. Não se trata mais de simplesmente substituir os produtos de consumo importados por similares nacionais, mas sim de incrementar um modelo de desenvolvimento industrial articulado. Em outras palavras, tratava-se de saber como seria possível produzir internamente automóveis, navios e maquinário ligado à mecânica pesada, bens que dependiam de capitais elevados e de tecnologia avançada.

Diante de tais questões surgem profundas divisões no seio das elites brasileiras, incluindo aquelas pertencentes às forças armadas. De forma esquemática, é possível identificar aqueles que, de um lado, defendem o nacionalismo econômico e a intensiva participação do Estado no desenvolvimento industrial. Na outra posição estavam os partidários de que o segundo ciclo de nossa industrialização devia ser comandado exclusivamente pela iniciativa privada brasileira, associada a capitais estrangeiros.

Embora não fosse frontalmente contrário aos investimentos internacionais, Getúlio era identificado à corrente nacionalista. Foi justamente com base nos segmentos do Exército filiados a essa tendência que ele consegue apaziguar temporariamente os quartéis. No entanto, a trégua não dura muito. Dentre o grupo identificado ao segundo modelo de desenvolvimento industrial, havia uma parcela importante da elite civil, reunida em torno da UDN. De certa maneira, a fragilidade eleitoral desse grupo era compensada pelo prestígio que contava junto a importantes segmentos das forças armadas.

As circunstâncias políticas internacionais em grande parte favorecem a UDN. Conforme mencionamos anteriormente, durante a Segunda Guerra Mundial, na luta contra o nazifascismo, Estados Unidos e União Soviética se aproximam. A postura anticomunista por parte dos governos capitalistas declina. No Brasil, legaliza-se o PCB, ainda que por um curto período. No entanto, após a guerra, a posição norte-americana sofre uma inflexão: o comunismo torna-se a principal ameaça. Razões para isso? Por volta de 1950, o sistema comunista havia deixado de ser uma experiência isolada, sendo agora compartilhado por um número crescente de países do Leste Europeu, tais como Iugoslávia (1945), Bulgária (1946), Polônia (1947), Checoslováquia (1948), Hungria (1949) e República Democrática Alemã (1949); assim como asiáticos, Vietnã do Norte (1945), Coreia do Norte (1948) e China (1949).

O quadro mundial torna-se ainda mais delicado em razão do desenvolvimento de armas atômicas. Em 1945, os Estados Unidos, nos ataques a Hiroshima e Nagasaki, demonstraram as consequências desse poderio. Quatro anos mais tarde, foi a vez de a União Soviética revelar ao mundo seu arsenal atômico em testes no deserto do Cazaquistão. Em um contexto como esse, um confronto entre Estados Unidos e União Soviética colocaria em risco a sobrevivência do planeta. Essa situação leva à transferência dos conflitos para os países subordinados a cada uma dessas potências. Como seria de esperar, a nova política internacional concede pouca autonomia às áreas de influência; atitude que implica ver nas políticas nacionalistas ora uma guinada rumo ao capitalismo – no caso do bloco soviético –, ora um passo em direção ao comunismo – no caso do bloco norte-americano.

No início dos anos 1950, parte do Exército brasileiro e a União Democrática Nacional, que chegou a contar com um pequeno agrupamento de socialistas, depois estabelecido em partido próprio, transitam para posturas cada vez mais afinadas com o anticomunismo. Acusa-se Getúlio de tramar novos golpes, agora com base nos setores nacionalistas e sindicais.

Dessa forma, a Guerra Fria, que inicialmente contribui para o retorno do ex-ditador, visto como uma forma de contrabalançar a influência dos comunistas, torna-se um elemento desfavorável a sua continuidade no poder. Ciente dessa fragilidade, Vargas procura cooptar os opositores. No Exército, promove hierarquicamente, a partir de 1952, grupos antinacionalistas, e o mesmo é feito em relação aos políticos da UDN, a quem são oferecidas pastas ministeriais. A tentativa de cooptação estende-se aos comunistas: em 1952, deixa de ser obrigatória a apresentação de atestado ideológico – fornecido pela polícia – aos dirigentes sindicais.

Paralelamente a isso, é aprofundada a política econômica nacionalista, por intermédio de leis de grande impacto na opinião pública, como aquelas referentes à limitação de remessas de lucros de empresas estrangeiras ou à criação da Petrobras, que passa a deter o monopólio da exploração do petróleo brasileiro. A ousadia do presidente não para e, em 1953, Getúlio procura reforçar sua base popular indicando um jovem político com amplo apoio sindical para ocupar o cargo de ministro do Trabalho. Seu nome: João Goulart.

O novo líder trabalhista não esconde a opção política, atendendo reivindicações de reajustamento do salário-mínimo, aumentando-o em 100%. A crise se instala e o Exército, uma vez mais, é o porta-voz do descontentamento das elites. Em fevereiro de 1954, vem a público o Manifesto dos coronéis. O texto é um exemplo do radicalismo comum ao período da guerra fria. Queixando-se de que o aumento não era extensivo às forças armadas, os oficiais aproveitam a ocasião para denunciar a ameaça da “república sindicalista”, assim como a “infiltração de perniciosas ideologias antidemocráticas”, ou então para alertar a respeito do “comunismo solerte sempre à espreita...” pronto a dominar o Brasil.

Em vez de cooptar as elites, Getúlio consegue assustá-las.

Diante da crise, Vargas afasta João Goulart do cargo, mas mantém o aumento do salário-mínimo. A UDN, por meio de seu mais radical líder, Carlos Lacerda, multiplica as acusações de corrupção, de nepotismo e de uso de dinheiro público para promover jornais favoráveis ao governo. Por outro lado, as articulações políticas “acima dos partidos” acabam por afastar os aliados tradicionais. Em junho de 1954, o Congresso vota o impeachment de Getúlio Vargas. O pedido é rejeitado; mantêm-se, entretanto, fortíssimas pressões pela renúncia. Em agosto, um atentado a Carlos Lacerda, no qual estavam envolvidos elementos próximos a Vargas, sela definitivamente o destino do presidente. Um novo golpe militar é posto em marcha, mas acaba não dando certo. Vejamos por quê.

Nas forças armadas, paralelamente aos nacionalistas e antinacionalistas, havia aqueles dispostos a garantir que a Constituição fosse respeitada. Alguns autores definem esse segmento como “legalista”. A suspeita de que o presidente estava tramando um novo golpe levou os antinacionalistas a conseguirem apoio dos legalistas. É nesse contexto que se interpreta o suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido em 24 de agosto de 1954: um derradeiro gesto político, através do qual ele consegue sensibilizar as massas populares, ao mesmo tempo em que esvazia a aliança golpista no interior das forças armadas.

Dessa vez, o presidente acerta: os levantes populares após o suicídio inviabilizam a ação militar. No período que se estende até 1955 são preparadas novas eleições presidenciais; a UDN busca um candidato militar, na figura do general Juarez Távora, e o PTB, por sua vez, procura se aproximar do PSD, que tem como candidato Juscelino Kubitschek. Combatendo o salário-mínimo, o direito de greve e o ensino gratuito, os udenistas são novamente derrotados e Juscelino e o vice-presidente eleito, João Goulart, não encontram um ambiente político favorável. Em 11 de novembro de 1955, alegando a necessidade de maioria absoluta nas votações presidenciais, os quartéis voltam a dar sinais de descontentamento. Uma vez mais, a corrente militar antinacionalista procura o apoio dos legalistas, mas estes garantem a posse do novo presidente.

Como se pode perceber, após 1945, as intervenções militares no sistema político não são um fato isolado, mas sim uma prática rotineira, que se repetirá em 1961, alcançando em 1964 o sucesso esperado. Voltemos, porém, a Kubitschek. Ele representou uma ruptura? Ora, no melhor estilo do PSD mineiro, do qual ele era originário, a resposta é sim e não. Em outras palavras, o novo presidente procura conciliar bandeiras comuns aos nacionalistas e antinacionalistas. Promove os primeiros no Exército, aprofunda práticas de intervencionismo estatal, mas, ao mesmo tempo, abre a economia para os investimentos estrangeiros.

O novo governo, aliado do PTB, guarda traços populistas. No entanto, a política econômica representa uma alteração profunda em relação ao modelo precedente. Durante os dois governos Vargas, a prioridade do desenvolvimento nacional consiste no crescimento da indústria de base, produtora de aço ou de fontes de energia, como o petróleo e a eletricidade. Nesse primeiro modelo, a iniciativa estatal predomina e os recursos para o crescimento econômico advêm da agricultura de exportação. Pois bem, Juscelino Kubitschek altera essa forma de crescimento industrial, instituindo o que os historiadores economistas chamam de tripé: a associação de empresas privadas brasileiras com multinacionais e estatais, estas últimas responsáveis pela produção de energia e insumos industriais.

A diferença desse modelo em relação ao anterior reside no fato de os bens duráveis, como foi o caso da produção de automóveis por multinacionais, passarem a ser o principal setor do processo de industrialização. Graças ao investimento das empresas estrangeiras, a nova economia brasileira tornar-se-ia mais independente em relação às crises do setor agroexportador. No entanto, o modelo tripé tem consequências nefastas. Por dispor de fartos recursos, a produção das multinacionais podia crescer em ritmo mais acelerado do que a produção de base, implicando aumento das importações de insumos industriais, fator responsável pelo progressivo endividamento externo do Brasil. Mais ainda: para estimular a implantação dessas empresas, foi facilitada a remessa de lucros para as matrizes, o que implica o desvio de valiosos recursos da economia brasileira.

A curto prazo, porém, o modelo industrial de Juscelino foi um sucesso. A economia atinge taxas de crescimento de 7%, 8% e até 10% ao ano. Isso permite que um ambicioso Plano de Metas – popularmente conhecido como “50 anos em 5” – alcance um estrondoso sucesso. Rodovias são multiplicadas e o número de hidrelétricas cresce além do previsto, o mesmo ocorrendo com a indústria pesada. Na área de produção de alimentos, o presidente estimula uma tendência, existente desde os anos 1930, que consiste em ampliar a fronteira agrícola em direção a Goiás e Mato Grosso – o que, aliás, leva a novos extermínios de povos indígenas. Coroando essa política ambiciosa, a capital é transferida: no cerrado do Brasil Central, surge Brasília.

Diante de tais feitos, a própria UDN abandona provisoriamente o discurso anticomunista em prol de críticas à má gestão dos negócios públicos, à corrupção e à inflação que se intensifica no período. Apesar disso, respira-se certa tranquilidade política, pois o crescimento econômico também permite o aumento dos salários – que, em termos reais, no ano de 1959, atingem valores até hoje não ultrapassados –, reforçando o apoio dos trabalhadores ao PTB, base aliada do governo juscelinista.

Mas a calmaria não dura muito. Ao longo da redemocratização surgem vários partidos políticos que, na maior parte do tempo, não chegam a ameaçar o controle das três agremiações dominantes. Quase sempre de pouca duração, esses pequenos partidos às vezes tinham designações pitorescas, como União Social pelos Direitos do Homem, Partido Industrial Agrícola Democrático ou Partido Nacional Evolucionista, para mencionarmos apenas alguns exemplos. Vez por outra, porém, a fragmentação partidária permitia a ascensão de políticos não vinculados às organizações tradicionais. Um exemplo bem-sucedido dessa trajetória foi o de Jânio Quadros, eleito sucessivamente, a partir de 1947, vereador, deputado estadual, prefeito e governador pelo Partido Democrata Cristão.

O anticomunismo e a retórica moralista de Jânio em muito agradava aos udenistas. Misturando o discurso conservador com práticas populistas, Jânio consegue o impossível: ser de direita e conquistar o apoio das massas. Não é de se estranhar a aproximação da UDN, selando uma aliança para as eleições presidenciais de 1960. Do outro lado do espectro das forças políticas, reproduz-se a aliança PSD-PTB, com a indicação do general Lott, da ala nacionalista do Exército; pela segunda vez, também era candidato à presidência Ademar de Barros, líder populista paulista, concorrendo pelo Partido Social Progressista.

A vitória janista foi esmagadora: o candidato conseguiu 50% de votos a mais do que o general Lott, e mais que o dobro de Ademar de Barros. A UDN finalmente chega ao poder, mas trata-se de uma vitória ambígua. O novo presidente governa sem consultar a coligação de partidos que o elegeu e seu ministério inclui inimigos dos udenistas, assim como pessoas escolhidas pelo critério de amizade. No Exército, Jânio promove grupos antinacionalistas e, em relação ao Congresso, tem uma postura agressiva, declarando publicamente tratar-se de um “clube de ociosos”.

Visando combater os altos índices de inflação herdados do governo anterior, Jânio implementa uma política econômica austera. No plano internacional, desagrada à UDN, pois opta por uma política de não alinhamento aos Estados Unidos, valorizando acordos comerciais com países do bloco comunista. A política econômica coerente e a inovadora política diplomática convivem com medidas sem nenhuma importância, mas com grande repercussão nos meios de comunicação, como as proibições do uso de biquínis em desfile de misses, do hipnotismo em lugares públicos, de corridas de cavalos em dias de semana, de brigas de galo... Jânio também condecora Che Guevara, em uma aproximação com Cuba, talvez tentando repetir a política internacional ambígua de Getúlio Vargas, responsável por acordos vantajosos com os Estados Unidos.

Apesar do tom autoritário, quando não carnavalesco, de seu governo, o risco de instabilidade política parecia diminuir, a não ser por um importante detalhe: segundo a legislação da época, votava-se para vice-presidente separadamente do cabeça de chapa. Ora, na eleição de Jânio, João Goulart havia sido novamente eleito ao cargo. Após pouco mais de seis meses no governo, o presidente procura explorar a delicada situação renunciando.

Conforme o presidente, no livro História do povo brasileiro, seu objetivo era forçar uma intervenção militar: “primeiro, operar-se-ia a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório – visto que a João Goulart [...] não permitiriam as forças militares a posse, e, destarte, ficaria o país acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula, em consequência da qual ele mesmo emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro do novo regime institucional, ou bem, sem ele, as forças armadas se encarregariam de montar esse novo regime [...]”. O aprendiz de ditador fracassa devido à vacilação dos chefes militares. Instala-se, então, uma grave crise política, cujo desfecho tem uma data marcada: 31 de março de 1964.

Veja também:


Fonte / Referência bibliográfica:

  • Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. Cap. 29, pág. 191 a 197.

06 dezembro 2023

Bispos e Papas: (4) Evaristo

Bispo Evaristo

Por: Alcides Barbosa de Amorim


Bispo Evaristo [1]


Prosseguindo o estudo dos bispos romanos [2] – listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica [3] –, e dos papas, queremos destacar neste post a pessoa do bispo Evaristo.

Eusébio, em sua obra História Eclesiástica [4], afirma que “… no terceiro ano do reinado acima mencionado [Trajano], Clemente, bispo de Roma, confiou o encargo episcopal a Evaristo e partiu desta vida após superintender a pregação da palavra divina por nove anos”. O governo de Trajano durou de 98 a 117. “O terceiro ano de Trajano foi 100-101, mas Clemente deve ter morrido antes, Evaristo provavelmente assumiu em 99” [5], estando seu antecessor ainda vivo. Algumas fontes (p. ex., esta) afirmam que Clemente morreu em 101.

Sobre o bispo Evaristo não encontrei muitas informações em fontes protestantes. Algumas católicas, como esta, mais esta e esta outra, por exemplo, baseiam-se no Liber Pontificalis, um livro das biografias dos papas que vão “… de São Pedro, até o Papa Estêvão V do século XV…”, e afirmam que Evaristo era grego originário de Antioquia, sofreu o martírio, embora este último fato é muito contestado. Morreu morreu em 105, e segundo uma tradição muito antiga, Evaristo teria sido mártir da fé durante a perseguição imposta pelo imperador Trajano, e que depois seu corpo teria sido abandonado perto do túmulo do apóstolo Pedro. Mas esta fonte parece não ser precisa, assim como a data de sua morte.

Bem, por esta fonte, Evaristo foi papa de 96/99 até 105/106, portanto, liderou a Igreja em Roma durante parte do governo do imperador Trajano (de 98 a 117). O contexto religioso da época de Trajano era de certa trégua em relação, por exemplo às perseguições aos cristãos e judeus, o que contradiz, neste caso, a versão do martírio de Evaristo, sob este imperador. Tomás de Aquino, por exemplo, via “… Trajano como um exemplo de pagão virtuoso…” (Veja aqui). Traja no é considerado por muitos historiadores como o melhor imperador romano [6]. O próprio Eusébio de Cesareia, no capítulo XXXIII do livro 3, trata de como “Trajano impediu que se perseguisse os cristãos”. Ao receber de Plínio Segundo, uma carta relatando a grande perseguição dos cristãos sem nada fazerem de perversos, e o grande número de martírios, a “… resposta de Trajano foi promulgar um decreto do seguinte teor: que não se perseguisse a tribo dos cristãos, mas que se castigasse quem caísse. Graças a isto extinguiu-se parcialmente a perseguição…”. Mas, talvez até pela trégua às perseguições e momento de certa paz aos cristãos, obras ou feitos do bispo Evaristo não tenham alcançado muito destaque.

Em síntese, esta fonte informa que Evaristo foi papa de 97 a 105, enquanto esta diz que foi de 98 a 105, ano de sua morte.


Veja também:


Notas / Referências bibliográficas:

  • [3] Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Evaristo é o número 4 da lista...
  • [4] CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica: os primeiros quatro séculos da Igreja Cristã. Rio de Janeiro: CPAD, 1999, Livro 3, Capítulo XXXIV.




25 novembro 2023

Trabalhadores do Brasil

Trabalhadores do Brasil

Por Mary Del Priori & Renato Venancio



A permanência de Getúlio Vargas no poder não teria sido possível sem o extraordinário sucesso econômico alcançado durante seu primeiro governo. Para se ter noção do significado profundo desta afirmação, basta mencionar que, por volta de 1945, nossa industrialização finalizava seu primeiro grande ciclo. Em outras palavras, pela primeira vez, a produção fabril brasileira ultrapassa a agrícola como principal atividade da economia. Nesse período também assistimos ao surgimento da indústria de base, ou seja, aquela dedicada à produção de máquinas e ferramentas pesadas, à siderurgia e metalurgia e à indústria química.

Surpreendentemente, essas transformações ocorreram em uma conjuntura internacional adversa. É bom lembrar que a crise de 1929 e a depressão econômica que a seguiu fizeram que, durante a primeira metade da década de 1930, os preços internacionais do café diminuíssem pela metade. Mesmo assim, a economia brasileira apresentou, entre 1930 e 1945, taxas de crescimento próximas a 5% ao ano. Contudo, esse desenvolvimento não ocorre de maneira equilibrada: a atividade industrial apresenta taxas de crescimento anual de três a sete vezes mais elevadas do que a agricultura. Esta, além de sofrer diminuição pela metade em relação aos anos 1920, registra uma forte tendência à estagnação.

A industrialização acelerada teve efeitos não só econômicos, mas também políticos e sociais. Como é sabido, a fábrica tem na cidade seu espaço privilegiado e, por isso, a Era Vargas – incluindo aí seu segundo governo, entre 1950 e 1954 – é caracterizada como uma época de intensa urbanização. Em 1920, por exemplo, apenas dois em cada dez brasileiros residiam em cidades; vinte anos mais tarde essa mesma relação era de três para dez; na década de 1940, tal proporção tornara-se equilibrada: quatro em cada dez brasileiros moravam em áreas urbanas. A formação de novas cidades e o crescimento das já existentes estimulavam, por sua vez, a multiplicação de trabalhadores não vinculados às tradicionais atividades agrícolas e de industriais que não eram fazendeiros, como Roberto Simonsen, fundador do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo – embrião da Fiesp. Tipo raro nos anos 1920, mas que se torna cada vez mais frequente na década seguinte.

Getúlio Vargas, na esperança de se contrapor ao poder oligárquico, valoriza a aliança com os grupos urbanos e, paralelamente, mantém sua aproximação com o Exército. Para cada segmento específico é traçada uma estratégia política. No caso dos trabalhadores urbanos, em 1930 cria-se o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Dois anos mais tarde, Vargas adota mudanças na legislação favoráveis ao operariado: estabelece, por exemplo, a jornada de oito horas na indústria e no comércio. Tais concessões têm preço elevado, já que, no mesmo ano em que é atendida uma reivindicação defendida pelo movimento operário desde fins do século XIX, se estabelecem os primeiros traços do sindicalismo corporativo. Segundo a nova determinação legal, sindicatos de patrões e operários, divididos por categorias profissionais, ficam sujeitos às federações e confederações que, por sua vez, se subordinam ao Ministério do Trabalho. Ao longo de seu primeiro governo, Vargas diminui cada vez mais a possibilidade de existência de sindicatos não vinculados a esse modelo, até que, em 1939, dois anos após a decretação do Estado Novo, determina a existência de um único sindicato por categoria profissional.

Tal mudança é acompanhada pela criação do imposto sindical, através do qual é descontado anualmente um dia de trabalho da folha de pagamento dos operários, encaminhado para financiar a estrutura sindical. O ditador generalizava, dessa forma, o modelo corporativo para o conjunto das entidades representativas dos trabalhadores. De instrumentos de luta, os sindicatos dos anos 1940 passam à condição de agentes promotores da harmonia social e instituições prestadoras de serviços assistenciais.

Com certeza, os líderes sindicais formados na antiga tradição anarquista veem criticamente essas mudanças, encarando-as como uma maneira de cooptação e de manipulação dos interesses da classe trabalhadora. No entanto, entre a massa operária, a postura parece ser outra. Para muitos, familiarizados com as associações mutualistas, Getúlio Vargas atendia a certas expectativas, como no caso da generalização dos institutos de previdência, garantindo aos trabalhadores o direito à aposentadoria. Além disso, através da legislação que acompanha a implantação dos sindicatos corporativos, Vargas consegue sensibilizar inúmeros militantes oriundos das lutas socialistas. A Consolidação das Leis Trabalhistas [CLT], firmada em 1943, viabiliza isso. Nela determina-se que, a partir de então, o trabalhador dispensado deveria ser indenizado, a mulher operária teria direito a serviços de amparo à maternidade, assim como se restringe a exploração do trabalho infantil. Isso para não mencionar a criação de uma justiça do trabalho, com o intuito de intermediar os conflitos entre patrões e empregados. Getúlio Vargas, dessa maneira, surge aos olhos de muitos como um protetor, como aquele que criara, via Ministério do Trabalho, uma espécie de mutualismo sindicalista em escala nacional.

Os empresários também viram parte de suas expectativas atendidas. Conforme já mencionamos, o grupo mais poderoso deles, sediado em São Paulo, não havia apoiado a Aliança Liberal. Durante a Revolução Constitucionalista, uma vez mais, as associações empresariais paulistas demonstraram seu descontentamento diante da tendência centralizadora do governo provisório. Situação bem diferente foi registrada em 1937, quando então as principais lideranças industriais paulistas não se opuseram à implantação do Estado Novo. Por trás dessa atitude, com certeza, havia o medo em relação ao que se chamava na época de ameaça comunista, e também o reconhecimento dos sucessos econômicos alcançados.

Getúlio Vargas em muito se diferencia dos presidentes da República Velha. Exemplos de planejamentos bem-sucedidos não faltam. Em certas ocasiões, o ditador aproveita-se da tensa situação internacional do período anterior à Segunda Guerra Mundial para conseguir vantagens. Oscilando entre o apoio aos países liberais e aos do eixo nazifascista, o governo brasileiro consegue recursos norte-americanos para instalação, em 1941, da Companhia Siderúrgica Nacional, cujos efeitos na área industrial foram extremamente benéficos. Getúlio também foi hábil em descobrir e integrar a seu projeto político-econômico intelectuais descontentes e reformistas. Tais grupos originavam-se de instituições tecnológicas, como a Escola de Minas de Ouro Preto, ou eram fruto de ramificações do Modernismo dos anos 1920. Conforme é sabido, esse movimento deu origem a tendências que valorizavam a análise científica, proporcionada pelas nascentes ciências sociais, como uma forma de melhor conhecer e explicar o funcionamento de nossa sociedade. Graças a isso, assistimos – em uma sociedade que praticamente dispunha apenas de cursos superiores de medicina, direito e engenharia – ao surgimento de uma geração de sociólogos, economistas e administradores. Esses intelectuais, uma vez cooptados pelo aparelho burocrático getulista, são responsáveis pelos primeiros projetos de planejamento estatal na área econômica. Graças a esse planejamento, empresas estatais passam a ocupar espaços estratégicos na produção de energia e matérias-primas.

Em relação à área econômica mais desenvolvida do país, a política getulista foi generosa. No início da década de 1930, é retomada a política de valorização do café, abandonada repentinamente por Washington Luís. Graças à manutenção do elevado nível de renda local, coube a São Paulo liderar o processo de formação do mercado nacional voltado para a substituição das importações. Paralelamente a isso, o governo garante, por meio da política fiscal e cambial, a transferência de renda para o setor industrial. A importância do empresário paulista cresce a olhos vistos: nos anos 1940 eles passam a responder por metade da produção fabril brasileira, o que significava um aumento de 50% em relação aos índices registrados em 1920. Não foi somente na economia que a intervenção estatal getulista se notabiliza. Em certas áreas registram-se, igualmente, mudanças profundas. Este foi o caso da educação. Durante a gestão de Gustavo Capanema – ministro da Educação e da Saúde entre 1934 e 1945, que congrega intelectuais do porte de Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e Heitor Villa-Lobos –, são planejadas e implementadas importantes alterações, como a ampliação de vagas e a unificação dos conteúdos das disciplinas no ensino secundário e no universitário. Isso para não mencionar a criação do ensino profissional, consubstanciado em instituições como Senai, Senac e Sesc.

A aproximação de Getúlio com o que havia de mais moderno na época – inclusive no sentido autoritário dessa modernidade – se expressa através da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Voltado para a propaganda política através dos novos meios de comunicação, como o rádio e o cinema, o DIP foi responsável pela organização de rituais totalitários de culto à personalidade do ditador. Essa instituição também submete a cultura popular à censura, conforme ficou registrado nas alterações impostas às letras de sambas. Exemplo disto é a conhecida modificação – exigida pelos agentes do DIP – do texto da música Bonde de São Januário, composta em 1940 por Ataulfo Alves e Wilson Batista. Na letra original do samba, o refrão era “O Bonde de São Januário/ leva mais um otário/ que vai indo trabalhar”; após a interferência do DIP, o texto passou a ser “O Bonde de São Januário/ leva mais um operário/ sou eu que vou trabalhar”.

Como seria de esperar, Getúlio esteve longe de agradar a todos os segmentos da elite dominante. Os setores agrários acusam a indústria de desviar braços do campo, ao mesmo tempo em que percebem estar financiando as importações de insumos fabris e investimentos do Estado na infraestrutura industrial. Mesmo entre os empresários, o fundador do Estado Novo esteve longe de ter unanimidade. A legislação trabalhista onera a atividade industrial, reduzindo o ritmo de acumulação nesse setor. Além disso, a política econômica agressiva tem efeitos regionais nefastos, implicando o declínio de estados que não conseguem acompanhar o ritmo competitivo do crescimento. Assim, é bastante revelador o fato de que, na década de 1940, enquanto São Paulo controla quase metade da produção industrial, a participação do Rio de Janeiro diminui pela metade. O mesmo ocorre nas regiões nordestinas, onde se registra, no referido período, uma diminuição de 40% na atividade industrial. No Rio Grande do Sul, a queda nesse setor é de 20%.

Não é de estranhar, portanto, que ao longo do Estado Novo se multiplicassem as vozes descontentes com o rumo tomado pelo governo. Contudo, a legislação que acompanhou o golpe facultava à oposição uma alternativa de poder, pois a ditadura instalada em 1937, curiosamente, tinha data marcada para acabar. Segundo a Constituição outorgada, previa-se para 1943 a realização de um plebiscito em que o regime seria posto à prova nas urnas. Em 1942, a decretação do estado de guerra – ou seja, de preparação do Brasil para lutar na Europa contra o nazifascismo – permite a transferência dessa consulta para o período imediatamente posterior ao término dos conflitos.

Em 1941, começam as primeiras articulações para garantir a transição política, e o próprio ditador esboça um partido nacional. Dois anos mais tarde, o descontentamento das elites marginalizadas pelo Estado Novo veio a público pelo Manifesto dos Mineiros. Nesse texto, amplamente divulgado de norte a sul do país, políticos de renome nacional, como Afonso Arinos, Bilac Pinto, Milton Campos e Magalhães Pinto, criticavam o caráter autoritário do governo. Ao mesmo tempo, manifestando uma nostalgia pelo regionalismo, que tanto caracterizou o sistema de poder da República Velha, acusam Getúlio de “espoliação do poder político de Minas Gerais”. Em 1944, a estrutura partidária que comandaria a transição já estava constituída. Como exemplo dessa confluência de poder, é registrada a aproximação de José Américo de Almeida e Armando de Salles Oliveira, políticos que desde 1937 haviam conseguido arregimentar as oligarquias descontentes, embora concorrentes entre si. Eles e as elites dissidentes, que desde a Revolução de 30 haviam sido marginalizadas, agrupam-se na União Democrática Nacional (UDN). Paralelamente a essa oposição, Vargas promove a reunião dos interventores no Partido Social Democrático (PSD). Enquanto isso, as estruturas sindical e previdenciária por ele criadas servem de base para a formação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Tais organizações, que estavam se esboçando em 1944, são legalizadas no ano seguinte. A UDN lança candidato próprio às eleições previstas para 1946, o mesmo ocorrendo com o PSD, mas a posição do PTB é outra. Não lança candidato, mas defende a convocação de uma Assembleia Constituinte ainda no governo de Getúlio, que seria por isso prolongado um pouco mais. Tal movimento ganhou as ruas – sendo popularmente denominado na época como “queremismo”, ou seja, “queremos Getúlio” – e conta com o apoio do PCB. Esse apoio é, aparentemente, surpreendente. Como vimos, Vargas foi responsável por uma feroz repressão aos comunistas. No entanto, é necessário lembrar que foi no seu governo que o Brasil entra em guerra contra o nazifascismo, em uma aliança da qual participou a União Soviética e, no final de sua gestão, também houve a anistia e a legalização do PCB. Mais ainda: para os comunistas, os inimigos políticos de Vargas reunidos na UDN representavam o que havia de mais atrasado na sociedade brasileira.

Além de mobilizar as massas urbanas, o ditador começa a fazer modificações no comando da polícia do Distrito Federal. Crescem suspeitas de que as eleições seriam manipuladas em prol da continuidade do governo. Há muito, porém, as elites dissidentes e opositoras se precaviam contra essa possibilidade. Não por acaso, tanto a UDN quanto o PSD escolheram candidatos à presidência nas fileiras militares: no primeiro caso trata-se do brigadeiro Eduardo Gomes e, no segundo, do general Eurico Gaspar Dutra.

Em 1945, as forças armadas, embora tivessem enviado “apenas” 23.344 soldados para a Segunda Guerra Mundial, aproveitam a justificativa do conflito internacional para formar um contingente interno de 171.300 homens. Para se ter uma clara noção do que representa esse número, basta mencionar que ele é quatro vezes maior do que o de 1930 e o dobro do que foi necessário para o golpe de 1937. Getúlio experimenta o amargo sabor de uma intervenção militar feita por uma instituição que ele havia ajudado a crescer. Em 29 de outubro de 1945, sob pressão do Exército, o criador do Estado Novo deixa o poder. Sem candidato próprio, o PTB apoia Dutra, que, não por acaso, consegue vencer as eleições presidenciais, enquanto Getúlio, eleito para o Senado, quase não participa da Constituinte. O ditador ruma para um exílio interno em São Borja, no Rio Grande do Sul, de onde retornará – segundo ele próprio definiu – “nos braços do povo” para um novo mandato presidencial. Panfletos da época revelam o estranho equilíbrio de forças que se tenta construir. Num deles divulgava-se a seguinte “oração”: “Protetor nosso que estais em São Borja, honrado seja o vosso nome; venha a nós a nossa proteção, seja feita a vossa vontade, assim no Sul como no Norte; os direitos nossos de cada dia nos dai hoje; e perdoai-nos as nossas imprudências, assim como nós perdoamos aos nossos perseguidores; e não nos deixeis cair no comunismo, mas livrai-nos do capitalismo. Amém”. Como veremos a seguir [In: Tentações militares e outras tentações], a ambiguidade do projeto político de Getúlio contribui para que se compreenda seu retorno ao poder, assim como seu trágico desfecho.


Veja também:


Fonte / Referência bibliográfica:

  • DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. Cap. 28, pág. 185 a 190.

19 novembro 2023

Bispos e Papas (3): Clemente de Roma

Bispos e Papas (3): Clemente de Roma

Por: Alcides Amorim

Clemente de Roma [1]

Prosseguindo o estudo dos bispos [2] romanos listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica [3], e dos papas, queremos destacar neste post a pessoa do bispo Clemente, também chamado de Clemente I e de Clemente de Roma.

O nome de Clemente aparece na Bíblia (Fp 4.3) como um dos cooperadores de Paulo, “… cujos nomes estão no livro da vida”. Eusébio [4] apresenta-o como sucessor de Anacleto. Afirma ainda sobre uma Epístola de Clemente que ainda sobrevivia em sua época (século IV), uma epístola genuína que foi escrita de Roma à igreja de Corinto. Ao que parece, a Carta de Clemente serviu como base e orientação para o enfrentamento do gnosticismo [5]  e do marcionismo [6], heresias danosas à nascente Igreja Cristã. Quem muito usufruiu do conteúdo da Carta de Clemente, ao que Eusébio nos faz crer, foi Hegésipo, um judeu-cristão, cronista e muito atuante na defesa da fé cristã no início do século II. Por ter convivido e ter sido cooperador do apóstolo Paulo, o Bispo Clemente é conhecido como um dos pais apostólicos [7], mas não deve ser confundido com Clemente de Alexandria, um dos Mestres da Igreja, que viveu no final do século II e início do século III. O Pastor de Hermas possivelmente conhecia Bispo Clemente e, portanto, estava familiarizado com a igreja de Roma. Fontes católicas, por exemplo, o site da Editora Paulus, afirmam que a Carta do “Papa” Clemente a Corinto foi o “… primeiro documento papal (protótipo de todas as cartas encíclicas que seriam escritas no decurso dos séculos) afirma a autoridade do sucessor de são Pedro, bispo de Roma, sobre outras igrejas de origem apostólica. A carta, escrita entre os anos de 93 e 97, enquanto estava ainda com vida o apóstolo são João, é dirigida à Igreja de Corinto, dividida por um cisma interno, porque um grupo de fiéis contestava a autoridade dos presbíteros.”

Segundo o site acima o “Papa” Clemente exerceu seu pontificado entre ano 88 ao 97 [8]. E este foi o Papa Clemente I, por terem tidos vários outros Clementes que também foram bispos ou papas.

O contexto político da época do Bispo Clemente foi de muita opressão dos romanos aos judeus e cristãos. Acompanhou certamente, antes de ser bispo, a destruição de Jerusalém (ano 70), a segunda perseguição aos cristãos no governo de Domiciano etc. Foi preso na época de Trajano e por isso, preocupado com a liderança espiritual dos cristãos, renunciou o seu pontificado em favor do Bispo Evaristo, do qual falaremos num outro post.

O que a Wikipédia informa sobre a morte de Clemente é que por ele converter muitos presos ao Cristianismo, foi, por isso, no ano 100, “… atirado ao mar com uma pedra amarrada ao pescoço… Seu corpo foi recuperado das águas e sepultado em Quersoneso, na Crimeia, de onde, mais tarde, por ordem de Nicolau I, seu corpo foi levado a Roma” (Idem). O site Franciscanos afirma que sua morte se deu em 23 de novembro do ano 101 e que seu corpo foi levado para Roma no ano 869.

Veja também:

Para saber mais do Bispo Clemente, sugiro o vídeo Clemente de Roma, do Professor Rogério de Sousa. Atente, também para as Notas abaixo



Notas / Referências bibliográficas:

  • [3] Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Clemente é o número 3 da lista...

  • [4] CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica: os primeiros quatro séculos da Igreja Cristã. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

  • [5] Gnosticismo: “Influenciado por filósofos como Platão, o Gnosticismo é baseado em duas premissas falsas. Primeiro, essa teoria sustenta um dualismo em relação ao espírito e à matéria. Os gnósticos acreditam que a matéria seja essencialmente perversa e que o espírito seja bom. Como resultado dessa pressuposição, os gnósticos acreditam que qualquer coisa feita no corpo, até mesmo o pior dos pecados, não tem valor algum porque a vida verdadeira existe no reino espiritual apenas. Segundo, os gnósticos acreditam que possuem um conhecimento elevado, uma ‘verdade superior’, conhecida apenas por poucos. O Gnosticismo se origina da palavra grega gnosis, a qual significa ‘saber’, pois os gnósticos acreditam que possuem um conhecimento mais elevado, não da Bíblia, mas um conhecimento adquirido por algum plano místico e superior de existência. Os gnósticos se enxergam como uma classe privilegiada e mais elevada sobre todas as outras devido ao seu conhecimento superior e mais profundo de Deus….”. In: <Gnosticismo Cristão? | GotQuestions>. Acesso em: 17/11/2023.

  • [6] Marcionismo: doutrina pregada por Márciom (ou Marcião), que “… combinando elementos contrários ao mundo material e ao judaísmo”. Márciom pensava que este mundo era mau, e que seu criador devia ser um deus, se não mau, pelo menos ignorante. Em lugar de inventar toda uma série de seres espirituais, ao estilo dos gnósticos, o que Márcio propôs era muito mais simples. Segundo ele, o Deus do novo Testamento e Pai de Jesus Cristo não é o mesmo Jeová do Antigo Testamento. Há um Deus supremo, que é o Pai de Jesus Cristo, e um ser inferior, que é Jeová. Foi Jeová que fez este mundo... Mas Jeová, seja por ignorância ou por maldade, fez este mundo, e nele colocou a humanidade... Jeová é um deus ciumento e arbitrário, que escolhe um povo acima dos demais, e que está constantemente conferindo a conta de quem o desobedece para tomar vingança…” In: <O depósito da fé: cânon, sucessão apostólica, tradição e outras considerações>. Acesso em: 17/11/2023.

  • [7] Pais apostólicos: “Os Padres Apostólicos eram um grupo de líderes e autores cristãos primitivos que viveram logo após os apóstolos. Seus escritos são tipicamente datados entre 80-180 d.C. Acredita-se que a maioria dos Padres Apostólicos conheceu os apóstolos pessoalmente ou estava ligada a eles de alguma forma… Clemente foi provavelmente o segundo, terceiro ou quarto bispo de Roma, e pode ter conhecido alguns dos apóstolos. Hermas possivelmente conhecia Clemente e, portanto, estava familiarizado com a igreja de Roma”. In: <Padres Apostólicos… GotQuestions>. Acesso em: 17/11/2023.



13 novembro 2023

A Primeira Guerra Mundial e o Cristianismo

A Primeira Guerra Mundial e o Cristianismo

Por Alcides Barbosa de Amorim




Sobre a Primeira Guerra Mundial já destacamos seus aspectos políticos, sociais e econômicos. Neste post, queremos destacar a relação entre os cristãos e a guerra, além de suas posições frente ao conflito e seu contexto, e a pessoa de Karl Barth, um dos ícones do protestantismo na época.

Primeiramente, queremos destacar brevemente a posição católica. Na época, entre 1914 e 1922), o papa era o italiano Giacomo della Chiesa, que se tornou Bento XV (ou Benedito XV), o qual conviveu com a efervescência política italiana anticatólica e anticlerical desde os tempos de faculdade. No entanto, em relação à Primeira Grande Guerra, Bento XV “… fez um discurso sobre a posição da Igreja e os seus deveres, enfatizando a necessidade de ter uma postura neutral e promover a paz e acudir aos deslocados e feridos. Fez diversas tentativas, infrutíferas, para negociar a paz, tendo o Vaticano sido excluído das negociações de paz no final da guerra…” [2] Obviamente, a proposta de paz do papa Bento XV não teve êxito porque os beligerantes não quiseram. Ideias e propostas da igreja não lhes eram bem-vindas.

Por outro lado, teólogos protestantes como o arcebispo luterano sueco Nathan Söderblom (1866-1931), o teólogo liberal e historiador alemão Adolf_von_Harnack (1851-1930) e principalmente o teólogo reformado suíço, considerado o maior teólogo do século XX, Karl_Barth (1886-1968), também apelaram para a obtenção da paz através da comunhão cristã. Estes também cumpriram sua tarefa de oferecer respostas cristãs para o mundo da época, embora não foram ouvidos pelos interessados em fazer a guerra, tanto que não demorou muito para aparecer outra, a segunda grande guerra, também com proporções mundiais. Na capa do seu livro A Era Inconclusa, Volume 10, o historiador cristão Justo L. González afirma: “A ciência multiplicou-se como nunca, e o século XX assistiu a duas guerras mundiais. A Igreja cresceu e buscou dar respostas aos desafios”. Segundo ele, as convulsões sociopolíticas da primeira metade do século XX da Europa [2], berço de grande parte da filosofia no século XIX, sonhara com uma nova era para a humanidade e buscava conseguir liderar o bem do mundo no século seguinte (XX). E nesta onda ilusória o protestantismo europeu estivera bem mais envolvido do que o catolicismo. Assim, “… quando as duas guerras mundiais e seus desdobramentos desmentiram os sonhos do século XIX, o liberalismo protestante sofreu um abalo profundo” (Idem, pág. 65).

O mundo da época, principalmente a Europa, precisava de uma resposta teológica. E a mais significativa ao meu ver foi a obra de Karl Barth, o livro A carta aos romanos, publicado em 1919. Nesta obra, Barth insiste na necessidade do retorno à exegese fiel e reage contra o subjetivismo religioso que aprendera com muitos de seus professores. O Liberalismo do século XIX tão ensinado, crido e aceito por Barth, enfatizava o progresso do homem e a reforma do mundo. Mas, como questiona também este site cristão [3], “… se esse homem era tão avançado, por que promoveu uma guerra mundial? Se suas descobertas na tecnologia e na ciência eram tão eficazes, por que apontou suas armas para seus semelhantes?” O otimismo nos rumos da ciência, seus avanços e possibilidades fez muitos acreditarem num “paraíso na terra”, enquanto questionavam os elementos sobrenaturais da Bíblia, seus milagres e o plano de redenção. Por isso, no aspecto espiritual, Karl Barth encontrou sentido para sua vida e sociedade na Epístola aos Romanos. Sua obra foi chamada “uma granada no terreno da teologia liberal”, ao mostrar o Deus soberano e transcendente ali descrito. Deus precisava se revelar ao homem, e ele faz isso por intermédio de Jesus Cristo. A reafirmação de doutrina por Barth e as discussões que se seguiram tornaram-se a base da neo-ortodoxia protestante.

Bem, num “… mundo que enfrentou duas enormes guerras, as ideias de Barth levaram uma igreja indecisa de volta aos temas do pecado e da soberania de Deus…” (Idem), mas não ofereceu a resposta completa ao mundo de então. Um exemplo disto é que “… ele não aceitava a infalibilidade ou a inerrância das Escrituras” (Idem), tema tão caro para os conservadores que defendem a chamado Sola Scriptura. Mas o melhor de sua mensagem é que numa época em que muitos haviam se voltado para o mundo em busca de esperança, ele pedia que todos olhassem para Cristo.

Enquanto escrevo isto, estou presenciando o mundo quase todo contra Israel e em vias de uma possível terceira guerra mundial, mas o Cristo – o Messias judeu e Salvador do homem pecador – pregado por Barth e outros líderes cristãos, continua sendo a resposta para o mundo. Este, cuja filosofia ou cosmovisão contrasta com a do reino de Deus.

Sugiro, para finalizar, o vídeo a seguir, de Moisés Brasil Maciel, que destaca a pessoa de Karl Barth, como um dos ícones da fé protestante não só durante a primeira, como também durante a segunda grande guerra.




Notas / Referências bibliográficas:

  • [2] GONZÁLEZ, Justo L. E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo: a era inconclusa – Vol. 10. São Paulo: Vida Nova, 1995, pág. 065 a 080. In: <O Protestantismo na Europa>. Acesso em: 07/11/2023.

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