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16 agosto 2024

Da guerrilha à abertura

Por
DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato


O governo nascido do golpe de 1964 foi definido certa vez como o “Estado Novo da UDN”. Essa definição tem sua razão de ser. Durante duas décadas, políticos udenistas – representantes de parcelas importantes das elites empresariais e agrárias – dificilmente chegam a conseguir apoio de mais de 30% do eleitorado brasileiro. Entretanto, através da ditadura militar, puderam implementar várias de suas propostas em matéria de política econômica, como a diminuição do valor real dos salários e a ampla abertura da economia aos investimentos estrangeiros.

A aliança entre udenistas e militares tem ainda outras repercussões. Apesar de oportunistas e golpistas, os partidários da UDN são admiradores de democracias liberais. Tal posicionamento impede a adoção de um modelo fascista no Brasil. Mesmo nos momentos de maior intolerância, a ditadura militar, por meio da rotatividade dos presidentes, evita o caudilhismo, não deixando também de reconhecer a legalidade da oposição parlamentar. A extinção dos partidos tradicionais, em 1965, é acompanhada da criação de duas novas agremiações: Arena (Aliança Renovadora Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Este último representa boa parte dos grupos que lutam pelo retorno à normalidade democrática.

A direção central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), logo após o Golpe Militar, dá início à autocrítica diante do esquerdismo e condena a resistência armada. Todavia, tal postura não foi unânime, fazendo com que dirigentes abandonassem o partido, como nos casos de Carlos Marighella (indo para a Aliança Nacional Libertadora – ANL) e Apolônio de Carvalho (indo para o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário – PCBR). Critica-se, então, o que se denominava etapismo, uma estratégia que prega a revolução por etapas, cabendo ao PCB apoiar a burguesia no processo de constituição de uma sociedade liberal, antifeudal e anti-imperialista, deixando para um futuro distante a luta pela implantação do socialismo. Para os dissidentes, a estratégia do PCB facilitava a implantação da ditadura, pois subordinava o movimento operário aos acordos de cúpula com as lideranças populistas. Avalia-se que a burguesia depende de sua associação com a agricultura de exportação e com o capitalismo internacional, não havendo por parte do empresariado qualquer inclinação pela ruptura com as classes dominantes. O populismo radical de Goulart representa, quando muito, aspirações de segmentos minoritários e mais atrasados da burguesia nacional.

A ausência de resistência ao Golpe Militar faz esse tipo de interpretação ganhar adeptos. Entre 1965 e 1967, amplia-se o número de dissidências atingindo até organizações formadas anos antes. Várias delas tinham raízes internacionais e não eram um fenômeno particularmente novo. No Brasil, desde os anos 1930, movimentos trotskistas dão origem a partidos rivais do PCB, como a Liga Comunista Internacionalista ou o Partido Operário Leninista. Com o surgimento de novos países comunistas, que, às vezes, não aceitam as mudanças de rumo da política soviética, as dissidências proliferam. No início dos anos 1960, além do PCB e do Partido Operário Revolucionário Trotskista (PORT), havia o Partido Comunista do Brasil (PC do B) – primeiro de inspiração chinesa e depois albanesa –, a Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (Polop) e, por fim, a Ação Popular (AP), moderada, pelo menos em sua fase inicial, e vinculada ao que veio a ser conhecido como catolicismo progressista.

Nesses grupos nascem propostas de luta armada. Há, sem dúvida, inúmeros matizes entre uma tendência política e outra. No entanto, a perspectiva de uma revolução iminente parece ser um traço comum às diversas siglas. Paradoxalmente, esse engajamento radical mantém vínculos com algumas ideias do desprezado PCB e do nacionalismo desenvolvimentista. Generaliza-se, por exemplo, a noção de que o capitalismo brasileiro entrara em uma fase de estagnação. A não realização das reformas de base é responsável por isso. Acreditava-se que as classes dominantes dependiam de um governo ditatorial para continuar existindo, sendo em vão a luta pelo retorno à democracia.

A novidade do período é que os grupos revolucionários recém-formados recrutam militantes predominantemente na classe média. Havia ainda, em partidos que aderiam à luta armada, o predomínio de estudantes e professores universitários. Esses segmentos, segundo os processos da justiça militar, respondem por 80% do Movimento de Libertação Popular (Molipo), 55% do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e 53% do Comando de Libertação Nacional (Colina), para mencionarmos apenas alguns exemplos.

Outro dado importante é a predominância de menores de 25 anos nos diversos agrupamentos revolucionários. O aparecimento de numerosos jovens, não necessariamente pobres ou miseráveis, dispostos a lutar contra os poderes constituídos não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. De certa maneira, isso traduz certas mudanças que ocorriam na juventude em escala mundial. Durante a maior parte do século XX, o ensino universitário foi acessível a um grupo extremamente reduzido; nos anos 1960, porém, essa situação começa a se modificar. O caso brasileiro é típico: entre 1948 e 1968, o número de estudantes universitários passa de 34 mil para 258 mil; no mesmo período em que a população brasileira dobra, o número de jovens que frequentavam universidades aumenta oito vezes. O crescimento desse segmento torna-o cada vez mais capaz de influenciar politicamente a sociedade.

Tão importante quanto essa mudança é a alteração do quadro político mundial. A partir dos anos 1940, o mundo é sacudido por revoluções nacionalistas na Ásia e na África. O impossível parecia ocorrer: países pobres do Terceiro Mundo conseguem vencer antigos colonizadores europeus. Coroando essas transformações, em 1959, um pequeno grupo de guerrilheiros faz uma revolução em Cuba, enfrentando a oposição do tradicional partido comunista local e dos Estados Unidos, que na época desfruta o título de maior potência econômica e militar do mundo.

Mais ainda: a revolução é um fenômeno da alta cultura. Entre seus partidários estão refinados romancistas, filósofos e artistas europeus e norte-americanos. No Brasil, algumas das produções culturais extraordinariamente bem-sucedidas – como o cinema de Glauber Rocha, a música de João Gilberto e o teatro de Augusto Boal – revelam o lado positivo da ruptura radical com o passado. Mesmo nos meios nacionalistas – como é o caso dos intelectuais vinculados ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado em 1955 – respira-se o ar da utopia. A identidade nacional é vista como a ruptura com o passado e não como a sua recuperação, conforme almejavam os românticos do século XIX.

Ao longo dos anos 1960, tal visão é difundida por meio do cinema, teatro e jornalismo, assim como por palestras e debates promovidos pelos Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC-UNE). A valorização desse novo nacionalismo também representa uma resposta à forte influência cultural norte-americana, interpretada como uma ameaça à identidade nacional, pois, ao contrário da europeização do século precedente, não se restringe a grupos de elites, destinando-se ao conjunto da população.

Vista a partir de hoje, a luta armada parece algo politicamente ingênuo ou até incompreensível, mas, na época, é fortemente marcada pelo sentimento nacional e de justiça social, em um mundo onde revoluções que pareciam impossíveis estavam ocorrendo. Como, porém, se organiza essa luta? Em primeiro lugar, é necessário lembrar que defender a revolução imediata nem sempre implica pegar em armas. Os agrupamentos de esquerda que assim agiram, geralmente adotaram os princípios do foquismo, teoria elaborada a partir do exemplo da revolução cubana, em que um pequeno grupo guerrilheiro inicia um processo revolucionário no campo.

Para tanto, primeiramente, são necessários recursos financeiros. Em 1967, inicia-se uma série de roubos a bancos por parte dos grupos guerrilheiros, processo que se arrasta até o início dos anos 1970 e resulta em cerca de trezentos assaltos (ou, como se dizia na época, desapropriações revolucionárias), com a arrecadação de mais de 2 milhões de dólares. Na prática, a guerrilha – salvo no caso do Araguaia – não se estende ao campo. À medida que o sistema repressivo realiza prisões, o emprego sistemático da tortura faz com que mais e mais revolucionários sejam capturados. Em 1969, a própria dinâmica do movimento guerrilheiro é alterada, passando a ter como objetivo resgatar os companheiros das masmorras militares. Os assaltos a bancos vão dando lugar a sequestros – dentre os quais os dos embaixadores norte-americano, alemão e suíço no Brasil –, cujos resgates são a libertação de prisioneiros políticos.

Alegando a ameaça comunista e acentuando uma tendência de endurecimento, que vinha desde o ano anterior – com a eleição do general Costa e Silva em 25 de maio de 1966 –, o governo militar se torna cada vez mais ditatorial. Nesse contexto é fortalecida a doutrina de segurança nacional, que torna prioridade entre as forças armadas a luta contra a ameaça interna, e não mais a defesa contra inimigos estrangeiros. Assiste-se também à ampliação das redes de espionagem e de repressão. Paralelamente ao Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 1964, atuam agora outras organizações, como o Centro de Informações da Marinha (Cenimar), a Operação Bandeirantes (Oban) e o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), somente para citarmos algumas siglas.

Até a oposição legal deixa de ser aceita. A Frente Ampla composta por Carlos Lacerda e João Goulart, que defende bandeiras democráticas, como eleições diretas, anistia e nova Constituição, é proibida em 1968. A recessão e o declínio do poder de compra dos salários fazem, por sua vez, com que o movimento sindical renasça. Greves envolvendo milhares de operários ocorrem em Minas Gerais e São Paulo. No mesmo período, manifestações estudantis cruzam o país, culminando com a Passeata dos 100 mil em 26 de agosto de 1968. A resposta dos militares: maior endurecimento do regime. Em 13 de dezembro é assinado o AI-5: com ele, o presidente da República passa a poder, a bel-prazer, fechar desde Câmaras de Vereadores até o próprio Congresso Nacional, nomear interventores para qualquer cargo executivo, cassar os direitos políticos de qualquer cidadão e também suspender o recurso ao habeas corpus.

Mas se 1968 é o ano do auge repressivo da ditadura, é também o da retomada do crescimento econômico. O modelo econômico adotado rende finalmente seus frutos e o Brasil, até 1973, apresenta taxas bastante elevadas de desenvolvimento industrial, superando mesmo os 10% ao ano. Fala-se em milagre econômico, mas um milagre que, alguns anos mais tarde, cobraria seu preço.

O aumento dos investimentos das multinacionais, como se previa desde os anos 1950, não é acompanhado pelo crescimento do setor de insumos industriais e de energia, e o resultado disso é a necessidade de importar esses produtos e petróleo. A economia brasileira entra aí em um labirinto de endividamento.

O milagre econômico também amplia, em relação aos padrões da economia brasileira da época, o mercado de produtos industriais de custo elevado, como os automóveis. Tal decisão gera um quadro perverso, no qual a concentração de renda torna-se necessária para garantir o funcionamento do sistema econômico. Bem ou mal, porém, a ditadura conta com algum grau de aprovação popular. No início dos anos 1970, embalados pela vitória da Arena, partido de sustentação do governo, os militares empenham-se em campanha de legitimação do novo regime. O general Emílio Garrastazu Médici, presidente empossado em outubro de 1969, lança a campanha “Brasil, grande potência” e também, com a abertura da Transamazônica, tenta reviver a euforia da época da construção de Brasília.

Em 1974, as consequências mundiais do aumento do custo do petróleo, associadas à política irresponsável de endividamento externo, lançam a economia brasileira novamente em crise. Nessa época, os antigos grupos vinculados à ala legalista das forças armadas – na época definida como castellista, numa alusão ao marechal Castello Branco – recuperam o terreno perdido. A eleição, no referido ano, do general Ernesto Geisel é considerada um marco dessa transição. O novo presidente defende desde o primeiro dia de posse uma abertura política “lenta, segura e gradual”. Para tanto, enfrenta os grupos da linha-dura, altera os comandos militares e procura lentamente subordinar ao Ministério da Justiça os aparelhos repressivos militares, que haviam saído do controle.

Desde 1972, os movimentos armados urbanos não existem mais. A guerrilha, que sobreviveu apenas no Araguaia, foi destroçada em 1974. Os vários tentáculos repressivos passam a perseguir grupos que não participaram desse tipo de enfrentamento, como foi o caso dos militantes do PCB e de membros da Igreja. Por intermédio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a subjugação dos organismos repressivos ganha apoio da sociedade civil.

O processo de abertura, como prevê Geisel, não é linear. Expressivos segmentos militares agrupados em torno do general Sílvio Frota fazem oposição ao presidente, contando inclusive com o apoio de parte, igualmente expressiva, da Arena. A eles, Geisel eventualmente cede, endurecendo o regime, principalmente após o desempenho eleitoral do MDB nas eleições de 1974. Dois anos mais tarde é aprovada a denominada Lei Falcão, em alusão ao nome do ministro da Justiça da época. Através dessa lei ficam proibidos, em programas eleitorais televisivos, o debate e a exposição oral de propostas e críticas ao regime. Mais ainda: em 1977, reformas legais criam meios de a Arena manter presença majoritária no Congresso, apesar das derrotas eleitorais. Amplia-se a representação parlamentar do Norte e do Nordeste e institui-se a indicação de senadores pelo próprio governo, popularmente chamados de “senadores biônicos”.

Por meio dessa delicada engenharia política, Geisel garante a própria sucessão. O novo escolhido é o general João Baptista de Oliveira Figueiredo, empossado em 1979. Nessa eleição concorre o general Euler Bentes Monteiro, apoiado pelo MDB e segmentos importantes do empresariado brasileiro. Nem os mais beneficiados defendem a ditadura, cujo fim não demoraria muito a ocorrer.

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Veja também:


Fonte / Referência bibliográfica:

  • DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, RenatoUma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. Cap. 31, pág. 204 a 248.

30 maio 2024

Marxismo e fé cristã: ideologia

Por Alcides Amorim


Em seu trabalho o marxismo e a fé cristã, o escritor J. Sturz divide o seu estudo em três partes importantes: os conceitos marxistas (ideologia, dialética, a história e o homem); Marx e a religião (a irreligião marxista, evangelho segundo Marx e diálogo marxista-cristão) e marxismo e teologia. Nosso propósito aqui, e em outros posts (esperamos poder publicar) é refletir sobre os sub-temas do referido trabalho escrito no início dos anos 80 e que ainda julgamos relevantes para nossos dias, obviamente com outros ingredientes complementares. O primeiro deles é a ideologia.

Como definição de ideologia podemos citar o que é dito aqui, como sendo ela “… um termo que possui diferentes significados e duas concepções: a neutraum… conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupoe a críticaque… pode ser considerado um instrumento de dominação que age por meio de convencimento (persuasão ou dissuasão, mas não por meio da força física) de forma prescritiva, alienando a consciência humana”.

Sturz diz que os conceitos marxistas ideologia e dialética estão inter-relacionados e estão ligados ao saber baseados numa auto-reflexão hegeliana. Mas sobre este último queremos falar num outro momento. Como fazia com outros conceitos relacionadas ao saber, Marx tentava encaixar suas ideias dentro do esquema materislista, ou seja, tentava separar as ideias da realidade histórico-social. Para Marx, “… a classe dominante impõe suas ideias através da escola, da religião, dos costumes ao ponto de que são consideradas verdadeiras, universais quanto à humanidade. Esta classe desenvolveu-se junto com suas ideias dentro de um modo de produção" [1]. Para desfazer a ideologia da classe dominante, Marx propõe uma revolução da classe oprimida contra a classe opressora. E a nova classe emergente, depois de sistematizar suas ideias, diferentes da existente e de acordo com seus interesses, precisam ganhar o apoio de toda sociedade. Sturz cita Marilena Chauí e destaca que a ideologia marxista não está encarregada de “tomar o lugar” da prática, nem de “guiar” a prática e nem tampouco de se “inutilizar enquanto teoria” para valorizar apenas a prática (Idem, pág. 210). Segundo esta linha de raciocínio marxista, as “… ideologias podem não ser consideradas visões de mundo… porque grande parte dos ideólogos propõe transformações sociais ao invés de uma teoria que tente explicar a realidade”. Ou seja, Karl Marx entende que ‘Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo’” [2].

Mas será que o marxismo escapa de ser ou ter uma ideologia?, pergunta Sturz. Na verdade, “… o marxismo, longe de ser apenas uma análise de fatos concretos, torna-se bandeira de ideias para fazer a realidade depender delas. De símbolos estas ideias se tornaram verdadeiros ídolos…” [3].

Ampliando este raciocínio, vejamos o estudo da Brasil Paralelo sobre o assunto: “Marx acreditava que a burguesia criava ideias ilusórias, como a religião, para enganar as outras classes e conseguir dominá-las mais facilmente. Ele chamava as supostas ideias falsas da burguesia de ideologia. Contudo, as características das teorias de Marx são semelhantes às da ideologia de Destutt [4], especialmente devido as influências iluministas nas obras de ambos"A Brasil Paralelo destaca ainda as características de uma ideologia:

  • Reducionismo da realidade: os ideólogos observam a realidade a partir do que pensam, fechando-se a tudo o que a realidade apresenta e que está fora da sua linha de pensamento.

  • Formação de um governo extremista: “Uma vez que a sociedade perfeita pode ser formada, o governo ideológico se vê no direito de eliminar aqueles que atrapalhem tamanho bem aparente, já que não existe uma punição além da terrena”.

  • Rechaço contra religiões transcendentais: os ideólogos (marxistas) acreditam que conseguem gerar uma civilização perfeita na Terra com seus próprios esforços, ao contrário da maioria das que religiões acreditam que a vida perfeita está para além deste mundo.

  • Formação de uma religião imanentista: para os comunistas, após viver a doutrina marxista e conseguir a conversão de um número de pessoas adequado, a revolução seria feita e o paraíso seria atingido.

Ao analisarmos as características acima, podemos dizer que os conservadores (não conservadoristas, pois assim se tornariam também ideólogos) pensam o contrário disso. Entender o oposto do que é ideologia pode auxiliar na melhor compreensão de seu conceito através da observação da realidade. Essa observação gera a construção de teorias e a descoberta de postulados, mas que não esgotam toda a existência. De forma coerente, a BP propõe os pensamentos de Tomás de Aquino e de Aristóteles como exemplos de ideias antagonistas das ideologias. Assim, os conservadores procuram entender o conceito mas rejeitam a qualificação de conservadorismo como bandeira ideológica, evitando assim, que seu pensamento venha a tornar-se num código rígido e dogmático de pensamento politizado.

E por que devemos rejeitar o marxismo? Por conta do enfoque idolátrico que aparece quando procura tornar um elemento apenas natural em absoluto. Neste afã, Marx desenvolve “três teorias”[5] que se tornam ídolos:

  • o materialismo dialético (a evolução humana, relações sociais determinadas pelas classes e os pensamentos humanos representam apenas estas classes);

  • um otimismo que vê solução de todos os problemas na marcha histórica; e

  • um humanismo religioso que encarrega o homem de sua própria salvação.

Como os ídolos são espécies de deuses que ocupam o lugar do verdadeiro Deus, as teorias marxistas tornam seus adeptos em verdadeiros “crentes” em Marx e suas ideias. Se a ideologia, segundo Marx “mascara a realidade social”, e toma o “falso por verdadeiro e o injusto por justo[6]", podemos interpretar, à luz Bíblia e da teologia cristã, de forma invertida estas palavras, isto é, afirmarmos o contrário: chamarmos de “treva” o que o marxismo chama de “luz”; de “falso” o que é entendido como “verdadeiro”, de “injusto” ao invés de “justo” e assim por diante.

Embora o marxismo não crê em nenhum elemento sobrenatural (metafísico), seu sistema tornou-se um verdadeiro dogma no sentido de que suas ideias (teorias, argumentações…) estejam colocadas acima de qualquer outro modo de pensar. E entendido sua ideias como verdades, os comunistas/marxistas tornam-se exclusivistas e não aceitam ser contraditados. É por isso que Marx defendia a implantação violenta do comunismo, inclusive a destruição do Cristianismo, esta ou qualquer outra religião é o “ópio do povo”. Veja o vídeo sugerido abaixo.

Um paralelo entre Comunismo e Cristianismo [7] sobre as várias situações da vida caracterizam bem as diferenças entre ambos:


    Comunismo: para o comunista...

    Cristianismo: para o cristão...

  • O homem não é livre, porque a sua iniciativa vem de fora, isto é, do Partido, que dita não somente o que ele deverá fazer, mas também o que deverá pensar. Ele é como o leme de um navio, que vai para onde quer que o dirija o comandante, que é o ditador do Partido.

  • O homem é livre, porque a sua iniciativa vem de dentro, a saber, da sua alma. Ele pode ser comparado a um capitão de navio, que é livre de traçar o seu próprio curso e de escolher o seu próprio porto.

  • O homem é um objeto. Um objeto não pode agir, mas é acionado como um autômato social, e torna-se como o cinzel na mão de um escultor.

  • O homem é um sujeito. Um sujeito pode determinar suas ações, como o artista pode livremente pintar quaisquer pinturas que escolher.

  • Só há uma espécie de unidade — a unidade político-econômica, que é realizada não de dentro, por laços espirituais, mas de fora, pela força, pelo terror e pela propaganda.

  • Há duas espécies de unidade: unidade político-econômica, e unidade orgânico-espiritual, pela qual nós somos membros uns dos outros no Corpo Místico de Cristo.

  • O homem é cidadão de um só mundo, e, desde que o Estado é tudo, daí se segue que o homem não tem direitos salvo aqueles que o Estado lhe deu. Por conseguinte, quando o entender, pode o Estado tirar-lhe esses direitos.

  • O homem é um cidadão de dois mundos8, e, em virtude do segundo, ele possui certos direitos inalienáveis, tais como a vida, a liberdade e a propriedade, dos quais nenhum Estado pode privá-lo.

  • A personalidade é relacionada ao tempo. O homem é alienado da sua humanidade no presente, para atingir uma humanidade duvidosa num paraíso terrestre no futuro. Tal como o expõe Lenine: “Durante o período da ditadura em que não haveria liberdade, o povo acostumar-se-ia às novas condições e sentir-se-ia livre numa sociedade comunista" (O Estado e a Revolução).

  • O homem existe não somente no presente, mas também no futuro. A personalidade é independente do tempo, porque tem um valor intrínseco em todos os tempos.

  • O homem é determinado pela sociedade… e nela perde a sua identidade como uma gota de água perde a sua identidade num copo de vinho...

  • O homem deve determinar a natureza da sociedade e ser o senhor desta.

Portando, quem estuda a Bíblia e à luz desta analisa o marxismo, torna-se (espera-se) anti-comunista ou evita ser comunista. E mesmo sem a Bíblia, na opinião de Reagan, como mencionamos na imagem acima, "Os comunistas são as pessoas que leram Marx e Engels, os anti-comunistas são aqueles que entenderam."

Veja mais:

Sobre os dogmas marxistas, que fazem desta ideologia “quase” uma verdadeira religião, veja o vídeo a seguir:



Notas:

  • [1] In: BROWN, Colin. Filosofia e fé cristã. São Paulo: Vida Nova: 1985, pág. 209.
  • [2] 000 O que é ideologia. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/o-que-e-ideologia>. Acesso em: 23/05/2024.
  • [3BROWN: 1985, pág. 210.
  • [4Antoine Destutt de Tracy (1754-1836), considerado o “pai” do termo ideologiaFilósofo iluminista francês, cunhou o termo no final do século XVIII para designar aquilo que ele acreditava ser a “ciência das ideias”. Disponível em: <https://www.cafehistoria.com.br/o-pai-do-termo-ideologia/>. Acesso em 24/05/2024.
  • [5Idem, pág. 210.
  • [6In: Nota 2. 
  • [8] Sugiro a leitura e o vídeo sobre A aposta de Pascal...aqui.