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25 novembro 2023

Trabalhadores do Brasil

Trabalhadores do Brasil

Por Mary Del Priori & Renato Venancio



A permanência de Getúlio Vargas no poder não teria sido possível sem o extraordinário sucesso econômico alcançado durante seu primeiro governo. Para se ter noção do significado profundo desta afirmação, basta mencionar que, por volta de 1945, nossa industrialização finalizava seu primeiro grande ciclo. Em outras palavras, pela primeira vez, a produção fabril brasileira ultrapassa a agrícola como principal atividade da economia. Nesse período também assistimos ao surgimento da indústria de base, ou seja, aquela dedicada à produção de máquinas e ferramentas pesadas, à siderurgia e metalurgia e à indústria química.

Surpreendentemente, essas transformações ocorreram em uma conjuntura internacional adversa. É bom lembrar que a crise de 1929 e a depressão econômica que a seguiu fizeram que, durante a primeira metade da década de 1930, os preços internacionais do café diminuíssem pela metade. Mesmo assim, a economia brasileira apresentou, entre 1930 e 1945, taxas de crescimento próximas a 5% ao ano. Contudo, esse desenvolvimento não ocorre de maneira equilibrada: a atividade industrial apresenta taxas de crescimento anual de três a sete vezes mais elevadas do que a agricultura. Esta, além de sofrer diminuição pela metade em relação aos anos 1920, registra uma forte tendência à estagnação.

A industrialização acelerada teve efeitos não só econômicos, mas também políticos e sociais. Como é sabido, a fábrica tem na cidade seu espaço privilegiado e, por isso, a Era Vargas – incluindo aí seu segundo governo, entre 1950 e 1954 – é caracterizada como uma época de intensa urbanização. Em 1920, por exemplo, apenas dois em cada dez brasileiros residiam em cidades; vinte anos mais tarde essa mesma relação era de três para dez; na década de 1940, tal proporção tornara-se equilibrada: quatro em cada dez brasileiros moravam em áreas urbanas. A formação de novas cidades e o crescimento das já existentes estimulavam, por sua vez, a multiplicação de trabalhadores não vinculados às tradicionais atividades agrícolas e de industriais que não eram fazendeiros, como Roberto Simonsen, fundador do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo – embrião da Fiesp. Tipo raro nos anos 1920, mas que se torna cada vez mais frequente na década seguinte.

Getúlio Vargas, na esperança de se contrapor ao poder oligárquico, valoriza a aliança com os grupos urbanos e, paralelamente, mantém sua aproximação com o Exército. Para cada segmento específico é traçada uma estratégia política. No caso dos trabalhadores urbanos, em 1930 cria-se o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Dois anos mais tarde, Vargas adota mudanças na legislação favoráveis ao operariado: estabelece, por exemplo, a jornada de oito horas na indústria e no comércio. Tais concessões têm preço elevado, já que, no mesmo ano em que é atendida uma reivindicação defendida pelo movimento operário desde fins do século XIX, se estabelecem os primeiros traços do sindicalismo corporativo. Segundo a nova determinação legal, sindicatos de patrões e operários, divididos por categorias profissionais, ficam sujeitos às federações e confederações que, por sua vez, se subordinam ao Ministério do Trabalho. Ao longo de seu primeiro governo, Vargas diminui cada vez mais a possibilidade de existência de sindicatos não vinculados a esse modelo, até que, em 1939, dois anos após a decretação do Estado Novo, determina a existência de um único sindicato por categoria profissional.

Tal mudança é acompanhada pela criação do imposto sindical, através do qual é descontado anualmente um dia de trabalho da folha de pagamento dos operários, encaminhado para financiar a estrutura sindical. O ditador generalizava, dessa forma, o modelo corporativo para o conjunto das entidades representativas dos trabalhadores. De instrumentos de luta, os sindicatos dos anos 1940 passam à condição de agentes promotores da harmonia social e instituições prestadoras de serviços assistenciais.

Com certeza, os líderes sindicais formados na antiga tradição anarquista veem criticamente essas mudanças, encarando-as como uma maneira de cooptação e de manipulação dos interesses da classe trabalhadora. No entanto, entre a massa operária, a postura parece ser outra. Para muitos, familiarizados com as associações mutualistas, Getúlio Vargas atendia a certas expectativas, como no caso da generalização dos institutos de previdência, garantindo aos trabalhadores o direito à aposentadoria. Além disso, através da legislação que acompanha a implantação dos sindicatos corporativos, Vargas consegue sensibilizar inúmeros militantes oriundos das lutas socialistas. A Consolidação das Leis Trabalhistas [CLT], firmada em 1943, viabiliza isso. Nela determina-se que, a partir de então, o trabalhador dispensado deveria ser indenizado, a mulher operária teria direito a serviços de amparo à maternidade, assim como se restringe a exploração do trabalho infantil. Isso para não mencionar a criação de uma justiça do trabalho, com o intuito de intermediar os conflitos entre patrões e empregados. Getúlio Vargas, dessa maneira, surge aos olhos de muitos como um protetor, como aquele que criara, via Ministério do Trabalho, uma espécie de mutualismo sindicalista em escala nacional.

Os empresários também viram parte de suas expectativas atendidas. Conforme já mencionamos, o grupo mais poderoso deles, sediado em São Paulo, não havia apoiado a Aliança Liberal. Durante a Revolução Constitucionalista, uma vez mais, as associações empresariais paulistas demonstraram seu descontentamento diante da tendência centralizadora do governo provisório. Situação bem diferente foi registrada em 1937, quando então as principais lideranças industriais paulistas não se opuseram à implantação do Estado Novo. Por trás dessa atitude, com certeza, havia o medo em relação ao que se chamava na época de ameaça comunista, e também o reconhecimento dos sucessos econômicos alcançados.

Getúlio Vargas em muito se diferencia dos presidentes da República Velha. Exemplos de planejamentos bem-sucedidos não faltam. Em certas ocasiões, o ditador aproveita-se da tensa situação internacional do período anterior à Segunda Guerra Mundial para conseguir vantagens. Oscilando entre o apoio aos países liberais e aos do eixo nazifascista, o governo brasileiro consegue recursos norte-americanos para instalação, em 1941, da Companhia Siderúrgica Nacional, cujos efeitos na área industrial foram extremamente benéficos. Getúlio também foi hábil em descobrir e integrar a seu projeto político-econômico intelectuais descontentes e reformistas. Tais grupos originavam-se de instituições tecnológicas, como a Escola de Minas de Ouro Preto, ou eram fruto de ramificações do Modernismo dos anos 1920. Conforme é sabido, esse movimento deu origem a tendências que valorizavam a análise científica, proporcionada pelas nascentes ciências sociais, como uma forma de melhor conhecer e explicar o funcionamento de nossa sociedade. Graças a isso, assistimos – em uma sociedade que praticamente dispunha apenas de cursos superiores de medicina, direito e engenharia – ao surgimento de uma geração de sociólogos, economistas e administradores. Esses intelectuais, uma vez cooptados pelo aparelho burocrático getulista, são responsáveis pelos primeiros projetos de planejamento estatal na área econômica. Graças a esse planejamento, empresas estatais passam a ocupar espaços estratégicos na produção de energia e matérias-primas.

Em relação à área econômica mais desenvolvida do país, a política getulista foi generosa. No início da década de 1930, é retomada a política de valorização do café, abandonada repentinamente por Washington Luís. Graças à manutenção do elevado nível de renda local, coube a São Paulo liderar o processo de formação do mercado nacional voltado para a substituição das importações. Paralelamente a isso, o governo garante, por meio da política fiscal e cambial, a transferência de renda para o setor industrial. A importância do empresário paulista cresce a olhos vistos: nos anos 1940 eles passam a responder por metade da produção fabril brasileira, o que significava um aumento de 50% em relação aos índices registrados em 1920. Não foi somente na economia que a intervenção estatal getulista se notabiliza. Em certas áreas registram-se, igualmente, mudanças profundas. Este foi o caso da educação. Durante a gestão de Gustavo Capanema – ministro da Educação e da Saúde entre 1934 e 1945, que congrega intelectuais do porte de Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e Heitor Villa-Lobos –, são planejadas e implementadas importantes alterações, como a ampliação de vagas e a unificação dos conteúdos das disciplinas no ensino secundário e no universitário. Isso para não mencionar a criação do ensino profissional, consubstanciado em instituições como Senai, Senac e Sesc.

A aproximação de Getúlio com o que havia de mais moderno na época – inclusive no sentido autoritário dessa modernidade – se expressa através da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Voltado para a propaganda política através dos novos meios de comunicação, como o rádio e o cinema, o DIP foi responsável pela organização de rituais totalitários de culto à personalidade do ditador. Essa instituição também submete a cultura popular à censura, conforme ficou registrado nas alterações impostas às letras de sambas. Exemplo disto é a conhecida modificação – exigida pelos agentes do DIP – do texto da música Bonde de São Januário, composta em 1940 por Ataulfo Alves e Wilson Batista. Na letra original do samba, o refrão era “O Bonde de São Januário/ leva mais um otário/ que vai indo trabalhar”; após a interferência do DIP, o texto passou a ser “O Bonde de São Januário/ leva mais um operário/ sou eu que vou trabalhar”.

Como seria de esperar, Getúlio esteve longe de agradar a todos os segmentos da elite dominante. Os setores agrários acusam a indústria de desviar braços do campo, ao mesmo tempo em que percebem estar financiando as importações de insumos fabris e investimentos do Estado na infraestrutura industrial. Mesmo entre os empresários, o fundador do Estado Novo esteve longe de ter unanimidade. A legislação trabalhista onera a atividade industrial, reduzindo o ritmo de acumulação nesse setor. Além disso, a política econômica agressiva tem efeitos regionais nefastos, implicando o declínio de estados que não conseguem acompanhar o ritmo competitivo do crescimento. Assim, é bastante revelador o fato de que, na década de 1940, enquanto São Paulo controla quase metade da produção industrial, a participação do Rio de Janeiro diminui pela metade. O mesmo ocorre nas regiões nordestinas, onde se registra, no referido período, uma diminuição de 40% na atividade industrial. No Rio Grande do Sul, a queda nesse setor é de 20%.

Não é de estranhar, portanto, que ao longo do Estado Novo se multiplicassem as vozes descontentes com o rumo tomado pelo governo. Contudo, a legislação que acompanhou o golpe facultava à oposição uma alternativa de poder, pois a ditadura instalada em 1937, curiosamente, tinha data marcada para acabar. Segundo a Constituição outorgada, previa-se para 1943 a realização de um plebiscito em que o regime seria posto à prova nas urnas. Em 1942, a decretação do estado de guerra – ou seja, de preparação do Brasil para lutar na Europa contra o nazifascismo – permite a transferência dessa consulta para o período imediatamente posterior ao término dos conflitos.

Em 1941, começam as primeiras articulações para garantir a transição política, e o próprio ditador esboça um partido nacional. Dois anos mais tarde, o descontentamento das elites marginalizadas pelo Estado Novo veio a público pelo Manifesto dos Mineiros. Nesse texto, amplamente divulgado de norte a sul do país, políticos de renome nacional, como Afonso Arinos, Bilac Pinto, Milton Campos e Magalhães Pinto, criticavam o caráter autoritário do governo. Ao mesmo tempo, manifestando uma nostalgia pelo regionalismo, que tanto caracterizou o sistema de poder da República Velha, acusam Getúlio de “espoliação do poder político de Minas Gerais”. Em 1944, a estrutura partidária que comandaria a transição já estava constituída. Como exemplo dessa confluência de poder, é registrada a aproximação de José Américo de Almeida e Armando de Salles Oliveira, políticos que desde 1937 haviam conseguido arregimentar as oligarquias descontentes, embora concorrentes entre si. Eles e as elites dissidentes, que desde a Revolução de 30 haviam sido marginalizadas, agrupam-se na União Democrática Nacional (UDN). Paralelamente a essa oposição, Vargas promove a reunião dos interventores no Partido Social Democrático (PSD). Enquanto isso, as estruturas sindical e previdenciária por ele criadas servem de base para a formação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

Tais organizações, que estavam se esboçando em 1944, são legalizadas no ano seguinte. A UDN lança candidato próprio às eleições previstas para 1946, o mesmo ocorrendo com o PSD, mas a posição do PTB é outra. Não lança candidato, mas defende a convocação de uma Assembleia Constituinte ainda no governo de Getúlio, que seria por isso prolongado um pouco mais. Tal movimento ganhou as ruas – sendo popularmente denominado na época como “queremismo”, ou seja, “queremos Getúlio” – e conta com o apoio do PCB. Esse apoio é, aparentemente, surpreendente. Como vimos, Vargas foi responsável por uma feroz repressão aos comunistas. No entanto, é necessário lembrar que foi no seu governo que o Brasil entra em guerra contra o nazifascismo, em uma aliança da qual participou a União Soviética e, no final de sua gestão, também houve a anistia e a legalização do PCB. Mais ainda: para os comunistas, os inimigos políticos de Vargas reunidos na UDN representavam o que havia de mais atrasado na sociedade brasileira.

Além de mobilizar as massas urbanas, o ditador começa a fazer modificações no comando da polícia do Distrito Federal. Crescem suspeitas de que as eleições seriam manipuladas em prol da continuidade do governo. Há muito, porém, as elites dissidentes e opositoras se precaviam contra essa possibilidade. Não por acaso, tanto a UDN quanto o PSD escolheram candidatos à presidência nas fileiras militares: no primeiro caso trata-se do brigadeiro Eduardo Gomes e, no segundo, do general Eurico Gaspar Dutra.

Em 1945, as forças armadas, embora tivessem enviado “apenas” 23.344 soldados para a Segunda Guerra Mundial, aproveitam a justificativa do conflito internacional para formar um contingente interno de 171.300 homens. Para se ter uma clara noção do que representa esse número, basta mencionar que ele é quatro vezes maior do que o de 1930 e o dobro do que foi necessário para o golpe de 1937. Getúlio experimenta o amargo sabor de uma intervenção militar feita por uma instituição que ele havia ajudado a crescer. Em 29 de outubro de 1945, sob pressão do Exército, o criador do Estado Novo deixa o poder. Sem candidato próprio, o PTB apoia Dutra, que, não por acaso, consegue vencer as eleições presidenciais, enquanto Getúlio, eleito para o Senado, quase não participa da Constituinte. O ditador ruma para um exílio interno em São Borja, no Rio Grande do Sul, de onde retornará – segundo ele próprio definiu – “nos braços do povo” para um novo mandato presidencial. Panfletos da época revelam o estranho equilíbrio de forças que se tenta construir. Num deles divulgava-se a seguinte “oração”: “Protetor nosso que estais em São Borja, honrado seja o vosso nome; venha a nós a nossa proteção, seja feita a vossa vontade, assim no Sul como no Norte; os direitos nossos de cada dia nos dai hoje; e perdoai-nos as nossas imprudências, assim como nós perdoamos aos nossos perseguidores; e não nos deixeis cair no comunismo, mas livrai-nos do capitalismo. Amém”. Como veremos a seguir [In: Tentações militares e outras tentações], a ambiguidade do projeto político de Getúlio contribui para que se compreenda seu retorno ao poder, assim como seu trágico desfecho.


Veja também:


Fonte / Referência bibliográfica:

  • DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. Cap. 28, pág. 185 a 190.

19 novembro 2023

Bispos e Papas (3): Clemente de Roma

Bispos e Papas (3): Clemente de Roma

Por: Alcides Amorim

Clemente de Roma [1]

Prosseguindo o estudo dos bispos [2] romanos listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica [3], e dos papas, queremos destacar neste post a pessoa do bispo Clemente, também chamado de Clemente I e de Clemente de Roma.

O nome de Clemente aparece na Bíblia (Fp 4.3) como um dos cooperadores de Paulo, “… cujos nomes estão no livro da vida”. Eusébio [4] apresenta-o como sucessor de Anacleto. Afirma ainda sobre uma Epístola de Clemente que ainda sobrevivia em sua época (século IV), uma epístola genuína que foi escrita de Roma à igreja de Corinto. Ao que parece, a Carta de Clemente serviu como base e orientação para o enfrentamento do gnosticismo [5]  e do marcionismo [6], heresias danosas à nascente Igreja Cristã. Quem muito usufruiu do conteúdo da Carta de Clemente, ao que Eusébio nos faz crer, foi Hegésipo, um judeu-cristão, cronista e muito atuante na defesa da fé cristã no início do século II. Por ter convivido e ter sido cooperador do apóstolo Paulo, o Bispo Clemente é conhecido como um dos pais apostólicos [7], mas não deve ser confundido com Clemente de Alexandria, um dos Mestres da Igreja, que viveu no final do século II e início do século III. O Pastor de Hermas possivelmente conhecia Bispo Clemente e, portanto, estava familiarizado com a igreja de Roma. Fontes católicas, por exemplo, o site da Editora Paulus, afirmam que a Carta do “Papa” Clemente a Corinto foi o “… primeiro documento papal (protótipo de todas as cartas encíclicas que seriam escritas no decurso dos séculos) afirma a autoridade do sucessor de são Pedro, bispo de Roma, sobre outras igrejas de origem apostólica. A carta, escrita entre os anos de 93 e 97, enquanto estava ainda com vida o apóstolo são João, é dirigida à Igreja de Corinto, dividida por um cisma interno, porque um grupo de fiéis contestava a autoridade dos presbíteros.”

Segundo o site acima o “Papa” Clemente exerceu seu pontificado entre ano 88 ao 97 [8]. E este foi o Papa Clemente I, por terem tidos vários outros Clementes que também foram bispos ou papas.

O contexto político da época do Bispo Clemente foi de muita opressão dos romanos aos judeus e cristãos. Acompanhou certamente, antes de ser bispo, a destruição de Jerusalém (ano 70), a segunda perseguição aos cristãos no governo de Domiciano etc. Foi preso na época de Trajano e por isso, preocupado com a liderança espiritual dos cristãos, renunciou o seu pontificado em favor do Bispo Evaristo, do qual falaremos num outro post.

O que a Wikipédia informa sobre a morte de Clemente é que por ele converter muitos presos ao Cristianismo, foi, por isso, no ano 100, “… atirado ao mar com uma pedra amarrada ao pescoço… Seu corpo foi recuperado das águas e sepultado em Quersoneso, na Crimeia, de onde, mais tarde, por ordem de Nicolau I, seu corpo foi levado a Roma” (Idem). O site Franciscanos afirma que sua morte se deu em 23 de novembro do ano 101 e que seu corpo foi levado para Roma no ano 869.

Veja também:

Para saber mais do Bispo Clemente, sugiro o vídeo Clemente de Roma, do Professor Rogério de Sousa. Atente, também para as Notas abaixo



Notas / Referências bibliográficas:

  • [3] Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Clemente é o número 3 da lista...

  • [4] CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica: os primeiros quatro séculos da Igreja Cristã. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

  • [5] Gnosticismo: “Influenciado por filósofos como Platão, o Gnosticismo é baseado em duas premissas falsas. Primeiro, essa teoria sustenta um dualismo em relação ao espírito e à matéria. Os gnósticos acreditam que a matéria seja essencialmente perversa e que o espírito seja bom. Como resultado dessa pressuposição, os gnósticos acreditam que qualquer coisa feita no corpo, até mesmo o pior dos pecados, não tem valor algum porque a vida verdadeira existe no reino espiritual apenas. Segundo, os gnósticos acreditam que possuem um conhecimento elevado, uma ‘verdade superior’, conhecida apenas por poucos. O Gnosticismo se origina da palavra grega gnosis, a qual significa ‘saber’, pois os gnósticos acreditam que possuem um conhecimento mais elevado, não da Bíblia, mas um conhecimento adquirido por algum plano místico e superior de existência. Os gnósticos se enxergam como uma classe privilegiada e mais elevada sobre todas as outras devido ao seu conhecimento superior e mais profundo de Deus….”. In: <Gnosticismo Cristão? | GotQuestions>. Acesso em: 17/11/2023.

  • [6] Marcionismo: doutrina pregada por Márciom (ou Marcião), que “… combinando elementos contrários ao mundo material e ao judaísmo”. Márciom pensava que este mundo era mau, e que seu criador devia ser um deus, se não mau, pelo menos ignorante. Em lugar de inventar toda uma série de seres espirituais, ao estilo dos gnósticos, o que Márcio propôs era muito mais simples. Segundo ele, o Deus do novo Testamento e Pai de Jesus Cristo não é o mesmo Jeová do Antigo Testamento. Há um Deus supremo, que é o Pai de Jesus Cristo, e um ser inferior, que é Jeová. Foi Jeová que fez este mundo... Mas Jeová, seja por ignorância ou por maldade, fez este mundo, e nele colocou a humanidade... Jeová é um deus ciumento e arbitrário, que escolhe um povo acima dos demais, e que está constantemente conferindo a conta de quem o desobedece para tomar vingança…” In: <O depósito da fé: cânon, sucessão apostólica, tradição e outras considerações>. Acesso em: 17/11/2023.

  • [7] Pais apostólicos: “Os Padres Apostólicos eram um grupo de líderes e autores cristãos primitivos que viveram logo após os apóstolos. Seus escritos são tipicamente datados entre 80-180 d.C. Acredita-se que a maioria dos Padres Apostólicos conheceu os apóstolos pessoalmente ou estava ligada a eles de alguma forma… Clemente foi provavelmente o segundo, terceiro ou quarto bispo de Roma, e pode ter conhecido alguns dos apóstolos. Hermas possivelmente conhecia Clemente e, portanto, estava familiarizado com a igreja de Roma”. In: <Padres Apostólicos… GotQuestions>. Acesso em: 17/11/2023.



13 novembro 2023

A Primeira Guerra Mundial e o Cristianismo

A Primeira Guerra Mundial e o Cristianismo

Por Alcides Barbosa de Amorim




Sobre a Primeira Guerra Mundial já destacamos seus aspectos políticos, sociais e econômicos. Neste post, queremos destacar a relação entre os cristãos e a guerra, além de suas posições frente ao conflito e seu contexto, e a pessoa de Karl Barth, um dos ícones do protestantismo na época.

Primeiramente, queremos destacar brevemente a posição católica. Na época, entre 1914 e 1922), o papa era o italiano Giacomo della Chiesa, que se tornou Bento XV (ou Benedito XV), o qual conviveu com a efervescência política italiana anticatólica e anticlerical desde os tempos de faculdade. No entanto, em relação à Primeira Grande Guerra, Bento XV “… fez um discurso sobre a posição da Igreja e os seus deveres, enfatizando a necessidade de ter uma postura neutral e promover a paz e acudir aos deslocados e feridos. Fez diversas tentativas, infrutíferas, para negociar a paz, tendo o Vaticano sido excluído das negociações de paz no final da guerra…” [2] Obviamente, a proposta de paz do papa Bento XV não teve êxito porque os beligerantes não quiseram. Ideias e propostas da igreja não lhes eram bem-vindas.

Por outro lado, teólogos protestantes como o arcebispo luterano sueco Nathan Söderblom (1866-1931), o teólogo liberal e historiador alemão Adolf_von_Harnack (1851-1930) e principalmente o teólogo reformado suíço, considerado o maior teólogo do século XX, Karl_Barth (1886-1968), também apelaram para a obtenção da paz através da comunhão cristã. Estes também cumpriram sua tarefa de oferecer respostas cristãs para o mundo da época, embora não foram ouvidos pelos interessados em fazer a guerra, tanto que não demorou muito para aparecer outra, a segunda grande guerra, também com proporções mundiais. Na capa do seu livro A Era Inconclusa, Volume 10, o historiador cristão Justo L. González afirma: “A ciência multiplicou-se como nunca, e o século XX assistiu a duas guerras mundiais. A Igreja cresceu e buscou dar respostas aos desafios”. Segundo ele, as convulsões sociopolíticas da primeira metade do século XX da Europa [2], berço de grande parte da filosofia no século XIX, sonhara com uma nova era para a humanidade e buscava conseguir liderar o bem do mundo no século seguinte (XX). E nesta onda ilusória o protestantismo europeu estivera bem mais envolvido do que o catolicismo. Assim, “… quando as duas guerras mundiais e seus desdobramentos desmentiram os sonhos do século XIX, o liberalismo protestante sofreu um abalo profundo” (Idem, pág. 65).

O mundo da época, principalmente a Europa, precisava de uma resposta teológica. E a mais significativa ao meu ver foi a obra de Karl Barth, o livro A carta aos romanos, publicado em 1919. Nesta obra, Barth insiste na necessidade do retorno à exegese fiel e reage contra o subjetivismo religioso que aprendera com muitos de seus professores. O Liberalismo do século XIX tão ensinado, crido e aceito por Barth, enfatizava o progresso do homem e a reforma do mundo. Mas, como questiona também este site cristão [3], “… se esse homem era tão avançado, por que promoveu uma guerra mundial? Se suas descobertas na tecnologia e na ciência eram tão eficazes, por que apontou suas armas para seus semelhantes?” O otimismo nos rumos da ciência, seus avanços e possibilidades fez muitos acreditarem num “paraíso na terra”, enquanto questionavam os elementos sobrenaturais da Bíblia, seus milagres e o plano de redenção. Por isso, no aspecto espiritual, Karl Barth encontrou sentido para sua vida e sociedade na Epístola aos Romanos. Sua obra foi chamada “uma granada no terreno da teologia liberal”, ao mostrar o Deus soberano e transcendente ali descrito. Deus precisava se revelar ao homem, e ele faz isso por intermédio de Jesus Cristo. A reafirmação de doutrina por Barth e as discussões que se seguiram tornaram-se a base da neo-ortodoxia protestante.

Bem, num “… mundo que enfrentou duas enormes guerras, as ideias de Barth levaram uma igreja indecisa de volta aos temas do pecado e da soberania de Deus…” (Idem), mas não ofereceu a resposta completa ao mundo de então. Um exemplo disto é que “… ele não aceitava a infalibilidade ou a inerrância das Escrituras” (Idem), tema tão caro para os conservadores que defendem a chamado Sola Scriptura. Mas o melhor de sua mensagem é que numa época em que muitos haviam se voltado para o mundo em busca de esperança, ele pedia que todos olhassem para Cristo.

Enquanto escrevo isto, estou presenciando o mundo quase todo contra Israel e em vias de uma possível terceira guerra mundial, mas o Cristo – o Messias judeu e Salvador do homem pecador – pregado por Barth e outros líderes cristãos, continua sendo a resposta para o mundo. Este, cuja filosofia ou cosmovisão contrasta com a do reino de Deus.

Sugiro, para finalizar, o vídeo a seguir, de Moisés Brasil Maciel, que destaca a pessoa de Karl Barth, como um dos ícones da fé protestante não só durante a primeira, como também durante a segunda grande guerra.




Notas / Referências bibliográficas:

  • [2] GONZÁLEZ, Justo L. E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo: a era inconclusa – Vol. 10. São Paulo: Vida Nova, 1995, pág. 065 a 080. In: <O Protestantismo na Europa>. Acesso em: 07/11/2023.

09 novembro 2023

Primeira Guerra Mundial

Primeira Guerra Mundial

Por Alcides Barbosa de Amorim 


Sobre a Primeira Guerra Mundial, quero destacar dois posts. Este, com dados históricos (políticos, econômicos, sociais e culturais), de Nelson & Claudino Piletti [1], e abaixo o vídeo da professora Juliana Bezerra [2]. E outro, destacando aspectos teológicos cristãos da época.


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Grandes acontecimentos marcaram o século XX, como a invenção do computador, a chegada do ser humano à Lua e o desenvolvimento de técnicas que permitem a reprodução de animais em laboratório pelo processo de clonagem.

Entretanto, alguns desses acontecimentos provocam sérias preocupações quanto ao futuro da humanidade. Nas últimas décadas, o ser humano produziu armamentos capazes de destruir o mundo em poucos minutos. No século XX, ocorreram também, pela primeira vez na história, conflitos que envolveram, ao mesmo tempo, países de quase todos os lugares do mundo: a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.

Esses conflitos transformaram populações civis em alvo militar. As bombas atômicas lançadas pelos Estados Unidos sobre duas cidades do Japão, que colocaram fim à Segunda Guerra Mundial, mataram centenas de milhares de civis.

Neste capítulo, estudaremos a Primeira Guerra Mundial, cujas razões podem ser encontradas no século XIX, como o imperialismo e o nacionalismo exacerbado.

1. A guerra em marcha

Durante a primeira metade do século XIX, França e Inglaterra eram os países de maior poder econômico e político na Europa. Já industrializados, eles dominavam extensas áreas coloniais, principalmente na África e na Ásia. Essas áreas eram importantes como fornecedoras de matérias-primas e como consumidoras de produtos industrializados.

Esse cenário europeu começou a mudar com a unificação da Itália e, sobretudo, da Alemanha, na segunda metade do século XIX.

Após a unificação, esses países passaram a disputar maior espaço no cenário internacional. A Alemanha, por exemplo, também industrializada, pretendia participar da partilha colonial, mas a maior parte da África já tinha sido ocupada pelos principais países europeus ocidentais.

No início do século XX, a intensa disputa por áreas coloniais provocava profundas divergências e rivalidades entre os países europeus, e uma tensão constante no continente.

Diversos conflitos localizados aumentaram ainda mais a tensão. Um desses conflitos envolvia o Império Austro-Húngaro, que pretendia incorporar ao seu domínio territórios da região dos Bálcãs.

Devido ao clima de crescente hostilidade, as potências europeias procuraram agrupar-se por meio de acordos econômicos, políticos e militares. Assim, formaram-se dois blocos distintos: a Tríplice Aliança e a Tríplice Entente.

A Tríplice Aliança englobava a Alemanha, o Império Austro-Húngaro e a Itália. Foi criada em 1882 por articulação de Otto von Bismarck, líder da unificação alemã. 

A Tríplice Entente foi formada em 1907 e era composta por Rússia, Reino Unido e França, principais rivais da Alemanha nas disputas por áreas coloniais.

A formação de dois blocos aumentou ainda mais o clima de tensão na Europa. A rivalidade era visível na desenfreada corrida armamentista entre os integrantes dos dois blocos. Esse período passou a ser chamado de paz armada, uma vez que a paz só se mantinha graças ao sistema de alianças e ao poderio bélico de cada lado. Entretanto, esse difícil equilíbrio se romperia em 1914.

2. O estopim da guerra

Em 28 de junho de 1914, o herdeiro do trono austro-húngaro, o arquiduque Francisco_Ferdinando, foi assassinado em Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, uma das províncias anexadas pela Áustria e pretendida pela Sérvia. 

Isso aconteceu quando o arquiduque, em visita oficial, desfilava com a mulher em carro aberto pelas ruas da cidade. O assassino foi um estudante bósnio favorável à unidade dos povos de origem eslava e contrário ao domínio austro-húngaro. Esse episódio foi o estopim da guerra. 

Em represália ao assassinato, em 28 de julho de 1914 tropas austro-húngaras invadiram a Sérvia. Por causa dos acordos militares e das rivalidades, a maioria dos países europeus se mobilizou para reagir à ação do exército austro-húngaro. Sucederam-se então diversos eventos, que levariam à guerra total:

  • 29 de julho – a Rússia, aliada da Sérvia, mobilizou seus exércitos para a guerra;
  • 1º de agosto – a Alemanha declarou guerra à Rússia;

  • 3 de agosto – a Alemanha declarou guerra à França;

  • 4 de agosto – a Alemanha invadiu a Bélgica, país neutro, para atacar a França. A Inglaterra declarou guerra à Alemanha;

  • 5 de agosto – o Império Austro-Húngaro declarou guerra à Rússia.

O conflito, que então começava, rapidamente se estendeu e, pela primeira vez na história, tomou proporções mundiais. Grande parte dos países europeus, suas colônias e os países sob sua influência, além de países interessados em ampliar sua participação no cenário internacional, como os Estados Unidos, se envolveram no conflito. O Japão e a Romênia aliaram-se aos países da Entente. A Turquia e a Bélgica entraram na luta ao lado dos Impérios Centrais.

Outro aspecto da guerra que se iniciava era a organização da produção bélica em nível industrial e tecnológico. Uma economia de guerra.

3. A guerra entre 1914 e 1918

A primeira Guerra Mundial pode ser dividida em três momentos.

O primeiro, em 1914, caracterizou-se pela movimentação de exércitos e pela ocorrência de grandes batalhas. Vitórias e derrotas de ambos os lados garantiram o equilíbrio de forças.

O segundo momento, entre 1915 e 1916, é marcado pelo equilíbrio de forças que resultou num conflito longo e sangrento, conhecido como guerra de trincheiras. O território era disputado palmo a palmo. Em 23 de maio de 1915, a Itália, que até então tinha se mantido neutra, apesar de ter formado a Tríplice Aliança, rompeu relações com a Alemanha e entrou na guerra ao lado da França e da Inglaterra, fortalecendo a Entente.

O momento final da guerra, entre 1917 e 1918, foi marcado por dois acontecimentos decisivos:

  • na Rússia, uma revolução liberal burguesa derrubou o czar Nicolau II. O novo governo da Rússia negociou com a Alemanha e assinou um tratado pondo fim às hostilidades entre os dois países;

  • a entrada dos Estados Unidos na guerra ao lado da Entente.

A saída da Rússia e, sobretudo, a entrada dos Estados Unidos na guerra mudariam substancialmente os rumos do conflito. Fortalecidos, os países da Entente conseguiram romper o imobilismo da guerra. No final de 1918 o Império Austro-Húngaro e a Alemanha estavam derrotados. No dia 11 de novembro, representantes da Alemanha assinavam o cessar-fogo dentro de um vagão de trem em Compiègne, França. Pelo acordo, os alemães aceitavam as condições de rendição estabelecidas pelos países vitoriosos.

4. O mundo pós-guerra

Calcula-se em 9 milhões o número de mortos e em 30 milhões o de feridos ao final da Primeira Guerra Mundial.

As nações envolvidas estavam devastadas. Ao término da luta, o nacionalismo agressivo e o imperialismo, que provocaram a guerra, continuavam latentes. Para piorar a situação, uma grave crise econômica ameaçava a estabilidade de diversos países.

a) O Tratado de Versalhes

Após a rendição, o governo da Alemanha foi obrigado a aceitar uma série de penalidades impostas pelas nações vitoriosas. Essas penalidades estavam contidas no Tratado de Versalhes

Por esse tratado, a Alemanha foi responsabilizada pela guerra e, em consequência, obrigada a aceitar as seguintes penalidades:

  • ceder partes de seu território à França (Alsácia e Lorena), à Bélgica, à Polônia e à Dinamarca; suas colônias foram divididas entre a Inglaterra, o Japão, a Austrália, a França, a Bélgica e a Nova Zelândia;

  • entregar material bélico e de transporte aos países vencedores;

  • ceder a região do Sarre, rica em minas de carvão, à França por quinze anos;

  • pagar uma pesada indenização aos vencedores;

  • ficou proibida de rearmar-se.

Devido a essas e outras mudanças provocadas pela guerra, o mapa da Europa foi redesenhado. Além das alterações previstas no Tratado de Versalhes, outros acordos redefiniram as fronteiras europeias; com isso diversas regiões ganharam autonomia, como a Polônia, a Tchecoslováquia e a Iugoslávia.

b) A Liga das Nações

Durante as reuniões para a elaboração do Tratado de Versalhes foi criada a Liga das Nações. Seu principal objetivo era garantir a paz mundial. Com sede em Genebra, Suíça, a organização excluiu a Rússia e a Alemanha de sua formação. Entretanto, ao longo dos anos seguintes, a Liga iria se mostrar pouco eficiente nas tentativas de manter a paz.

Em 1946, após a Segunda Guerra Mundial, a ideia de um órgão internacional que gerenciasse as relações entre países foi concretizada com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU).

Europa: antes e depois da guerra


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Veja também:


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] PILETTI, Nelson & Claudino. História: EJA, 4º Ciclo… São Paulo: Ática, 2003, páginas 107 a 111 (Texto adaptado). Um dos textos didáticos (muito bom) que utilizava quando ministrava aulas de História para turmas de EJA: Educação de Jovens e Adultos.
  • [2Neste vídeo, Juliana Bezerra destaca “… as causas e o desenvolvimento da Primeira Guerra Mundial, ocorrida de 1914 a 1918…, quais foram os países envolvidos, as duras condições de luta nas trincheiras e entende o que mudou com o fim das hostilidades.”


Veja ainda o vídeo:



03 novembro 2023

Estado Laico e Laicismo

 Estado Laico e Laicismo

Por Alcides Barbosa de Amorim


Laicidade [1]

Quando nos referimos ao Estado, estamos falando da unidade administrativa de um território, abrangendo suas instituições públicas que visam a representação, organização e atendimento dos anseios da população que lá habita. E como instituições, podemos citar o governo (no caso do Brasil, nas esferas municipal, estadual e federal), escolas, prisões, hospitais públicos etc., além das Forças Armadas: Exército, Marinha e Força Aérea. Percebe-se que o conceito de Estado é mais amplo do que o de governo. Quando dizemos, por exemplo, que a Aeronáutica é uma instituição nacional permanente e regular, estamos nos referindo a uma instituição de Estado, por ser ela permanente, como o próprio nome diz, enquanto o governo é provisório.

Acontece que as instituições do Estado estão sujeitas ao seu Chefe Supremo (ou Chefe do Executivo) e sua equipe de governo, com suas ideologias, projetos, promessas de campanha etc., a serem executados. Ainda que num país democrático com o governo dividido em três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), como é (ou deveria ser) o caso do Brasil, este Chefe do Executivo e sua equipe não estão liberados para fazer o que bem entenderem. Acima deles e dos demais poderes ou instituições estão a Constituição e as leis do país. Mas, via de regra, seus planos e projetos são colocados à mesa para aprovação (ou não) e, se aprovados, dependendo de ter maioria no Congresso (Legislativo ou da interferência do Supremo) são postos em prática. São os casos, por exemplo, de controle da mídia, aborto, liberação de drogas, controle da religião etc. E é sobre este último caso que pretendo destacar a seguir.

Com o argumento do Estado laico o Estado brasileiro tem tentado “transformar a religião em um assunto estritamente privado”, diz a matéria da Gazeta do Povo [2], de 29/04/2017, sobre a qual quero destacar (texto adaptado).

  • Não se pode confundir poder político com poder religioso. Mas as religiões sempre tiveram papel fundamental na construção da maioria das sociedades modernas.
  • A herança judaico-cristã é uma das bases da civilização ocidental.
  • Segundo o filósofo Jürgen Habermas, a laicidade é definida como “… a neutralidade do poder estatal, no que tange às cosmovisões, neutralidade que garante iguais liberdades éticas a todos os cidadãos”.
  • O Estado não deve privilegiar nem coibir determinada religião, mas sim, garantir a liberdade religiosa e de culto, inclusive público.
  • Estado laico não é o mesmo que Estado ateu, e um Estado que se definisse como ateu estaria, portanto, adotando um posicionamento que viola a neutralidade.

Confundir Estado laico e Estado ateu equivale a confundir a saudável laicidade com o perigoso laicismo – perigoso porque viola as liberdades individuais e pode degenerar para a pura e simples perseguição religiosa, como ocorreu na França revolucionária e nos regimes comunistas.

  • Certos elementos da cultura de uma sociedade, como símbolos religiosos, formas de culto e até a aplicação do ensino religioso – não obrigatório – devem ser respeitados e não violam o princípio da laicidade.

O argumento do ‘Estado laico’ tem sido usado de forma inapropriada com o objetivo de transformar a religião em um assunto estritamente privado, que só tem espaço de cidadania das portas das residências para dentro. Ora, isso é ignorar a diferença existente entre a dimensão de governo e a dimensão da sociedade. Aqui, cabe ao Estado reconhecer a importância da religião na sociedade, sem ações que tenham o objetivo de minimizar esse fenômeno – o que seria uma interferência indevida. O que quer que as religiões pleiteiem precisa ser justificado em termos puramente racionais.

Como vimos acima, a existência do Estado com suas instituições visam a representação, organização e atendimento dos anseios da população que habita o seu território. Neste caso, se certos grupos sociais como sindicatos, entidades de classe, movimentos sociais e de minorias, são atendidos, os grupos religiosos e/ou igrejas também devem estar nesta lista. Por outro lado, a decisão da legalização das políticas públicas são do Estado, mas esta não pode violar os direitos e garantias dos membros de qualquer grupo social. Os grupos sociais devem ser ouvidos sobre a melhor forma de participar do debate público, de forma justificada sob o prisma da razão e não em detrimento de outras crenças. “Nisso consiste a laicidade saudável: basear as decisões de Estado em princípios puramente racionais, ainda que eles tenham sido defendidos principalmente ou exclusivamente por grupos religiosos”. Desta forma, o Estado laico deve dar a liberdade de culto e permitir sua participação pública – vida política – de qualquer grupo religioso, enquanto este último deve usar sua fé ou crença de forma racional, observando o caráter científico de seus argumentos e para o bem coletivo de seus concidadãos.

Muitos defendem o Estado laico, mas se confundem com as ideias de laicização. O Estado é laico por aceitar todas as crenças religiosas, mas ao mesmo tempo não deve restringir a participação de suas atividade apena na esfera do privado. Sobre isto, sugiro o BTCast – Direito Religioso já informado acima e também o vídeo abaixo do Canal Teologia Liberada, através do Pr. Veridiano Pantarotto:


Notas / Referências bibliográficas:

Revolução dos Bichos: características gerais

  Por Alcides Barbosa de Amorim Porco Major [1] O livro Revolução dos Bichos (1945), do indiano George Orwell, nascido durante o domínio b...