Por: Alcides Amorim
Um cético confuso [1] |
Escrevi até aqui dois artigos específicos
sobre ética: ética bíblica e ética x
moral. E antes de continuar com
outros artigos relativos ao assunto achei por bem falar antes sobre os
conceitos de ceticismo, dogmatismo e falibalismo. E, como são assuntos longos,
resolvi fazer isto em três momentos, começando, na sequência, com o ceticismo.
Mas, sempre com uma pitada de apologia teológica e/ou de fé.
1. Ceticismo: conceito
A
palavra ceticismo diz respeito a um estado de um indivíduo que
duvida de tudo, que é descrente e/ou tem predisposição constante para a
dúvida e incredulidade. Deriva da palavra grega askesis, que significa
exercício de reflexão, meditação. Fala de um indivíduo que, ao pé da letra, é
uma pessoa pensativa, absorvida em si mesma e, portanto, "ausente" do
mundo. Mas o ceticismo é também nome de uma corrente filosófica, cujo fundador
foi o filósofo grego Pirro de Élis (360? a 272? a.C.). Ele pregava uma
ideia radical, caracterizada, essencialmente, por duvidar de todos os fenômenos
que rodeiam o ser humano. Para ele, seria impossível conhecer verdadeiramente
qualquer coisa.
Os
céticos, seguidores da escola de Pirro, “... admitiam que a realidade
existe, mas afirmavam que o ser humano não teria nenhum instrumento para
atingir a verdade de qualquer coisa. Em outras palavras, a filosofia deveria
ser uma negação do saber, não uma busca” (CHALITA: 2004, pág. 75). Em tese,
os céticos desprezam a ideia de valores sociais regendo o comportamento e as
relações entre os homens. Aliás, eles defendem que a felicidade pode até ser
atingida desde que o indivíduo alcance “... o estado de ataraxia, palavra
grega que designa a imperturbabilidade, o estado de paz tal como concebido pelo
ceticismo...” (Idem, pág. 75) e em relação com o que Pirro aprendeu do
bramanismo.
Bem,
se o dogmatismo – como veremos mais adiante –, por exemplo, é a crença absoluta
em certas verdades, sem questionamento ou possibilidade de erro, o cético questiona tudo o que
lhe é apresentado como verdade e não admite a existência de dogmas, fenômenos
religiosos ou metafísicos.
Outro
pensador que ficou conhecido também por conta de seu ceticismo foi o humanista
francês Michel de Montaigne (1533-1592), em sua obra Ensaios.
A frase atribuída a ele, “dizem que filosofar é duvidar”, expressa bem
este aspecto do ceticismo, quando manifesta a sua visão de que o conhecimento
humano é limitado. No entanto, o ceticismo de Montaigne não é passivo, mas
sim ativo, e é usado como ferramenta para questionar e criticar os costumes,
saberes e instituições da época e, portanto, seu pensamento servia para atenuar
a excessiva confiança que o homem renascentista – contemporâneo seu –, tinha
nas capacidades humanas. Em síntese, a obra Ensaios, de Montaigne, se
caracteriza pela sua abordagem individual, subjetiva e reflexiva, onde ele explora
a diversidade e complexidade do ser humano, relativizando verdades absolutas e
questionando dogmas.
A
questão é que se for levado ao pé da letra o ceticismo leva-nos a duvidar do
próprio ceticismo. “Ao mesmo tempo, não poderíamos emitir nenhuma opinião
sobre o ceticismo. Será que é possível negar tudo que está a nossa volta? Se
negarmos tudo, negaremos a própria negação e a dúvida que nos fez questionar o
objeto. Desta maneira, em algo devemos acreditar, ainda que tenhamos que
contestar as verdades que nos rodeiam” (BEZERRA. O.C.).
O
ceticismo tem ocupado o pensamento de muitos no meio religioso. No item abaixo,
veremos um pouco sobre isto.
2. O ceticismo na religião x resposta bíblica [2]
O
ceticismo religioso não é sinônimo de ateísmo, sendo que céticos podem ter
dúvidas sobre a religião sem rejeitá-la completamente. Exemplos históricos de
céticos, como os discípulos Natanael (Jo 1.45-47) e Tomé (Jo 20.25), ilustram
que esse fenômeno não é novo, mas tem se intensificado atualmente. A cultura
contemporânea, marcada pelo Iluminismo, por exemplo, e pela diversidade
de influências, tem contribuído para o aumento do ceticismo, especialmente
entre os jovens, que consideram as respostas bíblicas simplistas.
Além
disso, experiências negativas com práticas religiosas e a hipocrisia de alguns
indivíduos têm levado muitos a se afastarem da fé cristã. A dependência do empirismo
e a confusão provocada por diversas crenças religiosas também alimentam o
ceticismo. No entanto, o ceticismo saudável é importante para questionar
doutrinas errôneas e buscar verdade. O diálogo respeitável e humilde é
essencial para abordar as dúvidas dos céticos e compartilhar a esperança cristã
de maneira construtiva.
Na
verdade, o ceticismo religioso de base intelectual, por si só, não é ruim. De
fato, o ceticismo saudável é uma coisa boa — devemos ser cautelosos com o
ensino falso, e recebemos a seguinte instrução: "... provai os
espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo
mundo fora" (1 Jo 4.1). Aqui, vemos um exemplo de ceticismo no sentido
positivo: ter dúvida se algo é bom ou ruim. Uma fé saudável e duradoura
incorpora permissão para questionar e buscar respostas. Deus pode resistir ao
nosso escrutínio, e a dúvida não tem que equiparar a descrença. Deus nos
convida: "Vinde, pois, e arrazoemos, diz o SENHOR" (Is 1.18).
O apóstolo Paulo também afirma: “Portai-vos com sabedoria para com os que
são de fora; aproveitai as oportunidades..." (Cl 4.5), quando podemos envolver
os céticos no diálogo que conduz à verdade. O apóstolo Pedro também diz:
"... antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando
sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança
que há em vós" (1Pe 3.15). Ele segue imediatamente esse comando com
instruções sobre como envolver o questionador: "... fazendo-o, todavia,
com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam
contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento
em Cristo" (1Pe 3.16). A humildade e o respeito são cruciais para
lidar com céticos em nossa era pós-moderna.
Mas
como um cético pode encarar ou abordar um princípio ético? Como conciliar
posições céticas com normas ou deveres legais? Possivelmente, um cético, ao
abordar a ética, geralmente adotará uma postura questionadora e, por
vezes, incrédula em relação às verdades morais e às suas bases. Em vez de
assumir a existência de um código moral universal e objetivo, o cético pode se
concentrar em examinar e avaliar as diversas perspectivas e costumes que formam
a ética em diferentes contextos. Daí, o desafio de membros do governo
(Legislativo), por exemplo, de criar uma ética social – como veremos também em
outro momento – que possa ser aplicada a toda a sociedade e que contemple os
céticos.
Quero
terminar enfatizando a pessoa do Tomé como um cético e questionador. Mas, Jesus
soube envolvê-lo no diálogo e confrontá-lo na sua fé. Vejamos:
· Jo 20.25 – Conhece o ditado “sou igual a
Tomé, tenho que ver para crer”? Pois é, esta frase está baseada nas palavras
que ele disse: "Se eu não vir as marcas dos pregos em suas mãos, se eu
não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não
acreditarei".
· Jo 20.27-29 – Jesus aparece aos discípulos, diz
a Tomé para ele colocar o seu dedo nas marcas dos pregos e parar de duvidar. Ou
seja, Jesus confronta a dúvida ou o ceticismo de Tomé com verdade, a fé e o
milagre da ressurreição: o ceticismo de Tomé é revertido em fé, pois ele sabia
que Jesus tinha morrido e agora aparece vivo. Veja a resposta de Tomé: “Senhor
meu e Deus meu!”. Esta é uma das maiores verdades de um ex-cético que deixou de
duvidar e passou a crer. Aceitar a Jesus como o seu Deus (deísmo de Jesus) é um
dos dogmas mais importantes do Cristianismo, pois trata-se de Jesus, como o
Cristo e uma das pessoas da trindade, a principal doutrina cristã.
Veja
também:
§ Ceticismo, dogmatismo e
falibilismo.
Na sequência, veja o vídeo de Jonas Madureira,
onde ele faz uma reflexão sobre o ceticismo, e sua relação com a ciência e a
fé:
- [1] Um cético confuso. Imagem meramente ilustrativa, feita pela I. A. Grok em: 09/06/2025.
- [2] Resumo/comentário do artigo “O que é o relativismo ético?“ (O.C.).
Considerações
bibliográficas:
BEZERRA, Juliana. Ceticismo. In: Toda
Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/ceticismo/.
Acesso em: 09/06/2025.
CHALITA, Gabriel; Vivendo a filosofia. São Paulo: Atual, 2004.
GOT QUESTIONS. Ceticismo da religião. Disponível em: https://www.gotquestions.org/Portugues/ceticismo-da-religiao.html. Acesso em: 09/06/2025.