Por Gary R. Habermas [1]
O
racionalismo
filosófico
abrange vários aspectos do pensamento, sendo
que todos eles usualmente têm em comum a convicção de que a
realidade é de fato
racional
na sua natureza, e que fazer as deduções apropriadas é essencial
para a obtenção
do conhecimento. Semelhante lógica dedutiva e o emprego de processos
matemáticos fornecem as ferramentas metodológicas principais.
Dessa maneira, o racionalismo
frequentemente tem sido considerado em contraste com o empirismo.
Formas
anteriores do racionalismo encontram-se na filosofia grega, mais notavelmente em Platão, que sustentava que o uso apropriado do
raciocínio e da matemática era preferível à metodologia da
ciência natural. Esta última, i.
é.
o empirismo, não só se engana em muitas ocasiões, como também
apenas consegue observar fatos neste mundo mutável. Mediante o
raciocínio dedutivo, Platão acreditava ser possível Extrair o
conhecimento inato que já está presente quando a pessoa nasce,
conhecimento este que é derivado do mundo das formas.
O
Racionalismo,
no entanto, é mais frequentemente associado com os filósofos do
iluminismo
tais como Descartes, Spinosa e Leibniz. É essa forma do racionalismo
da Europa continental o assunto principal deste artigo.
1.
Ideias
Inatas
Descartes
enumerou vários tipos de ideias,
tais como aquelas que derivam
da experiência, aquelas que são extraídas da própria razão e
aquelas que são raras
e, portanto, são criadas por Deus na mente humana. Este último
grupo era um esteio
principal do pensamento racionalista.
Ideias
inatas são aquelas que são os verdadeiros atributos da mente
humana, que foram dadas à mente por Deus. Sendo assim essas ideias
"puras” são conhecidas a prori
por todos os seres humanos e, portanto, são cridas por todos. Elas
eram de importância decisiva para os racionalistas, de modo que
usualmente se sustinha que essas
ideias
eram
a condição prévia para a aprendizagem de fatos adicionais.
Descartes acreditava
que, sem ideias
natas, nenhum outro dado poderia ser conhecido.
Os
empiristas
atacavam os racionalistas neste aspecto e argumentavam que o
conteúdo
das ideias chamadas inatas na verdade era aprendido através da
experiência das pessoas, embora elas talvez tenham refletido pouco
sobre isso. Dessa maneira,
aprendemos
vastas quantidades de conhecimento através da nossa família,
educação e
sociedade,
que surge bem cedo na vida e que não pode ser contado como inato.
Uma
das respostas racionalistas a esse argumento empírico era indicar
que havia muitos
conceitos
largamente usados na ciência e na matemática, que não podiam ser
descobertos
apenas
pela experiência. Os
racionalistas, portanto, concluíram
que o empirismo não
poderia existir sozinho, pelo contrário exigia
que grandes quantidades de
verdades fossem aceitas pelo uso apropriado da razão.
2.
A
Epistemologia
Os
racionalistas tinham muito
a dizer a respeito
do conhecimento e de como a pessoa poderia
ter certeza. Embora essa pergunta recebesse respostas algo
diferentes, a maioria
dos racionalistas
finalmente voltou para
a
asserção
de que Deus era a garantia definitiva do conhecimento.
Talvez
o exemplo melhor dessa
conclusão se encontre na filosofia de Descartes.
Começando
a
partir da realidade da dúvida, ele resolveu
não aceitar nada de que não poderia certeza.
Pelo
menos uma realidade, no entanto, poderia ser deduzida dessa dúvida:
ele
estava duvidando
e, portanto, devia existir. Nas palavras do seu ditado
famoso:
"Penso,
logo existo”.
A
partir da percepção de que duvidava, Descartes concluiu que ele era
um ser dependente e finito. Passou, então, para a existência de
Deus através de procedimentos dos argumentos ontológico e
cosmológico. Nas Meditações III-IV das suas Meditações
de Filosofia
Primeira,
Descartes sustentou que sua ideia de Deus como infinito independente
é um argumento nítido e distinto em defesa da existência de Deus.
Descartes,
na realidade, concluiu que a mente humana não é capaz de conhecer
nada com mais certeza do que conhece a existência de Deus. Um ser
finito não será capaz de explicar a presença da ideia de um Deus
infinito à parte da Sua existência necessária.
Em
seguida, Descartes concluiu que, sendo perfeito, Deus não poderia
enganar seres finitos. Além disso, as próprias capacidades que
Descartes tinha para julgar o mundo em seu redor lhe foram dadas por
Deus, e, portanto, não o enganam. O
resultado
é que tudo quanto ele pode deduzir mediante o pensamento claro e
nítido
(tal
como aquele que se acha na matemática), a respeito do mundo e de
outras pessoas deve, portanto, ser verdadeiro. Sendo assim, a
existência necessária de Deus no somente torna possível o
conhecimento, como também garante a verdade a respeito
daqueles fatos que podem ser claramente delineados. A partir da
realidade da dúvida Descartes passou para a sua própria existência,
Deus e o mundo físico.
Spinoza
também ensinava que o universo operava segundo princípios
racionas que o uso apropriado da razão revelava essas verdades, e
que Deus era a garantia
definitiva do conhecimento. Rejeitava, no entanto, o dualismo
cartesiano, e preferiu
o
monismo (que alguns chamam de panteísmo), em que existia uma só
substância
chamada Deus ou natureza. A adoração era expressada de modo
racional, de acordo
com a natureza da realidade. Dos muitos atributos da substância, o
pensamento e
a extensão
eram os mais importantes.
Spinoza
utilizava metodologia geométrica para deduzir verdades epistemológicas
que podiam ser tidas como fatuais. Ao limitar boa parte do
conhecimento a verdades auto evidentes, reveladas pela matemática, ele acabou construindo um
dos melhores
exemplos da sistematização racionalista da história da filosofia.
Leibniz
expôs
o seu conceito de realidade na sua obra importante Monadologia.
Em contraste com o conceito materialista dos átomos, as mônadas
são unidades
metafísicas de força sem igual, que não são afetadas pelos
critérios externos. Εmbora
cada mônada
se desenvolva individualmente, estão inter-relacionadas através de uma "harmonia preestabelecida" lógica, que envolve uma
hierarquia de mônadas,
disposta
por Deus e que culmina nEle,
que é a Mônada
das mônadas.
Para
Leibniz, vários argumentos revelavam
a existência de Deus, estabelecido
como o responsável pela organização das mônadas num universo
racional, que era
“o
melhor
de todos os mundos possíveis".
Deus era também a base para o conhecimento,
e esse fato explica a existência do relacionamento epistemológico
entre o pensamento
e a realidade. Leibniz, portanto, voltou para um conceito de um Deus
transcendente
muito mais próximo da posição sustentada por Descartes e em
contraste com Spinoza, embora, nem
ele nem Spinoza tenham começado com o eu subjetivo, como fez
Descartes.
Dessa
maneira, a epistemologia era caracterizada por um processo dedutivo
de argumentação, sendo que atenção especial era dada à
metodologia matemática, e pela
fundamentação
de todo o conhecimento na natureza de Deus. O sistema de geometria
euclidiana
desenvolvido por Spinoza reivindicava ter demonstrado que Deus ou a
natureza era a única substância da realidade. Certos estudiosos de
convicções
cartesianas
passaram a sustentar o ocasionalismo, segundo a qual os eventos
mentais e físicos correspondem entre si (assim como o barulho de uma
árvore que cai
corresponde ao acontecimento propriamente dito), sendo que os dois
são ordenados por Deus. Leibniz utilizou uma aplicação rigorosa de
cálculo para derivar, por dedução, o conjunto infinito de mônadas
que culminam em Deus.
Esta
metodologia racionalista, e a ênfase dada à matemática em
especial, foi uma influência importante sobre a ascensão da ciência
moderna durante aquele período. Galileu sustentava algumas ideias
essencialmente relacionadas, especialmente no seu conceito da
natureza matematicamente organizada e percebida como tal através da
razão.
3.
A Crítica Bíblica
Das
muitas áreas em que a influência do pensamento racionalista foi
sentida, a alta crítica das Escrituras é certamente uma das mais
relevantes para o estudo das tendências teológicas contemporâneas.
Spinoza não somente rejeitava a inerrância e a natureza
proposicional da revelação especial nas Escrituras, como também
era um precursor de David Hume e de alguns deístas
ingleses que rejeitavam os milagres. Spinoza sustentava que os
milagres, caso sejam definidos como eventos que quebram as leis da
natureza, não ocorrem.
Várias
tendências no deísmo inglês refletem a influência do racionalismo
da Europa continental e semelhanças com ele; o mesmo pode ser dito
sobre a influência do empirismo britânico e as similaridades com
ele. Além da aceitação do conhecimento inato disponível a todos
os homens, e da dedução de proposições a partir desses
conhecimentos gerais, os deístas como Matthew Tindal, Anthony
Collins e Thomas Woolston procuravam rejeitar os milagres e as
profecias cumpridas como evidências a favor da revelação especial.
Na realidade, o deísmo como um todo era geralmente caracterizado
como uma tentativa de encontrar uma religião natural à parte da
revelação especial. Muitas dessas tendências tiveram efeitos
marcantes na alta critica
contemporânea.
Avaliação
Embora
o racionalismo fosse bastante influente de muitas maneiras, também
era fortemente criticado pelos estudiosos que notaram vários pontos
fracos.
Em
primeiro lugar, Locke, Hume e os empiristas nunca se cansavam de
atacar o conceito das ideias
inatas. Asseveravam que as crianças pequenas davam pouca indicação,
ou até mesmo nenhuma, de alguma quantidade vital de conhecimentos
Inatos, Pelo contrário, os empiristas não hesitavam em indicar a
experiência dos sentidos como o principal mestre, mesmo na infância.
Em
segundo lugar, os empiristas também asseveravam que a razão não
poderia ser o único (e
nem
sequer o principal)
meio de se conseguir o conhecimento considerando que uma quantidade
tão grande dele é captada pelos sentidos. Embora seja verdade que
boa parte do
conhecimento
não pode ser reduzida à experiência dos sentidos,
esse fato não
indica que seja o meio
principal de se adquirir conhecimento.
Em
terceiro lugar, tem sido frequentemente indicado que, isoladamente, a
razão
leva para um número
por demais grande de contradições
metafisicas e
de
outras
espécies.
Por exemplo,
o dualismo de Descartes, o monismo
de Spinoza e a monadologia de Leibniz, todos têm sido declarados
absolutamente conhecíveis,
em nome do racionalismo. Se uma ou mais destas opções forem
incorretas, o que se deve dizer a respeito das demais?
Em
quarto lugar, refutações da alta critica racionalista e deísta
apareceram rapidamente, escritas por estudiosos capazes como John
Locke, Thomas Sherlock Joseph Butler e William Paley. A revelação
especial e os milagres foram especialmente defendidos contra os
ataques. Analogy of Religion (Analogia da Religilo") de Butter
em especial, era tão devastador que muitos têm concluido que a obra
não é apenas uma das apologéticas mais poderosas a favor da té
crista, mas também a razão principal do desfalecimento do deísmo.
Notas / Referências bibliográficas:
- [1] Gary Robert Habermas “… é um estudioso e teólogo americano do Novo Testamento que frequentemente escreve e dá palestras sobre a ressurreição de Jesus. Ele se especializou em catalogar e comunicar tendências entre estudiosos no campo do Jesus histórico e dos estudos do Novo Testamento”. In: <Gary Habermas>. O artigo – Racionalismo – usado (e adaptado) aqui é uma contribuição de Habermas à Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. III. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 225 a 228.
- [2] Sobre o empirismo: “… embora tudo isto tenha sucedido no continente europeu, na Grã-Bretanha a filosofia tomava um caminho muito distinto. Esse caminho era o do ‘empirismo’ (de uma palavra grega que significa “experiência”). Seu fundador foi o professor de Oxford, João Locke, que em 1690 publicou seu Ensaio sobre o entendimento humano. Locke havia lido as obras de Descartes e estava tão convencido como o filósofo francês de que a ordem do mundo corresponde a ordem do pensamento. Mas não cria que houvesse tal cousa como ideias inatas. Segundo ele, todo conhecimento procede da experiência. Essa experiência pode ser tanto a que nos dão os sentidos como a que nos dá nossa mente ao conhecer-se a si mesma (o que ele chama “sentido interno”). Mas na mente não existe ideia alguma antes que a experiência nos conduza a ela. Isto quer dizer ainda que o único conhecimento certo é o que se baseia na experiência. Não em qualquer experiência passada, mas unicamente na experiência atual.” (Veja aqui, pág., 8).