“Se Deus se revela ao homem, ele faz essencialmente ao homem como ser pensante... os animais não têm religião..."
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831) [1], Filósofo alemão. Filho de um funcionário público em Stuttgart. Nada na sua juventude nem na sua escolaridade indicava a grande influência que viria a ter. Quando se formou na Universidade de Tübingen, em 1793, seu certificado recomendava seu bom caráter e conhecimento razoável de teologia e filologia, bem como seu domínio inadequado de filosofia. Depois de ter sido um tutor residente de famílias aristocráticas, Hegel aceitou um professorado na Universidade de Jena, em 1801. Ali, foi influenciado por Schelling, com quem trabalhou na redação do Critical Journal of Philosophy ("Revista Critica da Filosofia"). Foi em Jena, também, que escreveu sua primeira obra importante: The Phenomenology of Spint CA Fenomenologia do Espirito"). Infelizmente, uma batalha militar em 1807 forçou a Universidade a se fechar, e Hegel passou a trabalhar por um breve período como editor de um noticiário diário. Em 1808, tornou-se diretor de uma escola em Nuremberg, onde sua filosofia continuava a florescer num ritmo natural. Em 1816, começou a ensinar filosofia na Universidade de Heidelberg. Finalmente, em 1818 tornou-se catedrático de Filosofia na Universidade de Berlim, onde ficou famoso e influente.
Hegel foi o mais influente dos idealistas alemães. Na opinião dele, apenas a mente é real: tudo o mais é a expressão da mente. A filosofia veio a ser um tipo de teologia para Hegel, porque via toda a realidade como uma expressão do Absoluto, que é Deus Tudo quanto existe é a expressão da mente divina, de modo que o real é racional e o racional é real.
Em termos de método, Hegel procurava acentuar aquilo que considerava como contradições no pensamento das pessoas, a fim de desmascarar a fraqueza das suas opiniões. Pensava que o erro é causado polo pensamento incompleto ou pela abstração. Quando ele desmascarava as "contradições", as pessoas podiam perceber que seus pensamentos eram incompletos, sendo levadas a compreender aquilo que era especifico e real. Hegel pensava na própria História como um foro onde as contradições e as insuficiências do pensamento e ação finitos são desmascaradas, permitindo que a mente infinita do Absoluto chegue a níveis superiores da expressão cultural e espiritual.
Segundo Hegel, o Estado é a realização mais sublime do homem. Embora ele enfatizasse o amor dentro da família, considerava que o Estado era uma expressão mais sublime e universal do amor familiar. O Estado produz a concretização do ideal ético; a mente da nação é o divino, "o Deus real", que em si mesma tem conhecimento e vontade. O fato de que o Estado impõe sua vontade pela força não preocupava Hegel, que considerava benéfica a guerra. A guerra evita a estagnação na história e preserva a saúde das nações. Duas nações diferentes podiam ter razão igualmente, e as duas podiam ser expressões divinas; a guerra decide qual "direito" tem que ceder lugar ao outro.
Hegel dividia a religião em quatro etapas diferentes – quatro maneiras de obter conhecimento do Absoluto. A primeira é a religião natural, ou o animismo, em que o homem adorava as árvores, os ribeiros e os animais. A segunda etapa representa Deus de forma humana, com templos edificados e estátuas honradas. Esta etapa também envolve o desenvolvimento da autoconsciência nos seres humanos. O cristianismo histórico fornece a terceira etapa. Mediante a encarnação, Deus está presente no mundo – Deus e os homens juntos. Hegel dava valor aos ensinos éticos de Jesus, especialmente os do Sermão da Montanha. Jesus não fazia distinção entre inimigos e amigos; ele rompia as desigualdades. Com Jesus, a moralidade era uma expressão espontânea da vida – uma participação da vida divina. A quarta etapa é a mais alta; é a reformulação por Hegel das crenças cristãs em conceitos da filosofia especulativa.
Segundo Hegel, a religião (como a vida da mente em geral) aparece sobretudo na forma dos pensamentos ou conceitos humanos. Sentir é a forma inferior de consciência, enquanto que o raciocínio – que distingue o homem dos animais – é a forma mais elevado. ‘Se Deus se revela ao homem, ele faz essencialmente ao homem como ser pensante... os animais não têm religião.’ O sistema de Hegel abria espaço para os aspectos eruditos e especulativos da teologia... [2]
Hegel via Deus manifestado no mundo de muitas maneiras. A própria História é estudo da providência divina. Mediante a ação divina, "contradições entre movimentos ou culturas antitéticos são repetidas vezes resolvidas numa síntese superior. Deus Se expressou plenamente na encarnação, porque aqui Sua presença não estava restrita além do mundo. Apesar disso, na encarnação Deus ficou demasiadamente ligado a um meio ambiente especifico. É necessária uma religião filosófica mais geral. Deus é amor, e, portanto, embora a negação e a oposição sejam historicamente necessárias entre as teses e antíteses, a reconciliação e a síntese são sempre essenciais. Os movimentos dialéticos da História são expressões da providência de Deus no decurso de todo o tempo.
As interpretações de Hegel variam grandemente. Muitos consideram que seu cristianismo "filosofizado" é herético, um panteísmo levemente velado. Para outros, o sistema de Hegel é uma tentativa sincera de articular a verdade cristã na linguagem filosófica. Sua influência teve amplo alcance e se estendeu para a dialética histórica de Marx por um lado, e para a preocupação de Kierkegaard com a autoconsciência e a paixão, por outro lado.
[1] DEVRIES P. H.: Ph.D., Universidade de Virgínia. Professor Adjunto de Filosofia, Wheaton College, Wheaton, Illinois, EUA. O texto a seguir é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, mencionado nas Referências Bibliográficas deste artigo.
[2] HAGGLUND, 2003: Pág. 313.
Referências bibliográficas:
DEVRIES, Paul Henry. Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831). In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 242 e 243.
HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre/RS: Concórdia, 2003.
A
palavra
dialética,
conforme
costuma-se definir no campo da Filosofia, significa
o "caminho entre as ideias" e
“… consiste
em um método de busca pelo conhecimento baseado na arte do diálogo.
É desenvolvida a partir de ideias e conceitos distintos e que tendem
a convergir para um conhecimento seguro” [1].
Este
“conhecimento seguro” só será possível após diversos
diálogos, incluindo os
prós e os contras,
discussões gerais
e
finalmente,
a
chegada a um consenso ou
essência do
saber do objeto ou ideia em questão. Mas
longe de dar um veredito final ao resultado do objeto estudado, adialética
propõe “... um
modo de pensar que, ao privilegiar as contradições da realidade,
permite que o sujeito se compreenda como agente e colaborador do
processo de transformação constante através do qual todas as
coisas existem…”
(KONDER:
1998)[2].
A
dialética, que teve sua origem na Grécia Antiga, ou
com
Zenão
de Eleia
(c. 490-430
a.C.) ou
com Sócrates
(469-399
a.C.), tem
estado a serviço da Filosofia na Antiguidade, Idade Média, Moderna
e Contemporânea.
Para
os objetivos deste post, fixamos
apenas
nos pensamentos de Hegel e Marx. Com
Hegel
(1770-1831), segundo
o qual, a filosofia
veio a ser um tipo de teologia, a
sua dialética também
seguia por este caminho. Hegel percebe
que a realidade restringe as possibilidades dos seres humanos, que se
realizam como uma força da natureza capaz de transformá-la a partir
do trabalho do espírito. Sua
dialética
compunha
detrês
elementos: a
tese,
a antítese
ea
síntese.
A teseé
a afirmação inicial, a proposição que se apresenta; a
antítese
é
a refutação ou negação da tese, considerando
a contraditoriedade
daquilo que foi negado; e
asíntese
é composta a partir da convergência lógica (lógica dialética)
entre a tese e sua antítese. Essa síntese, entretanto, não assume
um papel de conclusão, mas sim como uma nova tese capaz de ser
refutada dando continuidade ao processo dialético…
A
dialética hegeliana enquanto teoria do conhecimento é aprofundada
pelo marxismo. Aqui o conhecimento é totalizante. Karl
Marx(1818-1883)
concorda com Hegel no aspecto do trabalho como força humanizadora.
Entretanto, para ele o trabalho dentro da perspectiva capitalista,
pós-revolução industrial assume um caráter alienante.
Marx
defendeu
que vivemos em um mundo onde tudo é material, não havendo o
sobrenatural.
Assim, são abolidas as noções espirituais e o transcendente. A
sociedade passa a ser explicada apenas em um ciclo de classes
opressoras e oprimidas. Defendendo a materialidade de tudo, os
valores morais também são reduzidos à materialidade, importando
apenas os bens econômicos. Não há respeito à dignidade única de
cada pessoa, sua liberdade, vida e escolhas.
O
comunismo seria um paraíso terrestre, uma sociedade idealizada. Em
prol de um futuro idealizado, sacrifica-se o presente[3].
O
marxismo procura ser científico, tentando
não depender
de uma filosofia. Acontece que não
consegue
escapar
de uma escolha filosófica prévia que por sua vez informa todo seu
desenvolvimento científico posterior. E esta escolha é um ato de fé
que corresponde ao ato de fé daquele que se vira para Cristo, mas
o dogmatismo
marxista não permite outra solução a não ser aquela aventurada
por Marx. Os marxistas fazem uma crítica cerrada àqueles que
aceitam a Bíblia (ou a tradição eclesiástica) como ponto de
partida para sua fé. No entanto, os ideólogos marxistas citam os
escritos de Marx e Engels como se fossem uma revelação divina.
A
critica
de
Marx à
religião como
“começo
de toda
crítica”, e
expressa
na conhecida frase “A
Religião é o Ópio do Povo”, é
uma orientação antirreligiosa
que
o torna, sim,
segundo Fulton
J. Sheen, o
Comunismo no
“ópio do povo”. Marxistas esperam que o povo troque a religião
pelo marxismo através da
revolução cultural.
O Comunismo engana o pobre com a esperança falaz de um paraíso terrestre…
O Comunismo é o ópio do povo porque adormece os pobres prometendo-lhes algo que nunca lhes pode dar, ou seja um paraíso terrestre. Mudando apenas uma palavra numa sentença de Lenine: ‘O Comunismo ensina aqueles que labutam toda a sua vida em pobreza a serem resignados e pacientes neste mundo, e consola-os pelo pensamento de um paraíso terrestre’. Singular espécie de paraíso esse, que é inaugurado pelo morticínio, pelo exílio e pelo confisco; estranha espécie de paraíso esse, que espera estabelecer a fraternidade pregando a luta de classes, e estabelecer a paz praticando a violência. Estranha espécie de paraíso esse que tem de recorrer ao temor e à tirania para impedir que alguém ‘escape’ dele[4].
Portanto,
como vimos aqui,
a ideologia e a dialética marxistas estão intimamente interligadas
ao saber numa autorreflexão hegeliana, embora encaixadas dentro do
esquema materialista.
Infelizmente,
há uma grande quantidade de “cristãos” achando que é possível
ser cristão e comunista ao mesmo tempo. Como
abrimos o post acima, “pode
ser que o comunismo esteja neste mundo hoje porque os cristãos não
foram suficientemente cristãos e as democracias não foram
suficientemente democráticas”,
já
dizia Martin
Luther King.
“… o marxismo é uma miscelânea de evolucionismo, hegelianismo com iluminismo humanista impregnado de fortes influências da cosmovisão judaico-cristã...”
O pensamento de Karl Marx, bem como o sistema filosófico conhecido como marxismo, tem sido amplamente discutido como uma teoria sociopolítico-econômica [2]. Parece difícil comprovar a eficácia das promessas marxistas na história, Quando executadas, seus resultados são poucos satisfatórios. Apesar disso, o marxismo tem sido visto, de modo geral, como um sistema filosófico e "cientifico". Nestas poucas linhas gostaríamos de comentar alguns aspectos religiosos e teológicos do marxismo que têm sido pouco enfatizados, mas que, talvez, possam explicar o relativo sucesso e popularidade das ideias do renomado filósofo judeu-alemão.
É quase
universalmente conhecida a visão negativa que o pensamento de Marx
sustenta
com respeito à religião. A religião é o ópio do povo. Ela aliena
o homem de si mesmo, proporcionando-lhe uma fuga de sua atitude
transformadora da história. Assim, o marxismo é caracterizado como
ateu e antirreligioso. O fato, porém, é que Marx, sendo judeu
e tendo vivido na Europa Ocidental do século XIX, aproveitou muito
de sua herança judaico-cristã para a elaboração de seu sistema
filosófico. Invertendo o idealismo
de Hegel [3],
Marx considera a matéria como realidade única e entende o
desenvolvimento da história de modo similar à visão cristã.
A história caminha para um alvo
final que é a remissão do homem de todas suas injustiças, mazelas
desigualdades. O comunismo marxista implantará esta condição sem
par. A visão é
escatológica.
Deus é substituído pelo homem, que se torna o personagem principal
do cenário. As profecias bíblicas e aspirações de uma idade de
ouro (recuperada ou não) são aproveitadas, mas somente se cumprirão
mediante a ação humana e a execução dos princípios dos escritos
de Marx e Engels, substitutos da Bíblia. Nessa estrutura Humanista
também não falta um povo escolhido ou predestinado, que executará
a brilhante
tarefa: o proletariado. Este tem os mais ricos como gentios e deverão
triunfar sobre eles. Há, então, um aspecto messiânico e
soteriológico no pensamento marxista que, certamente, tem suas
origens no pensamento judaico-cristão, tão fortemente criticado
pelo mesmo.
Devido a estes aspectos, o marxismo já tem sido considerado até mesmo uma espécie de heresia do cristianismo. Enquanto as ideias de Marx parecem ignorar as necessidades
transcendentais ou religiosas do ser humano, quando postas em prática
seu
sucesso parece depender diretamente destas mesmas necessidades!
Parece sensato afirmar que o marxismo é uma miscelânea de
evolucionismo, hegelianismo com iluminismo
humanista impregnado de fortes influências da cosmovisão
judaico-cristã.
Ele
tenta
unir o agradável e desejável do pensamento cristão (promessas de
um futuro perfeito, propósito específico para a história e para o
homem) com as inovações da modernidade que procuraram suavizar ao
homem as exigências do cristianismo histórico (humanismo; o homem é
Deus, a ciência humana trará felicidade final ao homem
etc.). Com esta estrutura, aliada às injustiças sociais e fracassos
de diversos sistemas
políticos, o marxismo tem encontrado grande espaço no século XX,
visto que está mais bem elaborado para atingir e se comunicar com a
grande parte dos homens este século que não quer Deus, mas que
deseja seus benefícios. Além deste aspecto, deve
ser lembrado que o marxismo permanece como um dos poucos sistemas
filosóficos
da atualidade que possui propósitos e promessas, visto que as
filosofias europeias
do século XX têm tentado focalizar o absurdo, o desespero e a
falta de significado
do ser humano (existencialismo). Tal fato deixa o marxismo com poucos
concorrentes! Talvez seja possível entender as razões do
crescimento do marxismo ateu neste século, cujo sucesso relativo
ocorre devido às suas características transcendentais e religiosas,
as quais ele tanto condena no cristianismo. Talvez isso aconteça por
temor ao seu concorrente que já tem séculos de permanência e vida,
enquanto o marxismo declina principalmente por contar com uma visão
antropológica otimista, confiando na bondade e esforços humanos,
enquanto os cristãos confiam no Deus criador e na redenção que há
em Cristo Jesus.
[1] Luiz Alberto Teixeira Sayão é um pastor batista, teólogo, linguista, tradutor bíblico e hebraísta brasileiro…. Atualmente apresenta alguns programas na Rádio Trans Mundial que são: Rota 66, A Verdadeira Espiritualidade, Conversando com Luiz Sayão e No Ponto (Wikipedia). Veja mais em: <https://luizsayao.com.br/about-us/>. O texto a seguir é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (R. B.).
[2] Já destacamos brevemente suas ideias (econômicas e políticas) quando falamos sobre a Revolução Russa de 1917. Veja o link: <A Revolução Russa de 1917>.
SAYÃO, Luiz Alberto Teixeira. Karl Max. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 483 e 484.
“Os
teólogos da libertação concordam com a famosa declaração de
Marx: ‘Até
agora, os filósofos têm explicado o mundo; a nossa tarefa é
transformá-lo’.
Argumentam que os teólogos não devem ser teóricos, mas praticantes
que se engajam na luta para realizar a transformação da sociedade…”
(WEBSTER) [1]
Teologia
da Libertação e sua influência na Igreja [2]
Trata-se mais de um movimento que procura unir a teologia e as preocupações sociopolíticas do que de uma nova escola de teoria politica. É mais exato falar das teologias da libertação, no plural, porque essas teologias de libertação acham expressão contemporânea entre negros, feministas, asiáticos, latino-americanos e índios das Américas. A expressão mais relevante e articulada acontece na América Latina. Temas teológicos têm sido desenvolvidos no contexto latino-americano, servindo como modelos para outras teologias de libertação.
Há, no mínimo, quatro fatores principais que desempenharam um papel relevante na formulação da teologia da libertação latino-americana. Em primeiro lugar, é um movimento teológico pós-iluminista. Os proponentes principais – tais como Gustavo Gutiérrez, Juan Segundo, José Miranda reagem favoravelmente às perspectivas epistemológicas e sociais de Kant, Hegel e Marx. Em segundo lugar, a teologia da libertação tem sido grandemente influenciada pela teologia politica europeia e pela teologia radical norte-americana, e tem achado em J. B. Metz e Jürgen Moltmann e Harvey Cox perspectivas que criticaram a natureza não-histórica e individualista da teologia existencial.
Em terceiro lugar, é, na sua maior parte, um movimento teológico católico romano. Com exceções notáveis tais como José Miguez-Bonino (metodista) e Rubem Alves (presbiteriano), a teologia da libertação tem sido identificada com a Igreja Católica Romana. Depois de Vaticano II (1965) e da Conferência dos Bispos Latino-Americanos (CELAM II) em Medelin, na Colômbia (1968), um número relevante de líderes latino-americanos dentro da Igreja Católica Romana voltou-se para a teologia da libertação como a voz teológica da igreja latino-americana. O papel dominante da Igreja Católica Romana na América Latina fez dela um veículo significante para disseminar a teologia da libertação por todo o continente sul-americano.
Em quarto lugar, é um movimento teológico situado de modo especifico e singular no contexto latino-americano. Os teólogos da libertação argumentam que o continente deles tem sido vitimado pelo colonialismo, imperialismo e pelas sociedades anônimas multinacionais. O “desenvolvimento” econômico colocou as nações do Terceiro Mundo, chamadas subdesenvolvidas, numa situação de dependência, e, como resultado, as economias locais da América Latina estão sendo controladas por decisões feitas em Nova Iorque, Houston ou Londres. A fim de perpetuarem essa exploração econômica (assim argumentam os liberacionistas), os países capitalistas poderosos, especialmente os Estados Unidos, oferecem ajuda militar e econômica para garantir certos regimes políticos que colaboram para o estado atual da economia. Esses quatro fatores combinam-se para criar um método e uma interpretação teológicos distintivos.
1. O Método Teológico
Gustavo Gutiérrez define a teologia como "a reflexão critica sobre a práxis histórica. A feitura de uma teologia exige que o teólogo esteja engajado na sua própria história intelectual e sociopolítica. A teologia não é um sistema de verdades eternas que ocupa o teólogo no processo repetitivo da sistematização e da argumentação apologética. A teologia é um exercício dinâmico contínuo que envolve percepções contemporâneas do conhecimento (a epistemologia), do homem (a antropologia) e da história (a análise social). "Práxis significa mais do que a aplicação da verdade teológica a uma determinada situação. Significa a descoberta e a formulação da verdade teológica dentro de uma determinada situação histórica, mediante a participação pessoal na luta de classes, visando uma nova sociedade socialista. A teologia da libertação aceita o duplo "desafio do Iluminismo" (Juan Sobrino). Esses dois elementos criticos formam a hermenêutica bíblica da teologia da libertação. O primeiro desafio vem através da perspectiva filosófica começada por Immanuel Kant, que argumentava a favor da autonomia da razão humana. A teologia já não é elaborada para corresponder à autor revelação de Deus mediante a autoria divino-humana da Bíblia. Essa revelação "externa" é substituída pela revelação de Deus achada na matriz da interação humana com a história. O segundo desafio vem através da perspectiva politica fundada por Karl Marx, que argumenta que a integridade do homem pode ser realizada somente quando se vence as estruturas políticas e econômicas alienantes da sociedade. O papel do marxismo na teologia da libertação deve ser entendido com honestidade. Alguns criticos sugerem que não se pode distinguir entre a teologia da libertação e o marxismo, mas tal conceito não é totalmente exato.
Os teólogos da libertação concordam com a famosa declaração de Marx: "Até agora, os filósofos têm explicado o mundo; a nossa tarefa é transformá-lo". Argumentam que os teólogos não devem ser teóricos, mas praticantes que se engajam na luta para realizar a transformação da sociedade. Para fazer isso, a teologia da libertação emprega uma análise de classes de estilo marxista, que divide a cultura entre os opressores e os oprimidos. Essa análise sociológica do conflito procura identificar as injustiças e a exploração dentro da situação histórica. O marxismo e a teologia da libertação voltam-se para a fé cristã como um meio de efetivar a libertação. Marx não conseguiu perceber a força emotiva, simbólica e sociológica que a igreja poderia ser na luta pela justiça. Os teólogos da libertação declaram que não estão deixando para trás a antiga tradição cristã quando empregam o pensamento marxista como uma ferramenta para a análise social. Declaram que não usam o marxismo como uma cosmovisão filosófica, nem como um plano abrangente para a ação politica. A libertação humana pode começar com a infraestrutura econômica, mas não termina ali.
O desafio do Iluminismo é seguido pelo desafio da situação latino-americana na formulação da hermenêutica da práxis da teologia da libertação. A chave hermenêutica importante que emerge do contexto latino-americano 6 resumida na referência de Hugo Assmann ao "privilégio epistemológico dos pobres". Num continente onde a maioria é pobre e católico romana, a teologia da libertação declara que a luta é contra a desumanidade do homem para com o seu próximo, e não contra a incredulidade. Os teólogos da libertação têm esculpido uma posição especial para os pobres. "O pobre, o outro, nos revela o totalmente Outro" (Gutiérrez). Toda a comunhão com Deus depende de optar pelas classes pobres e exploradas, Identificando-se com sua triste situação, e compartilhando seu destino. Jesus "seculariza os meios da salvação, o faz com que o sacramento do 'outro' seja um elemento determinante para a entrada no Reino de Deus" (Leonardo Boff). "Os pobres são a epifania do Reino ou da exterioridade infinita de Deus” (Enrique Dussel). A teologia da libertação sustenta que na morte do camponês ou do indígena, somos confrontados com "o poder monstruoso do negativo” (Hegel). Somos forçados a entender Deus a partir da história mediada através das vidas dos seres humanos oprimidos. Deus não é reconhecido analogicamente na beleza e no poder da criação, mas dialeticamente no sofrimento e no desespero da criatura. A tristeza "dispara o processo da cognição" e nos capacita a compreender Deus e o significado da Sua vontade (Sobrino). Combinar a reflexão crítica pós-iluminista com uma nítida consciência da história latino-americana, tão elevada de conflitos, resulta em várias perspectivas teológicas importantes.
2. A Interpretação Teológica
Os teólogos da libertação acreditam que a doutrina ortodoxa tende a manipular Deus para favorecer a estrutura social capitalista. Alegam que a ortodoxia depende de noções gregas antigas que viam Deus como um ser estático que está distante e remoto da história humana. Essas noções distorcidas da transcendência e da majestade de Deus resultaram numa teologia que pensa num Deus “lá em cima" ou "lá fora". Como consequência, a maioria dos latino-americanos tornou-se passiva diante da injustiça e supersticiosa na sua religiosidade. A teologia da libertação responde ressaltando o mistério incompreensível da realidade de Deus. Deus não pode ser resumido a uma linguagem objetificante nem conhecido através de uma lista de doutrinas. Deus é achado no curso da história humana. Deus não é uma entidade perfeita e imutável, "acomodado longe do mundo". Ele Se apresenta diante de nós na fronteira do futuro histórico (Assmann). Deus é a força motriz da história, que leva o cristão a experimentar a transcendência como uma “revolução cultural permanente” (Gutiérrez). O sofrimento e a dor tornam-se a força motivadora para conhecer a Deus. O Deus do futuro é o Deus crucificado que submerge num mundo de desgraça. Deus é achado nas cruzes dos oprimidos mais do que na beleza, no poder ou na sabedoria.
A noção bíblica da salvação é equiparada ao processo da libertação da opressão e da injustiça. O pecado é definido em termos da desumanidade do homem para com seu próximo. A teologia da libertação, para todos os propósitos práticos, equipara amar ao próximo com amar a Deus. As duas atitudes não são apenas praticamente inseparáveis como também virtualmente indistinguíveis entre si. Deus é achado em nosso próximo e a salvação é identificada com a história do "tornar-se homem". A história da salvação passa a ser a salvação da história, que abrange todo o processo de humanização. A história bíblica é importante à medida que oferece modelos e ilustrações para essa busca da justiça e da dignidade humana. A libertação de Israel no Êxodo e a vida e a morte de Jesus destacam-se como protótipos da luta humana contemporânea pela libertação. Esses eventos bíblicos representam a relevância espiritual da luta secular pela libertação.
A Igreja e o mundo já não podem ser segregados. A igreja deve deixar que seja habitada e evangelizada pelo mundo. "Uma teologia da Igreja no mundo deve ser implementada por uma teologia do mundo na Igreja" (Gutiérrez). Tomar o partido dos oprimidos, em solidariedade com eles, contra os opressores é um ato de "conversão", e "evangelização” é proclamar a participação de Deus na luta humana pela justiça.
A importância de Jesus para a teologia da libertação acha-se na Sua luta exemplar pelos pobres e proscritos. Seus ensinos e Suas ações em favor do reino de Deus demonstram o amor de Deus numa situação histórica que tem notável semelhança com o contexto latino-americano. O significado da encarnação é reinterpretado. Jesus não é Deus num sentido ontológico nem metafísico. O essencialismo é substituído pela noção da relevância relacional de Jesus. Jesus nos mostra o caminho de Deus; Ele nos revela o meio de nos tornarmos filhos de Deus. O significado da encarnação de Jesus acha-se na Sua total imersão numa situação histórica de conflito e opressão. Sua vida absolutiza os valores do reino – o amor incondicional, o perdão universal e a referência continua ao mistério do Pai. Mas é impossível fazer exatamente aquilo que Jesus fez, porque Seus ensinos específicos dirigiam-se a um período histórico especifico. Em certo nível, Jesus pertence irreversivelmente ao passado, mas em outro nível, Jesus é o ápice do processo evolucionista. Em Jesus, a história chega ao seu alvo. Seguir a Jesus, no entanto, não é questão de seguir Seus passos na tentativa a aderir à Sua conduta moral e ética, mas é recriar o Seu caminho, mantendo-se aberto à Sua "memória perigosa" que lança dúvidas sobre o nosso caminho. A singularidade da cruz de Jesus não se acha no fato de que Deus, num momento específico do espaço e do tempo, experimentou o sofrimento que é intrínseco à pecaminosidade do homem a fim de fornecer um caminho de redenção. A morte de Cristo não é uma oferta vicária pela humanidade que merece a ira de Deus. A morte de Jesus é sem igual porque Ele torna histórico de modo exemplar o sofrimento de Deus em todas as cruzes dos oprimidos. A teologia da libertação sustenta que através da vida de Jesus as pessoas são trazidas à convicção libertadora de que Deus não permanece fora da história, indiferente ao curso presente de maus eventos, mas que Ele Se revela através do veículo autêntico dos pobres e dos oprimidos.
3. A Análise Crítica Teológica
A força da teologia da libertação acha-se na sua compaixão pelos pobres e na sua convicção de que o cristão não deve permanecer passivo e indiferente diante dos seus apuros. A desumanidade do homem para com o seu próximo é pecado e merece o castigo divino e a oposição dos cristãos. A teologia da libertação é um apelo a um discipulado sacrificial e uma lembrança de que seguir Jesus envolve consequências práticas sociais e políticas.
A fraqueza da teologia da libertação tem sua origem na aplicação de princípios hermenêuticos enganosos e no afastamento da fé cristã histórica. A teologia da libertação tem razão em condenar uma tradição que procura fazer uso de Deus para atingir as suas próprias finalidades, mas engana-se ao negar a auto-revelação definitiva de Deus na revelação bíblica. Argumentar que nosso conceito de Deus é determinado pela situação histórica é concordar com a secularização radical que absolutiza o processo temporal e dificulta a distinção entre a teologia e a ideologia.
O marxismo pode ser uma ferramenta útil para identificar a luta de classes que está sendo travada entre muitos países do Terceiro Mundo, mas surge a pergunta: O papel do marxismo foi limitado a uma ferramenta de análise ou foi transformado em solução politica? A teologia da libertação tem razão em desmascarar o fato da opressão na sociedade e o fato de haver opressores e oprimidos, mas é errado dar a esse alinhamento uma condição quase ontológica. Talvez isso possa ser feito com o marxismo, mas o cristão entende que o pecado e a nossa alienação de Deus é um dilema que confronta tanto o opressor como os oprimidos. A ênfase que a teologia da libertação atribui aos pobres dá a impressão de que os pobres não somente são o objeto da solicitude de Deus, como também o sujeito da salvação e da revelação. Somente o clamor dos oprimidos é a voz de Deus. Tudo o mais é projetado como uma tentativa vã de compreender Deus por algum meio que sirva aos próprios interesses. Essa é uma noção confusa e enganadora. A teologia bíblica revela que Deus é a favor dos pobres, mas não ensina que os pobres são a própria corporificação de Deus no mundo de hoje. A teologia da libertação ameaça politizar o evangelho de tal maneira que aos pobres é oferecida uma solução que poderia ser provida com ou sem Jesus Cristo.
A teologia da libertação desperta os cristãos para levarem a sério o impacto politico e social da vida e da morte de Jesus, mas deixa de fundamentar a singularidade de Jesus na realidade da Sua divindade. Alega que Ele é diferente de nós quanto ao grau, mas não quanto ao tipo, e que a Sua cruz é o clímax da Sua identificação vicária com a humanidade sofredora ao invés de ser uma morte vicária oferecida para desviar a ira de Deus e para triunfar sobre o pecado, a morte e o diabo. Uma teologia da cruz que isola a morte de Jesus do seu lugar específico no desígnio de Deus, e que repudia o desvendamento do seu significado revelado não tem poder algum para nos levar a Deus, e para garantir, assim, que nossa entrega teológica seja perpétua.
Sugiro, também, o vídeo, a seguir, de Luiz Camargo:
Notas:
[1] Douglas
D. WEBSTER é
um pastor
presbiteriano
(?), Ph.D., Universidade de Toronto, Professor de Teologia, Seminário
Teológico de Ontário, Willowdale. Ontário, Canadá… Veja
mais em: <Douglas
Webster (samford.edu)>.
O texto a seguir é uma contribuição à Enciclopédia
Histórico-Teológica da Igreja Cristã (R. B.).
WEBSTER, Douglas D.. Teologia da Libertação. In: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Editor Walter A. Elwell. Vol. III. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 479 a 483.
No artigoJoseph Fletcher e a Lei do Amor vimos que
ele – Fletcher – argumenta que as decisões éticas devem ser baseadas nas
circunstâncias únicas de cada situação, e não em regras absolutas e rígidas. E,
para fazer uma relação com esta ideia resolvi falar um pouco também, a seguir,
dos conceitos de fundacionalismo e coerentismo.
Na filosofia, uma das grandes perguntas é: “Como
sabemos que o que acreditamos é realmente verdadeiro?” Essa questão levou à
criação destas duas teorias importantes sobre a justificação do conhecimento.
1.Fundacionalismo
O Fundacionalismo vê o
conhecimento como um edifício. Na base, existem crenças básicas, que não
precisam de justificativas — como percepções imediatas ou verdades evidentes. Sobre
essas bases, construímos outras crenças que dependem delas. Assim, o
conhecimento tem um fundamento seguro, daí o termo “Fundacionalismo”. Por
exemplo, como vimos aqui, a
máxima de Descartes “penso, logo existo” está intrinsecamente ligada ao
Fundacionalismo. Através da dúvida metódica, ele busca um conhecimento
indubitável para servir de base (fundação) para todo o resto. Ele aplicou
a dúvida radical a tudo, mas concluiu que o próprio ato de duvidar prova a sua
existência. Essa primeira verdade, o cogito (eu penso), torna-se a crença
fundacional indubitável a partir da qual ele tenta reconstruir o conhecimento
conforme exposto em sua obra “Discurso do Método”, que pode ser resumido
em percepção, razão, certeza. Para Descartes, portanto, a certeza do
próprio pensamento era o ponto de partida para todo o saber.
2.Coerentismo
Os coerentistas rejeitam
a ideia de um fundamento único. Para eles, uma crença é justificada quando coerente
com o conjunto de todas as nossas outras crenças. O importante não é uma base
inabalável, mas a consistência do todo. Assim, o conhecimento se parece
mais com uma rede, onde cada parte sustenta e é sustentada pelas outras.
Um dos coerentistas, Hegel, por
exemplo, analisava como a verdade e a justificação epistemológica são
compreendidas em seu sistema, especialmente através de sua dialética e
idealismo absoluto. A filosofia hegeliana compartilha com o Coerentismo a ideia
de que a verdade não é verificada por uma base externa e fixa (como no Fundacionalismo),
mas pela coerência interna de um sistema de crenças.
Para
efeito de comparação, podemos dizer que: o fundacionalista busca
certezasfirmes, enquantoo coerentista confia na harmonia
entre as ideias. Mas, ambos tentam resolver o mesmo desafio: evitar o regresso
infinito, em que cada crença precisaria de outra para se justificar. No
fim, seja por bases sólidas ou por conexões coerentes, o que buscamos é o
mesmo: compreendero quetornanosso conhecimento realmente
confiável.
3.Fundacionalismo
e Coerentismo à luz da Bíblia
Como o
Fundacionalismo e o Coerentismo estão ligados ao ramo do conhecimento
denominado epistemologia e apresenta visões diferentes da justificação
do conhecimento, para uma breve análise destes conceitos do ponto-de-vista epistemológico
e bíblico, vejamos o que diz o Ministério Got Questions neste[1] e também
neste[2] artigo.
Tantoo Coerentismo quanto o Fundacionalismo, ao invés
de lidar diretamente com o que é verdadeiro ou falso, essas visões procuram
definir o que torna uma crença justificada: em que ponto é razoável
presumir que uma crença é verdadeira? De fato, eles seguem o objetivo da epistemologia
que visa alcançar o conhecimento, buscando entender as questões: "O que é
conhecimento?" "Como o conhecimento é adquirido?" "O que as
pessoas sabem?" "Como sabemos o que sabemos?" "Por que
sabemos o que sabemos?"
Do ponto
de vista bíblico, entretanto, a Epistemologia busca refletir sobre a natureza e
os fundamentos do conhecimento a partir da perspectiva da revelação divina
conforme apresentada na Bíblia. Diferentemente da epistemologia tradicional que
baseia o conhecimento na razão e na experiência humana, a epistemologia bíblica
entende que o conhecimento verdadeiro e seguro vem de Deus, que se revela ao
homem por meio das Escrituras e da pessoa de Jesus Cristo.
Bem, na definição da justificação, ao comparar
o Fundacionalismo e o Coerentismo, devemos nos lembrar de que não se trata de
discussões sobre o que é de fato verdadeiro, mas de opiniões variadas sobre o
que torna uma crença justificada ou razoável para uma pessoa manter.
O Fundacionalismo
pode ser visualizado como uma árvore, uma pirâmide ou uma parede de tijolos.
Para ser justificada, uma crença precisa ser apoiada por outra crença, que por
sua vez é justificada, e assim por diante, até que se chegue à base definitiva
dessas crenças, o fundamento. De acordo com o Fundacionalismo, todas as crenças
justificadas são, em última análise, fundamentadas em certas outras crenças que
não podem ser derivadas ou verificadas por outras crenças. Esses axiomas são
fundamentais e necessários. Eles "devem ser acreditados" para que se
tenha qualquer conhecimento. Para que uma crença seja adequadamente
justificada, o Fundacionalismo exige que ela seja atribuída a uma ou mais
dessas máximas fundamentais.
O Coerentismo
(contextualismo) pode ser visualizado como uma teia extremamente complexa, uma
nuvem ou um emaranhado de fios. Para ser justificada, uma crença deve ser
apoiada por outras crenças. Quanto mais contato a crença tiver com outras
ideias – quanto mais ela for coerente com a estrutura circundante – mais justificada
ela será. Como se estivesse olhando para uma teia de aranha do centro para
fora, pode não haver um ponto final perceptível. As conexões podem se ramificar
em várias direções sem que haja um ponto final ancorado em si mesmo. De acordo
com o Coerentismo, as crenças justificadas são aquelas que têm apoio
"suficientemente bom" de outras crenças e não exigem que a cadeia de
apoio seja verificada até que pare - se é que isso acontece. Para que uma
crença seja adequadamente justificada, o Coerentismo exige que ela esteja
conectada a um número subjetivamente suficiente de crenças de apoio.
O Fundacionalismo
é apoiado principalmente pela força da lógica. A existência de verdades
fundamentais é demonstrada nas teorias da matemática básica, como "um
número é igual a si mesmo". Essa afirmação não pode ser deduzida de outras
ideias, mas também não pode ser negada sem obliterar a lógica e a própria
matemática. O Fundacionalismo permite os laços mais fortes possíveis entre a
verdade e a crença, criando um vínculo direto entre as duas. Ele também evita o
problema de um argumento que acaba sendo usado para se sustentar. Entretanto, o
Fundacionalismo também é abstrato. Embora possa ser logicamente possível
rastrear todos os fatos e ideias até as máximas básicas, não é prático fazer
isso, e esse rastreamento praticamente nunca é feito no mundo real.
A
principal vantagem do Coerentismo é a praticidade. A maioria das pessoas não
consegue rastrear uma crença até os axiomas fundamentais, mesmo que estejam
inclinadas a buscar essa descoberta. Também é verdade que, em alguns casos, a
cadeia de justificação não fica clara: nem todas as etapas do processo são
simples e fáceis de determinar. Isso significa que a maioria das pessoas no
mundo real aborda a justificação por meio de uma forma prática de Coerentismo,
mesmo que acreditem que "deveria haver" um ponto final objetivo para
seu raciocínio. O perigo é que o Coerentismo facilmente se torna relativismo.
Ele pode até levar ao solipsismo[3], já que o que constitui uma conexão
"boa o suficiente" é profundamente subjetivo.
Em
última análise, tanto o Fundacionalismo quanto o Coerentismo podem ser
consistentes com uma visão de mundo bíblica. Isso se deve ao fato de que nenhum
dos dois é uma declaração sobre o que "é verdade" ou o que "se
deve acreditar", mas apenas o processo pelo qual se determina se há uma
ligação justificada entre uma crença e a verdade. Assim, para entender bem se o
processo da busca da justificação do conhecimento destas visões está correto
precisa ser analisado à luz da Bíblia: não crer de imediato, mas provar se o
conhecimento vem de Deus ou não (1Jo 4.1); examinar se o conhecimento proposto não
venha nos desviar da fé (2Co 13.5) e prová-lo à luz das Escritura (At 17.11). De
qualquer forma, embora o Fundacionalismo pareça mais robusto, a falibilidade
humana deve ser levada em conta, deixando espaço para o Coerentismo em algumas
aplicações.Portanto, ambas são teorias que buscam
explicar como as crenças são justificadas e como se constrói o conhecimento
racional. Mas do lado espiritual, o Fundacionalismo reforça a importância de
uma base segura na revelação de Deus, enquanto o Coerentismo destaca a
importância da harmonia e consistência entre as crenças para discernimento e
crescimento na fé.
Veja também o vídeo a seguir:
Notas / Referências bibliográficas:
[1] Imagem meramente ilustrativa, feita com através do Chat Gpt, em 21/10/2025...
[4] “Solipsismoé uma concepção filosófica que sustenta que apenas o próprio eu e suas experiências existem de fato. Segundo essa doutrina, toda a realidade é reduzida ao sujeito pensante, e os outros seres e objetos seriam meras impressões sem existência própria independente da mente. Dessa forma, o solipsismo afirma que o único conhecimento certo é o do próprio ato de pensar e do eu presente, e tudo mais pode ser colocado em dúvida ou contestado. É uma posição extrema do idealismo que defende a exclusividade da realidade do sujeito pensante em relação ao mundo externo...” (In: Perplexity: Solipsismo). Voltaremos a este assunto...
[1] Imagem meramente
ilustrativa, feita com através do Chat Gpt, em 21/10/2025...