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28 julho 2023

Breve análise teológica sobre a Teologia da Libertação

Breve análise teológica sobre a Teologia da Libertação

Por Alcides Barbosa de  Amorim


Os teólogos da libertação concordam com a famosa declaração de Marx: ‘Até agora, os filósofos têm explicado o mundo; a nossa tarefa é transformá-lo’. Argumentam que os teólogos não devem ser teóricos, mas praticantes que se engajam na luta para realizar a transformação da sociedade…” (WEBSTER) [1]

Teologia da Libertação e sua influência na Igreja [2]


Trata-se mais de um movimento que procura unir a teologia e as preocupações sociopolíticas do que de uma nova escola de teoria politica. É mais exato falar das teologias da libertação, no plural, porque essas teologias de libertação acham expressão contemporânea entre negros, feministas, asiáticos, latino-americanos e índios das Américas. A expressão mais relevante e articulada acontece na América Latina. Temas teológicos têm sido desenvolvidos no contexto latino-americano, servindo como modelos para outras teologias de libertação.

Há, no mínimo, quatro fatores principais que desempenharam um papel relevante na formulação da teologia da libertação latino-americana. Em primeiro lugar, é um movimento teológico pós-iluminista. Os proponentes principais – tais como Gustavo Gutiérrez, Juan Segundo, José Miranda reagem favoravelmente às perspectivas epistemológicas e sociais de Kant, Hegel e Marx. Em segundo lugar, a teologia da libertação tem sido grandemente influenciada pela teologia politica europeia e pela teologia radical norte-americana, e tem achado em J. B. Metz e Jürgen Moltmann e Harvey Cox perspectivas que criticaram a natureza não-histórica e individualista da teologia existencial.

Em terceiro lugar, é, na sua maior parte, um movimento teológico católico romano. Com exceções notáveis tais como José Miguez-Bonino (metodista) e Rubem Alves (presbiteriano), a teologia da libertação tem sido identificada com a Igreja Católica Romana. Depois de Vaticano II (1965) e da Conferência dos Bispos Latino-Americanos (CELAM II) em Medelin, na Colômbia (1968), um número relevante de líderes latino-americanos dentro da Igreja Católica Romana voltou-se para a teologia da libertação como a voz teológica da igreja latino-americana. O papel dominante da Igreja Católica Romana na América Latina fez dela um veículo significante para disseminar a teologia da libertação por todo o continente sul-americano.

Em quarto lugar, é um movimento teológico situado de modo especifico e singular no contexto latino-americano. Os teólogos da libertação argumentam que o continente deles tem sido vitimado pelo colonialismo, imperialismo e pelas sociedades anônimas multinacionais. O “desenvolvimento” econômico colocou as nações do Terceiro Mundo, chamadas subdesenvolvidas, numa situação de dependência, e, como resultado, as economias locais da América Latina estão sendo controladas por decisões feitas em Nova Iorque, Houston ou Londres. A fim de perpetuarem essa exploração econômica (assim argumentam os liberacionistas), os países capitalistas poderosos, especialmente os Estados Unidos, oferecem ajuda militar e econômica para garantir certos regimes políticos que colaboram para o estado atual da economia. Esses quatro fatores combinam-se para criar um método e uma interpretação teológicos distintivos.


1. O Método Teológico

Gustavo Gutiérrez define a teologia como "a reflexão critica sobre a práxis histórica. A feitura de uma teologia exige que o teólogo esteja engajado na sua própria história intelectual e sociopolítica. A teologia não é um sistema de verdades eternas que ocupa o teólogo no processo repetitivo da sistematização e da argumentação apologética. A teologia é um exercício dinâmico contínuo que envolve percepções contemporâneas do conhecimento (a epistemologia), do homem (a antropologia) e da história (a análise social). "Práxis significa mais do que a aplicação da verdade teológica a uma determinada situação. Significa a descoberta e a formulação da verdade teológica dentro de uma determinada situação histórica, mediante a participação pessoal na luta de classes, visando uma nova sociedade socialista. A teologia da libertação aceita o duplo "desafio do Iluminismo" (Juan Sobrino). Esses dois elementos criticos formam a hermenêutica bíblica da teologia da libertação. O primeiro desafio vem através da perspectiva filosófica começada por Immanuel Kant, que argumentava a favor da autonomia da razão humana. A teologia já não é elaborada para corresponder à autor revelação de Deus mediante a autoria divino-humana da Bíblia. Essa revelação "externa" é substituída pela revelação de Deus achada na matriz da interação humana com a história. O segundo desafio vem através da perspectiva politica fundada por Karl Marx, que argumenta que a integridade do homem pode ser realizada somente quando se vence as estruturas políticas e econômicas alienantes da sociedade. O papel do marxismo na teologia da libertação deve ser entendido com honestidade. Alguns criticos sugerem que não se pode distinguir entre a teologia da libertação e o marxismo, mas tal conceito não é totalmente exato.

Os teólogos da libertação concordam com a famosa declaração de Marx: "Até agora, os filósofos têm explicado o mundo; a nossa tarefa é transformá-lo". Argumentam que os teólogos não devem ser teóricos, mas praticantes que se engajam na luta para realizar a transformação da sociedade. Para fazer isso, a teologia da libertação emprega uma análise de classes de estilo marxista, que divide a cultura entre os opressores e os oprimidos. Essa análise sociológica do conflito procura identificar as injustiças e a exploração dentro da situação histórica. O marxismo e a teologia da libertação voltam-se para a fé cristã como um meio de efetivar a libertação. Marx não conseguiu perceber a força emotiva, simbólica e sociológica que a igreja poderia ser na luta pela justiça. Os teólogos da libertação declaram que não estão deixando para trás a antiga tradição cristã quando empregam o pensamento marxista como uma ferramenta para a análise social. Declaram que não usam o marxismo como uma cosmovisão filosófica, nem como um plano abrangente para a ação politica. A libertação humana pode começar com a infraestrutura econômica, mas não termina ali.

O desafio do Iluminismo é seguido pelo desafio da situação latino-americana na formulação da hermenêutica da práxis da teologia da libertação. A chave hermenêutica importante que emerge do contexto latino-americano 6 resumida na referência de Hugo Assmann ao "privilégio epistemológico dos pobres". Num continente onde a maioria é pobre e católico romana, a teologia da libertação declara que a luta é contra a desumanidade do homem para com o seu próximo, e não contra a incredulidade. Os teólogos da libertação têm esculpido uma posição especial para os pobres. "O pobre, o outro, nos revela o totalmente Outro" (Gutiérrez). Toda a comunhão com Deus depende de optar pelas classes pobres e exploradas, Identificando-se com sua triste situação, e compartilhando seu destino. Jesus "seculariza os meios da salvação, o faz com que o sacramento do 'outro' seja um elemento determinante para a entrada no Reino de Deus" (Leonardo Boff). "Os pobres são a epifania do Reino ou da exterioridade infinita de Deus” (Enrique Dussel). A teologia da libertação sustenta que na morte do camponês ou do indígena, somos confrontados com "o poder monstruoso do negativo” (Hegel). Somos forçados a entender Deus a partir da história mediada através das vidas dos seres humanos oprimidos. Deus não é reconhecido analogicamente na beleza e no poder da criação, mas dialeticamente no sofrimento e no desespero da criatura. A tristeza "dispara o processo da cognição" e nos capacita a compreender Deus e o significado da Sua vontade (Sobrino). Combinar a reflexão crítica pós-iluminista com uma nítida consciência da história latino-americana, tão elevada de conflitos, resulta em várias perspectivas teológicas importantes.


2. A Interpretação Teológica

Os teólogos da libertação acreditam que a doutrina ortodoxa tende a manipular Deus para favorecer a estrutura social capitalista. Alegam que a ortodoxia depende de noções gregas antigas que viam Deus como um ser estático que está distante e remoto da história humana. Essas noções distorcidas da transcendência e da majestade de Deus resultaram numa teologia que pensa num Deus “lá em cima" ou "lá fora". Como consequência, a maioria dos latino-americanos tornou-se passiva diante da injustiça e supersticiosa na sua religiosidade. A teologia da libertação responde ressaltando o mistério incompreensível da realidade de Deus. Deus não pode ser resumido a uma linguagem objetificante nem conhecido através de uma lista de doutrinas. Deus é achado no curso da história humana. Deus não é uma entidade perfeita e imutável, "acomodado longe do mundo". Ele Se apresenta diante de nós na fronteira do futuro histórico (Assmann). Deus é a força motriz da história, que leva o cristão a experimentar a transcendência como uma “revolução cultural permanente” (Gutiérrez). O sofrimento e a dor tornam-se a força motivadora para conhecer a Deus. O Deus do futuro é o Deus crucificado que submerge num mundo de desgraça. Deus é achado nas cruzes dos oprimidos mais do que na beleza, no poder ou na sabedoria.

A noção bíblica da salvação é equiparada ao processo da libertação da opressão e da injustiça. O pecado é definido em termos da desumanidade do homem para com seu próximo. A teologia da libertação, para todos os propósitos práticos, equipara amar ao próximo com amar a Deus. As duas atitudes não são apenas praticamente inseparáveis como também virtualmente indistinguíveis entre si. Deus é achado em nosso próximo e a salvação é identificada com a história do "tornar-se homem". A história da salvação passa a ser a salvação da história, que abrange todo o processo de humanização. A história bíblica é importante à medida que oferece modelos e ilustrações para essa busca da justiça e da dignidade humana. A libertação de Israel no Êxodo e a vida e a morte de Jesus destacam-se como protótipos da luta humana contemporânea pela libertação. Esses eventos bíblicos representam a relevância espiritual da luta secular pela libertação.

A Igreja e o mundo já não podem ser segregados. A igreja deve deixar que seja habitada e evangelizada pelo mundo. "Uma teologia da Igreja no mundo deve ser implementada por uma teologia do mundo na Igreja" (Gutiérrez). Tomar o partido dos oprimidos, em solidariedade com eles, contra os opressores é um ato de "conversão", e "evangelização” é proclamar a participação de Deus na luta humana pela justiça.

A importância de Jesus para a teologia da libertação acha-se na Sua luta exemplar pelos pobres e proscritos. Seus ensinos e Suas ações em favor do reino de Deus demonstram o amor de Deus numa situação histórica que tem notável semelhança com o contexto latino-americano. O significado da encarnação é reinterpretado. Jesus não é Deus num sentido ontológico nem metafísico. O essencialismo é substituído pela noção da relevância relacional de Jesus. Jesus nos mostra o caminho de Deus; Ele nos revela o meio de nos tornarmos filhos de Deus. O significado da encarnação de Jesus acha-se na Sua total imersão numa situação histórica de conflito e opressão. Sua vida absolutiza os valores do reino – o amor incondicional, o perdão universal e a referência continua ao mistério do Pai. Mas é impossível fazer exatamente aquilo que Jesus fez, porque Seus ensinos específicos dirigiam-se a um período histórico especifico. Em certo nível, Jesus pertence irreversivelmente ao passado, mas em outro nível, Jesus é o ápice do processo evolucionista. Em Jesus, a história chega ao seu alvo. Seguir a Jesus, no entanto, não é questão de seguir Seus passos na tentativa a aderir à Sua conduta moral e ética, mas é recriar o Seu caminho, mantendo-se aberto à Sua "memória perigosa" que lança dúvidas sobre o nosso caminho. A singularidade da cruz de Jesus não se acha no fato de que Deus, num momento específico do espaço e do tempo, experimentou o sofrimento que é intrínseco à pecaminosidade do homem a fim de fornecer um caminho de redenção. A morte de Cristo não é uma oferta vicária pela humanidade que merece a ira de Deus. A morte de Jesus é sem igual porque Ele torna histórico de modo exemplar o sofrimento de Deus em todas as cruzes dos oprimidos. A teologia da libertação sustenta que através da vida de Jesus as pessoas são trazidas à convicção libertadora de que Deus não permanece fora da história, indiferente ao curso presente de maus eventos, mas que Ele Se revela através do veículo autêntico dos pobres e dos oprimidos.


3. A Análise Crítica Teológica

A força da teologia da libertação acha-se na sua compaixão pelos pobres e na sua convicção de que o cristão não deve permanecer passivo e indiferente diante dos seus apuros. A desumanidade do homem para com o seu próximo é pecado e merece o castigo divino e a oposição dos cristãos. A teologia da libertação é um apelo a um discipulado sacrificial e uma lembrança de que seguir Jesus envolve consequências práticas sociais e políticas.

A fraqueza da teologia da libertação tem sua origem na aplicação de princípios hermenêuticos enganosos e no afastamento da fé cristã histórica. A teologia da libertação tem razão em condenar uma tradição que procura fazer uso de Deus para atingir as suas próprias finalidades, mas engana-se ao negar a auto-revelação definitiva de Deus na revelação bíblica. Argumentar que nosso conceito de Deus é determinado pela situação histórica é concordar com a secularização radical que absolutiza o processo temporal e dificulta a distinção entre a teologia e a ideologia.

O marxismo pode ser uma ferramenta útil para identificar a luta de classes que está sendo travada entre muitos países do Terceiro Mundo, mas surge a pergunta: O papel do marxismo foi limitado a uma ferramenta de análise ou foi transformado em solução politica? A teologia da libertação tem razão em desmascarar o fato da opressão na sociedade e o fato de haver opressores e oprimidos, mas é errado dar a esse alinhamento uma condição quase ontológica. Talvez isso possa ser feito com o marxismo, mas o cristão entende que o pecado e a nossa alienação de Deus é um dilema que confronta tanto o opressor como os oprimidos. A ênfase que a teologia da libertação atribui aos pobres dá a impressão de que os pobres não somente são o objeto da solicitude de Deus, como também o sujeito da salvação e da revelação. Somente o clamor dos oprimidos é a voz de Deus. Tudo o mais é projetado como uma tentativa vã de compreender Deus por algum meio que sirva aos próprios interesses. Essa é uma noção confusa e enganadora. A teologia bíblica revela que Deus é a favor dos pobres, mas não ensina que os pobres são a própria corporificação de Deus no mundo de hoje. A teologia da libertação ameaça politizar o evangelho de tal maneira que aos pobres é oferecida uma solução que poderia ser provida com ou sem Jesus Cristo.

A teologia da libertação desperta os cristãos para levarem a sério o impacto politico e social da vida e da morte de Jesus, mas deixa de fundamentar a singularidade de Jesus na realidade da Sua divindade. Alega que Ele é diferente de nós quanto ao grau, mas não quanto ao tipo, e que a Sua cruz é o clímax da Sua identificação vicária com a humanidade sofredora ao invés de ser uma morte vicária oferecida para desviar a ira de Deus e para triunfar sobre o pecado, a morte e o diabo. Uma teologia da cruz que isola a morte de Jesus do seu lugar específico no desígnio de Deus, e que repudia o desvendamento do seu significado revelado não tem poder algum para nos levar a Deus, e para garantir, assim, que nossa entrega teológica seja perpétua.


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Veja também:


Sugiro, também, o vídeo, a seguir, de Luiz Camargo:


Notas:

  • [1Douglas D. WEBSTER é um pastor presbiteriano (?), Ph.D., Universidade de Toronto, Professor de Teologia, Seminário Teológico de Ontário, Willowdale. Ontário, Canadá… Veja mais em: <Douglas Webster (samford.edu)>. O texto a seguir é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (R. B.).


Referência bibliográfica:

  • WEBSTER, Douglas D.. Teologia da Libertação. In: Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Editor Walter A. Elwell. Vol. III. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 479 a 483.

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