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16 maio 2024

Campo 14 – bebês mortos a pauladas, fome e execuções: a vida em um campo de concentração norte-coreano

Por Jones Rossi [1]

Uma aula no Campo 14
 

Os professores do Campo 14 eram guardas uniformizados: tratados por Shin no desenho acima, um deles bateu em uma aluna até a morte [2].


Shin In-geun é o único prisioneiro a ter escapado do Campo 14, conhecido como o mais cruel campo de concentração da Coreia do Norte. Ele viu o irmão ser fuzilado e a mãe ser enforcada.


Com o fim do Terceiro Reich, o suicídio de Hitler e a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, era de se esperar que o mundo nunca mais tolerasse as cenas chocantes e crueldades cometidas nos campos de concentração de Auschwitz ou Buchenwald. Porém faz mais de 50 anos que as mesmas atrocidades continuam acontecendo com o conhecimento do mundo inteiro e que não é exagero comparar com o pior da Alemanha nazista: os campos de prisioneiros da Coreia do Norte, para onde são enviados os inimigos políticos da ditadura comunista.

Ao contrário do que seria de se esperar, a pressão mundial para fechar esses centros de torturas e assassinatos é praticamente nula. Pouco se fala sobre o assunto, porque são poucos os prisioneiros que conseguem escapar dos campos de concentração. Do pior deles, o Campo 14, somente uma pessoa conseguiu escapar: Shin In-geun, de 37 anos, que foi concebido, criado e viveu até o início da vida adulta neste teatro dos horrores, com breves períodos em outros campos menos severos.

Shin In-geun, depois de fugir para a China, foi para a Coreia do Sul e atualmente vive na Califórnia. Mudou seu nome para Shin Dong-hyuk e hoje é um ativista dos direitos humanos. Ele contou sua história ao jornalista americano Blaine Harden, que trabalhava como correspondente em Seul para o jornal The Washington Post e publicou tudo no livro ‘Fuga do Campo 14’, publicado no Brasil pela Editora Intrínseca. Shin mudou detalhes de sua história várias vezes, o que muitos apoiadores do cruel regime comunista da Coreia do Norte usaram para tentar desacreditar todo o seu relato.

A principal das mudanças é especialmente compreensível. Na primeira versão de sua história, Shin omitiu o fato de que ele foi o responsável pela morte de sua mãe e de seu irmão mais velho. Eles pretendiam fugir. Shin ouviu a conversa e contou a um guarda do campo. Seu irmão foi fuzilado e sua mãe enforcada.

Criado em um ambiente de brutalidade e desconfiança, Shin nunca desenvolveu laços de amor com sua família. Estimulado pelo Estado a delatar os outros desde pequeno, lhe pareceu que a coisa certa a fazer era denunciar os planos da mãe e do irmão. Somente anos depois, já livre, tomou consciência da maldade de seus próprios atos. Então, em seus primeiros relatos, omitiu os fatos que o retratariam como um monstro. Um monstro criado pelo Estado norte-coreano, ainda assim um monstro.

No livro, Harden deixa claro que, apesar dos desertores serem a única fonte de informações sobre os campos, “suas motivações e seu grau de credibilidade não são imaculados. Na Coreia do Sul e em outros lugares, eles se encontram muitas vezes desesperados para ganhar a vida, dispostos a confirmar as ideias preconcebidas dos ativistas dos direitos humanos, dos missionários anticomunistas e dos ideólogos de direita. Alguns sobreviventes de campos recusam-se a falar sem receber dinheiro vivo antecipadamente. Outros repetem episódios impressionantes de que ouviram falar, mas que não testemunharam em primeira mão.”

Essas incongruências foram exaustivamente usadas pelos apologistas do regime norte-coreano e pelo próprio governo, que levou o pai de Shin à TV estatal para desmentir o filho. Mas desertores, incluindo ex-guardas que trabalharam nos campos, confirmam os fatos. Imagens de satélite não deixam dúvidas sobre a existência desses lugares funestos.

Infelizmente as atrocidades do Campo 14 não fazem parte do passado. Neste momento, milhares de pessoas estão passando por isso ali e em outras instalações do regime norte-coreano: um mundo de fome, maus tratos e execuções. A história de Shin Dong-hyuk é escabrosa. A fome nos campos é tamanha que Shin cresceu vendo a mãe e o irmão não como familiares, mas sim competidores pela escassa comida disponível. As únicas refeições dadas aos prisioneiros eram sopa de repolho, repolho na salmoura ou mingau de milho. Quando conseguia, Shin furtava a comida de sua mãe, que o surrava com uma enxada ou uma pá. A única carne disponível era a dos ratos, muitas vezes capturados nas latrinas do campo. Os prisioneiros que cometiam alguma falta aos olhos dos guardas eram punidos recebendo ainda menos alimento. A estes restava vasculhar até o estrume das vacas para tentar encontrar algum grão comestível.

A população que vive fora dos campos também passa fome. Dois terços das crianças norte-coreanas foram consideradas abaixo do peso por um levantamento feito pelo Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas, que só foi permitido em troca da doação de alimentos ao país. Esse número é o dobro do que o registrado na época em Angola, que estava saindo de uma guerra civil.

Homens e mulheres não viviam juntos no Campo 14 e o contato físico era proibido sem autorização prévia. Prisioneiros que fossem obedientes e cumprissem com sucesso sua cota de trabalho forçado às vezes recebiam autorização para se casar. O mesmo valia caso delatassem alguém. Mesmo assim, só podiam casar com outros prisioneiros que fossem escolhidos pelo Estado. Era possível recusar parceiros muito velhos ou muito feios, mas perdiam a chance de se casar para sempre. Foi assim que os pais de Shin se conheceram. Seu pai recebeu Jang Hye-gyung como “presente” por seu trabalho na oficina mecânica.

Fora desses casamentos arranjados, a gravidez era terminantemente proibida. Isso não quer dizer que elas não ocorressem. Os guardas abusavam das prisioneiras, que se submetiam em troca de apanhar menos nas fábricas ou receber mais comida. Mas se engravidassem, tanto elas como os filhos eram mortos. De acordo com o relato de An Myeong Chul, que trabalhou como guarda de vários campos (não do Campo 14), os guardas eram ensinados a tratar os prisioneiros sem qualquer humanidade, pensando neles como se fossem “cães ou porcos”. Ele viu mais de uma vez recém-nascidos serem mortos a golpes de pesadas barras de ferros.

As aulas dentro do campo eram apenas uma maneira de doutrinar as crianças desde cedo. Shin lembra de uma vez que uma colega de classe foi pega, durante uma revista surpresa feita pelo professor, com cinco grãos de milho no bolso. A xingou, mandou que ela se ajoelhasse e começou a bater em sua cabeça várias vezes. Harden escreve: “Enquanto Shin e os colegas observavam em silêncio, protuberâncias brotaram-lhe no crânio. Sangue escorria-lhe do nariz. Ela tombou no piso de concreto. Shin e vários outros colegas a levantaram e a levaram para casa, uma fazenda de porcos que não ficava longe da escola. Mais tarde naquela noite, a menina morreu.” Mais “sorte” teve outro aluno que desobedeceu o professor. Foi amarrado a uma árvore e uma fila de estudantes se formou para lhe dar murros no rosto.

Com dez anos de idade, as crianças eram encaminhadas para trabalhos insalubres, como empurrar minério em gôndolas sobre trilhos. Uma amiga de Shin se desequilibrou e teve o pé esmagado pela roda de aço de uma gôndola. Levada ao hospital do campo, teve o dedo amputado sem anestesia e tratado apenas com água salgada. Em outra ocasião, durante a construção de uma represa, um muro de concreto caiu perto de Shin, matando oito trabalhadores, cinco deles crianças de 15 anos de idade. Foram esmagados a ponto de ficarem irreconhecíveis. Todos continuaram trabalhando como se nada tivesse acontecido.

Neste ambiente de absoluto desespero, o suicídio era muitas vezes a única saída que alguns prisioneiros enxergavam. Mas os governantes viam o suicídio como uma tentativa de escapar ao domínio do partido. Como escreveu Kang Cholhwan no livro sobre seu período como prisioneiro do Campo 15, “se o indivíduo que tentara o ardil não estava por perto para pagar por isso, alguém mais precisava pagar no lugar dele.” Todos os prisioneiros são avisados de que, caso optem por esse caminho, seus familiares serão punidos com sentenças e punições ainda maiores.

A situação nos campos, porém, era mais difícil de ser suportada por aqueles que tinham uma vida pregressa. A diferença entre a vida levada antes de serem presos era um fardo pesado demais. Para pessoas como Shin, no entanto, que não conheciam outra vida, o desespero, por incrível que pareça, era menor.


Veja também:


Notas:

  • [1ROSSI, Jones “... é editor de Ideias na Gazeta do Povo e co-autor do livro Guia Politicamente Incorreto do Futebol (Ed. Leya), com Leonardo Mendes Júnior. Foi editor de ciência e saúde do site de VEJA, editor da revista Galileu e repórter do G1 e do extinto Jornal da Tarde” In:<https://www.gazetadopovo.com.br/autor/jones-rossi/>. Acesso em: 02/08/2022.


Referência bibliográfica:

  • ROSSI, Jones. Campo 14 – Bebês mortos a pauladas, fome e execuções: a vida em um campo de concentração norte-coreano. In: As atrocidades do comunismo que você não aprendeu na escola – Ebook, pp. 60-67. Gazeta do Povo. Acesso em: 02/08/2022.

10 maio 2024

Bispos e Papas: (6) Sixto

 Por: Alcides Barbosa de Amorim

Bispo Sixto I [1]


Seguindo nossa proposta de estudo dos bispos romanos listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica [2], já vimos, até aqui os bispos Lino, Anacleto, Clemente de Roma, Evaristo e Alexandre I.

Conforme escreve Eusébio (4, IV) [3], no terceiro ano do reinado de Adriano – “sob o mesmo imperador, conforme capítulo III, morreu Alexandre, bispo de Roma, depois de cumpridos dez anos de governo, e foi sucedido por Sixto. Em que ano? Na versão da H. E. de Eusébio, publicada pela CPAD e usada aqui (Nota 2), há uma tabela cronológica e o início do bispado de Xisto aparece no ano 117.

Sobre o sucessor de Alexandre I, o Bispo Xisto ou Sixto I, não há muito o que dizer. Mas baseado nestas fontes católicas, aqui[4], e também aqui[5], podemos destacar:

  • Xisto ou Sisto I, foi um dos cinco papas na história da Igreja com o nome de Xisto. Seu nome verdadeiro, "Xystus", provavelmente de origem grega, pode ter sido confundido com sexto, erroneamente avaliado, também porque foi o sétimo Papa, ou seja, o sexto depois de São Pedro.

  • Era romano, filho de certo Pastore (ou um casal de pastores).

  • Proibiu aos leigos tocarem nos vasos sagrados, mas convidou os fiéis a cantarem ou rezarem o sanctus junto com o celebrante. Ao que parece, também a fórmula final do "Ite Missa est", embora não seja confirmada historicamente.

  • Não se sabe precisamente se foi mártir.

  • Foram-lhe atribuídas duas Cartas de cunho doutrinário: uma, sobre a Santíssima Trindade; a outra, sobre a Primazia do Bispo de Roma, que alguns, todavia, consideram apócrifa.

  • Durante seu pontificado, tiveram início, provavelmente, as primeiras divergências com as Igrejas Orientais, enquanto parece ter sido ele a enviar os primeiros missionários para evangelizar a Gália, entre os quais São Peregrino.

  • Faleceu, por volta do ano 125, provavelmente decapitado.

Bem, esta fonte afirma que provavelmente, São Sixto I exerceu seu pontificado entre 115-129, enquanto esta afirma que ele faleceu por volta do ano 125. Eusébio (4, V) diz que ele foi sucedido por Telésforo, “… no décimo segundo reinado de Adriano… e… no ano que completara o décimo ano de seu episcopado”. Se Adriano, segundo esta fonte[6], exerceu seu reinado entre 117 e 138, deduzimos que Sixto terminou seu episcopado em 127.


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1Imagem meramente ilustrativa, adaptada e disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Sisto_I>. Acesso em 08/05/2024.

  • [2Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Xisto ou Sisto é o número 6 da lista... 

  • [3]  Isto é, Livro 4, Capítulo IV da História Eclesiástica de Eusébio (Nota 2).

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03 maio 2024

Revolução dos Bichos: características gerais

Por Alcides Barbosa de Amorim

Porco Major [1]

O livro Revolução dos Bichos (1945), do indiano George Orwell, nascido durante o domínio britânico, tem muito a nos ensinar nestes tempos tão sombrios aqui nas terras tupiniquins. Já disponibilizei no meu blog, graças ao e-book da obra (link acima) presenteada pela Gazeta do Povo, os 10 capítulos (escritos), acompanhados de um vídeo no final, como veremos nos links abaixo.

Os destaques a seguir são feitos, na íntegra, por Ianker Zimmer [2], em seu artigo para o Instituto Liberal, em 2020:

O conhecido livro do inglês George Orwell, A Revolução dos Bichos (1945), é um dos legados atemporais mais importantes que escritores do século passado nos deixaram. Na obra, Orwell faz uma crítica ao stalinismo. Então socialista, o inglês – nascido na Índia durante o domínio britânico – se desilude com a ideologia ao ver o totalitarismo soviético e satiriza o sucessor de Lênin.

Na alegoria, o autor apresenta uma revolução idealizada por um porco, o Major (que pode representar tanto Marx como Lênin), que convoca os bichos da granja em que vive a expulsar seu proprietário, o humano Sr. Jones (que seria Nicolau II, imperador do Czar). Porco Major morre em seguida e dois outros suínos tomam a frente: Napoleão (representando Stálin) e Bola de Neve (que seria Trotski). 

A estória segue o roteiro soviético… Napoleão expurga Bola de Neve, deturpa as leis a seu favor e se torna um ditador. Os demais bichos (galinhas, gado, cavalo…) se rendem à autocracia sem questionar, de forma passiva. Cada vez trabalham mais, exaustivamente e com alimento controlado; enquanto isso, Napoleão toma posse das dependências do Sr. Jones, agindo, portanto, de forma mais exploradora e cruel que o antigo chefe. A ironia está no fato de que a máxima da revolução era “duas pernas/patas mau” – referindo-se a seres humanos. 

Questionar o porco líder significava traição, ou seja, era o mesmo que desejar o retorno do Sr. Jones ao comando da granja. Um livraço!

A grande sacada de Orwell foi demonstrar a fraqueza humana diante do poder usando porcos em sua alegoria. Se fizermos uma analogia com o século atual no Brasil, criticar o Partido dos Trabalhadores até bem pouco tempo significava querer o retorno da “ditadura” e o “fim dos direitos dos pobres”. Lembrando que a narrativa dos petistas critica a exploração dos pobres pelo empregador, o Sr. Jones deles.

Criticar Jair Bolsonaro não é diferente. Para muitos seguidores do presidente, discordar dele – mesmo que seja pontualmente – é o mesmo que clamar pelo retorno do PT. Os governos mudam; as técnicas de retórica e manipulação, não.

No livro de Orwell, os demais animais tinham capacidade intelectual inferior à dos porcos. Esse fator foi crucial para sua submissão. Os bolsonaristas não devem esquecer – e em alguns casos não podem deixar de aprender – a velha lição: político é político! Independente de ideologia. 

A turma da esquerda, por sua vez, tenta “nos passar um cachorro” de moralidade, sendo que seu líder Lula e sua gangue saquearam o país. A esses, sugiro que “coloquem o rabinho entre as pernas” e lavem a boca antes de criticar Bolsonaro. 

Aprendemos na escola clássica que o bom conservador desconfia sempre de políticos. Aliás, não somente o conservador, mas qualquer um que não pense como animal. 

Nesse sentido, ler A Revolução dos Bichos nos torna mais sensíveis e aptos a discernir governos totalitários. Deixa-nos mais desconfiados de políticos e de seus famigerados discursos persuasivos e maquiavélicos. O ceticismo é um dos princípios do conservadorismo. Desconfiar sempre! Do contrário, corremos o risco de nos tornar reféns de porcos.

Na sequência, os links dos 10 capítulos do livro:


Notas:

  • [1] Foto ilustrativa. Nota 2.


Agora, veja o vídeo A Revolução dos Bichos – George Orwell, com Ricardo Buonanni, in:



Campo 14 – bebês mortos a pauladas, fome e execuções: a vida em um campo de concentração norte-coreano

P or J ones R ossi  [ 1 ] Uma aula no Campo 14   Os  professores do Campo 14 eram guardas uniformizados:  tratados por Shin no desenho acima...