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22 abril 2024

Revolução dos Bichos (VIII)

Por George Orwell [1]

In: Gazeta do Povo [2]

Capítulo VIII [3]

Poucos dias depois, quando o terror causado pelas execuções havia passado, alguns dos animais se lembraram – ou achavam que se lembraram – que o Sexto Mandamento decretava que “Nenhum animal matará outro animal”. E, embora ninguém mencionasse isso na presença de porcos ou cães, sentiam que as mortes recentes não respeitavam o mandamento. Esperança pediu a Benjamin que lesse o Sexto Mandamento, e quando Benjamin, como de costume, disse que se recusava a se intrometer em tais assuntos, ela foi buscar Muriel. Muriel leu o mandamento para ela: “Nenhum animal matará outro animal sem causa”. De uma forma ou de outra, as duas últimas palavras haviam escapado da memória dos animais. Mas eles viram agora que o Mandamento não tinha sido violado; pois claramente havia uma boa razão para matar os traidores que se ligaram a Bola de Neve.

Ao longo deste ano os animais trabalharam ainda mais do que haviam trabalhado no ano anterior. Reconstruir o moinho de vento, com paredes mais grossas do que antes, e terminá-lo na data marcada, sem negligenciar o trabalho regular da fazenda, foi um esforço tremendo. Em alguns momentos, achavam que trabalhavam mais e se alimentavam pior do que nos dias de Jones. Nas manhãs de domingo, Berro, segurando uma longa tira de papel com sua pata, lia para eles listas de números comprovando que a produção de cada classe de alimentos havia aumentado em duzentos, trezentos ou quinhentos por cento. Os animais não viam motivos para desacreditá-lo, especialmente porque não conseguiam mais se lembrar muito bem das condições anteriores à Revolução. Mesmo assim, em vários dias eles preferiam ter menos dados e mais comida.

Todas as ordens eram agora emitidas através de Berro ou um dos outros porcos. O próprio Napoleão não era visto em público mais de uma vez a cada quinze dias. Quando aparecia, era acompanhado não apenas por sua comitiva de cães, mas também por um galo preto que marchava à sua frente e agia como uma espécie de trompetista, deixando sair um “cocoricó” alto antes de Napoleão falar. Ouviram falar que até mesmo na casa Napoleão usava cômodos separados dos outros porcos. Ele comia suas refeições sozinho, com dois cachorros à sua espera, e sempre comia do serviço de jantar do Crown Derby, que antes ficava no armário de vidro da sala de visitas. Também foi anunciado que a arma seria disparada todos os anos no aniversário de Napoleão, assim como nas outras duas datas comemorativas.

Nunca se falava de Napoleão simplesmente como “Napoleão”. Agora ele era “nosso Líder, Camarada Napoleão”, e os porcos gostavam de inventar títulos como “Pai de Todos os Animais”, “Terror da Humanidade”, “Protetor do Povo das Ovelhas”, “Amigo dos Patinhos”, e assim por diante para ele. Em seus discursos, Berro falava com lágrimas nos olhos sobre sabedoria de Napoleão, a bondade de seu coração e o profundo amor que ele sentia por todos os animais em todos os lugares, até mesmo e especialmente os animais infelizes que ainda viviam na ignorância e escravidão em outras fazendas. Tinha se tornado comum dar a Napoleão o crédito de cada conquista bem-sucedida e de cada golpe de sorte. Se ouvia frequentemente uma galinha comentando com outra: “Sob a orientação de nosso líder, o camarada Napoleão, eu pus cinco ovos em seis dias”; ou duas vacas, desfrutando de uma bebida no açude, exclamando: “Como o sabor desta água é excelente, graças à liderança do camarada Napoleão”! O sentimento geral da fazenda foi bem expresso em um poema intitulado Camarada Napoleão, composto por Minimus. O poema é o seguinte:

Amigo dos miseráveis!

Fonte dos afáveis!

Senhor da lavagem!

Razão da canção

Do ardoroso rouxinol

Com teus olhos é farol,

Como a luz no céu do Sol

Camarada Napoleão!

Tu és em tuas venturas

Tudo que ama as criaturas:

Palha pro aconchego, farta refeição.

Não importa o animal

Descansa só ou em casal

Sob teu amparo bestial

Camarada Napoleão!


Antes mesmo que espichasse

Para altura de uma alface

Ou de uma garrafa, o jovem leitão

Compreendido terá

Sincero te seguirá

E o guincho primo será

Camarada Napoleão!”

Napoleão aprovou este poema e fez com que ele fosse inscrito na parede do grande celeiro, na extremidade oposta aos Sete Mandamentos, junto de um retrato de si mesmo, em perfil, executado por Berro em tinta branca.

Enquanto isso, através da mediação de Whymper, Napoleão estava envolvido em complicadas negociações com Frederick e Pilkington. A pilha de madeira ainda estava à venda. Dos dois, Frederick era o mais ansioso para conseguir a pilha, mas se recusava a oferecer um preço razoável. Ao mesmo tempo, havia rumores recentes de que Frederick e seus homens estavam tramando para atacar a Fazenda dos Animais e destruir o moinho de vento, cuja construção havia despertado nele um ciúme furioso. Sabia-se que o Bola de Neve ainda estava se escondendo na Fazenda Pinchfield. No meio do verão, os animais ficaram alarmados ao saber que três galinhas haviam se apresentado e confessaram que, inspiradas por Bola de Neve, haviam entrado em um complô para assassinar Napoleão. Elas foram executadas imediatamente e novas precauções para a segurança de Napoleão foram tomadas. Quatro cães guardavam sua cama à noite, um em cada ponta, e um jovem porco chamado Remela recebeu a tarefa de provar toda sua comida antes de comê-la, para conferir se não estava envenenada.

Mais ou menos nessa época, foi informado que Napoleão tinha conseguido vender a pilha de madeira ao Sr. Pilkington; ele também estava negociando um acordo regular para a troca de certos produtos entre a Fazenda dos Animais e Foxwood. As relações entre Napoleão e Pilkington, embora só fossem conduzidas através de Whymper, eram agora quase amigáveis. Os animais desconfiavam de Pilkington como um ser humano, mas o preferiam a Frederick, a quem tanto temiam quanto odiavam. À medida que o verão continuava e a construção do moinho de vento se aproximava do fim, os rumores de um ataque traiçoeiro iminente se tornaram cada vez mais fortes. Ouviram dizer que Frederick pretendia trazer vinte homens, todos armados com armas, para lutar contra os animais e que ele já havia subornado os magistrados e a polícia, então se ele conseguisse obter os títulos de propriedade da Fazenda dos Animais, ninguém faria perguntas. Além disso, histórias terríveis estavam vazando de Pinchfield sobre as crueldades que Frederick praticava contra seus animais. Ele havia açoitado um cavalo velho até a morte, havia matado suas vacas de fome, havia matado um cão jogando-o na fornalha, se divertia à noite fazendo os galos lutarem uns com os outros com lascas de lâmina de barbear presas em suas esporas. O sangue dos animais fervia de raiva quando ouviam essas coisas, e às vezes pediam permissão para saírem unidos para atacar a Fazenda Pinchfield, expulsar os humanos de lá e libertar os animais. Mas Berro os aconselhou a evitar ações precipitadas e a confiar na estratégia do camarada Napoleão.

No entanto, o sentimento contra Frederick continuava grande. Numa manhã de domingo, Napoleão apareceu no celeiro e explicou que nunca havia considerado, em nenhum momento, vender a pilha de madeira para Frederick; ele considerava abaixo de si, disse, ter relações com malandros dessa naipe. Os pombos que ainda eram enviados para espalhar a notícia da Revolução foram proibidos de pisar em qualquer lugar da Foxwood, e também foram ordenados a abandonar seu antigo slogan de “Morte à Humanidade” em favor de “Morte a Frederick”. No final do verão, mais uma das maquinações de Bola de Neve veio à tona. A colheita de trigo estava cheia de ervas daninhas, e foi descoberto que em uma de suas visitas noturnas ele havia misturado sementes de ervas daninhas com as sementes de milho. Um ganso, que tinha sido informado sobre a trama, confessou sua culpa a Berro e imediatamente cometeu suicídio engolindo sementes mortíferas. Os animais também descobriram que Bola de Neve nunca tinha recebido a ordem de “Herói Animal, Primeira Classe”, como muitos acreditavam até então. Esta era apenas uma lenda que havia sido espalhada algum tempo depois da Batalha do Estábulo pelo próprio Bola de Neve. Até então, ele havia sido censurado por mostrar covardia na batalha. Mais uma vez alguns dos animais ouviram isto com certa perplexidade, mas Berro logo foi capaz de convencê-los de que suas lembranças estavam erradas.

No outono, por conta de um esforço tremendo e exaustivo – pois a colheita tinha que ser feita quase ao mesmo tempo – o moinho de vento estava pronto. A maquinaria ainda tinha que ser instalada, e Whymper estava negociando sua compra, mas a estrutura foi concluída. Apesar de todas as dificuldades, apesar da inexperiência, das ferramentas primitivas, do azar e da traição de Bola de Neve, o trabalho tinha sido terminado no prazo! Cansados, mas orgulhosos, os animais davam voltas em torno de sua obra-prima, que parecia ainda mais bela aos seus olhos do que da primeira vez. Além disso, as paredes eram duas vezes mais grossas do que antes. Desta vez, só explosivos a derrubariam! E quando pensaram em como haviam trabalhado, em todo o desânimo que superaram, e a enorme diferença que o moinho faria em suas vidas quando as velas estivessem girando e os dínamos correndo – quando pensaram em tudo isso, seu cansaço os abandonou e eles pularam em volta do moinho de vento, proferindo gritos de triunfo. O próprio Napoleão, acompanhado por seus cães e seu galo, desceu para inspecionar o trabalho concluído; ele parabenizou pessoalmente os animais por sua realização, e anunciou que o moinho seria chamado de Moinho Napoleão.

Dois dias depois, os animais foram todos convocados para uma reunião especial no celeiro. Eles ficaram surpresos quando Napoleão anunciou que havia vendido a pilha de madeira a Frederick. No dia seguinte, as carroças de Frederick chegariam e começariam a levá-la. Durante todo o período de sua aparente amizade com Pilkington, Napoleão tinha feito um acordo secreto com Frederick.

Todas as relações com a Fazenda Foxwood haviam sido rompidas; mensagens ofensivas haviam sido enviadas à Pilkington. Os pombos foram avisados para evitar a fazenda Pinchfield e alterar seu slogan de “Morte a Frederick” para “Morte a Pilkington”. Ao mesmo tempo, Napoleão assegurou aos animais que as histórias de um ataque iminente à Fazenda dos Animais eram completamente falsas, e que as histórias sobre a crueldade de Frederick para com seus próprios animais haviam sido muito exageradas. Todos estes rumores tinham provavelmente tido origem com Bola de Neve e seus agentes. Parecia que, no fim das contas, Bola de Neve não estava, afinal, escondido na Fazenda Pinchfield, e na verdade nunca havia estado lá em sua vida; ele estava vivendo – em considerável luxo, assim se dizia – em Foxwood, e tinha sido um hóspede de Pilkington por alguns anos.

Os porcos estavam em êxtase por causa da astúcia de Napoleão. Ao parecer amigável com Pilkington, ele tinha forçado Frederick a aumentar seu preço em doze libras. Mas a qualidade superior da mente de Napoleão, disse Berro, foi demonstrada pelo fato de que ele não confiava em ninguém, nem mesmo em Frederick. Frederick queria pagar pela madeira com algo chamado cheque, que parecia ser um pedaço de papel com a promessa de pagamento por escrito. Mas Napoleão era esperto demais para ele. Ele havia exigido o pagamento em notas de cinco libras, que deveriam ser entregues antes que a madeira fosse retirada. Frederick já havia pago; e a soma que ele havia pago era suficiente para comprar as máquinas para o moinho de vento.

Enquanto isso, a madeira estava sendo transportada em alta velocidade. Quando tudo se foi, outra reunião especial foi realizada no celeiro para que os animais inspecionassem as notas bancárias de Frederick. Sorrindo de forma bela, e vestindo suas duas condecorações, Napoleão repousou em uma cama de palha na plataforma, com o dinheiro ao seu lado, empilhado com cuidado em um prato de porcelana da cozinha da fazenda. Os animais foram passando lentamente, e cada um olhou seu conteúdo. Golias estendeu seu nariz para cheirar as notas do banco, e as frágeis coisas brancas se agitaram e fizeram barulhos com sua respiração.

Três dias depois, houve uma terrível algazarra. Whymper, com o rosto pálido como um cadáver, veio correndo pelo caminho de bicicleta, atirou-a no pátio e correu diretamente para a casa da fazenda. No momento seguinte, um estrondo de fúria soou pelos cômodos de Napoleão. A notícia do que havia acontecido acelerou em torno da fazenda como um incêndio. As cédulas eram falsas! Frederick tinha levado a madeira por nada!

Napoleão convocou os animais imediatamente e em uma voz terrível pronunciou a sentença de morte sobre Frederick. Quando capturado, disse ele, Frederick deveria ser fervido vivo. Ao mesmo tempo, ele os advertiu que, após este ato traiçoeiro, poderiam esperar pelo pior. Frederick e seus homens poderiam fazer seu tão esperado ataque a qualquer momento. Sentinelas foram colocadas em todos os acessos à fazenda. Além disso, quatro pombos foram enviados para Foxwood com uma mensagem conciliadora, na esperança de restabelecer boas relações com Pilkington.

Logo na manhã seguinte, começou o ataque. Os animais estavam tomando café da manhã quando os observadores chegaram correndo com a notícia de que Frederick e seus seguidores já tinham passado pelo portão de cinco grades. Os animais saíram com ousadia ao seu encontro, mas desta vez não tiveram a vitória fácil que tinham tido na Batalha do Estábulo. Havia quinze homens, com meia dúzia de armas, e eles abriram fogo assim que chegaram a cinquenta metros de distância. Os animais não puderam enfrentar as terríveis explosões e balas e, apesar dos esforços de Napoleão e Golias para reanimá-los, eles logo deram para trás. Alguns já estavam feridos. Eles se refugiaram nas instalações da fazenda e espreitaram cautelosamente por fora de fendas e buracos nas madeiras. Todo o grande pasto, incluindo o moinho de vento, estava nas mãos do inimigo. No momento seguinte, até mesmo Napoleão parecia estar perdido. Ele andava de um lado para o outro sem dizer nada, sua cauda rígida se agitava. Os animais olhavam melancólicos na direção da Foxwood. Se Pilkington e seus homens os ajudassem, o dia ainda poderia ser ganho. Mas neste momento os quatro pombos, que haviam sido enviados no dia anterior, voltaram, um deles levando um pedaço de papel de Pilkington. Nele estava rabiscado a lápis: “Bem feito!”.

Enquanto isso, Frederick e seus homens tinham parado sobre o moinho de vento. Os animais os observavam, e um murmúrio de consternação se espalhou. Dois dos homens montaram um pé-de-cabra e um martelo de marreta. Eles iam derrubar o moinho de vento.

“Impossível!” gritou Napoleão. “Construímos paredes grossas demais para isso. Eles não conseguiriam derrubá-lo em uma semana. Coragem, camaradas!”.

Mas Benjamin estava observando atentamente os movimentos dos homens. Os dois com martelos e pés-de-cabra estavam fazendo um buraco perto da base do moinho de vento. Lentamente, e com um ar quase de diversão, Benjamin acenou com a cabeça.

“Bem que eu imaginei”, disse ele. “Vocês não veem o que eles estão fazendo? Eles logo vão colocar pólvora naquele buraco”.

Os animais esperavam aterrorizados. Agora era impossível aventurar-se fora do abrigo das instalações. Após alguns minutos, os homens foram vistos correndo para todos os lados. Depois houve um rugido ensurdecedor. Os pombos rodopiaram no ar, e todos os animais, exceto Napoleão, se atiraram de barriga para baixo e esconderam seus rostos. Quando se levantaram novamente, uma enorme nuvem de fumaça negra estava pendurada onde o moinho de vento havia estado. Lentamente, a brisa o afastou. O moinho de vento não estava mais lá!

Ao verem as ruínas, os animais ganharam uma nova coragem. O medo e o desespero que haviam sentido antes foram superados por sua fúria contra este ato vil e desprezível. Um poderoso grito de vingança subiu, e sem esperar por ordens, eles se atiraram de uma só vez na direção dos inimigos. Desta vez eles não atentaram para as balas que caiam como granizo. Foi uma batalha feroz e amarga. Os homens atiravam repetidas vezes e, quando os animais chegavam perto, os acertavam com paus e suas botas pesadas. Uma vaca, três ovelhas e dois gansos foram mortos, e quase todos ficaram feridos. Até mesmo Napoleão, que estava dirigindo as operações da retaguarda, teve a ponta de sua cauda atingida. Mas os homens também não saíram incólumes. Três deles tiveram a cabeça partida por golpes dos cascos de Golias; outro foi chifrado na barriga por uma vaca; outro teve suas calças quase arrancadas por Mimi e Lulu. E quando os nove cães da guarda própria de Napoleão, instruídos a fazer um desvio sob a cerca, de repente apareceram no flanco dos homens, rosnando ferozmente, o pânico os atingiu. Eles viram que estavam correndo risco de serem cercados. Frederick gritou para que seus homens saíssem de lá enquanto o caminho estava limpo, e no momento seguinte o inimigo estava covardemente correndo pela própria vida. Os animais os perseguiram até o final do campo, e deram alguns pontapés finais enquanto eles forçavam o caminho pela sebe espinhenta.

Eles tinham vencido, mas estavam cansados e sangrando. Lentamente eles começaram a mancar de volta para a fazenda. A visão de seus camaradas mortos estirados pela grama levou alguns deles às lágrimas. E eles ficaram no lugar onde antes o moinho de vento se erigia por algum tempo em um silêncio triste. Sim, ele tinha desaparecido; até o último vestígio de todo o trabalho tinha desaparecido! Até mesmo as fundações foram parcialmente destruídas. E, desta vez, não poderiam usar as pedras na reconstrução, porque elas também haviam desaparecido. A força da explosão as tinha atirado a distâncias de centenas de metros. Era como se o moinho de vento nunca tivesse existido.

Ao se aproximarem da fazenda, o Berro, que estava ausente durante a luta, veio pulando em direção a eles, assobiando sua cauda e sorrindo com satisfação. E os animais ouviram, da direção das instalações, a solene explosão de uma arma.

“Por que essa arma está sendo disparada?” disse Golias.

“Para celebrar nossa vitória!” gritou Berro.

“Que vitória?”, disse Golias. Seus joelhos estavam sangrando, ele havia perdido uma ferradura e rachado o casco, e uma dúzia de pelotas se alojaram em sua pata posterior.

“Como assim ‘que vitória’, camarada? Não expulsamos o inimigo de nosso solo – o solo sagrado da Fazenda dos Animais?”.

“Mas eles destruíram o moinho de vento. E nós trabalhamos nele por dois anos!”.

“O que importa? Vamos construir outro moinho de vento. Construiremos seis moinhos de vento se tivermos vontade. Você não percebe, camarada, que fizemos algo poderoso. O inimigo estava ocupando este mesmo terreno em que nos encontramos. E agora – graças à liderança do camarada Napoleão – nós ganhamos de volta cada centímetro!”.

“Então nós ganhamos de volta o que já tínhamos antes”, disse Golias.

“Essa é a nossa vitória”, disse Berro.

Eles mancaram para o pátio. As pelotas sob a pele de Golias se esmigalharam dolorosamente. Ele viu à sua frente o trabalho pesado de reconstruir o moinho de vento a partir das fundações, e já se imaginava executando a tarefa. Mas pela primeira vez lhe ocorreu que ele já tinha onze anos de idade e que talvez seus grandes músculos não fossem exatamente o que já haviam sido.

Mas quando os animais viram a bandeira verde voando e ouviram a arma disparando novamente – foram sete vezes ao todo – e o discurso que Napoleão fez, parabenizando-os por sua conduta, pareceu-lhes, depois de tudo, que haviam conquistado uma grande vitória. Os animais mortos na batalha receberam um funeral solene. Golias e Esperança puxaram a carroça que serviu de carro funerário, e o próprio Napoleão caminhou à frente da procissão. Dois dias inteiros foram dedicados às celebrações. Houve cantos, discursos e mais disparos da arma, e uma maçã foi dada para cada animal como um presente especial, além de um punhado de milho para cada ave e três biscoitos para cada cão. Foi anunciado que a batalha seria chamada a Batalha do Moinho de Vento, e que Napoleão havia criado uma nova decoração, a Ordem da Bandeira Verde, que ele havia conferido a si mesmo. Nos regozijos gerais, o infeliz caso das cédulas falsas foi esquecido.

Alguns dias depois, os porcos encontraram uma caixa de uísque nas adegas da casa da fazenda, negligenciada na época em que a casa foi ocupada pela primeira vez. Naquela noite, veio de lá um som alto de cantoria, na qual se misturavam acordes de “Animais da Inglaterra”, para a surpresa de todos. Por volta das nove e meia, Napoleão, usando um velho chapéu coco do Sr. Jones, foi visto saindo pela porta dos fundos, galopando rapidamente pelo pátio, e desaparecendo dentro de casa novamente. Pela manhã, um profundo silêncio pairava sobre a casa da fazenda. Nenhum porco parecia se mexer. Eram quase nove horas quando Berro fez sua aparição, andando devagar e desanimado, com olhos apagados, cauda caída e aparência de doente. Chamou os animais e disse-lhes que tinha uma terrível notícia a transmitir. O camarada Napoleão estava morrendo!

Um grito de lamentação tomou conta de todos. Colocaram palha do lado de fora das portas da casa e os animais andaram por ali na ponta das patas. Circulava o rumor de que Bola de Neve tinha finalmente conseguido envenenar a comida de Napoleão. Às onze horas, Berro saiu para fazer outro anúncio. Como seu último ato sobre a terra, o camarada Napoleão havia pronunciado um decreto solene: o consumo de álcool deveria ser punido com a morte.

À noite, no entanto, Napoleão parecia estar um pouco melhor e na manhã seguinte Berro avisou a todos que o líder estava se encaminhando para uma recuperação. Naquele dia de noite, Napoleão voltou ao trabalho, e no dia seguinte soube-se que ele havia instruído a Whymper a comprar em Willingdon alguns livretos sobre fabricação de cerveja e destilação. Uma semana depois, Napoleão deu ordens para que o pequeno campo atrás do pomar, que anteriormente era um pasto reservado para animais que já tinham passado da fase de trabalho, fosse arado. Deu-se a entender que o pasto estava exausto e precisava ser replantado; mas logo se soube que Napoleão pretendia semeá-lo com cevada.

Nessa época, ocorreu um estranho incidente que quase ninguém conseguiu entender. Uma madrugada, por volta da meia-noite, houve um estrondo no pátio, e os animais saíram correndo de suas baias. Era uma noite de luar. Ao pé da parede da extremidade do grande celeiro, onde estavam escritos os Sete Mandamentos, havia uma escada partida em dois. Berro, temporariamente atordoado, estava caído a seu lado, e perto dele havia uma lanterna, um pincel e um pote virado de tinta branca. Os cães imediatamente fizeram um círculo em volta do porco, e o acompanharam de volta à casa da fazenda assim que ele conseguiu andar. Nenhum dos animais conseguia imaginar o que isso significava, exceto o velho Benjamin, que acenou com a cabeça com um ar conhecedor, e parecia entender, mas não disse nada.

Alguns dias depois Muriel, lendo os Sete Mandamentos para si mesma, notou que havia mais um deles que os animais haviam decorado mal. Eles pensavam que o Quinto Mandamento era “Nenhum animal deve beber álcool”, mas havia duas palavras que eles haviam esquecido. Na verdade, o Mandamento era: “Nenhum animal deve beber álcool em excesso”.

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Veja também, o áudio da leitura do capítulo IX em:


Notas:

  • [1George Orwell: “...escritor nascido em uma colônia inglesa na Índia, é considerado um dos mais importantes romancistas da vertente distópica da literatura mundial, caracterizada pela narração de enredos em que os personagens vivenciam situações em espaço e tempo futuros, nos quais não há possibilidade para a utopia, ou seja, para o sonho e para a esperança. Nessa linha, destacam-se suas duas obras-primas, traduzidas para vários idiomas e transpostas para as telas do cinema mais de uma vez: o romance A revolução dos bichos, publicado em 1945, e o romance 1984, publicado em 1949.” Veja mais aqui.

  • [2O que diz o livro Revolução dos Bichos? “O conhecido livro do inglês George Orwell, A Revolução dos Bichos (1945), é um dos legados atemporais mais importantes que escritores do século passado nos deixaram. Na obra, Orwell faz uma crítica ao stalinismo. Então socialista, o inglês – nascido na Índia durante o domínio britânico – se desilude com a ideologia ao ver o totalitarismo soviético e satiriza o sucessor de Lênin. Na alegoria, o autor apresenta uma revolução idealizada por um porco, o Major (que pode representar tanto Marx como Lênin), que convoca os bichos da granja em que vive a expulsar seu proprietário, o humano Sr. Jones (que seria Nicolau II, imperador do Czar). Porco Major morre em seguida e dois outros suínos tomam a frente: Napoleão (representando Stálin) e Bola de Neve (que seria Trotski). A estória segue o roteiro soviético… Napoleão expurga Bola de Neve, deturpa as leis a seu favor e se torna um ditador. Os demais bichos (galinhas, gado, cavalo…) se rendem à autocracia sem questionar, de forma passiva. Cada vez trabalham mais, exaustivamente e com alimento controlado; enquanto isso, Napoleão toma posse das dependências do Sr. Jones, agindo, portanto, de forma mais exploradora e cruel que o antigo chefe. A ironia está no fato de que a máxima da revolução era ‘duas pernas/patas mau’ – referindo-se a seres humanos”. Leia mais em: Rodrigo Constantino – Gazeta do Povo.com.

  • [3ORWELL, George. Revolução dos Bichos. Gazeta do Povo. Capítulo VIII, pág. 106 a 126. Veja o livro completo aqui.

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