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25 abril 2024

Revolução dos Bichos (IX)

Por: George Orwell [1]

In: Gazeta do Povo [2]

    Capítulo IX [3]

O casco rachado de Golias levou um bom tempo para curar. Os animais haviam começado a reconstrução do moinho no dia seguinte ao término das comemorações da vitória. Ele se recusou a tirar um dia de folga sequer do trabalho e fez questão de não deixar que os outros vissem como estava sofrendo. À noite, ele admitiu para a Esperança que o casco o incomodava muito. A Esperança tentou tratar o casco com uma pasta que ela preparava mastigando ervas, e tanto ela quanto Benjamin incitaram Golias a trabalhar menos. “Os pulmões de um cavalo não duram para sempre”, ela lhe disse. Mas isso entrou por um ouvido de Golias e saiu pelo outro. Tinha, segundo ele mesmo, apenas uma ambição na vida – ver a construção do moinho bem avançada antes de chegar à idade de se aposentar.

No início, quando as leis da Fazenda dos Animais foram formuladas pela primeira vez, a idade de aposentadoria havia sido fixada aos doze anos para cavalos e porcos, aos quatorze para vacas, aos nove para os cães, aos sete para as ovelhas e aos cinco para as galinhas e os gansos. Tinham combinado pensões generosas para aposentados por velhice. Até agora, nenhum animal havia realmente se aposentado e usado o benefício, mas o assunto era cada vez mais discutido recentemente. Agora que o pequeno campo depois do pomar havia sido reservado para a cevada, havia rumores de que um canto do grande pasto seria cercado e transformado em um pasto para animais aposentados. Diziam que a pensão de um cavalo seria de dois quilos de milho por dia e sete quilos de feno no inverno, além de uma cenoura ou até, quem sabe, uma maçã, nos feriados públicos. Golias faria doze anos no final do próximo verão.

Enquanto isso, a vida era difícil. O inverno estava tão frio quanto o último, e a comida era ainda mais escassa. Mais uma vez, todas as rações foram reduzidas, exceto as dos porcos e dos cães. Igualar a quantidade de ração entre todos os animais, explicou Berro, seria contrário aos princípios do animalismo. De qualquer forma, ele não teve grandes dificuldades para provar aos outros animais que na realidade eles não tinham escassez de alimento, por mais que parecesse que sim. Por enquanto, certamente, havia sido considerado necessário fazer um reajuste das rações (Berro sempre chamou isso de “reajuste”, nunca de “redução”), mas se comparassem com a época de Jones veriam que a melhoria era enorme. Lendo os números com uma voz estridente e veloz, ele provou em detalhes que tinham mais aveia, mais feno e mais nabos do que tinham antes, que trabalhavam menos horas, que sua água potável era de melhor qualidade, que viviam mais tempo, que uma proporção maior de filhotes sobreviviam à infância, que tinham mais palha em suas baias e sofriam menos com pulgas. Os animais acreditavam em cada palavra. Verdade seja dita, Jones e tudo o que representava já tinha quase desaparecido de suas memórias. Eles sabiam que a vida hoje em dia era dura e difícil, que muitas vezes tinham fome e frio, e que estavam trabalhando sempre que não estivessem dormindo. Mas, sem dúvida, era pior nos velhos tempos. Eles ficavam felizes em acreditar que sim. Além disso, naqueles dias eram escravos e agora eram livres, e isso fez toda a diferença, como Berro não deixou de ressaltar.

Agora tinham bem mais bocas para alimentar. No outono, as quatro porcas tinham dado à luz, gerando trinta e um porquinhos no total. Os porcos jovens eram malhados e, como Napoleão era o único javali da fazenda, era fácil adivinhar a paternidade da cria. Anunciaram que mais tarde, quando tivessem adquirido tijolos e a madeira, construiriam uma sala de aula no jardim da fazenda. Por enquanto, os jovens porcos recebiam instruções do próprio Napoleão na cozinha da casa. Eles se exercitavam na horta e eram desencorajados a brincar com os outros filhotes. Também nesta época, foi estabelecido como regra que quando um porco e qualquer outro animal se encontrassem no mesmo caminho, o outro animal deveria ficar ao lado e abrir passagem; e também que todos os porcos, de qualquer escalão, deveriam ter o privilégio de usar fitas verdes em seus rabos aos domingos.

A fazenda tinha tido um ano de bastante sucesso, mas ainda tinha pouco dinheiro. Precisavam comprar tijolos, areia e cal para a sala de aula, além de começar a economizar novamente para a maquinaria do moinho de vento. Precisavam comprar também óleo de lâmpada e velas para a casa, açúcar para a mesa de Napoleão (ele proibiu que outros porcos comessem açúcar, afirmando que isso os deixaria gordos), além das compras de rotina, como ferramentas, pregos, cordas, carvão, arame, ferro-velho e biscoitos para cães. Venderam uma meda de feno e parte da colheita de batata, e subiram o contrato dos ovos para seiscentos por semana, de modo que naquele ano as galinhas mal chocaram o número suficiente de ovos para manter a quantidade de filhotes no mesmo nível.

As rações, reduzidas em dezembro, foram novamente reduzidas em fevereiro e, para economizar óleo, foi proibido acender lanternas nas baias. Mas os porcos estavam confortáveis o suficiente, e na verdade pareciam estar engordando. Uma tarde, no final de fevereiro, um aroma quente, rico e apetitoso, que os animais nunca haviam cheirado antes, se espalhou pelo pátio ao redor da pequena casa de fermentação que ficava além da cozinha, que já havia sido desativada no tempo de Jones. Alguém disse que era o cheiro de cevada cozida. Os animais farejavam o ar com fome e se perguntavam se um purê quente estava sendo preparado para seu jantar. Mas nenhum purê quente apareceu, e no domingo seguinte foi anunciado que a partir de agora toda a cevada seria reservada para os porcos. O campo além do pomar já havia sido semeado com cevada. E logo veio a notícia de que cada porco receberia agora uma ração de um litro de cerveja diariamente, além de meio galão para o próprio Napoleão, que o bebia na terrina da sopa de louça fina da Royal Crown Derby.

Mas se havia dificuldades a serem suportadas, elas acabavam sendo compensadas pelo fato de que a vida tinha mais dignidade agora do que antes. Havia mais canções, mais discursos, mais procissões. Napoleão havia ordenado que uma vez por semana fosse realizado algo chamado Demonstração Voluntária, cujo objetivo era celebrar as lutas e triunfos da Fazenda dos Animais. Na hora marcada, os animais deixariam seu trabalho e marchariam em torno das instalações da fazenda em formação militar, com os porcos à frente, seguidos pelos cavalos, pelas vacas, ovelhas e aves. Os cães circundariam a procissão e os galos pretos de Napoleão liderariam a fila. Golias e Esperança sempre levavam entre eles uma bandeira verde marcada com um casco e um chifre e a legenda: “Viva o camarada Napoleão!” Em seguida havia a recitação de poemas compostos em honra de Napoleão, um discurso de Berro com detalhes dos últimos aumentos na produção de alimentos e, ocasionalmente, um disparo da arma. As ovelhas eram as maiores devotas da Demonstração Voluntária, e se alguém reclamasse (como alguns animais às vezes faziam quando não havia porcos ou cães por perto) que elas desperdiçavam tempo e significavam ficar de pé no frio, as ovelhas com certeza gritariam o clássico “Quatro patas bom, duas patas ruim”! Mas, de modo geral, os animais apreciavam estas comemorações. Eles acharam reconfortante lembrar que, no fim das contas, eles eram seus próprios mestres e que o trabalho que faziam era em benefício próprio. E as canções, as procissões, as listas de produtividade de Berro, o estrondo da arma, o canto do galo e o tremular da bandeira fazia com que eles pudessem esquecer que suas barrigas estavam vazias, pelo menos por parte do tempo.

Em abril, a Fazenda dos Animais foi proclamada uma República, e tornou-se necessário eleger um presidente. Havia apenas um candidato, Napoleão, que foi eleito por unanimidade. No mesmo dia, foi divulgado que novos documentos haviam sido descobertos, revelando mais detalhes sobre a cumplicidade de Bola de Neve com Jones. Parecia que Bola de Neve não só havia tentado fazer com que os animais perdessem a Batalha do Estábulo por meio de um estratagema, como os animais haviam imaginado anteriormente, mas também tinha lutado abertamente do lado de Jones. Na verdade, era ele quem tinha sido o verdadeiro líder das forças humanas, e tinha proferido as palavras “Viva a Humanidade!” durante a batalha. As feridas nas costas de Bola de Neve, que alguns dos animais ainda lembravam ter visto, tinham sido infligidas pelos dentes de Napoleão.

Em meados do verão, o corvo Moisés reapareceu repentinamente na fazenda, após uma ausência de vários anos. Ele permaneceu bastante inalterado: ainda não trabalhava e ficou falando como sempre sobre a Montanha Doce de Açúcar. Ele se empoleirava em um toco, abanava suas asas negras e falava de hora em hora com qualquer um que o ouvisse. “Lá em cima, camaradas”, ele dizia solenemente, apontando para o céu com seu grande bico – “lá em cima, do outro lado daquela nuvem escura ali – lá em cima está a Montanha Doce de Açúcar, aquele lugar feliz onde nós, pobres animais, descansaremos para sempre de nosso trabalho”! Ele até alegou ter estado lá em um de seus voos mais altos, e ter visto os campos infinitos de trevo e os pedaços de bolo de linhaça e açúcar crescendo em árvores. Muitos dos animais acreditavam nele. No momento, suas vidas eram, assim achavam, cheias de fome e trabalho; não era certo e justo que um mundo melhor existisse em outro lugar? Uma coisa que era difícil de entender era a atitude dos porcos para com Moisés. Todos eles declararam desdenhosamente que suas histórias sobre o Montanha Doce de Açúcar eram mentiras, e ainda assim permitiam que ele permanecesse na fazenda, sem trabalhar, com uma mesada diária de um pouco de cerveja.

Depois que seu casco sarou, Golias trabalhou mais do que nunca. Na verdade, todos os animais trabalharam como escravos naquele ano. Além do trabalho regular da fazenda e da reconstrução do moinho de vento, havia a escola para os porcos jovens, que foi iniciada em março. Às vezes, era difícil superar as muitas horas com pouca comida, mas Golias nunca vacilou. Em nada do que ele dizia ou fazia havia qualquer indício de que sua força não era mais a mesma de antes. Apenas sua aparência estava um pouco alterada; seu pelo era menos brilhante do que costumava ser, e suas grandes pernas pareciam ter encolhido. Os outros diziam: “O Golias vai voltar ao peso normal quando a grama da primavera chegar”; mas a primavera chegou e ele não engordou nem um pouco. Às vezes, na encosta que leva ao topo da pedreira, quando ele se apoiava com seus músculos contra o peso de algum pedregulho grande, parecia que nada o mantinha em pé além da vontade de continuar. Em tais momentos, dava para ver seus lábios formando as palavras: “Vou trabalhar mais”; mas ele não tinha mais voz. Esperança e Benjamin o advertiram mais de uma vez para cuidar de sua saúde, mas Golias não prestou atenção. Seu aniversário de doze anos estava se aproximando. Ele não se importava com o que aconteceria, desde que um bom estoque de pedras fosse acumulado antes que ele entrasse na aposentadoria.

No final de uma noite de verão, um rumor repentino de que algo havia acontecido com Golias correu pela fazenda. Ele tinha saído sozinho para arrastar uma carga de pedra até o moinho de vento. E é claro que o boato acabou se mostrando verdadeiro. Alguns minutos depois, dois pombos vieram correndo com a notícia: “Golias caiu! Ele está deitado de lado e não consegue se levantar”!

Cerca da metade dos animais da fazenda correu para o morro onde estava o moinho de vento. Ali estava Golias, caído entre os eixos da carroça, seu pescoço esticado, incapaz até mesmo de levantar a cabeça. Seus olhos estavam vidrados e seu corpo estava molhado de suor. Um jato de sangue fino saia de sua boca. Esperança caiu de joelhos ao seu lado.

“Golias!”, gritou. “Como você está?”.

“Meu pulmão”, disse Golias em voz fraca. “Mas isso não importa. Acho que você vai conseguir terminar o moinho sem mim. Há um bom estoque de pedras acumuladas. Eu tinha apenas mais um mês de trabalho, de qualquer forma. Para dizer a verdade, eu estava ansioso pela minha aposentadoria. E talvez, como Benjamin também está envelhecendo, eles o deixem se aposentar ao mesmo tempo para ser um companheiro para mim”.

“Temos que conseguir ajuda imediatamente”, disse Esperança. “Alguém corre contar para o Berro o que aconteceu”.

Todos os outros animais correram imediatamente de volta à fazenda para dar a notícia. Somente Esperança permaneceu, além de Benjamin, que se deitou ao lado de Golias e, sem falar nada, manteve as moscas longe dele com seu longo rabo. Após cerca de um quarto de hora, Berro apareceu, cheio de simpatia e preocupação. Ele disse que o camarada Napoleão recebeu a notícia da desgraça de um dos trabalhadores mais leais da fazenda com muita angústia e já estava tomando providências para enviar Golias para ser tratado no hospital em Willingdon. Os animais se sentiram um pouco desconfortáveis com isso. Com exceção de Mollie e Bola de Neve, nenhum outro animal havia deixado a fazenda, e eles não gostavam de pensar em seu camarada doente nas mãos de seres humanos. Entretanto, Berro logo os convenceu de que o cirurgião veterinário de Willingdon poderia tratar o caso de Golias muito melhor do que qualquer um na fazenda. E cerca de meia hora depois, quando Golias se recuperou um pouco, ele conseguiu se levantar com dificuldade e mancar de volta para sua baia, onde Esperança e Benjamin haviam preparado uma boa cama de palha.

Durante os dois dias seguintes, Golias permaneceu em seu estábulo. Os porcos haviam enviado um grande frasco de remédio cor-de-rosa que haviam encontrado no baú de remédios no banheiro, e Esperança o administrou duas vezes ao dia após as refeições. À noite, ela deitava-se na baia de Golias e falava com ele, enquanto Benjamin mantinha as moscas longe. Golias confessou não se arrepender do que havia acontecido. Se tivesse uma boa recuperação, provavelmente viveria mais três anos, e ansiava pelos dias de paz que passaria no canto do grande pasto. Seria a primeira vez que ele teria tempo livre para estudar e melhorar sua mente. Ele pretendia, disse ele, dedicar o resto de sua vida a aprender as vinte e duas letras restantes do alfabeto.

Entretanto, Benjamin e Esperança só podiam ficar com Golias após o horário de trabalho, e ele foi levado embora ao meio-dia. Os animais estavam todos trabalhando, colhendo nabos sob a supervisão de um porco, quando ficaram surpresos ao ver Benjamin vir galopando da direção das instalações da fazenda, zurrando no alto de sua voz. Foi a primeira vez que eles viram Benjamin agitado – na verdade, foi a primeira vez que alguém o viu galopar. “Rápido, rápido!”, gritou ele. “Venham imediatamente! Estão levando o Golias embora!” Sem esperar por ordens do porco, os animais interromperam o trabalho e correram de volta para as instalações. E como era de se esperar, encontraram lá no pátio um grande reboque fechado, puxado por dois cavalos, com um letreiro ao lado e um homem suspeito com um chapéu coco sentado na posição de condutor. E a baia de Golias já estava vazia.

Os animais se aglomeravam ao redor do veículo. “Adeus, Golias!”, eles gritaram juntos. “Adeus!”.

“Tolos! Tolos!” gritaram Benjamin, se mexendo inquieto e dando patadas no chão com seus pequenos cascos. “Tolos! Vocês não veem o que está escrito na lateral da carroça?”

Os animais fizeram uma pausa e houve um grande silêncio. Muriel começou a soletrar as palavras. Mas Benjamin a empurrou para o lado e, em meio a um silêncio mortal, leu:

“’Alfred Simmonds, Abate de Cavalos e Caldeira de Cola, Willingdon. Negociante de peles e farinha de ossos. Canil disponível’. Vocês não entendem o que isso significa? Eles estão levando o Golias para o abatedouro!”

Um grito de horror irrompeu de todos os animais. Neste momento, o homem chicoteou seus cavalos e o veículo saiu do pátio rapidamente. Todos os animais seguiram, gritando o mais alto que conseguiam. Esperança forçou seu caminho para a frente. A carroça começou a ganhar velocidade. Ela se agitou para correr e alcançou um galope. “Golias!”, ela chorou. “Golias! Golias! Golias!”. E justamente neste momento, como se tivesse ouvido o tumulto lá fora, o rosto dele, com a faixa branca no nariz, apareceu na pequena janela na parte de trás da carroça.

“Golias!” gritou Esperança com uma voz terrível. “Golias! Saia! Saia rapidamente! Eles estão te levando para a morte!”

Todos os animais repetiram o grito de “Saia, Golias, saia!”, mas o veículo já estava ganhando velocidade e se afastando deles. Ninguém sabia se ele havia entendido o que a Esperança havia dito. Mas, um momento depois, seu rosto desapareceu da janela e os animais ouviram o som tremendo de bater de cascos dentro do veículo. Ele estava tentando dar um chute para fora. Havia uma época em que alguns pontapés dos cascos dele teriam facilmente esmagado a carruagem. Mas infelizmente sua força o havia deixado; e em poucos momentos o som dos cascos de bater os tambores ficou mais fraco e morreu. Em desespero, os animais começaram a pedir para os dois cavalos que puxavam a carroça parassem. “Camaradas, camaradas!” gritaram eles. “Não levem seu próprio irmão para a morte!” Mas eles eram brutos, estúpidos, ignorantes demais para perceberem o que estava acontecendo, apenas taparam seus ouvidos e aceleraram seu ritmo. O rosto de Golias não apareceu mais na janela. Alguém pensou tarde demais em correr na frente da carruagem e fechar o portão de cinco grades; mas a carruagem já havia passado por ela e desaparecido rapidamente pela estrada. O Golias nunca mais foi visto.

Três dias depois, foi anunciado que ele havia morrido no hospital em Willingdon, apesar de ter recebido toda atenção que um cavalo poderia ter. Berro veio para anunciar a notícia aos outros. Ele tinha, disse ele, estado presente durante as últimas horas de vida de Golias.

“Foi a visão mais comovente que já vi”, disse Berro, levantando sua pata e enxugando uma lágrima. “Fiquei no seu leito de morte até o último momento. E no final, quase fraco demais para falar, ele sussurrou no meu ouvido que sua única tristeza foi ter caído antes que o moinho estivesse terminado. ‘Avante, camaradas!’, ele sussurrou. ‘Avante, em nome da Revolução. Viva a Fazenda dos Animais! Longa vida ao camarada Napoleão! Napoleão está sempre certo’. Essas foram suas últimas palavras, camaradas”.

Aqui o comportamento de Berro mudou repentinamente. Ele caiu em silêncio por um momento, e seus olhinhos ousaram olhar desconfiados de um lado para o outro antes de prosseguir.

Tinha chegado ao seu conhecimento, disse ele, que um rumor tolo e perverso havia circulado no momento da remoção de Golias. Alguns dos animais haviam notado que a carroça que o levou estava identificada como “Abate de Cavalos”, o que fez com que chegassem à conclusão de que Golias estava sendo enviado para o abatedouro. Era quase inacreditável, disse Berro, que qualquer animal pudesse ser tão estúpido. Certamente, ele chorou indignado, balançando sua cauda e pulando de um lado para o outro, certamente eles conheciam seu amado Líder, o camarada Napoleão, melhor do que isso? Mas a explicação era realmente muito simples. A carroça havia pertencido anteriormente ao abatedouro, e havia sido comprada pelo cirurgião veterinário, que ainda não havia apagado o antigo nome. Assim que o erro surgiu.

Os animais ficaram imensamente aliviados ao ouvir isso. E quando Berro passou a dar detalhes explícitos do leito de morte de Golias, dos cuidados admiráveis que ele havia recebido e dos medicamentos caros pelos quais Napoleão havia pago sem pensar no custo, suas últimas dúvidas desapareceram e o pesar que sentiram pela morte de seu camarada foi suavizado pelo pensamento de que pelo menos ele havia morrido feliz.

O próprio Napoleão apareceu na reunião na manhã do domingo seguinte e pronunciou uma breve oração em honra de Golias. Não havia sido possível, lamentavelmente, disse ele, trazer de volta os restos mortais de seu camarada para serem enterrados na fazenda, mas ele havia ordenado que uma grande coroa de flores fosse feita com os louros do jardim para ser colocada sobre o túmulo de Golias. E dentro de alguns dias os porcos pretendiam realizar um banquete memorial em sua honra. Napoleão terminou seu discurso com um lembrete das duas máximas favoritas de Golias, “Vou trabalhar mais” e “O camarada Napoleão está sempre certo” – lemas que, disse ele, seria bom se cada animal adotasse como seus.

No dia marcado para o banquete, uma carruagem do merceeiro veio de Willingdon e entregou uma grande caixa de madeira na casa da fazenda. Naquela noite, houve o som de um canto tumultuoso, que foi seguido pelo que parecia uma violenta briga e terminou por volta das onze horas com algum vidro quebrando. Ninguém se mexeu na casa da fazenda antes do meio-dia do dia seguinte, e a notícia de que de alguma maneira os porcos tinham conseguido o dinheiro para comprar outra caixa de uísque para eles correu pela fazenda.

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Veja também o vídeo a seguir com áudio sobre a leitura do capítulo IX:


Notas:

  • [1] George Orwell: “...escritor nascido em uma colônia inglesa na Índia, é considerado um dos mais importantes romancistas da vertente distópica da literatura mundial, caracterizada pela narração de enredos em que os personagens vivenciam situações em espaço e tempo futuros, nos quais não há possibilidade para a utopia, ou seja, para o sonho e para a esperança. Nessa linha, destacam-se suas duas obras-primas, traduzidas para vários idiomas e transpostas para as telas do cinema mais de uma vez: o romance A revolução dos bichos, publicado em 1945, e o romance 1984, publicado em 1949.” Veja mais aqui.

  • [2O que diz o livro Revolução dos Bichos? “O conhecido livro do inglês George Orwell, A Revolução dos Bichos (1945), é um dos legados atemporais mais importantes que escritores do século passado nos deixaram. Na obra, Orwell faz uma crítica ao stalinismo. Então socialista, o inglês – nascido na Índia durante o domínio britânico – se desilude com a ideologia ao ver o totalitarismo soviético e satiriza o sucessor de Lênin. Na alegoria, o autor apresenta uma revolução idealizada por um porco, o Major (que pode representar tanto Marx como Lênin), que convoca os bichos da granja em que vive a expulsar seu proprietário, o humano Sr. Jones (que seria Nicolau II, imperador do Czar). Porco Major morre em seguida e dois outros suínos tomam a frente: Napoleão (representando Stálin) e Bola de Neve (que seria Trotski). A estória segue o roteiro soviético… Napoleão expurga Bola de Neve, deturpa as leis a seu favor e se torna um ditador. Os demais bichos (galinhas, gado, cavalo…) se rendem à autocracia sem questionar, de forma passiva. Cada vez trabalham mais, exaustivamente e com alimento controlado; enquanto isso, Napoleão toma posse das dependências do Sr. Jones, agindo, portanto, de forma mais exploradora e cruel que o antigo chefe. A ironia está no fato de que a máxima da revolução era ‘duas pernas/patas mau’ – referindo-se a seres humanos”. Leia mais em: Rodrigo Constantino – Gazeta do Povo.com.

  • [3] ORWELL, George. Revolução dos Bichos. Gazeta do Povo. Capítulo IX, pág. 128 a 145. Veja o livro completo aqui.

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