"Melhor é o fim das coisas do que o princípio delas..." (Ec 7.8a)
"Quando eu era criança e pegava uma tangerina para
descascar, corria para meu pai e pedia: - 'pai, começa o começo!'. O que eu
queria era que ele fizesse o primeiro rasgo na casca, o mais difícil e
resistente para as minhas pequenas mãos. Depois, sorridente, ele sempre acabava
descascando toda a fruta para mim. Mas, outras vezes, eu mesmo tirava o
restante da casca a partir daquele primeiro rasgo providencial que ele havia
feito.
Meu pai faleceu há muito tempo (e há anos, muitos,
aliás) não sou mais criança. Mesmo assim, sinto grande desejo de tê-lo ainda ao
meu lado para, pelo menos, 'começar o começo' de tantas cascas duras que
encontro pelo caminho. Hoje, minhas 'tangerinas' são outras. Preciso 'descascar' as dificuldades do trabalho, os obstáculos dos relacionamentos com
amigos, os problemas no núcleo familiar, o esforço diário que é a construção do
casamento, os retoques e pinceladas de sabedoria na imensa arte de viabilizar
filhos realizados e felizes, ou então, o enfrentamento sempre tão difícil de
doenças, perdas, traumas, separações, mortes, dificuldades financeiras e, até
mesmo, as dúvidas e conflitos que nos afligem diante de decisões e desafios.
Em certas ocasiões, minhas tangerinas
transformam-se em enormes abacaxis...
Lembro-me, então, que a segurança de ser atendido
pelo papai quando lhe pedia para “começar o começo” era o que me dava a certeza
que conseguiria chegar até ao último pedacinho da casca e saborear a fruta.
O carinho e a atenção que eu recebia do meu pai me
levaram a pedir ajuda a Deus, meu Papai do Céu, que nunca morre e sempre está
ao meu lado.
Meu pai terreno me ensinou que Deus, o Papai do
Céu, é eterno e que Seu amor é a garantia das nossas vitórias.
Quando a vida parecer muito grossa e difícil, como
a casca de uma tangerina para as mãos frágeis de uma criança, lembre-se de
pedir a Deus: 'Pai, começa o começo!'. Ele não só 'começará o começo', mas
resolverá toda a situação para você. Não sei que tipo de dificuldade eu e você
estamos enfrentando ou encontraremos pela frente neste ano. Sei apenas que vou
me garantir no Amor Eterno de Deus para pedir, sempre que for preciso: 'Pai,
começa o começo!'”.
O estudo sobre o marxismo e a fé cristã é um pós-escrito acrescido ao livro Filosofia e fé cristã, de Colin Brown (*). Embora escrito em 1983 e reimpresso em 1985, resolvi rever este assunto e destacar em alguns posts, os principais temas extraídos da ideias de Karl Marx, acrescentando aos mesmos outras observações...
Os professores do Campo 14 eram guardas uniformizados: tratados por Shin no desenho acima, um deles bateu em uma aluna até a morte [2].
Shin In-geun é o único prisioneiro a ter escapado do Campo 14, conhecido como o mais cruel campo de concentração da Coreia do Norte. Ele viu o irmão ser fuzilado e a mãe ser enforcada.
Com
o fim do Terceiro Reich, o suicídio de Hitler e a vitória dos
aliados na Segunda Guerra Mundial, era de se esperar que o mundo
nunca mais tolerasse as cenas chocantes e crueldades cometidas nos
campos de concentração de Auschwitz ou Buchenwald. Porém faz mais
de 50 anos que as mesmas atrocidades continuam acontecendo com o
conhecimento do mundo inteiro e que não é exagero comparar com o
pior da Alemanha nazista: os campos de prisioneiros da Coreia do
Norte, para onde são enviados os inimigos políticos da ditadura
comunista.
Ao
contrário do que seria de se esperar, a pressão mundial para fechar
esses centros de torturas e assassinatos é praticamente nula. Pouco
se fala sobre o assunto, porque são poucos os prisioneiros que
conseguem escapar dos campos de concentração. Do pior deles, o
Campo 14, somente uma pessoa conseguiu escapar: Shin In-geun, de 37
anos, que foi concebido, criado e viveu até o início da vida adulta
neste teatro dos horrores, com breves períodos em outros campos
menos severos.
Shin
In-geun, depois de fugir para a China, foi para a Coreia do Sul e
atualmente vive na Califórnia. Mudou seu nome para Shin Dong-hyuk e
hoje é um ativista dos direitos humanos. Ele contou sua história ao
jornalista americano Blaine Harden, que trabalhava como
correspondente em Seul para o jornal The Washington Post e publicou
tudo no livro ‘Fuga
do Campo 14’,
publicado no Brasil pela Editora Intrínseca. Shin mudou detalhes de
sua história várias vezes, o que muitos apoiadores do cruel regime
comunista da Coreia do Norte usaram para tentar desacreditar todo o
seu relato.
A
principal das mudanças é especialmente compreensível. Na primeira
versão de sua história, Shin omitiu o fato de que ele foi o
responsável pela morte de sua mãe e de seu irmão mais velho. Eles
pretendiam fugir. Shin ouviu a conversa e contou a um guarda do
campo. Seu irmão foi fuzilado e sua mãe enforcada.
Criado
em um ambiente de brutalidade e desconfiança, Shin nunca desenvolveu
laços de amor com sua família. Estimulado pelo Estado a delatar os
outros desde pequeno, lhe pareceu que a coisa certa a fazer era
denunciar os planos da mãe e do irmão. Somente anos depois, já
livre, tomou consciência da maldade de seus próprios atos. Então,
em seus primeiros relatos, omitiu os fatos que o retratariam como um
monstro. Um monstro criado pelo Estado norte-coreano, ainda assim um
monstro.
No
livro, Harden deixa claro que, apesar dos desertores serem a única
fonte de informações sobre os campos, “suas
motivações e seu grau de credibilidade não são imaculados. Na
Coreia do Sul e em outros lugares, eles se encontram muitas vezes
desesperados para ganhar a vida, dispostos a confirmar as ideias
preconcebidas dos ativistas dos direitos humanos, dos missionários
anticomunistas e dos ideólogos de direita. Alguns sobreviventes de
campos recusam-se a falar sem receber dinheiro vivo antecipadamente.
Outros repetem episódios impressionantes de que ouviram falar, mas
que não testemunharam em primeira mão.”
Essas
incongruências foram exaustivamente usadas pelos apologistas do
regime norte-coreano e pelo próprio governo, que levou o pai de Shin
à TV estatal para desmentir o filho. Mas desertores, incluindo
ex-guardas que trabalharam nos campos, confirmam os fatos. Imagens de
satélite não deixam dúvidas sobre a existência desses lugares
funestos.
Infelizmente
as atrocidades do Campo 14 não fazem parte do passado. Neste
momento, milhares de pessoas estão passando por isso ali e em outras
instalações do regime norte-coreano: um mundo de fome, maus tratos
e execuções. A história de Shin Dong-hyuk é escabrosa. A fome nos
campos é tamanha que Shin cresceu vendo a mãe e o irmão não como
familiares, mas sim competidores pela escassa comida disponível. As
únicas refeições dadas aos prisioneiros eram sopa de repolho,
repolho na salmoura ou mingau de milho. Quando conseguia, Shin
furtava a comida de sua mãe, que o surrava com uma enxada ou uma pá.
A única carne disponível era a dos ratos, muitas vezes capturados
nas latrinas do campo. Os prisioneiros que cometiam alguma falta aos
olhos dos guardas eram punidos recebendo ainda menos alimento. A
estes restava vasculhar até o estrume das vacas para tentar
encontrar algum grão comestível.
A
população que vive fora dos campos também passa fome. Dois terços
das crianças norte-coreanas foram consideradas abaixo do peso por um
levantamento feito pelo Programa Mundial de Alimentos das Nações
Unidas, que só foi permitido em troca da doação de alimentos ao
país. Esse número é o dobro do que o registrado na época em
Angola, que estava saindo de uma guerra civil.
Homens
e mulheres não viviam juntos no Campo 14 e o contato físico era
proibido sem autorização prévia. Prisioneiros que fossem
obedientes e cumprissem com sucesso sua cota de trabalho forçado às
vezes recebiam autorização para se casar. O mesmo valia caso
delatassem alguém. Mesmo assim, só podiam casar com outros
prisioneiros que fossem escolhidos pelo Estado. Era possível recusar
parceiros muito velhos ou muito feios, mas perdiam a chance de se
casar para sempre. Foi assim que os pais de Shin se conheceram. Seu
pai recebeu Jang Hye-gyung como “presente” por seu trabalho na
oficina mecânica.
Fora
desses casamentos arranjados, a gravidez era terminantemente
proibida. Isso não quer dizer que elas não ocorressem. Os guardas
abusavam das prisioneiras, que se submetiam em troca de apanhar menos
nas fábricas ou receber mais comida. Mas se engravidassem, tanto
elas como os filhos eram mortos. De acordo com o relato de An Myeong
Chul, que trabalhou como guarda de vários campos (não do Campo 14),
os guardas eram ensinados a tratar os prisioneiros sem qualquer
humanidade, pensando neles como se fossem “cães ou porcos”. Ele
viu mais de uma vez recém-nascidos serem mortos a golpes de pesadas
barras de ferros.
As
aulas dentro do campo eram apenas uma maneira de doutrinar as
crianças desde cedo. Shin lembra de uma vez que uma colega de classe
foi pega, durante uma revista surpresa feita pelo professor, com
cinco grãos de milho no bolso. A xingou, mandou que ela se
ajoelhasse e começou a bater em sua cabeça várias vezes. Harden
escreve: “Enquanto
Shin e os colegas observavam em silêncio, protuberâncias
brotaram-lhe no crânio. Sangue escorria-lhe do nariz. Ela tombou no
piso de concreto. Shin e vários outros colegas a levantaram e a
levaram para casa, uma fazenda de porcos que não ficava longe da
escola. Mais tarde naquela noite, a menina morreu.”
Mais “sorte” teve outro aluno que desobedeceu o professor. Foi
amarrado a uma árvore e uma fila de estudantes se formou para lhe
dar murros no rosto.
Com
dez anos de idade, as crianças eram encaminhadas para trabalhos
insalubres, como empurrar minério em gôndolas sobre trilhos. Uma
amiga de Shin se desequilibrou e teve o pé esmagado pela roda de aço
de uma gôndola. Levada ao hospital do campo, teve o dedo amputado
sem anestesia e tratado apenas com água salgada. Em outra ocasião,
durante a construção de uma represa, um muro de concreto caiu perto
de Shin, matando oito trabalhadores, cinco deles crianças de 15 anos
de idade. Foram esmagados a ponto de ficarem irreconhecíveis. Todos
continuaram trabalhando como se nada tivesse acontecido.
Neste
ambiente de absoluto desespero, o suicídio era muitas vezes a única
saída que alguns prisioneiros enxergavam. Mas os governantes viam o
suicídio como uma tentativa de escapar ao domínio do partido. Como
escreveu Kang Cholhwan no livro sobre seu período como prisioneiro
do Campo 15, “se
o indivíduo que tentara o ardil não estava por perto para pagar por
isso, alguém mais precisava pagar no lugar dele.”
Todos os prisioneiros são avisados de que, caso optem por esse
caminho, seus familiares serão punidos com sentenças e punições
ainda maiores.
A
situação nos campos, porém, era mais difícil de ser suportada por
aqueles que tinham uma vida pregressa. A diferença entre a vida
levada antes de serem presos era um fardo pesado demais. Para pessoas
como Shin, no entanto, que não conheciam outra vida, o desespero,
por incrível que pareça, era menor.
[1] ROSSI,
Jones
“... é editor de Ideias na Gazeta do Povo e co-autor do livro Guia
Politicamente Incorreto do Futebol
(Ed. Leya), com Leonardo Mendes Júnior. Foi editor de ciência e
saúde do site de VEJA, editor da revista Galileu e repórter do G1 e
do extinto Jornal da Tarde”
In:<https://www.gazetadopovo.com.br/autor/jones-rossi/>.
Acesso
em: 02/08/2022.
ROSSI,
Jones.
Campo 14 – Bebês
mortos a pauladas, fome e execuções: a vida em um campo de
concentração norte-coreano. In:
As
atrocidades do comunismo que você não aprendeu na escola
– Ebook, pp.
60-67.
Gazeta
do Povo. Acesso
em: 02/08/2022.
Os
anos se passaram. As estações chegavam e partiam e as vidas curtas
dos animais passavam voando. Chegou o tempo em que mais ninguém se
lembrava dos velhos tempos antes da Revolução, exceto Esperança,
Benjamim, Moisés, o corvo, e alguns dos porcos.
Muriel
tinha morrido; Mimi, Lulu e Pipa tinham morrido. Jones também estava
morto – ele havia morrido em um lar para alcoólatras em outro
canto do país. O Bola de Neve foi esquecido. Golias foi esquecido,
exceto pelos poucos que o conheceram. Esperança era agora uma égua
velha e robusta, com articulações rígidas e com uma tendência a
ter remelas nos olhos. Ela já tinha passado dois anos da idade de
aposentadoria, mas na verdade nenhum animal jamais chegou a se
aposentar. A conversa de reservar um canto do pasto para animais
velhos já havia sido abandonada há muito tempo. Napoleão era agora
um javali maduro de cento e cinquenta quilos. O Berro estava tão
gordo que mal conseguia enxergar através do espaço que suas
bochechas deixavam para os olhos. Apenas o velho Benjamin era quase o
mesmo de sempre, exceto por ter mais pelos cinzas ao redor do focinho
e, desde a morte de Golias, ter ficado mais rabugento e casmurro do
que nunca.
Agora
a fazenda tinha bem mais criaturas, embora o aumento não tenha sido
tão grande como se esperava em anos anteriores. Para muitos dos
animais jovens, a Revolução não passava de uma tradição confusa,
transmitida de boca a boca, enquanto outros animais comprados nunca
tinham ouvido falar sobre a Revolução antes de chegarem lá. A
fazenda possuía agora três cavalos além da Esperança. Eram
animais de bem, trabalhadores dispostos e bons camaradas, mas muito
estúpidos. Nenhum deles se mostrou capaz de aprender o alfabeto além
da letra B. Eles aceitaram tudo o que lhes foi dito sobre a Revolução
e os princípios do animalismo, especialmente pela Esperança, por
quem tinham um respeito quase filial; mas ninguém sabia ao certo se
tinham entendido bem.
A
fazenda era agora mais próspera e organizada: tinha até sido
ampliada com compra de dois campos do Sr. Pilkington. O moinho tinha
sido finalmente concluído com sucesso, e a fazenda possuía uma
debulhadora e um elevador de feno, e várias novas construções
tinham sido acrescentadas a ele. Whymper tinha comprado uma pequena
carruagem para si mesmo. O moinho de vento, entretanto, não havia
sido usado para gerar energia elétrica no fim das contas. Ele era
usado para moer milho, o que trazia um belo lucro em dinheiro. Os
animais estavam trabalhando duro na construção de mais um moinho de
vento; quando este estivesse terminado, assim se dizia, os dínamos
seriam instalados. Mas os luxos mencionados por Bola de Neve, que
deixou os animais sonhando com baias com luz elétrica, água quente
e fria e semanas com apenas três dias de trabalho não eram mais
mencionados. Napoleão havia denunciado tais ideias como contrárias
ao espírito do animalismo. A felicidade mais verdadeira, disse ele,
estava em trabalhar duro e viver frugalmente.
De
alguma forma, parecia que a fazenda tinha ficado mais rica sem tornar
os próprios animais mais ricos – exceto, é claro, os porcos e os
cães. Talvez isto se deva em parte ao fato de haver tantos porcos e
cães. Não que essas criaturas não trabalhassem, dentro de suas
possibilidades. Havia, como Berro nunca se cansava de explicar, uma
quantidade interminável de trabalho na supervisão e organização
da fazenda. Muito desse trabalho era do tipo que os outros animais
eram ignorantes demais para entender. Por exemplo, Berro lhes disse
que os porcos despendiam horas de trabalho diário em coisas
misteriosas chamadas “arquivos”, “relatórios”, “atas” e
“memorandos”. Estas eram grandes folhas de papel que tinham que
ser cobertas de escrita, e assim que eram cobertas, eram queimadas na
fornalha. Isto era da maior importância para o bem-estar da fazenda,
disse Berro. Mas, mesmo assim, nem os porcos nem os cães produziam
qualquer alimento com seu próprio trabalho; e eles eram muitos, e
seus apetites eram sempre imensos.
Quanto
aos outros, suas vidas eram, até onde sabiam, como sempre foram.
Geralmente tinham fome, dormiam na palha, bebiam dos bebedouros,
trabalhavam nos campos; no inverno, eram perturbados pelo frio, e no
verão, pelas moscas. Às vezes, os mais velhos entre eles guardavam
suas lembranças sombrias e tentavam determinar se nos primeiros dias
da Revolução, quando a expulsão de Jones ainda era recente, as
coisas eram melhores ou piores do que agora. Mas eles não conseguiam
se lembrar. Não havia nada com que pudessem comparar suas vidas
atuais: eles não tinham nada para se basear, exceto as listas de
dados de Berro, que demonstravam invariavelmente que tudo estava
ficando cada vez melhor. Os animais achavam o problema insolúvel; em
todo caso, eles tinham pouco tempo para especular sobre tais coisas
agora. Somente o velho Benjamin professou recordar cada detalhe de
sua longa vida e saber que as coisas nunca haviam sido, nem poderiam
ser, muito melhores ou muito piores – a fome, as dificuldades e o
desapontamento sendo, assim disse, a lei inalterável da vida.
E,
no entanto, os animais nunca perderam a esperança. Mais ainda, eles
nunca perderam, mesmo por um instante, seu senso de honra e
privilégio de serem membros da Fazenda dos Animais. Eles ainda eram
a única fazenda em todo o condado – em toda a Inglaterra! –
possuída e operada por animais. Nenhum deles, nem mesmo os mais
jovens, nem mesmo os recém-chegados que haviam sido trazidos de
fazendas a dez ou vinte milhas de distância, jamais deixaram de se
maravilhar com isso. E quando eles ouviam a arma disparar e viam a
bandeira verde tremulando no mastro, seus corações se enchiam de
orgulho irrevogável, e a conversa voltava-se sempre para os velhos
dias heroicos, a expulsão de Jones, a escrita dos Sete Mandamentos,
as grandes batalhas nas quais os invasores humanos haviam sido
derrotados. Nenhum dos velhos sonhos havia sido abandonado. A
República dos Animais que o Major havia predito, quando os campos
verdes da Inglaterra deveriam ser libertos de pés humanos, ainda era
um sonho. O dia estava chegando: poderia não estar em breve, poderia
não acontecer com os animais vivos agora, mas ainda assim estava
chegando. Até mesmo a melodia de “Animais da Inglaterra” era
cantarolada secretamente aqui e ali: de qualquer forma, era algo que
todos os animais da fazenda conheciam, embora ninguém ousasse
cantá-la em voz alta. Talvez suas vidas fossem difíceis e nem todas
as suas expectativas tivessem sido cumpridas; mas eles estavam
conscientes de que não eram como os outros animais. Se passavam
fome, não era para alimentar seres humanos tirânicos; se
trabalhavam duro, pelo menos trabalhavam para si mesmos. Nenhuma
criatura entre eles tinha duas pernas. Nenhuma criatura chamava
qualquer outra criatura de “Mestre”. Todos os animais eram
iguais.
Um
dia, no início do verão, Berro ordenou que as ovelhas o seguissem,
e as levou para um terreno baldio tomado por mudas de bétula no
outro extremo da fazenda. As ovelhas passaram o dia inteiro lá sob a
supervisão do Berro. À noite, ele voltou para a fazenda mas, como
estava quente, disse às ovelhas para ficarem onde estavam. No fim,
elas ficaram lá uma semana inteira, sem contato nenhum com os outros
animais. O Berro ficava com elas durante a maior parte do dia. Disse
que estava lhes ensinando uma nova canção e precisa de privacidade.
Em
uma noite agradável logo após o retorno das ovelhas, quando os
animais tinham terminado o trabalho e estavam voltando para as
instalações da fazenda, o relincho aterrorizado de um cavalo soou
do pátio. Assustados, os animais pararam em seus lugares. Era a voz
da Esperança. Ela relinchou novamente, e todos os animais arrombaram
em galope e correram para o pátio. Então todos viram o que ela
tinha visto.
Era
um porco andando sobre suas patas traseiras.
Sim,
era o Berro. Um pouco desajeitado, como se não estivesse acostumado
a suportar sua considerável massa naquela posição, mas com
perfeito equilíbrio, ele estava passeando pelo pátio. E no momento
seguinte, da porta da casa, saiu uma longa fila de porcos, todos
andando sobre suas patas traseiras. Alguns o faziam melhor do que
outros, um ou dois estavam até um pouco instáveis e pareciam
precisar do apoio de uma vara, mas cada um deles conseguiu dar uma
volta inteira no quintal com sucesso. Finalmente, os cães ladraram e
a gata preta deu um miado estridente, então veio o próprio
Napoleão, majestosamente erguido, lançando olhares altivos de um
lado para o outro, com seus cães empolgados à sua volta.
Ele
carregava um chicote em sua pata.
Havia
um silêncio mortal. Espantados, aterrorizados e amontoados, os
animais observavam a longa fila de porcos marchando lentamente ao
redor do pátio. Era como se o mundo tivesse virado de cabeça para
baixo. Depois veio um momento em que o primeiro choque havia passado
e quando, apesar de tudo – apesar do terror dos cães e do hábito,
desenvolvido durante longos anos de nunca reclamar, nunca criticar,
não importando o que acontecesse – eles poderiam ter proferido
alguma palavra de protesto. Mas naquele momento, como se fosse um
sinal, todas as ovelhas explodiram em um tremendo balido de…
“Quatro
pernas bom, duas pernas melhor! Quatro patas bom, duas patas melhor!
Quatro
patas bom, duas patas melhor!”
Isso
continuou por cinco minutos sem parar. E, quando as ovelhas se
acalmaram, a chance de protestar já havia passado, pois os porcos
haviam voltado para a casa.
Benjamin
sentiu um nariz zumbindo em seu ombro. Ele olhou em volta. Era
Esperança. Seus olhos velhos pareciam mais escuros do que nunca. Sem
dizer nada, ela o puxou suavemente pela crina e o levou até o final
do grande celeiro, onde os Sete Mandamentos foram escritos. Durante
um ou dois minutos eles ficaram olhando a parede marcada com as
letras brancas.
“Minha
visão está falhando”, disse ela finalmente. “Mesmo quando eu
era jovem, não conseguia ler o que estava escrito ali. Mas me parece
que aquele muro está diferente. Os Sete Mandamentos são os mesmos
que eram antes, Benjamin?”
Por
uma vez Benjamin consentiu em quebrar sua própria regra, e leu para
ela o que estava escrito na parede. Agora não havia nada lá, exceto
um único Mandamento:
Todos os animais são iguais
Mas alguns animais são mais iguais
do que outros
Depois
disso, não pareceu estranho quando no dia seguinte os porcos que
estavam supervisionando o trabalho da fazenda carregavam todos
chicotes em suas patas. Não pareceu estranho saber que os porcos
tinham comprado um rádio, estavam organizando a instalação de um
telefone e tinham feito assinaturas das revistas “John Bull” e
“Tit-Bits”, e do jornal “Daily Mirror”. Não parecia estranho
quando Napoleão foi visto passeando no jardim da fazenda com um
cachimbo na boca – não, nem mesmo quando os porcos tiraram as
roupas do Sr. Jones do guarda-roupa e as vestiram, o próprio
Napoleão aparecendo com um casaco preto, calças bufantes com botas
de couro, enquanto sua porca favorita apareceu com o vestido leve de
seda que a Sra. Jones costumava vestir aos domingos.
Uma
semana depois, à tarde, uma série de carroças foi até a fazenda.
Uma delegação de fazendeiros vizinhos havia sido convidada para
fazer uma excursão de inspeção. Eles foram levados para todos os
cantos da fazenda, e expressaram grande admiração por tudo o que
viram, especialmente o moinho de vento. Os animais estavam
trabalhando no campo de nabos. Eles trabalhavam diligentemente, mal
levantando o rosto do chão, sem saber se deviam ter mais medo dos
porcos ou dos visitantes humanos.
Naquela
noite, gargalhadas e cantorias vieram da casa. E, de repente, ao som
das vozes misturadas, os animais foram acometidos de curiosidade. O
que poderia estar acontecendo ali, agora que pela primeira vez
animais e seres humanos estavam se encontrando em termos de
igualdade? Em comum acordo, eles começaram a rastejar o mais
silenciosamente possível para o jardim da fazenda.
Eles
pararam no portão, meio assustados para continuar, mas a Esperança
liderou o caminho para dentro. Eles se inclinaram para a casa, e os
animais que eram suficientemente altos se espreitaram na janela da
sala de jantar. Lá, ao redor da longa mesa, sentavam-se meia dúzia
de agricultores e meia dúzia dos porcos mais eminentes, o próprio
Napoleão ocupando o assento de honra à frente da mesa. Os porcos
pareciam completamente à vontade em suas cadeiras. A companhia vinha
desfrutando de um jogo de cartas, mas havia feito uma pausa,
evidentemente para fazer um brinde. Um grande jarro estava
circulando, e as canecas estavam sendo reabastecidas com cerveja.
Ninguém notou as faces curiosas dos animais que olhavam para dentro
da janela.
O
Sr. Pilkington, de Foxwood, havia se levantado com sua caneca na mão.
Ele logo pediria, disse, que todos fizessem um brinde. Mas antes de
fazer isso, havia algumas palavras que ele sentia que lhe competia
dizer.
Foi
uma fonte de grande satisfação para ele, disse – e, estava certo,
para todos os outros presentes também – sentir que um longo
período de desconfiança e mal-entendidos havia chegado ao fim.
Houve um tempo – não que ele, ou qualquer um dos fazendeiros
presentes, tivesse compartilhado tais sentimentos – mas houve um
tempo em que os respeitados proprietários da Fazenda dos Animais
foram considerados, não com hostilidade, mas talvez com uma certa
dose de apreensão, por seus vizinhos humanos. Ocorreram infelizes
incidentes, ideias equivocadas tinham corrido por aí. Tinha-se
sentido que a existência de uma fazenda de propriedade de porcos e
operada por porcos era de alguma forma anormal e poderia ter um
efeito perturbador na vizinhança. Muitos agricultores haviam
assumido, sem a devida investigação, que em tal fazenda
prevaleceria um espírito de preguiça e indisciplina. Eles estavam
nervosos com os efeitos sobre seus próprios animais e até mesmo
sobre seus empregados humanos. Mas todas essas dúvidas foram agora
dissipadas. Hoje ele e seus amigos haviam visitado a Fazenda dos
Animais e inspecionado cada centímetro dela com seus próprios
olhos, e o que encontraram? Não apenas os métodos mais atualizados,
mas uma disciplina e uma ordenação que deveria ser um exemplo para
todos os fazendeiros em todos os lugares. Ele acreditava estar certo
ao dizer que os animais ali trabalhavam mais e recebiam menos comida
do que os animais em qualquer outra fazenda do condado. De fato, hoje
ele e seus colegas visitantes haviam observado muitas características
que pretendiam introduzir imediatamente em suas próprias fazendas.
Ele
terminaria suas observações, disse ele, enfatizando mais uma vez os
sentimentos amigáveis que subsistiam, e deveriam subsistir, entre a
Fazenda dos Animais e seus vizinhos. Entre porcos e seres humanos não
havia, e não precisava haver, nenhum conflito de interesses, seja
qual fosse. Suas lutas e suas dificuldades eram uma só. O problema
do trabalho não era o mesmo em todos os lugares? Então ficou
evidente que o Sr. Pilkington estava prestes a fazer alguma graça
cuidadosamente preparada, mas ele ficou tão impactado pelo seu
próprio humor que foi incapaz de contar a piada em voz alta. Depois
de muita asfixia, durante a qual seus vários queixos ficaram roxos,
ele conseguiu: “Se vocês têm que lidar com animais inferiores”,
disse ele, “nós temos que lidar com nossas classes inferiores”!
Esta tirada fez com que toda a mesa fosse tomada por risos; e o Sr.
Pilkington mais uma vez parabenizou os porcos pelo baixo consumo de
ração, pelas longas horas de trabalho e pela ausência geral de
mimos que ele havia observado na Fazenda dos Animais.
E
agora, disse finalmente, pediria a todos que se levantassem e se
certificassem de que seus copos estavam cheios. “Cavalheiros”,
concluiu o Sr. Pilkington, “cavalheiros, eu lhes faço um brinde: À
prosperidade da Fazenda dos Animais”!
Houve
uma ovação entusiasmada e um bater de pés. Napoleão ficou tão
grato que saiu de seu lugar e deu a volta na mesa para brindar com o
Sr. Pilkington, dando uma batidinha leve entre as canecas antes de
esvaziar a sua. Quando os aplausos se extinguiram, Napoleão, que
havia ficado de pé, insinuou que ele também tinha algumas palavras
a dizer.
Como
todos os discursos de Napoleão, esse também foi curto e direto ao
ponto. Ele também, disse, estava feliz pelo fim do período de
mal-entendidos. Durante muito tempo houve rumores – circulados,
tinha motivos para pensar, por algum inimigo maligno – que havia
algo subversivo e até revolucionário na visão dele e de seus
colegas. Acreditavam que eles tentavam provocar a rebelião de
animais em fazendas vizinhas. Nada poderia estar mais longe da
verdade! Seu único desejo, agora e no passado, era viver em paz e
ter relações comerciais normais com seus vizinhos. Esta fazenda,
que ele teve a honra de controlar, acrescentou, era uma empresa
cooperativa. Os títulos de propriedade, que estavam em seu próprio
poder, eram de propriedade conjunta dos porcos.
Ele
não acreditava, disse ele, que qualquer uma das antigas suspeitas
ainda persistisse, mas certas mudanças haviam sido feitas
recentemente na rotina da fazenda, o que deveria ter o efeito de
promover ainda mais a confiança. Até então, os animais da fazenda
tinham um costume bastante tolo de se tratarem uns aos outros como
“camarada”. Isso seria suprimido. Havia também um costume muito
estranho, cuja origem era desconhecida, de marchar todos os domingos
de manhã passando pelo crânio de um javali que era pregado em um
poste no jardim. Isto também seria suprimido e o crânio já havia
sido enterrado. Seus visitantes também poderiam ter observado a
bandeira verde que voava do mastro. Se assim fosse, eles talvez
tivessem notado que o casco branco e o chifre com os quais ela havia
sido marcada anteriormente tinham sido removidos. A partir de agora,
seria uma bandeira verde simples.
Ele
tinha apenas uma crítica, disse ele, a fazer ao excelente discurso
do Sr. Pilkington. O Sr. Pilkington havia se referido a “Fazenda
dos Animais”. É claro que ele não podia saber – pois ele,
Napoleão, estava anunciando isso pela primeira vez – mas o nome
“Fazenda dos Animais” havia sido abolido. Daí em diante a
fazenda seria conhecida como “Fazenda Solar” – que, ele
acreditava, era seu nome correto e original.
“Cavalheiros”,
concluiu Napoleão, “Eu farei o mesmo brinde de antes, mas de uma
forma diferente. Encham seus copos até a borda. Meus senhores, aqui
está meu brinde: À prosperidade da Fazenda Solar”!
Houve
o mesmo aplauso de antes, e as canecas foram esvaziadas até o fundo.
Mas enquanto os animais do lado de fora olhavam para o local, parecia
que alguma coisa estranha estava acontecendo. O que foi que havia
mudado no rosto dos porcos? Os velhos olhos escuros de Esperança iam
de um rosto para o outro. Alguns deles tinham cinco queixos, outros
quatro, outros três. Mas o que foi que parecia estar fundindo e
mudando? Então, os aplausos chegaram ao fim, a companhia pegou suas
cartas e continuou o jogo que havia sido interrompido, e os animais
saíram se arrastando silenciosamente.
Ainda
não tinham se afastado mais de 20 metros quando pararam. Um alvoroço
de vozes vinha da casa da fazenda. Eles correram de volta e olharam
pela janela novamente. Sim, uma violenta briga estava em andamento.
Havia gritos, pancadas sobre a mesa, olhares suspeitos, negações
furiosas. A fonte do problema parecia ser que Napoleão e o Sr.
Pilkington tinham jogado um ás de espadas simultaneamente.
Doze
vozes gritavam raivosas e iguais. Agora não havia mais dúvidas
sobre o que havia acontecido com os rostos dos porcos. As criaturas
lá fora olhavam de porco para o homem, e de homem para porco, e de
porco para homem novamente; mas já era impossível dizer quem era
quem.
[1]George Orwell: “...escritor nascido em uma colônia inglesa na Índia, é considerado um dos mais importantes romancistas da vertente distópica da literatura mundial, caracterizada pela narração de enredos em que os personagens vivenciam situações em espaço e tempo futuros, nos quais não há possibilidade para a utopia, ou seja, para o sonho e para a esperança. Nessa linha, destacam-se suas duas obras-primas, traduzidas para vários idiomas e transpostas para as telas do cinema mais de uma vez: o romance A revolução dos bichos, publicado em 1945, e o romance 1984, publicado em 1949.” Veja mais aqui.
[2] O que diz o livro Revolução dos Bichos? “O conhecido livro do inglês George Orwell, A Revolução dos Bichos (1945), é um dos legados atemporais mais importantes que escritores do século passado nos deixaram. Na obra, Orwell faz uma crítica ao stalinismo. Então socialista, o inglês – nascido na Índia durante o domínio britânico – se desilude com a ideologia ao ver o totalitarismo soviético e satiriza o sucessor de Lênin. Na alegoria, o autor apresenta uma revolução idealizada por um porco, o Major (que pode representar tanto Marx como Lênin), que convoca os bichos da granja em que vive a expulsar seu proprietário, o humano Sr. Jones (que seria Nicolau II, imperador do Czar). Porco Major morre em seguida e dois outros suínos tomam a frente: Napoleão (representando Stálin) e Bola de Neve (que seria Trotski).A estória segue o roteiro soviético… Napoleão expurga Bola de Neve, deturpa as leis a seu favor e se torna um ditador. Os demais bichos (galinhas, gado, cavalo…) se rendem à autocracia sem questionar, de forma passiva. Cada vez trabalham mais, exaustivamente e com alimento controlado; enquanto isso, Napoleão toma posse das dependências do Sr. Jones, agindo, portanto, de forma mais exploradora e cruel que o antigo chefe. A ironia está no fato de que a máxima da revolução era ‘duas pernas/patas mau’ – referindo-se a seres humanos”. Leia mais em: Rodrigo Constantino – Gazeta do Povo.com.
[3] ORWELL, George. Revolução dos Bichos. Gazeta do Povo. Capítulo X, pág. 147 a 163. Veja o livro completo aqui.
O casco rachado de Golias levou um bom tempo para curar. Os animais
haviam começado a reconstrução do moinho no dia seguinte ao
término das comemorações da vitória. Ele se recusou a tirar um
dia de folga sequer do trabalho e fez questão de não deixar que os
outros vissem como estava sofrendo. À noite, ele admitiu para a
Esperança que o casco o incomodava muito. A Esperança tentou tratar
o casco com uma pasta que ela preparava mastigando ervas, e tanto ela
quanto Benjamin incitaram Golias a trabalhar menos. “Os pulmões de
um cavalo não duram para sempre”, ela lhe disse. Mas isso entrou
por um ouvido de Golias e saiu pelo outro. Tinha, segundo ele mesmo,
apenas uma ambição na vida – ver a construção do moinho bem
avançada antes de chegar à idade de se aposentar.
No
início, quando as leis da Fazenda dos Animais foram formuladas pela
primeira vez, a idade de aposentadoria havia sido fixada aos doze
anos para cavalos e porcos, aos quatorze para vacas, aos nove para os
cães, aos sete para as ovelhas e aos cinco para as galinhas e os
gansos. Tinham combinado pensões generosas para aposentados por
velhice. Até agora, nenhum animal havia realmente se aposentado e
usado o benefício, mas o assunto era cada vez mais discutido
recentemente. Agora que o pequeno campo depois do pomar havia sido
reservado para a cevada, havia rumores de que um canto do grande
pasto seria cercado e transformado em um pasto para animais
aposentados. Diziam que a pensão de um cavalo seria de dois quilos
de milho por dia e sete quilos de feno no inverno, além de uma
cenoura ou até, quem sabe, uma maçã, nos feriados públicos.
Golias faria doze anos no final do próximo verão.
Enquanto
isso, a vida era difícil. O inverno estava tão frio quanto o
último, e a comida era ainda mais escassa. Mais uma vez, todas as
rações foram reduzidas, exceto as dos porcos e dos cães. Igualar a
quantidade de ração entre todos os animais, explicou Berro, seria
contrário aos princípios do animalismo. De qualquer forma, ele não
teve grandes dificuldades para provar aos outros animais que na
realidade eles não tinham escassez de alimento, por mais que
parecesse que sim. Por enquanto, certamente, havia sido considerado
necessário fazer um reajuste das rações (Berro sempre chamou isso
de “reajuste”, nunca de “redução”), mas se comparassem com
a época de Jones veriam que a melhoria era enorme. Lendo os números
com uma voz estridente e veloz, ele provou em detalhes que tinham
mais aveia, mais feno e mais nabos do que tinham antes, que
trabalhavam menos horas, que sua água potável era de melhor
qualidade, que viviam mais tempo, que uma proporção maior de
filhotes sobreviviam à infância, que tinham mais palha em suas
baias e sofriam menos com pulgas. Os animais acreditavam em cada
palavra. Verdade seja dita, Jones e tudo o que representava já tinha
quase desaparecido de suas memórias. Eles sabiam que a vida hoje em
dia era dura e difícil, que muitas vezes tinham fome e frio, e que
estavam trabalhando sempre que não estivessem dormindo. Mas, sem
dúvida, era pior nos velhos tempos. Eles ficavam felizes em
acreditar que sim. Além disso, naqueles dias eram escravos e agora
eram livres, e isso fez toda a diferença, como Berro não deixou de
ressaltar.
Agora
tinham bem mais bocas para alimentar. No outono, as quatro porcas
tinham dado à luz, gerando trinta e um porquinhos no total. Os
porcos jovens eram malhados e, como Napoleão era o único javali da
fazenda, era fácil adivinhar a paternidade da cria. Anunciaram que
mais tarde, quando tivessem adquirido tijolos e a madeira,
construiriam uma sala de aula no jardim da fazenda. Por enquanto, os
jovens porcos recebiam instruções do próprio Napoleão na cozinha
da casa. Eles se exercitavam na horta e eram desencorajados a brincar
com os outros filhotes. Também nesta época, foi estabelecido como
regra que quando um porco e qualquer outro animal se encontrassem no
mesmo caminho, o outro animal deveria ficar ao lado e abrir passagem;
e também que todos os porcos, de qualquer escalão, deveriam ter o
privilégio de usar fitas verdes em seus rabos aos domingos.
A
fazenda tinha tido um ano de bastante sucesso, mas ainda tinha pouco
dinheiro. Precisavam comprar tijolos, areia e cal para a sala de
aula, além de começar a economizar novamente para a maquinaria do
moinho de vento. Precisavam comprar também óleo de lâmpada e velas
para a casa, açúcar para a mesa de Napoleão (ele proibiu que
outros porcos comessem açúcar, afirmando que isso os deixaria
gordos), além das compras de rotina, como ferramentas, pregos,
cordas, carvão, arame, ferro-velho e biscoitos para cães. Venderam
uma meda de feno e parte da colheita de batata, e subiram o contrato
dos ovos para seiscentos por semana, de modo que naquele ano as
galinhas mal chocaram o número suficiente de ovos para manter a
quantidade de filhotes no mesmo nível.
As
rações, reduzidas em dezembro, foram novamente reduzidas em
fevereiro e, para economizar óleo, foi proibido acender lanternas
nas baias. Mas os porcos estavam confortáveis o suficiente, e na
verdade pareciam estar engordando. Uma tarde, no final de fevereiro,
um aroma quente, rico e apetitoso, que os animais nunca haviam
cheirado antes, se espalhou pelo pátio ao redor da pequena casa de
fermentação que ficava além da cozinha, que já havia sido
desativada no tempo de Jones. Alguém disse que era o cheiro de
cevada cozida. Os animais farejavam o ar com fome e se perguntavam se
um purê quente estava sendo preparado para seu jantar. Mas nenhum
purê quente apareceu, e no domingo seguinte foi anunciado que a
partir de agora toda a cevada seria reservada para os porcos. O campo
além do pomar já havia sido semeado com cevada. E logo veio a
notícia de que cada porco receberia agora uma ração de um litro de
cerveja diariamente, além de meio galão para o próprio Napoleão,
que o bebia na terrina da sopa de louça fina da Royal Crown Derby.
Mas
se havia dificuldades a serem suportadas, elas acabavam sendo
compensadas pelo fato de que a vida tinha mais dignidade agora do que
antes. Havia mais canções, mais discursos, mais procissões.
Napoleão havia ordenado que uma vez por semana fosse realizado algo
chamado Demonstração Voluntária, cujo objetivo era celebrar as
lutas e triunfos da Fazenda dos Animais. Na hora marcada, os animais
deixariam seu trabalho e marchariam em torno das instalações da
fazenda em formação militar, com os porcos à frente, seguidos
pelos cavalos, pelas vacas, ovelhas e aves. Os cães circundariam a
procissão e os galos pretos de Napoleão liderariam a fila. Golias e
Esperança sempre levavam entre eles uma bandeira verde marcada com
um casco e um chifre e a legenda: “Viva o camarada Napoleão!” Em
seguida havia a recitação de poemas compostos em honra de Napoleão,
um discurso de Berro com detalhes dos últimos aumentos na produção
de alimentos e, ocasionalmente, um disparo da arma. As ovelhas eram
as maiores devotas da Demonstração Voluntária, e se alguém
reclamasse (como alguns animais às vezes faziam quando não havia
porcos ou cães por perto) que elas desperdiçavam tempo e
significavam ficar de pé no frio, as ovelhas com certeza gritariam o
clássico “Quatro patas bom, duas patas ruim”! Mas, de modo
geral, os animais apreciavam estas comemorações. Eles acharam
reconfortante lembrar que, no fim das contas, eles eram seus próprios
mestres e que o trabalho que faziam era em benefício próprio. E as
canções, as procissões, as listas de produtividade de Berro, o
estrondo da arma, o canto do galo e o tremular da bandeira fazia com
que eles pudessem esquecer que suas barrigas estavam vazias, pelo
menos por parte do tempo.
Em
abril, a Fazenda dos Animais foi proclamada uma República, e
tornou-se necessário eleger um presidente. Havia apenas um
candidato, Napoleão, que foi eleito por unanimidade. No mesmo dia,
foi divulgado que novos documentos haviam sido descobertos, revelando
mais detalhes sobre a cumplicidade de Bola de Neve com Jones. Parecia
que Bola de Neve não só havia tentado fazer com que os animais
perdessem a Batalha do Estábulo por meio de um estratagema, como os
animais haviam imaginado anteriormente, mas também tinha lutado
abertamente do lado de Jones. Na verdade, era ele quem tinha sido o
verdadeiro líder das forças humanas, e tinha proferido as palavras
“Viva a Humanidade!” durante a batalha. As feridas nas costas de
Bola de Neve, que alguns dos animais ainda lembravam ter visto,
tinham sido infligidas pelos dentes de Napoleão.
Em
meados do verão, o corvo Moisés reapareceu repentinamente na
fazenda, após uma ausência de vários anos. Ele permaneceu bastante
inalterado: ainda não trabalhava e ficou falando como sempre sobre a
Montanha Doce de Açúcar. Ele se empoleirava em um toco, abanava
suas asas negras e falava de hora em hora com qualquer um que o
ouvisse. “Lá em cima, camaradas”, ele dizia solenemente,
apontando para o céu com seu grande bico – “lá em cima, do
outro lado daquela nuvem escura ali – lá em cima está a Montanha
Doce de Açúcar, aquele lugar feliz onde nós, pobres animais,
descansaremos para sempre de nosso trabalho”! Ele até alegou ter
estado lá em um de seus voos mais altos, e ter visto os campos
infinitos de trevo e os pedaços de bolo de linhaça e açúcar
crescendo em árvores. Muitos dos animais acreditavam nele. No
momento, suas vidas eram, assim achavam, cheias de fome e trabalho;
não era certo e justo que um mundo melhor existisse em outro lugar?
Uma coisa que era difícil de entender era a atitude dos porcos para
com Moisés. Todos eles declararam desdenhosamente que suas histórias
sobre o Montanha Doce de Açúcar eram mentiras, e ainda assim
permitiam que ele permanecesse na fazenda, sem trabalhar, com uma
mesada diária de um pouco de cerveja.
Depois
que seu casco sarou, Golias trabalhou mais do que nunca. Na verdade,
todos os animais trabalharam como escravos naquele ano. Além do
trabalho regular da fazenda e da reconstrução do moinho de vento,
havia a escola para os porcos jovens, que foi iniciada em março. Às
vezes, era difícil superar as muitas horas com pouca comida, mas
Golias nunca vacilou. Em nada do que ele dizia ou fazia havia
qualquer indício de que sua força não era mais a mesma de antes.
Apenas sua aparência estava um pouco alterada; seu pelo era menos
brilhante do que costumava ser, e suas grandes pernas pareciam ter
encolhido. Os outros diziam: “O Golias vai voltar ao peso normal
quando a grama da primavera chegar”; mas a primavera chegou e ele
não engordou nem um pouco. Às vezes, na encosta que leva ao topo da
pedreira, quando ele se apoiava com seus músculos contra o peso de
algum pedregulho grande, parecia que nada o mantinha em pé além da
vontade de continuar. Em tais momentos, dava para ver seus lábios
formando as palavras: “Vou trabalhar mais”; mas ele não tinha
mais voz. Esperança e Benjamin o advertiram mais de uma vez para
cuidar de sua saúde, mas Golias não prestou atenção. Seu
aniversário de doze anos estava se aproximando. Ele não se
importava com o que aconteceria, desde que um bom estoque de pedras
fosse acumulado antes que ele entrasse na aposentadoria.
No
final de uma noite de verão, um rumor repentino de que algo havia
acontecido com Golias correu pela fazenda. Ele tinha saído sozinho
para arrastar uma carga de pedra até o moinho de vento. E é claro
que o boato acabou se mostrando verdadeiro. Alguns minutos depois,
dois pombos vieram correndo com a notícia: “Golias caiu! Ele está
deitado de lado e não consegue se levantar”!
Cerca
da metade dos animais da fazenda correu para o morro onde estava o
moinho de vento. Ali estava Golias, caído entre os eixos da carroça,
seu pescoço esticado, incapaz até mesmo de levantar a cabeça. Seus
olhos estavam vidrados e seu corpo estava molhado de suor. Um jato de
sangue fino saia de sua boca. Esperança caiu de joelhos ao seu lado.
“Golias!”,
gritou. “Como você está?”.
“Meu
pulmão”, disse Golias em voz fraca. “Mas isso não importa. Acho
que você vai conseguir terminar o moinho sem mim. Há um bom estoque
de pedras acumuladas. Eu tinha apenas mais um mês de trabalho, de
qualquer forma. Para dizer a verdade, eu estava ansioso pela minha
aposentadoria. E talvez, como Benjamin também está envelhecendo,
eles o deixem se aposentar ao mesmo tempo para ser um companheiro
para mim”.
“Temos
que conseguir ajuda imediatamente”, disse Esperança. “Alguém
corre contar para o Berro o que aconteceu”.
Todos
os outros animais correram imediatamente de volta à fazenda para dar
a notícia. Somente Esperança permaneceu, além de Benjamin, que se
deitou ao lado de Golias e, sem falar nada, manteve as moscas longe
dele com seu longo rabo. Após cerca de um quarto de hora, Berro
apareceu, cheio de simpatia e preocupação. Ele disse que o camarada
Napoleão recebeu a notícia da desgraça de um dos trabalhadores
mais leais da fazenda com muita angústia e já estava tomando
providências para enviar Golias para ser tratado no hospital em
Willingdon. Os animais se sentiram um pouco desconfortáveis com
isso. Com exceção de Mollie e Bola de Neve, nenhum outro animal
havia deixado a fazenda, e eles não gostavam de pensar em seu
camarada doente nas mãos de seres humanos. Entretanto, Berro logo os
convenceu de que o cirurgião veterinário de Willingdon poderia
tratar o caso de Golias muito melhor do que qualquer um na fazenda. E
cerca de meia hora depois, quando Golias se recuperou um pouco, ele
conseguiu se levantar com dificuldade e mancar de volta para sua
baia, onde Esperança e Benjamin haviam preparado uma boa cama de
palha.
Durante
os dois dias seguintes, Golias permaneceu em seu estábulo. Os porcos
haviam enviado um grande frasco de remédio cor-de-rosa que haviam
encontrado no baú de remédios no banheiro, e Esperança o
administrou duas vezes ao dia após as refeições. À noite, ela
deitava-se na baia de Golias e falava com ele, enquanto Benjamin
mantinha as moscas longe. Golias confessou não se arrepender do que
havia acontecido. Se tivesse uma boa recuperação, provavelmente
viveria mais três anos, e ansiava pelos dias de paz que passaria no
canto do grande pasto. Seria a primeira vez que ele teria tempo livre
para estudar e melhorar sua mente. Ele pretendia, disse ele, dedicar
o resto de sua vida a aprender as vinte e duas letras restantes do
alfabeto.
Entretanto,
Benjamin e Esperança só podiam ficar com Golias após o horário de
trabalho, e ele foi levado embora ao meio-dia. Os animais estavam
todos trabalhando, colhendo nabos sob a supervisão de um porco,
quando ficaram surpresos ao ver Benjamin vir galopando da direção
das instalações da fazenda, zurrando no alto de sua voz. Foi a
primeira vez que eles viram Benjamin agitado – na verdade, foi a
primeira vez que alguém o viu galopar. “Rápido, rápido!”,
gritou ele. “Venham imediatamente! Estão levando o Golias embora!”
Sem esperar por ordens do porco, os animais interromperam o trabalho
e correram de volta para as instalações. E como era de se esperar,
encontraram lá no pátio um grande reboque fechado, puxado por dois
cavalos, com um letreiro ao lado e um homem suspeito com um chapéu
coco sentado na posição de condutor. E a baia de Golias já estava
vazia.
Os
animais se aglomeravam ao redor do veículo. “Adeus, Golias!”,
eles gritaram juntos. “Adeus!”.
“Tolos!
Tolos!” gritaram Benjamin, se mexendo inquieto e dando patadas no
chão com seus pequenos cascos. “Tolos! Vocês não veem o que está
escrito na lateral da carroça?”
Os
animais fizeram uma pausa e houve um grande silêncio. Muriel começou
a soletrar as palavras. Mas Benjamin a empurrou para o lado e, em
meio a um silêncio mortal, leu:
“’Alfred
Simmonds, Abate de Cavalos e Caldeira de Cola, Willingdon. Negociante
de peles e farinha de ossos. Canil disponível’. Vocês não
entendem o que isso significa? Eles estão levando o Golias para o
abatedouro!”
Um
grito de horror irrompeu de todos os animais. Neste momento, o homem
chicoteou seus cavalos e o veículo saiu do pátio rapidamente. Todos
os animais seguiram, gritando o mais alto que conseguiam. Esperança
forçou seu caminho para a frente. A carroça começou a ganhar
velocidade. Ela se agitou para correr e alcançou um galope.
“Golias!”, ela chorou. “Golias! Golias! Golias!”. E
justamente neste momento, como se tivesse ouvido o tumulto lá fora,
o rosto dele, com a faixa branca no nariz, apareceu na pequena janela
na parte de trás da carroça.
“Golias!”
gritou Esperança com uma voz terrível. “Golias! Saia! Saia
rapidamente! Eles estão te levando para a morte!”
Todos
os animais repetiram o grito de “Saia, Golias, saia!”, mas o
veículo já estava ganhando velocidade e se afastando deles. Ninguém
sabia se ele havia entendido o que a Esperança havia dito. Mas, um
momento depois, seu rosto desapareceu da janela e os animais ouviram
o som tremendo de bater de cascos dentro do veículo. Ele estava
tentando dar um chute para fora. Havia uma época em que alguns
pontapés dos cascos dele teriam facilmente esmagado a carruagem. Mas
infelizmente sua força o havia deixado; e em poucos momentos o som
dos cascos de bater os tambores ficou mais fraco e morreu. Em
desespero, os animais começaram a pedir para os dois cavalos que
puxavam a carroça parassem. “Camaradas, camaradas!” gritaram
eles. “Não levem seu próprio irmão para a morte!” Mas eles
eram brutos, estúpidos, ignorantes demais para perceberem o que
estava acontecendo, apenas taparam seus ouvidos e aceleraram seu
ritmo. O rosto de Golias não apareceu mais na janela. Alguém pensou
tarde demais em correr na frente da carruagem e fechar o portão de
cinco grades; mas a carruagem já havia passado por ela e
desaparecido rapidamente pela estrada. O Golias nunca mais foi visto.
Três
dias depois, foi anunciado que ele havia morrido no hospital em
Willingdon, apesar de ter recebido toda atenção que um cavalo
poderia ter. Berro veio para anunciar a notícia aos outros. Ele
tinha, disse ele, estado presente durante as últimas horas de vida
de Golias.
“Foi
a visão mais comovente que já vi”, disse Berro, levantando sua
pata e enxugando uma lágrima. “Fiquei no seu leito de morte até o
último momento. E no final, quase fraco demais para falar, ele
sussurrou no meu ouvido que sua única tristeza foi ter caído antes
que o moinho estivesse terminado. ‘Avante, camaradas!’, ele
sussurrou. ‘Avante, em nome da Revolução. Viva a Fazenda dos
Animais! Longa vida ao camarada Napoleão! Napoleão está sempre
certo’. Essas foram suas últimas palavras, camaradas”.
Aqui
o comportamento de Berro mudou repentinamente. Ele caiu em silêncio
por um momento, e seus olhinhos ousaram olhar desconfiados de um lado
para o outro antes de prosseguir.
Tinha
chegado ao seu conhecimento, disse ele, que um rumor tolo e perverso
havia circulado no momento da remoção de Golias. Alguns dos animais
haviam notado que a carroça que o levou estava identificada como
“Abate de Cavalos”, o que fez com que chegassem à conclusão de
que Golias estava sendo enviado para o abatedouro. Era quase
inacreditável, disse Berro, que qualquer animal pudesse ser tão
estúpido. Certamente, ele chorou indignado, balançando sua cauda e
pulando de um lado para o outro, certamente eles conheciam seu amado
Líder, o camarada Napoleão, melhor do que isso? Mas a explicação
era realmente muito simples. A carroça havia pertencido
anteriormente ao abatedouro, e havia sido comprada pelo cirurgião
veterinário, que ainda não havia apagado o antigo nome. Assim que o
erro surgiu.
Os
animais ficaram imensamente aliviados ao ouvir isso. E quando Berro
passou a dar detalhes explícitos do leito de morte de Golias, dos
cuidados admiráveis que ele havia recebido e dos medicamentos caros
pelos quais Napoleão havia pago sem pensar no custo, suas últimas
dúvidas desapareceram e o pesar que sentiram pela morte de seu
camarada foi suavizado pelo pensamento de que pelo menos ele havia
morrido feliz.
O
próprio Napoleão apareceu na reunião na manhã do domingo seguinte
e pronunciou uma breve oração em honra de Golias. Não havia sido
possível, lamentavelmente, disse ele, trazer de volta os restos
mortais de seu camarada para serem enterrados na fazenda, mas ele
havia ordenado que uma grande coroa de flores fosse feita com os
louros do jardim para ser colocada sobre o túmulo de Golias. E
dentro de alguns dias os porcos pretendiam realizar um banquete
memorial em sua honra. Napoleão terminou seu discurso com um
lembrete das duas máximas favoritas de Golias, “Vou trabalhar
mais” e “O camarada Napoleão está sempre certo” – lemas
que, disse ele, seria bom se cada animal adotasse como seus.
No
dia marcado para o banquete, uma carruagem do merceeiro veio de
Willingdon e entregou uma grande caixa de madeira na casa da fazenda.
Naquela noite, houve o som de um canto tumultuoso, que foi seguido
pelo que parecia uma violenta briga e terminou por volta das onze
horas com algum vidro quebrando. Ninguém se mexeu na casa da fazenda
antes do meio-dia do dia seguinte, e a notícia de que de alguma
maneira os porcos tinham conseguido o dinheiro para comprar outra
caixa de uísque para eles correu pela fazenda.
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Veja
também o vídeo a seguir com áudio sobre a leitura do capítulo IX:
Notas:
[1]George Orwell: “...escritor nascido em uma colônia inglesa na Índia, é considerado um dos mais importantes romancistas da vertente distópica da literatura mundial, caracterizada pela narração de enredos em que os personagens vivenciam situações em espaço e tempo futuros, nos quais não há possibilidade para a utopia, ou seja, para o sonho e para a esperança. Nessa linha, destacam-se suas duas obras-primas, traduzidas para vários idiomas e transpostas para as telas do cinema mais de uma vez: o romance A revolução dos bichos, publicado em 1945, e o romance 1984, publicado em 1949.” Veja mais aqui.
[2] O que diz o livro Revolução dos Bichos? “O conhecido livro do inglês George Orwell, A Revolução dos Bichos (1945), é um dos legados atemporais mais importantes que escritores do século passado nos deixaram. Na obra, Orwell faz uma crítica ao stalinismo. Então socialista, o inglês – nascido na Índia durante o domínio britânico – se desilude com a ideologia ao ver o totalitarismo soviético e satiriza o sucessor de Lênin. Na alegoria, o autor apresenta uma revolução idealizada por um porco, o Major (que pode representar tanto Marx como Lênin), que convoca os bichos da granja em que vive a expulsar seu proprietário, o humano Sr. Jones (que seria Nicolau II, imperador do Czar). Porco Major morre em seguida e dois outros suínos tomam a frente: Napoleão (representando Stálin) e Bola de Neve (que seria Trotski).A estória segue o roteiro soviético… Napoleão expurga Bola de Neve, deturpa as leis a seu favor e se torna um ditador. Os demais bichos (galinhas, gado, cavalo…) se rendem à autocracia sem questionar, de forma passiva. Cada vez trabalham mais, exaustivamente e com alimento controlado; enquanto isso, Napoleão toma posse das dependências do Sr. Jones, agindo, portanto, de forma mais exploradora e cruel que o antigo chefe. A ironia está no fato de que a máxima da revolução era ‘duas pernas/patas mau’ – referindo-se a seres humanos”. Leia mais em: Rodrigo Constantino – Gazeta do Povo.com.
[3] ORWELL, George. Revolução dos Bichos. Gazeta do Povo. Capítulo IX, pág. 128 a 145. Veja o livro completo aqui.