No artigo Fletcher
e a ética situacional, vimos que
ele – Fletcher – argumenta que as decisões éticas devem ser baseadas nas
circunstâncias únicas de cada situação, e não em regras absolutas e rígidas. E,
para fazer uma relação com esta ideia resolvi falar um pouco também, a seguir,
dos conceitos de fundacionalismo e coerentismo.
1. Fundacionalismo
O Fundacionalismo vê o
conhecimento como um edifício. Na base, existem crenças básicas, que não
precisam de justificativas — como percepções imediatas ou verdades evidentes. Sobre
essas bases, construímos outras crenças que dependem delas. Assim, o
conhecimento tem um fundamento seguro, daí o termo “Fundacionalismo”. Por
exemplo, como vimos aqui, a
máxima de Descartes “penso, logo existo” está intrinsecamente ligada ao
Fundacionalismo. Através da dúvida metódica, ele busca um conhecimento
indubitável para servir de base (fundação) para todo o resto. Ele aplicou
a dúvida radical a tudo, mas concluiu que o próprio ato de duvidar prova a sua
existência. Essa primeira verdade, o cogito (eu penso), torna-se a crença
fundacional indubitável a partir da qual ele tenta reconstruir o conhecimento
conforme exposto em sua obra “Discurso do Método”, que pode ser resumido
em percepção, razão, certeza. Para Descartes, portanto, a certeza do
próprio pensamento era o ponto de partida para todo o saber.
2. Coerentismo
Os coerentistas rejeitam
a ideia de um fundamento único. Para eles, uma crença é justificada quando coerente
com o conjunto de todas as nossas outras crenças. O importante não é uma base
inabalável, mas a consistência do todo. Assim, o conhecimento se parece
mais com uma rede, onde cada parte sustenta e é sustentada pelas outras.
Um dos coerentistas, Hegel, por
exemplo, analisava como a verdade e a justificação epistemológica são
compreendidas em seu sistema, especialmente através de sua dialética e
idealismo absoluto. A filosofia hegeliana compartilha com o Coerentismo a ideia
de que a verdade não é verificada por uma base externa e fixa (como no Fundacionalismo),
mas pela coerência interna de um sistema de crenças.
Para
efeito de comparação, podemos dizer que: o fundacionalista busca
certezas firmes, enquanto o coerentista confia na harmonia
entre as ideias. Mas, ambos tentam resolver o mesmo desafio: evitar o regresso
infinito, em que cada crença precisaria de outra para se justificar. No
fim, seja por bases sólidas ou por conexões coerentes, o que buscamos é o
mesmo: compreender o que torna nosso conhecimento realmente
confiável.
3. Fundacionalismo
e Coerentismo à luz da Bíblia
Como o
Fundacionalismo e o Coerentismo estão ligados ao ramo do conhecimento
denominado epistemologia e apresenta visões diferentes da justificação
do conhecimento, para uma breve análise destes conceitos do ponto-de-vista epistemológico
e bíblico, vejamos o que diz o Ministério Got Questions neste[1] e também
neste[2] artigo.
Tanto o Coerentismo quanto o Fundacionalismo, ao invés
de lidar diretamente com o que é verdadeiro ou falso, essas visões procuram
definir o que torna uma crença justificada: em que ponto é razoável
presumir que uma crença é verdadeira? De fato, eles seguem o objetivo da epistemologia
que visa alcançar o conhecimento, buscando entender as questões: "O que é
conhecimento?" "Como o conhecimento é adquirido?" "O que as
pessoas sabem?" "Como sabemos o que sabemos?" "Por que
sabemos o que sabemos?"
Do ponto
de vista bíblico, entretanto, a Epistemologia busca refletir sobre a natureza e
os fundamentos do conhecimento a partir da perspectiva da revelação divina
conforme apresentada na Bíblia. Diferentemente da epistemologia tradicional que
baseia o conhecimento na razão e na experiência humana, a epistemologia bíblica
entende que o conhecimento verdadeiro e seguro vem de Deus, que se revela ao
homem por meio das Escrituras e da pessoa de Jesus Cristo.
Bem, na definição da justificação, ao comparar
o Fundacionalismo e o Coerentismo, devemos nos lembrar de que não se trata de
discussões sobre o que é de fato verdadeiro, mas de opiniões variadas sobre o
que torna uma crença justificada ou razoável para uma pessoa manter.
O Fundacionalismo
pode ser visualizado como uma árvore, uma pirâmide ou uma parede de tijolos.
Para ser justificada, uma crença precisa ser apoiada por outra crença, que por
sua vez é justificada, e assim por diante, até que se chegue à base definitiva
dessas crenças, o fundamento. De acordo com o Fundacionalismo, todas as crenças
justificadas são, em última análise, fundamentadas em certas outras crenças que
não podem ser derivadas ou verificadas por outras crenças. Esses axiomas são
fundamentais e necessários. Eles "devem ser acreditados" para que se
tenha qualquer conhecimento. Para que uma crença seja adequadamente
justificada, o Fundacionalismo exige que ela seja atribuída a uma ou mais
dessas máximas fundamentais.
O Coerentismo
(contextualismo) pode ser visualizado como uma teia extremamente complexa, uma
nuvem ou um emaranhado de fios. Para ser justificada, uma crença deve ser
apoiada por outras crenças. Quanto mais contato a crença tiver com outras
ideias – quanto mais ela for coerente com a estrutura circundante – mais justificada
ela será. Como se estivesse olhando para uma teia de aranha do centro para
fora, pode não haver um ponto final perceptível. As conexões podem se ramificar
em várias direções sem que haja um ponto final ancorado em si mesmo. De acordo
com o Coerentismo, as crenças justificadas são aquelas que têm apoio
"suficientemente bom" de outras crenças e não exigem que a cadeia de
apoio seja verificada até que pare - se é que isso acontece. Para que uma
crença seja adequadamente justificada, o Coerentismo exige que ela esteja
conectada a um número subjetivamente suficiente de crenças de apoio.
O Fundacionalismo
é apoiado principalmente pela força da lógica. A existência de verdades
fundamentais é demonstrada nas teorias da matemática básica, como "um
número é igual a si mesmo". Essa afirmação não pode ser deduzida de outras
ideias, mas também não pode ser negada sem obliterar a lógica e a própria
matemática. O Fundacionalismo permite os laços mais fortes possíveis entre a
verdade e a crença, criando um vínculo direto entre as duas. Ele também evita o
problema de um argumento que acaba sendo usado para se sustentar. Entretanto, o
Fundacionalismo também é abstrato. Embora possa ser logicamente possível
rastrear todos os fatos e ideias até as máximas básicas, não é prático fazer
isso, e esse rastreamento praticamente nunca é feito no mundo real.
A
principal vantagem do Coerentismo é a praticidade. A maioria das pessoas não
consegue rastrear uma crença até os axiomas fundamentais, mesmo que estejam
inclinadas a buscar essa descoberta. Também é verdade que, em alguns casos, a
cadeia de justificação não fica clara: nem todas as etapas do processo são
simples e fáceis de determinar. Isso significa que a maioria das pessoas no
mundo real aborda a justificação por meio de uma forma prática de Coerentismo,
mesmo que acreditem que "deveria haver" um ponto final objetivo para
seu raciocínio. O perigo é que o Coerentismo facilmente se torna relativismo.
Ele pode até levar ao solipsismo[3], já que o que constitui uma conexão
"boa o suficiente" é profundamente subjetivo.
Em última análise, tanto o Fundacionalismo quanto o Coerentismo podem ser consistentes com uma visão de mundo bíblica. Isso se deve ao fato de que nenhum dos dois é uma declaração sobre o que "é verdade" ou o que "se deve acreditar", mas apenas o processo pelo qual se determina se há uma ligação justificada entre uma crença e a verdade. Assim, para entender bem se o processo da busca da justificação do conhecimento destas visões está correto precisa ser analisado à luz da Bíblia: não crer de imediato, mas provar se o conhecimento vem de Deus ou não (1Jo 4.1); examinar se o conhecimento proposto não venha nos desviar da fé (2Co 13.5) e prová-lo à luz das Escritura (At 17.11). De qualquer forma, embora o Fundacionalismo pareça mais robusto, a falibilidade humana deve ser levada em conta, deixando espaço para o Coerentismo em algumas aplicações. Portanto, ambas são teorias que buscam explicar como as crenças são justificadas e como se constrói o conhecimento racional. Mas do lado espiritual, o Fundacionalismo reforça a importância de uma base segura na revelação de Deus, enquanto o Coerentismo destaca a importância da harmonia e consistência entre as crenças para discernimento e crescimento na fé.
Veja também o vídeo a seguir:
Notas / Referências bibliográficas:
- [1] Imagem meramente ilustrativa, feita com através do Chat Gpt, em 21/10/2025...
- [2] O que é Coerentismo / contextualismo? O que é Fundacionalismo? In: https://www.gotquestions.org/Portugues/coerentismo-fundacionalismo.html. Acesso em: 22/10/2025.
- [3] O que é a epistemologia? In: https://www.gotquestions.org/Portugues/epistemologia.html. Acesso em: 24/10/2025.
- [4] “Solipsismo é uma concepção filosófica que sustenta que apenas o próprio eu e suas experiências existem de fato. Segundo essa doutrina, toda a realidade é reduzida ao sujeito pensante, e os outros seres e objetos seriam meras impressões sem existência própria independente da mente. Dessa forma, o solipsismo afirma que o único conhecimento certo é o do próprio ato de pensar e do eu presente, e tudo mais pode ser colocado em dúvida ou contestado. É uma posição extrema do idealismo que defende a exclusividade da realidade do sujeito pensante em relação ao mundo externo...” (In: Perplexity: Solipsismo). Voltaremos a este assunto...
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