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3 de novembro de 2025

Fundacionalismo x Coerentismo: breve análise bíblica

 
Ilustração: Fundacionalismo / Coerentismo [1]

No artigo Fletcher e a ética situacional, vimos que ele – Fletcher – argumenta que as decisões éticas devem ser baseadas nas circunstâncias únicas de cada situação, e não em regras absolutas e rígidas. E, para fazer uma relação com esta ideia resolvi falar um pouco também, a seguir, dos conceitos de fundacionalismo e coerentismo.

Na filosofia, uma das grandes perguntas é: “Como sabemos que o que acreditamos é realmente verdadeiro?” Essa questão levou à criação destas duas teorias importantes sobre a justificação do conhecimento.

1.    Fundacionalismo

O Fundacionalismo vê o conhecimento como um edifício. Na base, existem crenças básicas, que não precisam de justificativas — como percepções imediatas ou verdades evidentes. Sobre essas bases, construímos outras crenças que dependem delas. Assim, o conhecimento tem um fundamento seguro, daí o termo “Fundacionalismo”. Por exemplo, como vimos aqui, a máxima de Descartes “penso, logo existo” está intrinsecamente ligada ao Fundacionalismo. Através da dúvida metódica, ele busca um conhecimento indubitável para servir de base (fundação) para todo o resto. Ele aplicou a dúvida radical a tudo, mas concluiu que o próprio ato de duvidar prova a sua existência. Essa primeira verdade, o cogito (eu penso), torna-se a crença fundacional indubitável a partir da qual ele tenta reconstruir o conhecimento conforme exposto em sua obra “Discurso do Método”, que pode ser resumido em percepção, razão, certeza. Para Descartes, portanto, a certeza do próprio pensamento era o ponto de partida para todo o saber.

2.    Coerentismo

Os coerentistas rejeitam a ideia de um fundamento único. Para eles, uma crença é justificada quando coerente com o conjunto de todas as nossas outras crenças. O importante não é uma base inabalável, mas a consistência do todo. Assim, o conhecimento se parece mais com uma rede, onde cada parte sustenta e é sustentada pelas outras.

Um dos coerentistas, Hegel, por exemplo, analisava como a verdade e a justificação epistemológica são compreendidas em seu sistema, especialmente através de sua dialética e idealismo absoluto. A filosofia hegeliana compartilha com o Coerentismo a ideia de que a verdade não é verificada por uma base externa e fixa (como no Fundacionalismo), mas pela coerência interna de um sistema de crenças.

Para efeito de comparação, podemos dizer que: o fundacionalista busca certezas firmes, enquanto o coerentista confia na harmonia entre as ideias. Mas, ambos tentam resolver o mesmo desafio: evitar o regresso infinito, em que cada crença precisaria de outra para se justificar. No fim, seja por bases sólidas ou por conexões coerentes, o que buscamos é o mesmo: compreender o que torna nosso conhecimento realmente confiável.

3.    Fundacionalismo e Coerentismo à luz da Bíblia

Como o Fundacionalismo e o Coerentismo estão ligados ao ramo do conhecimento denominado epistemologia e apresenta visões diferentes da justificação do conhecimento, para uma breve análise destes conceitos do ponto-de-vista epistemológico e bíblico, vejamos o que diz o Ministério Got Questions neste[1] e  também neste[2] artigo.

Tanto o Coerentismo quanto o Fundacionalismo, ao invés de lidar diretamente com o que é verdadeiro ou falso, essas visões procuram definir o que torna uma crença justificada: em que ponto é razoável presumir que uma crença é verdadeira? De fato, eles seguem o objetivo da epistemologia que visa alcançar o conhecimento, buscando entender as questões: "O que é conhecimento?" "Como o conhecimento é adquirido?" "O que as pessoas sabem?" "Como sabemos o que sabemos?" "Por que sabemos o que sabemos?"

Do ponto de vista bíblico, entretanto, a Epistemologia busca refletir sobre a natureza e os fundamentos do conhecimento a partir da perspectiva da revelação divina conforme apresentada na Bíblia. Diferentemente da epistemologia tradicional que baseia o conhecimento na razão e na experiência humana, a epistemologia bíblica entende que o conhecimento verdadeiro e seguro vem de Deus, que se revela ao homem por meio das Escrituras e da pessoa de Jesus Cristo.

 Bem, na definição da justificação, ao comparar o Fundacionalismo e o Coerentismo, devemos nos lembrar de que não se trata de discussões sobre o que é de fato verdadeiro, mas de opiniões variadas sobre o que torna uma crença justificada ou razoável para uma pessoa manter.

O Fundacionalismo pode ser visualizado como uma árvore, uma pirâmide ou uma parede de tijolos. Para ser justificada, uma crença precisa ser apoiada por outra crença, que por sua vez é justificada, e assim por diante, até que se chegue à base definitiva dessas crenças, o fundamento. De acordo com o Fundacionalismo, todas as crenças justificadas são, em última análise, fundamentadas em certas outras crenças que não podem ser derivadas ou verificadas por outras crenças. Esses axiomas são fundamentais e necessários. Eles "devem ser acreditados" para que se tenha qualquer conhecimento. Para que uma crença seja adequadamente justificada, o Fundacionalismo exige que ela seja atribuída a uma ou mais dessas máximas fundamentais.

O Coerentismo (contextualismo) pode ser visualizado como uma teia extremamente complexa, uma nuvem ou um emaranhado de fios. Para ser justificada, uma crença deve ser apoiada por outras crenças. Quanto mais contato a crença tiver com outras ideias – quanto mais ela for coerente com a estrutura circundante – mais justificada ela será. Como se estivesse olhando para uma teia de aranha do centro para fora, pode não haver um ponto final perceptível. As conexões podem se ramificar em várias direções sem que haja um ponto final ancorado em si mesmo. De acordo com o Coerentismo, as crenças justificadas são aquelas que têm apoio "suficientemente bom" de outras crenças e não exigem que a cadeia de apoio seja verificada até que pare - se é que isso acontece. Para que uma crença seja adequadamente justificada, o Coerentismo exige que ela esteja conectada a um número subjetivamente suficiente de crenças de apoio.

O Fundacionalismo é apoiado principalmente pela força da lógica. A existência de verdades fundamentais é demonstrada nas teorias da matemática básica, como "um número é igual a si mesmo". Essa afirmação não pode ser deduzida de outras ideias, mas também não pode ser negada sem obliterar a lógica e a própria matemática. O Fundacionalismo permite os laços mais fortes possíveis entre a verdade e a crença, criando um vínculo direto entre as duas. Ele também evita o problema de um argumento que acaba sendo usado para se sustentar. Entretanto, o Fundacionalismo também é abstrato. Embora possa ser logicamente possível rastrear todos os fatos e ideias até as máximas básicas, não é prático fazer isso, e esse rastreamento praticamente nunca é feito no mundo real.

A principal vantagem do Coerentismo é a praticidade. A maioria das pessoas não consegue rastrear uma crença até os axiomas fundamentais, mesmo que estejam inclinadas a buscar essa descoberta. Também é verdade que, em alguns casos, a cadeia de justificação não fica clara: nem todas as etapas do processo são simples e fáceis de determinar. Isso significa que a maioria das pessoas no mundo real aborda a justificação por meio de uma forma prática de Coerentismo, mesmo que acreditem que "deveria haver" um ponto final objetivo para seu raciocínio. O perigo é que o Coerentismo facilmente se torna relativismo. Ele pode até levar ao solipsismo[3], já que o que constitui uma conexão "boa o suficiente" é profundamente subjetivo.

Em última análise, tanto o Fundacionalismo quanto o Coerentismo podem ser consistentes com uma visão de mundo bíblica. Isso se deve ao fato de que nenhum dos dois é uma declaração sobre o que "é verdade" ou o que "se deve acreditar", mas apenas o processo pelo qual se determina se há uma ligação justificada entre uma crença e a verdade. Assim, para entender bem se o processo da busca da justificação do conhecimento destas visões está correto precisa ser analisado à luz da Bíblia: não crer de imediato, mas provar se o conhecimento vem de Deus ou não (1Jo 4.1); examinar se o conhecimento proposto não venha nos desviar da fé (2Co 13.5) e prová-lo à luz das Escritura (At 17.11). De qualquer forma, embora o Fundacionalismo pareça mais robusto, a falibilidade humana deve ser levada em conta, deixando espaço para o Coerentismo em algumas aplicações. Portanto, ambas são teorias que buscam explicar como as crenças são justificadas e como se constrói o conhecimento racional. Mas do lado espiritual, o Fundacionalismo reforça a importância de uma base segura na revelação de Deus, enquanto o Coerentismo destaca a importância da harmonia e consistência entre as crenças para discernimento e crescimento na fé.

Veja também o vídeo a seguir:



Notas / Referências bibliográficas:

  • [1Imagem meramente ilustrativa, feita com através do Chat Gpt, em 21/10/2025... 
  • [3O que é a epistemologia? In: https://www.gotquestions.org/Portugues/epistemologia.html. Acesso em: 24/10/2025.
  • [4Solipsismo é uma concepção filosófica que sustenta que apenas o próprio eu e suas experiências existem de fato. Segundo essa doutrina, toda a realidade é reduzida ao sujeito pensante, e os outros seres e objetos seriam meras impressões sem existência própria independente da mente. Dessa forma, o solipsismo afirma que o único conhecimento certo é o do próprio ato de pensar e do eu presente, e tudo mais pode ser colocado em dúvida ou contestado. É uma posição extrema do idealismo que defende a exclusividade da realidade do sujeito pensante em relação ao mundo externo...” (In: Perplexity: Solipsismo). Voltaremos a este assunto... 












































[1] Imagem meramente ilustrativa, feita com através do Chat Gpt, em 21/10/2025... 

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