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17 dezembro 2021

O Apóstolo João

João, filho de Zebedeu [1]

E, passando dali um pouco mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão, que estavam no barco consertando as redes, E logo os chamou. E eles, deixando o seu pai Zebedeu no barco com os jornaleiros, foram após ele” (Mc 1.19-20 – Destaque e grifo meus).

Ora, os nomes dos doze apóstolos são estes: O primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Lebeu, apelidado Tadeu; Simão, o Cananita, e Judas Iscariotes, aquele que o traiu” (Mt 10.2-4 – Destaque e grifo meus)

No evangelho de João (1.35-42), este de quem falaremos a seguir, encontramos que dois discípulos de João Batista foram enviados por este para ser discípulos de Jesus. Na verdade, ao que parece, por ser o autor do evangelho que leva o seu nome, o apóstolo João destaca André, irmão de Simão Pedro e oculta o outro discípulo, que seria ele mesmo. O site A bíblia.org, faz referência a este fato e destaca que “... esta passagem [Jo 1.35-42] se torna difícil de identificação, porque é omitido o nome do segundo discípulo. Os autores [são ditados dois deles, Juan Mateos-Juan Barreto, 1989 e Bettencourt, 1960] comentando este acontecimento, argumentam que em todo o evangelho de João não aparece seu nome, pois foi ele que escreveu o evangelho e estrategicamente omitiu o nome[2].

O discípulo André, que também se tornou apóstolo, era irmão de Pedro e João era irmão (provavelmente mais novo) de Tiago Maior e, ambos, filhos de Zebedeu (Mc 3.17).

Embora[3] seu pai fosse um pescador, eles aparentemente estavam em boas circunstâncias de acordo com a narrativa do Evangelho. Alguns dos antigos falam da família como sendo rica, e até mesmo de conexão nobre. Porém, tais tradições não são reconciliáveis com os fatos relatados nas Escrituras. Lemos, no entanto, de seus "jornaleiros", e eles podem ter tido mais do que apenas um barco. Quanto a Salomé, sem dúvidas, foi uma daquelas mulheres honradas que serviam ao Senhor com o que tinham. E João tinha sua própria casa (Lucas 8:3João 19:27). A partir desses fatos, podemos inferir, com segurança, que a situação deles era consideravelmente acima da pobreza. Como muitos têm sido extremos ao falar dos apóstolos como pobres e analfabetos, é interessante observar algumas poucas dicas nas escrituras sobres esses assuntos.

Do caráter de Zebedeu nada sabemos. Ele não fez objeções a seus filhos quando o deixaram ao chamado do Messias. Mas não ouvimos mais sobre ele depois disso. Frequentemente encontramos a mãe em companhia dos seus filhos, mas não há menções ao pai. É provável que ele tenha morrido pouco depois do chamado de seus filhos.

O evangelista Marcos, ao enumerar os doze apóstolos (Marcos 3:17), quando menciona Tiago e João, diz que nosso Senhor "pôs o nome de Boanerges, que significa: Filhos do trovão." O que nosso Senhor particularmente pretendeu, com esse título, não é facilmente determinado. Conjecturas têm havido muitas. Alguns supõem que seria porque esses dois irmãos eram da mais furiosa e resoluta disposição, e de um temperamento mais feroz e ardente do que o resto dos apóstolos. Mas não vemos motivo para tal suposição na história narrada nos Evangelhos. Sem dúvida, em uma ou duas ocasiões o zelo deles era intemperado, mas isso foi antes de entenderem o espírito de seu chamado. É mais provável que nosso Senhor os tenha apelidado em profecia ao zelo ardente deles ao proclamar aberta e corajosamente as grandes verdades do evangelho, após tê-lo conhecido plenamente. Estamos certos de que João, em companhia de Pedro nos primeiros capítulos de Atos, demonstrou uma coragem que não temia ameaças, e não era intimidado por nenhuma oposição.

Supõe-se que João era o mais novo de todos os apóstolos e, a julgar por seus escritos, parece ter sido possuído por uma disposição singularmente carinhosa, suave e amável. Ele foi caracterizado como "o discípulo a quem Jesus amava". Em várias ocasiões, ele foi admitido a uma livre e íntima relação com o Senhor (João 13).

"O que distinguia João", diz Neander, "era a união das mais opostas qualidades, como temos muitas vezes observado em grandes instrumentos do avanço do reino de Deus – a união de uma disposição inclinada à silente e profunda meditação, com um ardente zelo, embora não impulsionado a uma grande e diversificada atividade no mundo exterior; não um zelo apaixonado, como supomos que tenha enchido os peitos de Paulo antes de sua conversão. Mas havia também um amor, não suave e flexível, mas um que se agarrava com tudo o que podia, e firmemente retia o objetivo para o qual se dirigia – vigorosamente repelindo qualquer coisa que desonrasse esse objetivo, ou tentasse arrancá-lo de sua posse; tal era sua principal característica."

E a história de João está tão intimamente conectada com as histórias de Pedro e Tiago, as quais já abordamos, que podemos agora ser bastante breves. Esses três nomes raramente são vistos separados na história dos Evangelhos. Mas há uma cena em que João aparece sozinho e que é digna de nota. Ele era o único apóstolo que seguiu Jesus ao lugar de Sua crucificação. E lá ele foi especialmente honrado com o respeito e confiança de seu Mestre. "Ora Jesus, vendo ali sua mãe, e que o discípulo a quem ele amava estava presente, disse a sua mãe: Mulher, eis aí o teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua mãe. E desde aquela hora o discípulo a recebeu em sua casa." (João 19:26-27)

Após a ascensão de Cristo e a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, João se tornou um dos principais apóstolos da circuncisão. Mas seu ministério continua até o final do primeiro século. Com sua morte, a era apostólica naturalmente se encerra.

Há uma tradição muito difundida e geralmente aceita de que João permaneceu na Judeia até depois da morte da virgem Maria. A data do evento é incerta. Mas logo depois ele prosseguiu para a Ásia Menor. Lá ele plantou e cuidou de várias igrejas em diferentes cidades, mas fez de Éfeso seu centro. De lá ele foi banido para a Ilha de Patmos, perto do final do reinado de Domiciano. Ali ele escreveu o livro de Apocalipse (ou Revelação) (Apocalipse 1:9). Em sua libertação do exílio, pela ascensão de Nerva ao trono imperial, João retornou a Éfeso, onde escreveu seu Evangelho e suas Epístolas. Ele morreu por volta do ano 100 d.C., no terceiro ano do imperador Trajano, e com mais ou menos cem anos de idade.

Veja também o vídeo de Marlon Engel, do Portal Estudo na Garagem:


Notas / Referências bibliográficas:

25 novembro 2021

O Apóstolo André


Mattia Preti, The Crucifixion
 of St Andrew, 1651 [1]

No dia seguinte João viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. (...) Era André, irmão de Simão Pedro, um dos dois que ouviram aquilo de João, e o haviam seguido. (...) Este achou primeiro a seu irmão Simão, e disse-lhe: Achamos o Messias (que, traduzido, é o Cristo). (Jo 1.29,140,41) (Negrito meu)

O nome André significa, no grego, “viril”, embora, a exemplo de Pedro, seu irmão, pode ser um nome cristão. Era filho de Jonas e provinha de Betsaida, na Galileia, mas morou com seu irmão Pedro em Cafarnaum (Mc 1.29) onde ambos se tornaram pescadores, conforme destaca R. E. Nixon[2].

Sendo [André] discípulo de João Batista (Jo 1:35-40) este lhe mostrou Jesus como o Cordeiro de Deus. Saiu à procura de Simão e o trouxe a Jesus (Jo 1:42). Posteriormente foi chamado a um discipulado integral (Mt 4:18-20. Mc 1:16-18) e se tornou um dos doze apóstolos (Mt 10:2; Mc 3:18; Lc 6:14). Sua fé prática é demonstrada em Jo 6:8,9; 12:21,22. Foi um daqueles que interrogaram acerca do julgamento que sobreviria a Jerusalém (Mc 13:3,4). Ele é mencionado finalmente, em companhia dos outros apóstolos, após a ascensão (At 1.13). É provável que tenha sido crucificado na Acaia... (NIXON, Nota 2).

Na verdade, os historiadores sagrados[3] têm sido muito completos e abundantes ao descrever os atos de Pedro, mas bastante frugais nos relatos sobre seu irmão André. Ele foi criado com Pedro no ramo de seu pai, e continuou em sua ocupação até ser chamado pelo Senhor para ser tornar um ‘pescador de homens’.

André, como outros jovens da Galileia, tinha se tornado um discípulo de João Batista. No entanto, ao ouvir seu mestre falar, pela segunda vez, de Jesus como o Cordeiro de Deus, deixou João para seguir a Jesus. Ele foi, imediatamente após isso, o meio pelo qual seu irmão Pedro foi trazido a seu novo Mestre. Até o momento, ele tinha a honra de ser o primeiro dos apóstolos a apontar para Cristo (João 1). Ele aparece ainda nos capítulos seis e doze de João, e no décimo terceiro de Marcos, mas, além desses poucos e espalhados relatos, as Escrituras não relatam mais nada a respeito dele. Seu nome não aparece nos atos dos Apóstolos, com exceção do primeiro capítulo.

Conjecturas e a tradição têm dito muitas coisas sobre ele, mas devemos considerar apenas fatos razoavelmente estabelecidos. Dizem que ele pregou em Cítia, e que viajou pela Trácia, Macedônia, Tessália, e que sofreu o martírio em Petra, na Acaia. Sua cruz, dizem, era formada de dois pedaços de madeira se cruzando no meio, na forma de X, geralmente conhecida pelo nome de cruz de Santo André. Ele morreu orando e exortando as pessoas à constância e perseverança na fé. O ano em que ele sofreu isso é incerto.

Veja mais sobre o apóstolo André, no vídeo de Marlon Engel abaixo:


Notas / Bibliografia:

Mateus, o publicano

O chamado de Mateus[1]

E Jesus, passando adiante dali, viu assentado na alfândega um homem, chamado Mateus, e disse-lhe: Segue-me. E ele, levantando-se, o seguiu” (Mt 9.9).

Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Lebeu, apelidado Tadeu” (Mt 10.3).

E, depois disto, saiu, e viu um publicano, chamado Levi, assentado na recebedoria, e disse-lhe: Segue-me. E ele, deixando tudo, levantou-se e o seguiu” (Lc 5.27,18)[2] (destaques / sublinhados meus).

O nome de Mateus aparece em todas as listas dos doze apóstolos (Mt 10.3; Mc 3.18; Lc 6.15; At 1.13). Destaquei, nos textos acima, as expressões “alfândega”, “publicano” (escritas pelo próprio autor) e “Levi”, em relação ao apóstolo Mateus, uma vez que estas resumem a identidade deste cobrador de impostos – profissional tido, muitas vezes, como traidor e/ou roubador do povo –, mas nesse caso específico, um escolhido por Jesus para compor seu Colégio Apostólico.

Mateus[3] foi um dos doze apóstolos de Jesus e também autor do Evangelho de Mateus. Ele aparece em todas as listas que relacionam os discípulos de Jesus, sendo elas: Mateus 10:3, Marcos 5:18, Lucas 6:15 e Atos 1:13.

Não encontramos muitas informações biográficas sobre Mateus na Bíblia. Na verdade, além das listas com o nome dos discípulos, o apóstolo Mateus aparece apenas em outros dois episódios em todo o Novo Testamento.

Sobre a escolha do apóstolo Mateus, um dos dois relatos em que o apóstolo Mateus aparece na narrativa bíblica além das listas de apóstolos descreve justamente sua chamada para ser discípulo de Cristo. Uma curiosidade sobre isto é que a escolha do apóstolo Mateus é a única chamada individual de um discípulo registrada nos Evangelhos Sinóticos[4]. O próprio Mateus denomina-se como o publicano, cobrador de taxas e impostos a serviço do Império Romano. Essa classe de trabalhadores era desprezada pelos demais judeus que a reputavam praticamente como traidora de seu próprio povo.

Pelo contexto histórico da época, é possível que Mateus estivesse sob as ordens de Herodes Antipas, o tetrarca da Galileia. Considerando o ofício que desempenhava, o apóstolo Mateus provavelmente era uma das pessoas mais cultas do grupo dos discípulos de Jesus.

 Jesus encontrou Mateus “sentado na coletoria”, ou seja, na alfândega, nas proximidades de Cafarnaum, e lhe ordenou que O seguisse (Mt 9.9). Esse local em que o apóstolo Mateus estava era um dos postos fiscais geralmente estabelecidos em estradas, pontes, canais ou nas margens dos lagos para coletar taxas e impostos. T

Merece destaque também que o nome “Levi” que aparece nos Evangelhos. E, como este nome não é mencionado em nenhuma das listas de discípulos de Jesus é amplamente aceito que Mateus e Levi tenham sido a mesma pessoa. Nos Evangelhos de Marcos (2.14) e Lucas (5.27), lemos que Jesus ordenou que Levi o seguisse, numa descrição muito semelhante ao registro do Evangelho de Mateus 9.9 onde o apóstolo foi convocado.

Entendendo então que Levi e Mateus são as mesmas pessoas, logo somos informados de que ele era filho de Alfeu (Mc 2:14). Sabemos também que Tiago, outro apóstolo de Jesus, também era filho de Alfeu. No entanto, não há informações necessárias para que possamos afirmar que se tratava do mesmo Alfeu e, consequentemente, que Tiago Menor e Mateus foram irmãos.

Ainda sobre sua dupla designação (como Levi e Mateus), existe a chance de que seu nome principal era Levi, mas que depois de se tornar apóstolo de Jesus, ele preferiu ser chamado por outro nome, no caso Mateus, tal como Simão Pedro também o fez.

Após o Pentecostes descrito em Atos dos Apóstolos capítulo 2, a Bíblia não nos fornece mais nenhuma informação sobre o apóstolo Mateus. Algumas tradições, sem qualquer comprovação histórica, sugerem que em algum momento após o Pentecostes Mateus partiu para Etiópia, Macedônia, Síria e outras localidades. Uma dessas tradições defende que o apóstolo Mateus morreu de causas naturais estando ou na Macedônia ou na Etiópia. Por outro lado, tradições gregas e romanas afirmam que o apóstolo sofreu martírio. Quando? Possivelmente, em 72[5]

Bem, a obra maior de Mateus é o Evangelho que leva o seu nome, o Evangelho Segundo Mateus. E apesar de alguns críticos defenderem que o apóstolo não pode ter sido o autor do Evangelho que leva seu nome, a tradição cristã, desde a Igreja Primitiva, atribui ao apóstolo Mateus a autoria do primeiro Evangelho. Na verdade, o que pode ser dito é que nenhum argumento contrário à autoria do apóstolo pode ser sustentado à luz de uma análise profunda da questão.

Veja também, a seguir, o vídeo de Lamartine Posella sobre Mateus:



Notas / Bibliografia:

  •  [1] Imagem meramente ilustrativa. Disponível em: <https://theotoucharis.wixsite.com/theo/single-post/2016/03/10/serm%C3%A3o-o-chamado-de-mateus>. Acesso em 22/11/2021.
  •  [2] Todas as referências bíblicas utilizadas neste post são da versão online Almeida Corrigida Fiel. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf>.
  •  [3] O texto a seguir é uma reescrita com adaptações do artigo de Daniel CONEGERO: In: <https://estiloadoracao.com/quem-foi-o-apostolo-mateus/>. Acesso em: 22/11/2021
  •  [4] Evangelhos Sinóticos são aqueles que narram a vida e ministério de Jesus sob uma mesma ótica, mesmo ponto de vista ou visão conjunta. São eles: Mateus, Marcos e Lucas.
  •  [5] Segundo a Wikipedia, In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mateus_(evangelista), Mateus morreu em Hierápolis ou Etiópia, c. de 72.

22 novembro 2021

Tiago Menor

Tiago Menor [1]

Já vimos em artigos anteriores sobre Tiago Maior, que foi apóstolo, juntamente com seu irmão João, e ambos eram filhos de Zebedeu, e Tiago, irmão do Senhor, autor da Epístola que leva o seu nome. E neste breve artigo queremos destacar a pessoa do outro apóstolo Tiago, que era filho de Alfeu.

Este Tiago (Ἰάκωβος, Jacobos em grego antigo) era conhecido também como Tiago Menor. Por que “menor”? Possivelmente, por causa de sua estatura física – mais baixa que a do outro Tiago ou por ser de menos idade. A NVI (Nova Versão Internacional), por exemplo, refere-se a este Tiago como “o mais jovem”, em Marcos 15.40. De qualquer forma, ele pode ter tido ambos os adjetivos: era mais baixo e possivelmente o mais novo dos Tiagos ou dos demais apóstolos.

As referências sobre Tiago, filho de Alfeu são poucas no Novo Testamento. Ele aparece ligado a seu pai (Alfeu) nas listas dos apóstolos, de Mateus 10.2,3, Marcos 3.17,18, Lucas 6.14,15 e Atos 1.13, sempre para diferenciá-lo do outro Tiago, que era filho de Zebedeu e que aparece também nas mesmas listas. E, pela referência de Marcos 15.40, sua mãe se chamava Maria – ... Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José... –. Observa-se que por esta referência de Marcos, Tiago Menor tinha um irmão chamado José, que não deve ser confundido com o outro José, irmão do outro Tiago e de Jesus, conforme vemos na lista dos irmãos de Jesus, relatada pelo mesmo evangelista (Mc 6.3 – “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, e irmão de Tiago, e de José, e de Judas e de Simão? e não estão aqui conosco suas irmãs? E escandalizavam-se nele”.

Como já dissemos, não há muitas referências acerca de Tiago, filho de Alfeu, no Novo Testamento, embora, obviamente, ele tenha continuado sua missão apostólica depois da ressurreição de Jesus e do Pentecostes, sem que isso ficasse registrado nos textos sagrados.

A posição, defendida por nós aqui, é a mesma defendida por teólogos protestantes [2]. Por parte de católicos, ao contrário, este Tiago ganha uma relevância muito grande, pois é visto como o outro Tiago, conhecido como Tiago, irmão de Jesus  (ou primo de Jesus, segundo os católicos) que foi líder da igreja em Jerusalém e autor da epístola que leva o seu nome. Ou seja, enquanto protestantes destacam três principais Tiagos (o filho de Zebedeu, o filho de Alfeu e o irmão de Jesus), para católicos, estes dois últimos são a mesma pessoa. Já tratei parcialmente destas questões neste artigo, mas para maior aprofundamento do assunto, sugiro estes outros artigos do historiador e teólogo Lucas Banzoli:

·         Refutando objeções de Tiago.

·         Quem é Maria, mãe de Tiago e José?

·         Flávio Josefo é a prova irrefutável de que Tiago era irmão (e não primo) de Jesus!

·         Os irmãos de Jesus eram primos?, etc.

Obviamente, os artigos de Banzoli são voltados, principalmente, para o Tiago, irmão do Senhor, a seus pais (José e Maria) e demais membros da família. Mas para fazer esta separação dos Tiagos (filho de Alfeu e irmão de Jesus), vale a leitura destes e outros artigos, além de vídeos mencionados (links) por ele.

Sobre a morte de Tiago Menor, não sabemos quando a mesma ocorreu, mesmo porque as informações deixadas por Josefo, Clemente, Eusébio etc., atribuídas a Tiago Menor, normalmente são confundidas com as do Tiago, irmão do Senhor. Franklin FERREIRA [3], afirma que “Tiago, o Menor, foi lançado de um pináculo do templo em Jerusalém e depois espancado até morrer”. Quando? Possivelmente, no ano 62 (Wikipedia). 

Bem, no vídeo abaixo, Marlon Engel, faz um bom resumo da vida de Tiago Menor. No mais, o importante saber é que na verdade, a exemplo dos demais apóstolos, afirma Engel, “... a importância dos discípulos não estava nas suas descendências (...). O que fez estes homens importantes foi o Senhor a quem serviram e a mensagem que proclamaram”.



Notas / Bibliografia:

[1] Tiago Menor. Foto meramente ilustrativa. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Santiago_Menor>. Acesso em: 14/05/2020.

[2] Por exemplo, em O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1979 (3ª ed.), Vol. III. Pág. 1608 e 1609.

[3] FERREIRA, Franklin. Servos de Deus: espiritualidade e teologia na história da igreja. SÃO José dos Campo, SP, 2014, Pág. 37.

23 outubro 2021

A greve dos urubus

A greve dos urubus

Por José Lutzenberger[1]

Charge do Bessinha (site Conversa Afiada) [2]

A manhã estava linda. Um sol maravilhoso, o céu, muito azul, encontrava no horizonte com o mar que parecia um mingau de vidro. E tudo aquilo podia ser mais bonito se a praia estivesse branquinha, como Deus inventou.

Mas não estava. Naquele enorme areal não se podia dar um passo sem pisar em algum lixo. Era lata de cerveja vazia, era copo usado de plástico, era pauzinho de picolé chupado, era papel de tudo que era cor e feitio. Na beira d’água era mais triste ainda. Pedaços de pau, manchas pretas de óleo e uma porção de peixinhos mortos, com a barriga virada para cima.

Os banhistas ainda não tinham começado a chegar e só os urubus é que andavam no meio daquela lixarada, fazendo o seu serviço, limpando a praia do que havia de mais sujo e fedorento.

Mas não demorou muito e apareceu o primeiro. Era uma mulher, de óculos escuros e chapeuzinho de palha. Debaixo do braço trazia uma barraca, tipo guarda-chuva e uma toalha. Na mão, uma sacola, onde levava bronzeador, cigarro, fósforos, lápis e uma revistinha de palavras cruzadas. Levou um tempão para arrumar aquilo tudo na areia, sentar e começar a besuntar o corpo com uma coisa visguenta que saía da garrafinha.

Não muito longe, uma urubua tinha parado de ciscar na sujeira e ficou olhando para ela perder tanto tempo, só para acabar sentando e se sujar daquele jeito. A urubua continuou olhando para tanta esquisitice e uma porção de pensamentos subia e descia dentro da sua cabecinha cinzenta. Um desses pensamentos era assim:

– “Todos os bichos que existem neste mundo gostam de se aquecer no sol quando é inverno e faz frio. Mas num dia de verão danado, como hoje, todos procuram uma sombrinha, onde é mais fresco. Só mesmo pra procurar comida ou ir pra casa é que qualquer um, seja de pele, pena ou pelo, é que enfrenta um calorão desses. Mas o bicho homem é mesmo muito biruta. É o único que se mete debaixo do sol, até ficar com a pele dolorida de tão queimada, cheia de bolha, sem ter nada de importante para fazer ali.”

Sacudiu a cabeça de um lado para outro, tirou com o pé um pedaço de sardinha que ficou entalado no canto do bico e teve outro pensamento:

– “Não entendo mesmo o que é que essa gente tem dentro da cabeça. Dizem que nós, os urubus, é que somos uns bichos diferentes porque gostamos de porcaria. O compadre porco gosta das mesmas coisas que nós gostamos, mas os homens até fazem criação deles. E o que esse pessoal vem fazer numa praia imunda como esta se todos são tão cheios de chiques e não-me-toques, torcendo o nariz por qualquer coisinha…? Coitados… É capaz até que eles não saibam que essa água do mar, onde eles adoram tomar banho, é tão suja como a água que sai das privadas das casas deles. Vai ver é isso mesmo… Vou avisar aquela mulher…

A urubua não tinha andado nem um metro na direção da banhista e levou com uma garrafa de guaraná vazia bem no meio do pescoço. E, de quebra, uma porção de: “chô… chô… Vai embora, bicho nojento. Fora daqui…”

Ela abriu as asas, deu uma corridinha para pegar impulso e levantou voo. De todos os cantos da praia, outros urubus também estavam voando porque já eram muitas as barracas armadas e muitas as pessoas que tinham chegado, arranjando um lugarzinho no meio daquela lixarada toda.

E como sempre faziam, depois que comiam pela manhã, iam pousar no telhado do matadouro. Era ali o ponto de reunião da urubuzada daquele lugar. Ali é que eles batiam papo, contavam as novidades da família, e davam as dicas de onde podia ser encontrada comida pro bando todo.

A urubua, depois que alisou as penas e espreguiçou as duas asas, começou a conversar com o urubu que estava ao seu lado. E contou como quase-quase teve o pescoço quebrado aquela manhã, lá na praia. O urubu também lhe contou que estava ciscando naquela areia negra e oleosa, lá no Entreposto de Pesca, quando, de repente, olhou de banda e viu que um caixote velho vinha caindo direto em cima dele. Se não fosse de circo e não soubesse pular numa perna só, aquela hora não estava ali, contando o susto que levou. Não demorou muito e todos os urubus estavam falando sobre a mesma coisa: como cada dia a vida ficava mais difícil, como eram xingados de tudo que era nome feio e como precisavam estar sempre preparados para não levarem pauladas, garrafadas, pedradas e tudo que era adas que os homens podiam jogar em cima deles.

Urubu é bicho que não canta nem faz qualquer barulho. Mas naquela manhã eram tantos, falando ao mesmo tempo, que o zum-zum era tão forte que quem passasse na rua, olhava pra cima pra ver o que estava acontecendo.

Aí o Lula, que era o presidente do Sindicato dos urubus, resolveu falar. Bateu as asas três vezes… tlec… tlec… tlec… E todos se calaram. Quando aquela porção de bicos estava toda virada para o lado dele e todos os urubus ficaram quietos, ele falou:

– “Urubuzada, atenção, por favor! O que todos vocês estão reclamando hoje não é nenhuma novidade. Venho ouvindo essas queixas há muito tempo e acho que chegou a hora da gente fazer alguma coisa”.

Todos os urubus bateram as asas ao mesmo tempo porque esse é o jeito de urubu bater palmas.

– “Silêncio, por favor!” – disse o Lula. E continuou quando os tlec tlec pararam.

– “Não podemos continuar sendo humilhados assim. Cada dia que passa a quantidade de lixo que é fabricado pelos homens vai aumentando. As praias, os rios, os monturos, estão cada vez mais fedorentos. E somos nós que damos um jeito, catando o dia todo, dando sumiço nas porcarias mais porcarias. A injustiça deles é tão grande que dão o nome de porcaria para as maiores sujeiras e nunca se lembraram de chamar urubuzaria para qualquer coisa, em homenagem ao nosso trabalho, quando somos nós que fazemos a maior parte do serviço.”

Foi um tal de tlec tlec em cima do telhado do matadouro que chegou até fazer um ventinho. E o Lula foi em frente com o seu discurso:

– “Milhares de companheiros nossos da turma que mora lá no mangue da Baía da Guanabara, foram engaiolados para a Alemanha para serem estudados pelos cientistas que estão querendo descobrir a cura do câncer, uma doença que dá neles e nunca dá em nós. Desde que o mundo é mundo, o nosso trabalho é fazer que o lixo seja menos lixoso. Antigamente, no tempo em que os urubus ainda podiam escolher as cores de suas penas, em vez desse uniforme preto que usamos agora, éramos respeitados. Hoje em dia os homens xingam, maltratam e até matam qualquer urubu que não seja bastante vivo pra voar para longe, logo que um deles vai chegando perto. Por tudo isso, pra que eles vejam como somos úteis, acho que devemos entrar em greve geral. Não vamos mais tocar nos montes de lixo que eles fazem em volta das suas cidades e na beira de tudo que é praia, rio ou lago. E assim talvez as coisas mudem. Quem estiver de acordo, levante a asa direita.”

No mesmo instante, todas as asas direitas que estavam ali, ficaram esticadas para cima. Depois disso passaram-se dias, semanas e fazia quase um mês que nenhum urubu era visto voando ou ciscando por onde sempre andaram. Os montes de lixo tinham crescido uma barbaridade e ninguém aguentava mais o fedor que saía deles. Foi só aí que os homens entenderam a falta que os urubus faziam. Mas como é que iam fazer pros urubus voltarem?

Aí tiveram uma ideia. Se pedissem desculpas e mostrassem que haviam compreendido que, mesmo sendo feios e desajeitados, eles eram tão importantes como são importantes todos os bichos que existem neste mundo, eles talvez voltassem pra fazer o que sempre fizeram.

Reuniões no Ministério não sei do que, comissões de estudo na Secretaria do não sei que mais, mesa-redonda do isso-mais-aquilo e finalmente encontraram uma solução. Eles deviam organizar uma campanha em todo o país para que o povo entendesse como os urubus deviam ser tratados com respeito, como os urubus eram úteis, quanto os urubus ajudaram para se conhecer as correntes de ar, chamadas ascendentes e descendentes. E uma porção de outras coisas desse tipo.

Como nenhum bicho desse planeta consegue elogiar e puxar saco melhor que o bicho homem, a tal campanha foi um sucesso. Fizeram até uma musiquinha que tocava no rádio em todos os intervalos de propaganda.

Vamos todos bater palmas

Pro nosso amigo urubu

Pleft… pleft…

É preciso que ele ouça

Nosso recado do amor

I love you… I alove you…

Pleft… pleft…

Não é um amor passageiro

Pra esse grande lixeiro

Que acaba com o fedor

Pleft… pleft…

Um cantor muito na moda, o Gilberto Jiló, inventou a “Dança do urubu”, para aproveitar a onda de um assunto que andava na boca de toda gente. Ele aparecia no palco vestido de penas pretas e com uma lata de lixo amarrada na cabeça. Como tudo que ele cantava era muito admirado por todos os rapazes e moças, por todos os estudantes universitários, logo apareceram as camisetas com o desenho de um urubu dizendo: “Help me”.

Na televisão, depois daquele plic plic que avisa que é hora das pessoas saírem da sala para irem até o banheiro ou até a cozinha para beber água, aparecia um filmezinho lindo, sobre a vida dos urubus. Era tão bem-feito que nem dava pra desconfiar que era sobre urubus. Aparecia um deles voando mais bonito que uma águia e de um jeito que a sua cor preta virou prateada. Urubu não canta nem em Dia de Finados, mas vendo aquele filme qualquer um ficava com vontade de ter um urubu em casa, só pra ouvir uns gorjeios mais bonitos do que sabiá cantando no meio do mato.

Isso, sem falar nas reportagens que saíram em tudo que era tipo de revista. E nos cartazes coloridos, pregados nos muros de todas as cidades, com o retrato de um urubu sorrindo e segurando uma flauta. Em baixo, em letras bem grandes, a frase: “Ponha um urubu em sua vida! Ele merece!” Em todas as casas de discos não se encontravam mais nada que falasse de urubu. Esgotada a música do Gilberto Jiló e esgotada uma outra, dos tempos em que o almirante era cantor famoso e cantava um maxixe que dizia assim:

Urubu veio de cima

Com fama de cantador

Urubu chegou na festa

Tirou dama e não dançou

Ora dança urubu

Eu não sinhô

Tira a dama, doutô

Não sou doutô…

Não precisa dizer que em todas as escolas, os mais famosos urubuzólogos fizeram uma porção de conferências. E que para completar a série, o governo instituiu o “Dia Nacional do Urubu”.

Quem é que pode resistir uma badalação dessas, não é mesmo? Aos pouquinhos os urubus foram voltando. E estão novamente por aí, ciscando o lixo, como fizeram sempre.

 

Fonte:

  • LUTZENBERGER, José. A Greve dos urubus. São Paulo: Brasiliense (?)…

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Veja também:

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Notas:

  •  [1] O gaúcho José Antonio Lutzenberger (1926-2002) “... foi um agrônomo, escritor, filósofo, paisagista e ambientalista brasileiro que participou ativamente na luta pela preservação ambiental...” (Wikipédia). A fábula acima foi parte de uma aula de Sociologia que tive em 1992 e ainda parece atual, pois o Urubu-Mor ainda está dando suas cartas, enquanto se ouve um bando de tlec... tlec... tlec... quando ele grasna... 
  •  [2] Imagem que ilustra o texto “PT está usando de todos os meios, no Supremo, para livrar Lula da prisão”, texto escrito em setembro de 2018. In: http://www.tribunadainternet.com.br/pt-esta-usando-de-todos-os-meios-no-supremo-para-livrar-lula-da-prisao/. E a mensagem da fábula continua atual...


Revolução dos Bichos: características gerais

  Por Alcides Barbosa de Amorim Porco Major [1] O livro Revolução dos Bichos (1945), do indiano George Orwell, nascido durante o domínio b...