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23 fevereiro 2020

Tiago, irmão do Senhor


Tiago, irmão do Senhor, foto adaptada,
disponível no youtube
O Novo Testamento cita quatro pessoas com o nome de Tiago. Dois deles, pouco conhecidos, são o Tiago, pai de Judas[1] (não o Iscariotes), conforme citações como Lucas 6.16 e Atos 1.13, e Tiago, filho de Alfeu, um dos apóstolos de Cristo, conhecido como “o menor” (cf. Mateus 10.3; Atos 1.13; Marcos 15.40).
Queremos enfatizar em dois artigos, os outros dois Tiago, sendo um deles, neste artigo, o Tiago, irmão do Senhor, e em outro momento, o Tiago Maior, irmão de João, o outro apóstolo. Este último Tiago e o apóstolo João eram filhos de Zebedeu.

1.  Tiago: irmão ou primo de Jesus?
O Novo Testamento registra textualmente algumas pessoas como sendo irmãos de Jesus. Por exemplo, em Mateus 13.55-56 lemos: “Não é este [Jesus] o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E não estão entre nós todas as suas irmãs? De onde lhe veio, pois, tudo isto?” Portanto, é sobre um destes irmãos de Jesus chamado Tiago que estamos falando.
Há pelo menos três explicações para a expressão “irmãos de Jesus”:
a)  Os “irmãos de Jesus” eram filhos mais novos de José e Maria, posição defendida pela maioria protestante e defendida neste artigo. Sua base de sustentação teológica são inferências de expressões como “primogênito” (primeiro) em relação a Jesus em textos como, por exemplo, Lucas 2.7: “Ela [Maria] deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria[2] e “até que...” em Mateus 1.25, indicando que após o nascimento de Jesus, Maria e José tiveram relações maritais normais de um casal. Veja: “E não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs –lhe o nome de Jesus”. (Grifos meus)[3]. Ou seja, esta posição defende que após o nascimento de Jesus, seus pais terrenos, José e Maria, tiveram vida sexual ativa (como qualquer outro casal) e estes “irmãos de Jesus” foram frutos desta união. Esta posição “... foi fortemente advogada por Helvidius, no século IV, mas veio a ser repudiada herética à luz da doutrina, cada vez mais atrativa conforme o movimento ascético se foi desenvolvendo, de que Maria sempre foi virgem” (DOUGLAS (Org.), Vol. II, p. 754).
b)  Os “irmãos de Jesus” eram filhos de José com outra esposa anterior à Maria, posição defendida pelo clero da Igreja Ortodoxa Oriental. Neste caso, estes (meio) irmãos de Jesus eram mais velhos do que ele.
c)  Os “irmãos de Jesus” eram, na verdade, “primos” dele, posição defendida pela Igreja Católica Romana. Sua base teológica está fundamentada em argumentos como:
-     em João 19.25 (no momento da crucificação de Cristo havia não quatro, mas três mulheres de pé, perto da cruz, “... a saber, Maria, a mãe de Jesus, sua irmã, identificada com ‘Maria de Clopas’, e Maria de Magdala” (Ibidem: p. 754)...
-     a segunda Maria – Maria de Clopas – é idêntica à Maria da passagem de Marcos 15.40 (E também ali estavam algumas mulheres, olhando de longe, entre as quais também Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e Salomé)...
-     esse Tiago, o menor, é o apóstolo chamado de “filho de Alfeu”, em Marcos 3.18.
-     a segunda Maria em João 19.25 era casada com Alfeu...
A questão é, se a Maria, descrita como ‘de Clopas’, que presumivelmente significa ‘esposa de Clopas’, não poderia ser esposa de Alfeu que subtende, na lógica, ser esposa de Alfeu. Este (Alfeu) e Clopas eram a mesma pessoa? Jerônimo, o grande defensor desta doutrina “... admitiu sua ignorância. Tal teoria exigiria que Clopas é outro nome de Alfeu, ou que essa Maria foi casada por duas vezes. Por essa exegese engenhosa mas não-convincente, Jerônimo reduziu o número de homens chamados Tiago, no Novo Testamento, a dois – o filho de Zebedeu, e Tiago, irmão do Senhor, o qual seria também um apóstolo e conhecido como ‘o menor’. (Ibidem: p. 754/755).
Bem, não queremos transformar estas questões – dos irmãos de Jesus e entre eles, a pessoa de Tiago – em um cavalo de batalha, uma vez que qualquer que seja, correta, a explicação ou defesa acima não diminui em nada o plano de salvação e a doutrina acerca de Jesus, pois esta é quase unânime entre os cristãos em geral. Mas, como protestante ficarei com a primeira questão: Tiago era irmão mais novo de Jesus, por parte de Maria e José seus pais.

2.  Tiago: líder da Igreja Judaica
No evangelho de João (7.5) está escrito sobre Jesus, que “... nem mesmo os seus irmãos acreditavam nele”. Muitos estudiosos protestantes são de opinião de que era este o motivo de Jesus entregar sua mãe aos cuidados do apóstolo João antes de sua morte (João 19.26). Porém, após sua ressurreição e na reunião de preparação para o Pentecostes, já encontramos entre os presentes, Maria, sua mãe, e também seus irmãos (Atos 1.14). Ao que muitos supõem que após a morte de Jesus, seus irmãos entenderam que de fato Jesus era o Messias.
Porém a Tiago, especificamente, encontramos uma referência em 1Coríntios (15.7): “Depois [de ser visto por mais de quinhentos irmãos], foi visto por Tiago, depois, por todos os apóstolos”. Observe que este Tiago que aparece aqui não é contado entre os apóstolos, portanto, deduz-se que não era nem o Tiago, filho de Zebedeu nem o Tiago, filho de Alfeu. Um outro irmão de Jesus, chamado Judas, também deve ter tido uma chamada especial dele, pois tornou-se também autor de uma epístola, a que leva o seu nome, onde ele se identifica como sendo “irmão de Tiago” (Judas 1), porém com estilo literário bem diferente de seu irmão.
Este Tiago, após a visita ou encontro especial com Jesus (1Coríntios 15.7) tornou-se um dos líderes atuantes da Igreja Cristã judaica.
Nosso Senhor apareceu a um Tiago, depois da ressurreição (1Cor. 15:7) e, se bem que não esteja declarado, parece seguro admitir que se trata do Tiago seu irmão. À luz de Mat. 13:55 e João 7:5 podemos concluir que, fossem os últimos acontecimentos da vida de nosso Senhor, fosse Sua morte, ou essa aparição depois de ressurreto, algum desses fatos contribuiu para a conversão dele (SHEDD, Vol. II: 1983, p.1387).
O apóstolo Paulo que se converteu algum tempo depois, diz que atendendo ao chamado de Deus, foi a Jerusalém, onde viu a Pedro e a “Tiago, irmão do Senhor” (Gálatas 1.19). Depois de conhecer a liderança da igreja judaica, Paulo afirma que Tiago era uma de suas “colunas”, juntamente com Cefas (Pedro) e João (Gálatas 2.9).
O historiador e teólogo Justo L. GONZÁLEZ destaca a perseguição dos judeus contra os cristãos em Jerusalém (Atos 12) e Tiago, irmão de João e filho de Zebedeu, é morto à espada, por ordem de Herodes Agripa, no ano 44.  Depois disto Pedro também é preso, mas milagrosamente solto da prisão (Atos 12.11) e, na casa de Maria, mãe de João Marcos, onde estava havendo uma reunião de oração por ele, Pedro conta o fato e pede que o informa “... a Tiago e aos irmãos” (Atos 12.17). Portanto, nesta época, Tiago, irmão do Senhor, apesar de não ser um dos doze apóstolos, “... havia se unido ao número dos discípulos, onde logo gozou de grande prestigio e autoridade” (GONZÁLEZ: 1995, p. 35). E com o tempo, ele torna-se o primeiro “bispo” de Jerusalém. Mas González diz que esta é uma tradição “... errônea, porquanto atribui a Tiago o título de bispo, [porém] parece estar correta em afirmar que ele foi o primeiro chefe da igreja de Jerusalém” (Ibidem: p. 35).
Pela referência de Atos 21.18 parece que nenhum dos antigos apóstolos residia quando Paulo se preparava para ir à Roma, mas antes, em Jerusalém, foi com um grupo de discípulos à casa de Tiago. Depois, em 62, Tiago é morto por apedrejamento “... às mãos do sumo sacerdote Anano durante o interregno após a morte do procurador Festo em 61 D.C.” (Josefo, Antiguidades xx.9. In: DOUGLAS, org. Vol. III, Op. Cit., p. 1609).
Ao que parece, este interregno registrado por Flávio Josefo ocorreu em 61 e logo depois foi a morte de Tiago, em 62. Lucas cita este Festo, como sucessor de Félix, afirmando que “... passados dois anos [depois do encontro de Paulo com o mesmo], Félix teve por sucessor a Pórcio Festo; e, querendo Félix comprazer aos judeus, deixou a Paulo preso” (Atos 24.27). Na sequência, Lucas registra que Paulo apelou para César, usando sua condição de cidadão romano para fugir dos judeus (Atos 25.1-17).
Quanto ao governo da igreja de Jerusalém, após a morte de Tiago, González afirma que “... aquela antiga igreja continuou sendo dirigida pelos parentes de Jesus, e a chefia passou a Simeão, que pertencia à mesma linhagem” (GONZÁLEZ: 1995, p. 36).

3.  Notas sobre a epístola de Tiago
Sobre a epístola de Tiago e seu autor, queremos apenas destacar:
§  O nome Jesus aparece em apenas dois versículos de sua epístola (Tg 1.1 e 2.1).
§  O documento não recebeu reconhecimento geral senão no quarto século.
§  Enquanto Lutero achava que esta epístola contradiz o ensino de Paulo sobre a justificação (Tg 2.17), chamando-a de “... ‘epístola de palha’ ela tem um valor teológico incontestável. Reencontramos nela certos acentos do Sermão do Monte (Mat. 5.1-7; Luc. 6.20-49), e sobretudo uma preocupação real pelos pobres. Por si só, não nos daria uma ideia da mensagem cristã, mas ela tem seu lugar ao lado dos outros escritos do Novo Testamento” (destaque, negrito no original) (CULMANN, 1984: p. 94).
§  A epístola foi escrita num estilo judaico (escrita por um judeu) de ensino moral.  Estilo “parênese”, ensino em exortação moral e de sabedoria popular.
§  Mas Tiago demonstra conhecer muito bem, além do hebraico, também o grego. Vejamos um pouco das semelhanças, no grego, entre sua epístola e o seu discurso feito por ocasião do Concílio de Jerusalém:
ð  Tiago 1.1 comparado com Atos 15.23: referência às tribos dispersas em ambos os textos;
ð  Tiago 1.27 comparado com Atos 15.14: deixar a corrupção do mundo / Deus olhou para as nações para tirar delas um povo...
ð  Tiago 2.5 comparado com Atos 15.13: “Ouçam, meus amados irmãos” / “Irmãos, ouvi-me”. Saudações idênticas.
ð  Tiago 2.7 comparado com Atos 15.17: a expressão “invocar” o nome de Deus em ambos os textos...
§  Tiago é considerado um segundo Amós ao denunciar os ricos (5.1-6). Além disso, emprega vários outros exemplos e personagens do Antigo Testamento e poucos exemplos de Jesus em seu texto. Mas isto era natural na época em que o A.T. era a Bíblia dos crentes primitivos.
Em suma, conforme salientou Calvino, a epístola de Tiago “... apresenta instruções sobre numerosos assuntos, todos os quais são importantes para a vida cristã, tais como ‘paciência, oração a Deus, a excelência e o fruto da verdade celeste, a humildade, os deveres santos, a restrição da língua, o cultivo da paz, a repressão das concupiscências, o desprezo pelo mundo, e coisas semelhantes’” (In: DOUGLAS, Op. Cit., p. 1610). O certo é que Tiago nos conclamam a fortalecermos o nosso coração e aguardarmos a vinda Senhor” que está próxima (5.7-8), como todo cristão tem que fazer.

Considerações finais
Procurei falar, em poucas palavras sobre Tiago, irmão do Senhor, como sendo de fato “irmão” consanguíneo de Jesus e mais novo do que ele, por parte de José e Maria. No entanto, como já enfatizei, mesmo que estas informações, defendidas por uma grande galeria de teólogos e historiadores não sejam (ou não fossem) realidade, a verdade “maior” que é a mensagem de sua epístola e o plano de salvação em Cristo não são alteradas. Também acreditamos que não há nenhum demérito à Maria, mulher judia, ter tido outros filhos além de Jesus (virginitas ante partum), assim como não há problema algum para a história do Cristianismo a questão de Tiago, que acreditamos ter sido “irmão do Senhor”, ter sido, pelo contrário, um parente de Jesus. Porém, asseguramos que houve um grande esforço para defender a “virgindade perpétua” de Maria (virginitas post partum), como Jerônimo, por exemplo, o fez, interferindo, com isto, nas interpretações dos fatos.
Em relação à liderança de Tiago da igreja de Jerusalém, o que a tradição o coloca como “bispo” da mesma, demonstra a grande influência de Tiago na cristandade e até certo ponto, entra em choque com a Igreja Católica ao defender a primazia de Pedro. E sobre sua epístola, destaco o fato de seus ensinamentos sobre as “obras”, ao invés de contradizerem a Paulo em relação à justificação pela fé ela reforça, na verdade, o fato de o cristão exteriorizar sua fé através de suas ações.

Referências bibliográficas:

CULMANN, Oscar. A formação do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal (RS), 1984.
OUGLAS, J.D. (Org.). O Novo Dicionário Bíblia, Vol. I, II e III. São Paulo: Vida Nova, 1979.
GONZÁLEZ, Justo L. E até os confins da Terra: uma história ilustrada do cristianismo, Vol. 1 – A Era dos mártires. São Paulo: Vida Nova: 1995.
SHEDD, Dr. Russel P. (Editor). O novo Comentário da Bíblia, Vol. I e II, São Paulo: Vida Nova, 1983 (reimpressão).

Notas:




[1] Há divergências entre uma versão bíblica e outra a respeito deste Tiago, no texto de Lucas 6.16. A Bíblia Católica da Editora Ave Maria, por exemplo, cita-o como sendo o Tiago, “irmão de Judas”, enquanto algumas versões protestantes (Cf. a Bíblia com anotações de Dr. C. I. Scofield, por eexemplo) refere-se a ele como “pai de Judas” e outras ainda colocam como “irmão” ou “pai” de Judas. Não confundir este Judas com o Iscariotes. Havia dois Judas, um que era o Iscariotes, o traidor, e o outro, também apóstolo, conhecido como Tadeu (Cf. Mt 10.3; Mc 3.18 e Jo 14.22). A referência de Atos 1.13 cita “... Judas, filho de Tiago”. Mas, aqui também a Bíblia Católica coloca o Tiago como “irmão” e não “pai” de Judas...   
[2] BÍBLIA Católica Online CNBB. Disponível em: <http://www.pr.gonet.biz/biblia.php?submit=Ler&ATNT=1&Book=48&Chapter=2&versao=1&simples=1&biblia2=0&head=1>. Acesso em 09/02/2016.
[3] BÍBLIA online (versão protestante). Esta posição fica ainda mais clara na versão católica, destacada anteriormente – Nota 2, vejamos: “E não teve relações com ela até o dia em que deu à luz o filho, ao qual ele pôs o nome de Jesus.” (Grifo meu). Disponível em: <http://www.pr.gonet.biz/biblia.php>. Acesso em 09/02/2016.

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Veja também:

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