Tiago, irmão do Senhor, foto adaptada,
disponível no youtube
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O Novo Testamento cita quatro pessoas com o nome de Tiago. Dois deles, pouco
conhecidos, são o Tiago, pai de Judas[1] (não o
Iscariotes), conforme citações como Lucas 6.16 e Atos 1.13, e Tiago, filho de
Alfeu, um dos apóstolos de Cristo, conhecido como “o menor” (cf. Mateus 10.3; Atos 1.13; Marcos 15.40).
Queremos enfatizar em dois artigos, os outros dois Tiago, sendo
um deles, neste artigo, o Tiago, irmão
do Senhor, e em outro momento, o Tiago Maior, irmão de
João, o outro apóstolo. Este último Tiago e o apóstolo João eram filhos de Zebedeu.
1. Tiago: irmão ou
primo de Jesus?
O Novo Testamento registra textualmente algumas pessoas
como sendo irmãos de Jesus. Por exemplo, em Mateus 13.55-56 lemos: “Não é este [Jesus] o filho do carpinteiro? E
não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E
não estão entre nós todas as suas irmãs? De onde lhe veio, pois, tudo isto?”
Portanto, é sobre um destes irmãos de Jesus chamado Tiago que estamos falando.
Há pelo menos três explicações para a expressão “irmãos de Jesus”:
a) Os “irmãos de Jesus”
eram filhos mais novos de José e Maria, posição defendida pela maioria
protestante e defendida neste artigo. Sua base de sustentação teológica são
inferências de expressões como “primogênito” (primeiro) em relação a Jesus em
textos como, por exemplo, Lucas 2.7: “Ela
[Maria] deu à luz o seu filho primogênito,
envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para
eles na hospedaria”[2]
e “até que...” em Mateus 1.25,
indicando que após o nascimento de Jesus, Maria e José tiveram relações
maritais normais de um casal. Veja: “E
não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs
–lhe o nome de Jesus”. (Grifos meus)[3].
Ou seja, esta posição defende que após o nascimento de Jesus, seus pais
terrenos, José e Maria, tiveram vida sexual ativa (como qualquer outro casal) e
estes “irmãos de Jesus” foram frutos desta união. Esta posição “... foi fortemente advogada por Helvidius, no
século IV, mas veio a ser repudiada herética à luz da doutrina, cada vez mais
atrativa conforme o movimento ascético se foi desenvolvendo, de que Maria
sempre foi virgem” (DOUGLAS
(Org.), Vol. II, p. 754).
b) Os “irmãos de Jesus”
eram filhos de José com outra esposa anterior à Maria, posição defendida pelo
clero da Igreja Ortodoxa Oriental. Neste caso, estes (meio) irmãos de Jesus
eram mais velhos do que ele.
c) Os “irmãos de Jesus”
eram, na verdade, “primos” dele, posição defendida pela Igreja Católica Romana.
Sua base teológica está fundamentada em argumentos como:
- em João 19.25 (no momento da crucificação de Cristo havia não quatro,
mas três mulheres de pé, perto da cruz, “... a saber, Maria, a mãe de Jesus, sua irmã, identificada com ‘Maria de
Clopas’, e Maria de Magdala” (Ibidem: p. 754)...
- a segunda Maria – Maria de Clopas –
é idêntica à Maria da passagem de Marcos 15.40 (E também ali estavam algumas mulheres, olhando de longe, entre as quais
também Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e Salomé)...
- esse Tiago, o menor, é o apóstolo chamado de “filho de Alfeu”, em Marcos
3.18.
- a segunda Maria em João 19.25 era casada com Alfeu...
A questão é, se a
Maria, descrita como ‘de Clopas’, que presumivelmente significa ‘esposa de
Clopas’, não poderia ser esposa de Alfeu que subtende, na lógica, ser esposa de
Alfeu. Este (Alfeu) e Clopas eram a mesma pessoa? Jerônimo, o grande defensor
desta doutrina “... admitiu sua
ignorância. Tal teoria exigiria que Clopas é outro nome de Alfeu, ou que essa
Maria foi casada por duas vezes. Por essa exegese engenhosa mas
não-convincente, Jerônimo reduziu o número de homens chamados Tiago, no Novo
Testamento, a dois – o filho de Zebedeu, e Tiago, irmão do Senhor, o qual seria
também um apóstolo e conhecido como ‘o menor’. (Ibidem: p. 754/755).
Bem, não queremos transformar estas
questões – dos irmãos de Jesus e entre eles, a pessoa de Tiago – em um cavalo
de batalha, uma vez que qualquer que seja, correta, a explicação ou defesa
acima não diminui em nada o plano de salvação e a doutrina acerca de Jesus,
pois esta é quase unânime entre os cristãos em geral. Mas, como protestante
ficarei com a primeira questão: Tiago era irmão mais novo de Jesus, por parte
de Maria e José seus pais.
2. Tiago: líder da Igreja Judaica
No evangelho de João (7.5) está escrito sobre Jesus, que “... nem mesmo os seus irmãos acreditavam nele”.
Muitos estudiosos protestantes são de opinião de que era este o motivo de Jesus
entregar sua mãe aos cuidados do apóstolo João antes de sua morte (João 19.26).
Porém, após sua ressurreição e na reunião de preparação para o Pentecostes, já encontramos
entre os presentes, Maria, sua mãe, e também seus irmãos (Atos 1.14). Ao que
muitos supõem que após a morte de Jesus, seus irmãos entenderam que de fato
Jesus era o Messias.
Porém a Tiago, especificamente, encontramos uma referência em 1Coríntios
(15.7): “Depois [de ser visto por
mais de quinhentos irmãos], foi visto por
Tiago, depois, por todos os apóstolos”. Observe que este Tiago que aparece aqui
não é contado entre os apóstolos, portanto, deduz-se que não era nem o Tiago,
filho de Zebedeu nem o Tiago, filho de Alfeu. Um outro irmão de Jesus, chamado Judas, também deve ter tido uma chamada
especial dele, pois tornou-se também autor de uma epístola, a que leva o seu
nome, onde ele se identifica como sendo “irmão
de Tiago” (Judas 1), porém com estilo literário bem diferente de seu irmão.
Este Tiago, após a visita ou encontro especial com Jesus (1Coríntios
15.7) tornou-se um dos líderes atuantes da Igreja Cristã judaica.
Nosso Senhor
apareceu a um Tiago, depois da ressurreição (1Cor. 15:7) e, se bem que não
esteja declarado, parece seguro admitir que se trata do Tiago seu irmão. À luz
de Mat. 13:55 e João 7:5 podemos concluir que, fossem os últimos acontecimentos
da vida de nosso Senhor, fosse Sua morte, ou essa aparição depois de
ressurreto, algum desses fatos contribuiu para a conversão dele (SHEDD, Vol. II:
1983, p.1387).
O apóstolo Paulo que se converteu algum tempo depois, diz que atendendo
ao chamado de Deus, foi a Jerusalém, onde viu a Pedro e a “Tiago, irmão do Senhor” (Gálatas 1.19). Depois de conhecer a
liderança da igreja judaica, Paulo afirma que Tiago era uma de suas “colunas”,
juntamente com Cefas (Pedro) e João (Gálatas 2.9).
O historiador e teólogo Justo L. GONZÁLEZ destaca a perseguição dos
judeus contra os cristãos em Jerusalém (Atos 12) e Tiago, irmão de João e filho
de Zebedeu, é morto à espada, por ordem de Herodes Agripa, no ano 44. Depois disto Pedro também é preso, mas
milagrosamente solto da prisão (Atos 12.11) e, na casa de Maria, mãe de João
Marcos, onde estava havendo uma reunião de oração por ele, Pedro conta o fato e
pede que o informa “... a Tiago e aos
irmãos” (Atos 12.17). Portanto, nesta época, Tiago, irmão do Senhor, apesar
de não ser um dos doze apóstolos, “... havia
se unido ao número dos discípulos, onde logo gozou de grande prestigio e
autoridade” (GONZÁLEZ: 1995, p. 35). E com o tempo, ele torna-se o primeiro
“bispo” de Jerusalém. Mas González diz que esta é uma tradição “... errônea, porquanto atribui a Tiago o título
de bispo, [porém] parece estar
correta em afirmar que ele foi o primeiro chefe da igreja de Jerusalém”
(Ibidem: p. 35).
Pela referência de Atos 21.18 parece que nenhum dos antigos apóstolos
residia quando Paulo se preparava para ir à Roma, mas antes, em Jerusalém, foi
com um grupo de discípulos à casa de Tiago. Depois, em 62, Tiago é morto por
apedrejamento “... às mãos do sumo
sacerdote Anano durante o interregno após a morte do procurador Festo em 61
D.C.” (Josefo, Antiguidades xx.9. In: DOUGLAS, org. Vol. III, Op. Cit., p.
1609).
Ao
que parece, este interregno registrado por Flávio Josefo ocorreu em 61 e logo depois
foi a morte de Tiago, em 62. Lucas cita este Festo, como sucessor de Félix,
afirmando que “... passados dois anos
[depois do encontro de Paulo com o mesmo], Félix
teve por sucessor a Pórcio Festo; e, querendo Félix comprazer aos judeus,
deixou a Paulo preso” (Atos 24.27). Na sequência, Lucas registra que Paulo
apelou para César, usando sua condição de cidadão romano para fugir dos judeus (Atos
25.1-17).
Quanto
ao governo da igreja de Jerusalém, após a morte de Tiago, González afirma que
“... aquela antiga igreja continuou sendo
dirigida pelos parentes de Jesus, e a chefia passou a Simeão, que pertencia à
mesma linhagem” (GONZÁLEZ: 1995, p. 36).
3. Notas sobre a
epístola de Tiago
Sobre
a epístola de Tiago e seu autor, queremos apenas destacar:
§ O
nome Jesus aparece em apenas dois versículos de sua epístola (Tg 1.1 e 2.1).
§ O
documento não recebeu reconhecimento geral senão no quarto século.
§ Enquanto
Lutero achava que esta epístola contradiz o ensino de Paulo sobre a
justificação (Tg 2.17), chamando-a de “...
‘epístola de palha’ ela tem um valor teológico incontestável. Reencontramos
nela certos acentos do Sermão do Monte (Mat. 5.1-7; Luc. 6.20-49), e sobretudo
uma preocupação real pelos pobres. Por si só, não nos daria uma ideia da
mensagem cristã, mas ela tem seu lugar ao
lado dos outros escritos do Novo
Testamento” (destaque, negrito no original) (CULMANN, 1984: p. 94).
§ A
epístola foi escrita num estilo judaico (escrita por um judeu) de ensino
moral. Estilo “parênese”, ensino em
exortação moral e de sabedoria popular.
§ Mas
Tiago demonstra conhecer muito bem, além do hebraico, também o grego. Vejamos
um pouco das semelhanças, no grego, entre sua epístola e o seu discurso feito
por ocasião do Concílio de Jerusalém:
ð Tiago
1.1 comparado com Atos 15.23: referência às tribos dispersas em ambos os
textos;
ð Tiago
1.27 comparado com Atos 15.14: deixar a corrupção do mundo / Deus olhou para as
nações para tirar delas um povo...
ð Tiago
2.5 comparado com Atos 15.13: “Ouçam,
meus amados irmãos” / “Irmãos, ouvi-me”. Saudações idênticas.
ð Tiago 2.7 comparado com Atos 15.17: a expressão
“invocar” o nome de Deus em ambos os textos...
§ Tiago
é considerado um segundo Amós ao denunciar os ricos (5.1-6). Além disso,
emprega vários outros exemplos e personagens do Antigo Testamento e poucos
exemplos de Jesus em seu texto. Mas isto era natural na época em que o A.T. era
a Bíblia dos crentes primitivos.
Em
suma, conforme salientou Calvino, a epístola de Tiago “... apresenta instruções sobre
numerosos assuntos, todos os quais são importantes para a vida cristã, tais
como ‘paciência, oração a Deus, a excelência e o fruto da verdade celeste, a
humildade, os deveres santos, a restrição da língua, o cultivo da paz, a
repressão das concupiscências, o desprezo pelo mundo, e coisas semelhantes’”
(In: DOUGLAS, Op. Cit., p. 1610). O certo é que Tiago nos conclamam a
fortalecermos o nosso coração e aguardarmos a vinda Senhor” que está próxima (5.7-8), como todo cristão tem que fazer.
Considerações
finais
Procurei falar, em poucas palavras sobre Tiago, irmão do Senhor, como
sendo de fato “irmão” consanguíneo de Jesus e mais novo do que ele, por parte de
José e Maria. No entanto, como já enfatizei, mesmo que estas informações,
defendidas por uma grande galeria de teólogos e historiadores não sejam (ou não
fossem) realidade, a verdade “maior” que é a mensagem de sua epístola e o plano
de salvação em Cristo não são alteradas. Também acreditamos que não há nenhum
demérito à Maria, mulher judia, ter tido outros filhos além de Jesus (virginitas ante partum), assim como não
há problema algum para a história do Cristianismo a questão de Tiago, que
acreditamos ter sido “irmão do Senhor”, ter sido, pelo contrário, um parente de
Jesus. Porém, asseguramos que houve um grande esforço para defender a “virgindade
perpétua” de Maria (virginitas post partum), como Jerônimo,
por exemplo, o fez, interferindo, com isto, nas interpretações dos fatos.
Em relação à liderança de Tiago da igreja de Jerusalém, o que a tradição
o coloca como “bispo” da mesma, demonstra a grande influência de Tiago na
cristandade e até certo ponto, entra em choque com a Igreja Católica ao
defender a primazia de Pedro. E sobre sua epístola, destaco o fato de seus
ensinamentos sobre as “obras”, ao invés de contradizerem a Paulo em relação à
justificação pela fé ela reforça, na verdade, o fato de o cristão exteriorizar
sua fé através de suas ações.
Referências bibliográficas:
CULMANN,
Oscar. A formação do Novo Testamento.
São Leopoldo: Sinodal (RS), 1984.
OUGLAS,
J.D. (Org.). O Novo Dicionário Bíblia,
Vol. I, II e III. São Paulo: Vida Nova, 1979.
GONZÁLEZ, Justo L. E até os confins da Terra: uma história
ilustrada do cristianismo, Vol. 1 – A Era dos mártires. São Paulo: Vida
Nova: 1995.
SHEDD, Dr. Russel P. (Editor). O novo Comentário da
Bíblia, Vol. I e II, São Paulo: Vida Nova, 1983 (reimpressão).
Notas:
[1] Há divergências entre uma versão bíblica e outra a
respeito deste Tiago, no texto de Lucas 6.16. A Bíblia Católica da Editora Ave
Maria, por exemplo, cita-o como sendo o Tiago, “irmão de Judas”, enquanto algumas
versões protestantes (Cf. a Bíblia com anotações de Dr. C. I. Scofield, por
eexemplo) refere-se a ele como “pai de Judas” e outras ainda colocam como
“irmão” ou “pai” de Judas. Não confundir este Judas com o Iscariotes. Havia
dois Judas, um que era o Iscariotes, o traidor, e o outro, também apóstolo,
conhecido como Tadeu (Cf. Mt 10.3; Mc 3.18 e Jo 14.22). A referência de Atos
1.13 cita “... Judas, filho de Tiago”. Mas, aqui também a Bíblia Católica coloca
o Tiago como “irmão” e não “pai” de Judas...
[2]
BÍBLIA
Católica Online CNBB. Disponível em:
<http://www.pr.gonet.biz/biblia.php?submit=Ler&ATNT=1&Book=48&Chapter=2&versao=1&simples=1&biblia2=0&head=1>.
Acesso em 09/02/2016.
[3]
BÍBLIA
online (versão protestante). Esta posição fica ainda mais clara na versão
católica, destacada anteriormente – Nota 2, vejamos: “E não teve relações com ela até o dia em que deu à luz o filho, ao qual
ele pôs o nome de Jesus.”
(Grifo meu). Disponível em: <http://www.pr.gonet.biz/biblia.php>. Acesso
em 09/02/2016.
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Veja também:
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