Já vimos que Adão foi
colocado no Éden com o propósito de ser o mordomo de Deus. Mas o homem falhou
nesta sua tarefa de cuidar do jardim ao comer do fruto proibido. Esta falha é o
“errar ou desviar-se do alvo”, ou seja, aquilo que biblicamente é conhecida
como pecado. Mas o homem, como um
ser formado à imagem e semelhança de Deus continuou criando cultura com muita
habilidade, embora sua criação também tornou-se parcialmente falha, isto é, a cultura ou as culturas que seguem a partir de então
tomaram rumos diferentes do originalmente proposto que era o de servir aos
propósitos de Deus...
1. A queda do homem: algumas considerações
“Fez o SENHOR Deus
vestimenta de peles para Adão e sua mulher, e os vestiu. Então disse o SENHOR
Deus: Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal;
assim, para que não estenda a mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e
viva eternamente, o SENHOR Deus, por isso, o lançou fora, do jardim do Éden, a
fim de lavrar a terra de que fora tomado. E, expulso o homem, colocou querubins
ao oriente do jardim do Éden, e o refulgir de uma espada que se revolvia, para
guardar o caminho da árvore da vida” (Gn 3.21-24).
O capítulo três de Gênesis
trata da queda do casal Adão e Eva e de sua expulsão do jardim. Justo L.
GONZÁLEZ destaca alguns pontos baseados neste capítulo, sobre os quais queremos
fazer menção aqui. O primeiro deles é que mesmo antes da expulsão do casal do
jardim Deus lhes fez vestimentas de pele
(3.21) em sinal de sua compaixão. O casal foi tirado do jardim, mas com o selo
ou marca da compaixão de seu criador.
O segundo ponto a considerar
é que a expulsão de Adão e Eva do jardim não foi, necessariamente, um ato de maldição
ao casal e sim de compaixão. A transgressão foi cometida ainda no jardim e a
expulsão do mesmo ocorreu para que ele não
tomasse da árvore da vida
e vivesse eternamente (3.22). O viver eternamente naquele estado pressupunha
ficar também eternamente privado da esperança de redenção. A árvore, cujas
folhas são “para a cura dos povos”
(Ap 22.2-3), aparecerá novamente no futuro como prova da redenção do homem
através de Cristo.
O terceiro ponto a destacar
é o fato de a queda cooperar para a sujeição
entre os seres humanos, situação que tem permeado todas as culturas a partir de
então. A criação de mulher, uma varoa (Gn 2.18) foi para que esta tornasse
auxiliadora ou adjutora do homem. E esta tarefa – ajudar ou auxiliar – não
tinha relação com o servilismo ou submissão que surgiu depois disto. A mulher
foi criada para estar ao lado do homem: “... como diante dele” (Gn 2.18-ARC). Mas a partir da queda, Adão dá o
nome de Eva (a mãe de todos os seres
vivos) à sua mulher (Gn 3.20) e sobre ela passa também a exercer seu governo.
Portanto, a ideia de uns exercerem domínio sobre outros começa logo após a
queda do homem, segue por toda a história e está presente em todas as culturas.
O quarto ponto a destacar
ainda em relação à queda do homem em Genesis 3 é a “maldição da terra” (Gn
3.17-19). A partir disto, o cultivo (palavra similar à cultura) da terra passou
a ser um grande desafio para o homem. Cultivar a terra, a partir da queda do
homem, significava lutar constantemente contra elementos da própria natureza
que dificultava a própria existência da vida humana.
Mas, apesar de tudo,
isso não significa que o fato de haver cultura é mau em si mesmo, nem que as
culturas são más em si mesmas. Quer dizer simplesmente que as culturas, como
toda realidade humana, foram distorcidas pelo pecado e que, portanto, como toda
realidade humana, se acham carentes de redenção (GONZÁLEZ: 2011, p. 65-66).
2. O selo do pecado nas culturas
“Uma vez que o homem
é criatura de Deus, parte de sua cultura é rica em beleza e bondade. Pelo fato
de o homem ter caído, toda a sua cultura (usos e costumes) está manchada pelo
pecado e parte dela é de inspiração demoníaca” (Pacto de Lausanne, § 10).
Por que o mundo está deste
jeito? É a pergunta que fazemos hoje. Sabemos pela revelação bíblica que a
resposta está na origem do pecado cometido por Adão e a partir dele todos seus
descendentes também pecaram (Rm 5.12). Ou seja, as culturas já foram sendo
criadas com a marca ou selo do pecado. E este selo é percebido nas práticas
internas das culturas, em suas organizações, na forma como justificam a
opressão e a injustiça e até na maneira como uma cultura se impõe sobre outras.
“Assim como, por causa do pecado, o ser
humano vê o outro ser humano como objeto de exploração e vê a terra como
inimiga renitente da qual tem de extrair o sustento, da mesma maneira, também
por causa do pecado, cada cultura vê as demais como parte de um ambiente hostil
e, portanto, como adversário que se deve eliminar ou absorver” (Ibidem: p.
69-70).
O etnocentrismo, conceito em que um indivíduo vê o outro a partir de
sua própria cultura, mas ao mesmo tempo o julga por considerá-lo como parte de
uma cultura “inferior”, é um das consequências do pecado que permeia todas as
culturas. O outro, ao ser visto como adversário precisa ser vencido, assim como
também a sua cultura. Isto demonstra o elemento de egocentrismo e de auto-adoração
existente no âmago de toda cultura. Na verdade, até o conceito de pecado varia
de uma cultura para outra. E o julgamento que alguém faz das ações consideradas
certas ou erradas por parte de indivíduos de outras culturas também varia. O
que é completamente natural em uma cultura pode ser visto como errado em outra.
E assim, a forma de definir ou distinguir as culturas é marcada por limites culturais. “Toda cultura é uma realidade de limites
imprecisos, e o modo como esses limites são definidos tem muita relação com o
pecado” (Ibidem: p. 73). Mas, por serem estes limites, imprecisos, não se
pode definir de modo objetivo e cientifico a que cultura uma pessoa pertence.
O Rev. Paulo SIMÕES, em seu
artigo “O pecado e seus efeitos na cultura”, afirma que “... apesar da queda, o ser humano não se tornou
algo inferior ao próprio homem, ou seja, não perdeu sua humanidade, não se
tornou um animal ou um diabo. Continuou sendo um ser espiritual dotado de
corpo, continuou emotivo, bípede, mamífero e dependente da relação entre homem
e mulher para perpetuar a espécie”. Só que se tornou alienado e depravado. Seu
relacionamento com Deus tornou-se causa de vergonha e estranho até para si
mesmo.
A cultura perdeu seu
verdadeiro fim depois da queda do homem, que era o amor e o serviço a Deus. E o
pecador é incapaz de distinguir entre beleza falsa e beleza verdadeira. Hoje há
a demasiada valorização da arte e
até “... uma substituição de Deus pela
arte. A arte se torna a religião, e o produto desses novos sacerdotes, algo
sagrado” (SIMÕES).
Além da arte, a tecnologia de modo geral, procura
também ocupar o papel de substituto de Deus na sociedade. Como exemplos, Simões
cita os construtores da Torre de Babel (Gn 11.1-9) e Nabucodonosor (Dn 4). Suas
tecnologias serviram para a glorificação de si mesmos, ou seja, de quem as criaram.
Estas e outras são tecnologias que não buscam a glória de Deus, mas a do homem.
É neste sentido que González (Op. Cit.) interpreta as palavras da serpente em
Gênesis 3.5, “sereis deuses”, como a
tentativa de fazer Adão e Eva crerem que não eram “imagem e semelhança de
Deus”, conforme Deus mesmo tinha dito (Gn 1.26). Portanto, através das artes e
das tecnologias, os homens sem Deus procuram pôr em prática as palavras da
serpente: “sereis deuses”. Assim, a cultura que pode ser boa e bela, mas por ser
carregada do selo do pecado torna-se instrumento deste e coopera para o
distanciamento do Criador...
Concluímos, então, que o
homem, como ser racional, que não perdeu sua humanidade nem suas faculdades,
por causa do pecado, sua criação, a cultura, precisa ser influenciada pelo
padrão justo e correto, a Palavra de Deus, que é a base para que a humanidade
reconheça os caminhos e a direção a seguir: sua volta ao Criador através de
Cristo, o Segundo Adão que não conheceu pecado nem seus efeitos na cultura.
Referências bibliográficas:
GONZÁLEZ,
Justo L. Cultura & Evangelho: o lugar
da cultura no plano de Deus. São Paulo: Hagnos, 2011.
O EVANGELHO e a
Cultura.
Série Lausanne e Visão Mundial. São Paulo: ABU Editora, 1985.
SIMÕES,
Pr. Paulo. O pecado e seus efeitos na
cultura.
Disponível em: <http://pastorpaulosimoes.blogspot.com.br/2015/10/o-pecado-e-seus-efeitos-na-cultura.html>.
Acesso em 14/11/2017.
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