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19 fevereiro 2020

O homem e a cultura: breves considerações antropo-teológicas


Com este Post pretendo iniciar alguns estudos sobre a relação entre a Cultura e o Cristianismo. Quero, portanto, começar por conceituar cultura como uma atividade intrinsecamente humana, mas levando em considerações a origem divina do homem na criação…


1. O homem X Cultura
“Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra” (Gn 1.26)
O que é o homem? Determinadas atividades só são aplicadas e feitas pelo homem. Com efeito, podemos afirmar ser ele, um animal político; animal que trabalha; animal espiritual; o único que consegue se socializar; o único que sabe distinguir entre o bem e o mal, o certo e o errado… mas também o único animal cultural…
Num outro trabalho nosso, já vimos que a cultura é toda criação ou invenção humana, seja ela material ou imaterial, que é socializada pelos membros de uma sociedade. As invenções materiais estão relacionadas, em sua origem, principalmente ao fato da necessidade de criação de objetos para melhor fixação e uso do campo por parte dos seres humanos. Aliás, o próprio conceito de cultura está ligado com o sentido etimológico de “cultivo” do campo ou território, ou seja, a criação de objetos agropastoris para uso na sua atividade econômica, a agricultura, e a criação de animais. O ser humano é o único que possui cultura e é este o principal aspecto que o diferencia dos animais irracionais. Foi criando meios de sobrevivência que o homem conseguiu romper com suas próprias limitações, passou a exercer maior domínio sobre a natureza e a distanciar-se cada vez mais do mundo animal. Conceito, obviamente, puramente antropológico e especialmente tratando do homem após sua queda.
Mas são as invenções imateriais como conhecimento, ideias, crenças, ritos, tradições etc, as que mais caracterizam o homem como um ser hábil, racional, espiritual… Como vimos acima, o homem foi criado por Deus, dotado de inteligência e capaz de exercer domínio sobre o seu habitat. Toda sorte de animais e elementos naturais estão sob o domínio do homem. Ao criá-lo, Deus dotou-o de:
  • Racionalidade: emprego do raciocínio na criação dos meios de sobrevivência ou resolução de problemas…;
  • Sociabilidade: capacidade de convivência em sociedade;
  • Moralidade: consciência no saber entre o naturalmente certo e errado e a capacidade de escolher o certo, ético, moral;
  • Criatividade: capacidade de criar situações segundo suas necessidades;
  • Espiritualidade: o que existe no homem além do corpo físico e material, ligado à razão ou espírito do homem e que o leva a se comunicar com Deus.
Com estes atributos, o homem em sua posição original (antes da queda) podia glorificar a Deus e servir uns aos outros na Terra. “… Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a…” (Gn 1.28), são mandamentos de Deus para o homem ainda no jardim. E “… esses mandamentos divinos são a origem da cultura humana. O fundamental à cultura é o controle da natureza… e o desenvolvimento de formas de organização social” (GONZÁLEZ, p. 8). O homem foi a coroa da criação de Deus. Veja as palavras de Davi em relação ao homem, no Salmo 8.3-6: “Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, e a lua e as estrelas que preparaste: que é o homem mortal para que te lembres dele? E o filho do homem, para que o visites? Contudo, pouco menor o fizeste do que os anjos e de glória e de honra o coroaste. Fizeste com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés”. Como veremos num outro momento, o homem perdeu esta posição após a queda. Com o tempo, porém, o Segundo Adão, homem perfeito e redentor, assumiu esta posição (de homem), tornando-se “um pouco menor do que os anjos” (Hb 2.7).
O homem foi designado para ser a imagem de Deus com respeito  à soberania; e como ninguém pode ser monarca sem súditos e sem reino, Deus deu-lhe tanto um ‘império’ como um ‘povo’ (…) Em virtude dos poderes implícitos em ser o homem formado à imagem de Deus, todos os seres viventes sobre a terra estavam entregues na sua mão. Ele devia ser o representante visível de Deus em relação às criaturas que o rodeavam (PEARLMAN: 1978, p. 81)
2. Cultura e criação: o homem como mordomo de Deus
“E plantou o SENHOR Deus um jardim no Éden, na direção do Oriente, e pôs nele o homem que havia formado” (Gn 2.8)
Se o homem cultiva, cria, trabalha etc., estas coisas ele aprendeu no Jardim do Éden. E se o homem também tem capacidade de pensar, raciocinar, distinguir entre o bem e o mal, possui consciência etc., isto ele recebeu de Deus, também no Éden. Portanto, o homem é um ser cultural e foi criado por Deus com este propósito. É por isso que é possível falar-se em “teologia da cultura”, por exemplo, por causa desta relação de “parentesco” entre Deus, o criador, e o homem, cuidador das coisas criadas. Ao receber em suas narinas o sopro da vida (Gn 2.7), o homem foi dotado de uma natureza capaz de conhecer, amar e servir a Deus. Até uma das palavras traduzidas por “homem” (anthropos) significa literalmente “aquele que olha para cima”.
O homem é criatura, mas uma criatura especial, que exerce domínio sobre os demais seres criados que estão no seu habitat. Justo L. GONZÁLEZ  (Op Cit) destaca que há dois modos de pensar esta relação entre a cultura e a criação. Uma, defendida pela maioria dos teólogos ocidentais, de que o Éden é o “propósito final” da criação, mas outros, como Irineu de Lião, defendem ser o Éden e as histórias do Gênesis como o “começo da criação”. Deus, neste caso, é entendido como aquele que criou todas as coisas do nada, isto é, criação “ex nihilo” e o homem, como o responsável por cuidar das coisas criadas e inventar outras a partir das existentes.
Nesta relação entre o Deus e o homem, este passou a ser um mordomo dAquele. Esta posição de mordomo que o homem ocupa na Terra implica autoridade e responsabilidade. O homem recebeu autoridade para cuidar do jardim e ainda no jardim. Depois disto, expulso do Éden e solto sobre a Terra, ele ocupa este papel de responsável sobre a natureza e as demais coisas criadas como aquele que recebeu autoridade durante a “ausência” do dono do Universo: Deus.
Além disto, o homem recebeu poderes da parte de Deus para cuidar de suas coisas, como mordomo, mas com limites, como a figura do dono de uma empresa que entrega sua empresa a seu administrador para que este o faça segundo os propósitos da empresa e dentro dos limites de sua autoridade. Embora o dono da empresa corra este risco, mas espera que seu mordomo cuide de seus bens com responsabilidade.
limite entre o que o homem poderia fazer ou não, pode ser ilustrado pela “… árvore do conhecimento do bem e do mal…” (Gn 2.17), cujos frutos os seres humanos não poderiam comer. Mas este limite foi desrespeitado, dando origem ao pecado no mundo, assunto do qual nos ocuparemos em outro momento. Por isto, parafraseando Irineu, González afirma: “o fato de haver cultura faz parte do plano de Deus; o problema está nos rumos que a cultura tomou” (GONZÁLEZ: 2011, p. 60).
Portanto, o homem como um ser inteligente, racional, criativo, moral, sociável etc. também é a imagem e semelhança de Deus. Por isso, é a criatura mais importante da terra e capaz de criar, modificar o que criou (inventou) e assim por diante. A cultura, neste caso, só é possível com a participação do homem. Mas o homem caiu desta sua posição. Embora continue sendo a criatura mais importante de Deus, ele passou a ser criador de cultura, em sua luta pela sobrevivência, como veremos no próximo post: Cultura e pecado…

Referências Bibliográficas
  • GONZÁLEZ, Justo L. Cultura & Evangelho: o lugar da cultura no plano de Deus. São Paulo: Hagnos, 2011.
  • O EVANGELHO e a Cultura. Série Lausanne e Visão Mundial. São Paulo: ABU Editora, 1985.
  • PEARLMAN, Myer. Conhecendo as doutrinas da Bíblia. São Paulo: Ed. Vida: 1978.

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