Quase não ouvimos falar e muitos de nós, brasileiros, até
desconhecíamos, o fato de que podemos ter participação direta nos destinos do
Brasil. É o que consta na Constituição de 1988. No Art.1º, diz: “Todo poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou DIRETAMENTE,
nos termos desta Constituição”[1].
É com base na expressão DIRETAMENTE, que a professora Benevides
desenvolveu sua pesquisa (veja Nota 2 abaixo).
Nos casos de Estados-nações com uma democracia consolidada, é muito
comum os povos de seus territórios serem consultados sobre suas opiniões acerca
de alguma nova lei ou medida a serem implantadas no país. Nos Estados Unidos,
por exemplo, a cada 2 anos, “… além das
eleições tradicionais para o Legislativo e o Executivo, o eleitorado é chamado
a votar em questões de interesse público, no plano estadual e local.”[2]
O termo democracia – governo do povo,
em nome do povo e para o povo – tem sua origem em Atenas, na Grécia Antiga, e
lá os cidadãos participavam diretamente da escolha do político, o governante da
polis.
Nos Estados democráticos contemporâneos, a democracia é representativa,
isto é, os cidadãos escolhem seus representantes e estes votam as leis que
interessam à sociedade.
Apesar de em Atenas o número de cidadãos ser muito reduzido – cerca de
10% da população – é importante destacar a importância da participação dos
mesmos. Neste contexto, Péricles[3] cita, por exemplo, em
seu discurso:
Os que participam do governo da cidade
(Atenas) mantem também as suas ocupações privadas, e os que se dedicam às suas
atividades profissionais podem manter-se perfeitamente a par das questões
públicas. Nós somos, de fato, os únicos a pensar que aquele que não se ocupa da
politica merece ser considerado não como um cidadão tranquilo, mas como um
cidadão inútil. Intervimos todos, pessoalmente, no governo da pólis, quer pelo
nosso voto, quer pela apresentação de propostas e ação. Pensamos, ao contrário,
que é perigoso passar aos atos antes que a discussão tenha esclarecido sobre o
que se deve fazer. (Parte
do discurso de Péricles. In: BENEVIDES, 1996. p. 3).
Observe que para o legislador ateniense os cidadãos podiam ser, ao mesmo
tempo, profissionais (trabalhadores em suas áreas de atuação) e políticos. E
era, inclusive, considerado “cidadão inútil” aquele que não tivesse antenado
com as questões de interesse público.
Bem, continuando a possibilidade do exercício direto do povo nos
destinos do nosso país, pretendo destacar três formas de como as pessoas podem
fazer uso dessa participação: por meio de Plebiscito, por meio de referendo e
por meio da iniciativa popular.
1. Plebiscito:
O plebiscito tem sua origem na Roma Antiga, relacionada à Plebe. Os
plebeus eram uma classe composta de homens e mulheres livres, que praticavam o
comércio, o artesanato e a agricultura, mas não eram considerados cidadãos
romanos durante o período monárquico
(753 – 509 a.C.). Mas no período seguinte, o republicano (509 – 27 a.C.), eles conquistam o direito de eleger
seus representantes, os chamados Tribunos da Plebe. Estes tribunos poderiam
propor plebiscitos, decretos da plebe, passados em comícios e válidos, inicialmente,
apenas para a sua classe e que se tornariam a decisão “soberana” da plebe,
mediante o voto.
Com o tempo, o plebiscito passou a ser um instrumento político utilizado
em todo o mundo. Entre nós, o “… plebiscito
seria uma consulta ‘de caráter geral’, ou pronunciamento popular sobre fatos ou
eventos” (BENEVIDES, 1996, p.35.). Desta
forma, podemos afirmar que o plebiscito é uma consulta feita ao povo antes de
uma lei ser constituída. O povo é que determina se as opções – perguntas – que
lhe estão sendo propostas devem ser aprovadas ou rejeitadas.
A base para a convocação de plebiscito no Brasil é o artigo 14 de nossa
Constituição:
A
soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, e, nos
termos da lei, mediante:
I –
plebiscito;
II –
referendo
III – iniciativa popular.
Por quem e quando o plebiscito deve
ser convocado?
Como já vimos, o plebiscito ocorre mediante o voto direto dos eleitores
quando houver a necessidade de aprovar ou rejeitar questões relevantes para a
sociedade antes da existência de
leis que as definem. Quem propõe a convocação de um plebiscito é o Congresso
Nacional, composto de duas câmaras (casas): a dos Deputados e a do Senado
Federal.
Como podemos ver o Presidente da República não tem autonomia para
convocar plebiscito, no máximo, o Executivo pode propor ao Legislativo que o
faça.
Como funciona?
“É convocado por decreto legislativo da Câmara ou do
Senado, com proposta que deve ser assinada por no mínimo um terço dos deputados
(171) ou de um terço dos senadores (27). A medida deve ser aprovada em cada uma
das Casas por maioria absoluta (metade mais um de todos os parlamentares). Na
Câmara, são necessários 257 votos favoráveis. No Senado, 41. O referendo pode
ser convocado em trinta dias a partir da lei ou medida administrativa. Depois
da votação, o resultado é homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral. O
processo ocorre como numa campanha eleitoral, com tempo de rádio e TV e
possibilidade de distribuição de panfletos.”[4]
Dependendo do resultado, pode haver alteração na Constituição. Neste
caso, o Congresso precisará aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição),
para regulamentar o aspecto legal do plebiscito.
Exemplos de plebiscitos aplicados
no Brasil:
§ Em 1963 – mudança de regime de
governo:
Durante o governo João Goulart
os militares adotaram o parlamentarismo como
forma de governo, para limitar os poderes do presidente. Este assume o poder em
1961, com a promessa de que haveria um plebiscito, uma consulta ao povo, acerca
da continuidade ou não do sistema, ora implantado. Este plebiscito estava
previsto para 1965, mas foi antecipado para 1963, e a decisão do povo foi o
retorno ao presidencialismo.
§ Em 1985 – emancipação (ou não) de
Santo Amaro, da cidade de São Paulo:
A Constituição prevê a criação de novos
estados ou municípios, mediante plebiscito, conforme o seu Artigo 18 § 4º. Foi
o que aconteceu em 15 de setembro de 1985. Naquele ano, fomos (eu também) às
urnas, em plebiscito, para votarmos sobre a proposta de emancipação ou não de
Santo Amaro, da capital de São Paulo. Esta ideia interessava a muitos
empresários da região, mas dos 60.383 moradores que votaram, 56.232 rejeitaram
a proposta[5].
§ Em 1993 – mudança ou manutenção de
regime e sistema de governo:
Neste ano, em 21 de abril, a população foi
consultada sobre o regime e o sistema de governo, ou seja, o povo determinaria
se o país teria um regime republicano ou monárquico e um sistema
presidencialista ou parlamentarista. Realizado no governo de Itamar Franco, o
povo decidiu pela continuação da república e do presidencialismo. Neste caso,
ao invés de um plebiscito o que ocorreu, na verdade, foi um referendo, uma
vez a consulta serviu para que o povo optasse pela manutenção do sistema e do
regime políticos que já existiam: república e presidencialismo.
§ Em 2011 – divisão do estado do Pará:
Ainda com base no Artigo 18 § 4º da
Constituição, em 2011 os paraenses foram consultados se concordariam com a
criação de mais dois estados dentro do seu território: Carajás e Tapajós. O
resultado foi a manutenção do Pará, como único estado.
2. Referendo:
Do latim, referendum, o Referendo, à semelhança
do plebiscito, é também uma consulta popular, para saber a opinião do
eleitorado, mediante o voto, sua opinião sobre a aprovação ou rejeição de
alguma medida proposta e já aprovada pelo Legislativo.
O referendo é tão semelhante ao plebiscito que Benevides chega a afirmar
que “... a equivalência semântica dos
termos extrapola o meio politico. Não existe, de meu conhecimento, um razoável
consenso sobre a distinção entre os dois conceitos, sequer entre os juristas. (BENEVIDES, 1996, p.34.)
Outros autores citados por Benevides (pagina 35) identificam o
plebiscito com a “democracia direta”, e o referendo, com a “democracia semidireta”‘. Além disto, em democracias
consolidadas como a dos Estados Unidos e Suíça, por exemplo, quase não há
plebiscitos e sim referendos, enquanto em outros lugares como Uruguai e Chile é
muito usado o plebiscito com o sentido de referendo.
Por quem e quando o referendo deve
ser convocado?
À exemplo do plebiscito, o referendo também é uma consulta popular, mas
ele é convocado depois que
o ato já foi aprovado, cabendo ao povo ratificar ou rejeitar a proposta. O
referendo é proposto pelo Congresso Nacional, e neste, caso, também o Executivo
não tem poder de executar sua aplicação.
“… os deputados já teriam
aprovado o texto da reforma política, condicionando sua aprovação definitiva à
consulta popular. A população diria se concorda ou não. Se discordar, ela não
entra em vigor. O Congresso poderia começar um novo processo, alterando os
temas rejeitados, e novamente submeter ao crivo popular por referendo. (Portal G1, Op. Cit.)
Exemplos de referendos aplicados
no Brasil:
§ Em 2005 – proibição e comercialização
de armas e munições:
Já havia uma lei (Lei 10.826), conhecida como
o Estatuto do desarmamento. E para saber a opinião do povo sobre sua
comercialização de armas (e de munições) ou não, foi elaborado o referendo em
2005, com uma pergunta “dúbia” (O comércio de armas de fogo e munição deve ser
proibido no Brasil?, era a pergunta). Na verdade, tratava-se de um capítulo
sobre comercialização de armas, que deveria ser definido, o qual foi rejeitado
pelo eleitorado votante, ou seja, o referendo “… não permitiu que o artigo
35 do Estatuto do Desarmamento entrasse em vigor”[6].
Urna eletrônica usada
no referendo
sobre o desarmamento no Brasil
§ Em 2010 – definição de fuso horário
no estado do Acre:
Também com base no Artigo 18 §
4º da Constituição, em 31/10/2010, foi realizado um referendo no estado do
Acre, para saber dos seus moradores, sua opinião, mediante o voto, o que eles
achavam sobre um novo horário para a região. “A maioria da população
decidiu optar pelo antigo horário do Acre, que era de menos duas horas em
relação ao horário de Brasília”[7].
Por que o referendo, instrumento político tão usado em outros países,
como nos Estados Unidos, por exemplo[8], não tem tido o mesmo
efeito no Brasil? Este questionamento tem sido objeto de trabalho de pesquisa
de juristas como Lúcio Flavio de Castro Dias. Em seu trabalho “Referendo: uma
rara presença”[9],
o autor aponta cinco causas que explicam esta dificuldade:
§ Razões jurídicas.
§ Razões ideológicas.
§ Razões políticas.
§ Razões de ordem prática.
§ Razões sociológicas e históricas.
Quero apenas enfatizar, para nossa reflexão, algumas razões de ordem
ideológica:
a) o temor à participação popular por alguns setores políticos;
b) a desconfiança quanto à capacidade de julgamento e escolha independente e criteriosa do povo;
c) a ideia de que os assuntos legais
contemporâneos são por demais complexos para que pessoas que não detenham conhecimentos
especializados opinem sobre eles;
d) o receio de que o povo seja mais facilmente
manipulável pelo pode econômico, a mídia, etc. do que os seus representantes;
e) a ideia de que o povo é por demais
conservador ao expressar seu voto sobre questões mais complexas. (DIAS, 2009. p. 39)
Considerando estes fatores é preciso que a sociedade brasileira tenha
mais consciência política e que seus cidadãos busquem ter mais participação nas
questões políticas de interesse de todos.
3. Iniciativa Popular:
Esta é outra forma de participação direta dos cidadãos prevista na
Constituição Federal (Art. 14, item III).
Por iniciativa popular legislativa entende-se sempre o mesmo mecanismo, “...
que inclui um processo de participação
complexo, desde a elaboração de um texto (…) até à votação de uma proposta,
passando pelas várias fases da campanha, coleta de assinaturas e controle da
constitucionalidade” (BENEVIDES, 1996,
p.33).
A iniciativa popular permite que um projeto de lei seja apresentado ao
Congresso Nacional desde que, entre outras condições, apresente as assinaturas
de 1% de todos os eleitores do Brasil. Mas, em 10/07/2013[10] (depois de escrever
estas informações) o Senado Federal aprovou por unanimidade, proposta que
facilita a apresentação de projetos de iniciativa popular ao Congresso
Nacional, reduzindo pela metade, isto é, a 0,5% das assinaturas, ou cerca de
700 mil eleitores, distribuídos em pelo menos cinco Estados.
Um exemplo de iniciativa popular é o caso da
Lei da Ficha Limpa, que tramitou e foi aprovada por pedido da população.
O projeto Ficha Limpa circulou por todo o
país, e foram coletadas mais de 1,3 milhões de assinaturas em seu favor – o que
corresponde a 1% dos eleitores brasileiros. No dia 29 de setembro de 2009 o
Projeto de Lei foi entregue ao Congresso Nacional junto às assinaturas
coletadas[11].
Retomando, então, o que escrevemos no início, é possível ser cidadão
brasileiro, ocupado com nossos afazeres cotidianos, mas entre estes, também
devem estar o exercício político, na busca da liberdade, da justiça, cobrança
das promessas feitas pelos nossos representantes e, quando for o caso, tomarmos
a linha de frente das reivindicações, iniciativas populares etc na busca de um
país mais justo e cidadão. Pois como dizia Tancredo Neves, “A cidadania não é atitude passiva, mas ação permanente, em favor da
comunidade”.
Notas:
[1] Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 1º, §
único.
[2] BENEVIDES. Maria Victória de Mesquita. A cidadania Ativa. São Paulo: Ática, 1996, p. 12.
[3] Péricles foi um estadista, grande orador e
general que legislou sobre os limites da democracia ateniense. O século V a.C.
é considerado o “Século de Ouro” da Grécia Antiga, ou “Século de Péricles”,
dada sua importância política na época.
[4] Portal G1 – Política. In:
<http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/entenda-diferenca-entre-plebiscito-referendo-e-iniciativa-popular.html>.
Acesso em 29/06/2013.
[5] Apontamentos sobre a história da cidade: importante estudo sobre o bairro
(região) de Santo Amaro, disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/pintassilgo/mig_pintassilgo.aspx?
[6] Referendo no Brasil em 2005. In:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Referendo_sobre_a_proibição_da_comercialização_de_armas_de_fogo_e_munições>.
Acesso em 10/07/2013.
[7] Referendo sobre o fuso horário vigente no Acre. In:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Referendo_do_Acre_2010>. Acesso em
11/07/2013.
[8] “Nos
Estados Unidos, onde a cada dois anos, além das eleições tradicionais para o
Legislativo e o Executivo, o eleitorado é chamado a votar em questões de
interesse público, no plano estadual e local” (BENEVIDES, OP. Cit.
Pág. 12).
[9] DIAS, Lúcio Flávio de Castro. Referendo: uma rara presença. Brasília. Biblioteca Digital da
Câmara dos Deputados, 2009.
[10] Folha de São Paulo, 10/07/2013.
[11] Ficha Limpa: a lei que
faz valer. In: <http://www.fichalimpa.org.br/index.php/main/ficha_limpa>.
Acesso em 11/07/2013.
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