Por Alcides Amorim
“A doutrina básica de Berkeley é que para alguma coisa existir, ela deve ser percebida. Se algo for um odor, deve ser cheirado: ser for uma cor, precisa ser vista, etc. Além disso, as informações dos sentidos são a única base para o conhecimento. Não há maneira de alegar que há algum objeto material cuja existência postulamos, porque não podemos ir além dos nossos sentidos para verificar o caso...” (DEVRIES, P. H.) [1].
Já vimos um pouco, no nosso estudo sobre o empirismo e fé cristã, acerca do filósofo John Locke. E neste post, quero destacar outro filósofo: Berkeley.
George Berkeley (1685-1753) [2] nasceu na Irlanda. Tornou-se membro do Trinity College, Dublin, com vinte e dois anos de idade, e Deão de Derry em 1724. Quatro anos mais tarde, fez uma tentativa fracassada de estabelecer um colégio missionário nas Bermudas para a evangelização das Américas. Subsequentemente veio a ser Bispo de Cloyne. Quase toda sua obra filosófica foi completada até à idade de vinte e oito anos. Suas obras principais incluem An Essay towards a New Theory of Vision (1709), A Treatise concerning the Principles of Human Knowledge (1710), Three Dialogues between Hylas and Philonous (1713), e Alciphron or the Minute Philosopher (1732).
É o destino de Berkeley ser lembrado principalmente por levar adiante a abordagem de Locke. Aceitou a teoria representativa da percepção, mas deu-lhe um jeito novo. Concordou que aquilo que realmente percebemos não é o mundo externo das coisas materiais mas, sim, ideias ou percepções. A partir daí, passou a argumentar que as coisas existem à medida em que são percebidas. Mas isto não significa que os objetos simplesmente cessam de existir quando não há ninguém por perto para percebê-los. Pois sempre são percebidos pela mente infinita, Deus.
A posição de Berkeley é caricaturizada pelos famosos versos no estilo folclórico Ronald Knox:
Havia um jovem que dizia, "Deus:
Deves achar deveras estranho
Se alguém achar que esta árvore
Continua a existir
Quando não há ninguém no quintal."
RESPOSTA
Prezado Jovem:
Estranho a sua estranheza:
Eu sempre estou presente no quintal.
E por isso a árvore
Continuará a existir
Pois é observada por mim.
DEUS
O próprio Berkeley colocou o caso em linguagem mais sóbria “A mesa em que escrevo, digo eu, existe, ou seja: eu a vejo e toco nela; e se eu estivesse fora do meu escritório, diria que existia, e com isto quereria dizer que se eu estivesse no meu escritório, poderia percebê-la, ou que algum outro espírito realmente a percebe”. Para Berkeley, existir significava ou ser percebido (no caso de objetos) ou perceber (no caso de pessoas, inclusive Deus).
Assim, com um só ousado golpe de mestre, Berkeley engenhosamente negara a existência da matéria e comprovara a existência de Deus. Era uma novidade, e brilhante. Mas era uma tese carregada de dificuldades. Berkeley não deixou claro (nem poderia deixar claro) se os objetos percebidos por nossas mentes finitas eram os mesmos que aqueles que a Mente Infinita percebia. Tornou ocos os objetos da nossa percepção. Nada havia por detrás deles. Nem ficou claro como vieram a estar ali já de começo. Violava as pressuposições do nosso comportamento quotidiano, que dalguma maneira ou outra a matéria existe e que a realidade não é imaterial. A conclusão lógica do conceito representativo do conhecimento é o solipsismo [3]; que o único conhecimento possível é aquele acerca de si mesmo e das suas percepções. Não podemos, pois, ficar fora de nós mesmos e dos dados fornecidos por nossos sentidos. Não temos meios de demonstrar que objetos ou pessoas têm qualquer existência fora das nossas próprias mentes.
A esta altura teria sido mais sábio, conforme sugeriu E.L. Mascall [4], se os filósofos tivessem parado para indagarem a si mesmos se este conceito do conhecimento estava no caminho certo. É realmente verdade que o que percebemos não são objetos mas, sim, meramente sensações dentro de nós que nos fizeram tirar apressadamente a conclusão de que os objetos realmente existem fora de nós? Não seria mais razoável tratar os dados dos nossos sentidos, não como tipo de fim em si mesmo mas, sim, um tipo de meio mediante o qual a mente capta uma realidade inteligível? Contrastando sua abordagem com a dos empiristas, Mascall escreve: "Ora, contra esta pressuposição quero adiantar o ponto de vista, que tem antecedentes muito reputáveis embora sua existência tenha sido passada por cima pela maioria dos filósofos modernos, que o elemento intelectual não-sensório na percepção não consiste simplesmente de inferência, mas, sim, de apreensão. De acordo com este ponto de vista, não há (normalmente, de qualquer maneira, pois não estamos nos ocupando neste momento com a experiência mística) nenhuma percepção sem sensação, mas o objeto sensível (o objeto dos sentidos ou o dado dos sentidos, ou, conforme diriam os escolásticos, a espécie sensível) não é o término da perceção, não o objectum quod, para empregar outra frase escolástica, mas, sim, o objectum quo, através do qual o intelecto capta, numa atividade direta porém mediana, a realidade inteligivel extra-mental, que é a coisa verdadeira”. Mas, segundo parece, nem Berkeley desenvolveu seu empirismo na direção do imaterialismo e do idealismo. David Hume foi levado por ele ao ceticismo radical.
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Sugiro o vídeo a seguir, do portal Saber em foco, que faz um excelente comentário sobre George Berkeley. Este
“… rejeitou a noção de ideias abstratas e afirmou que todas as ideias eram de coisas particulares. Ele propôs a ideia de que ‘ser é perceber e ser percebido’, defendendo a imaterialidade do mundo e a garantia divina do conhecimento. Berkeley inaugurou o fenomenismo, uma corrente filosófica que estuda a realidade tal como se apresenta à consciência, focando nos fenômenos percebidos pelos sentidos. Ele representou uma importante contribuição à história da filosofia, mesmo que sua concepção da existência de Deus não tenha sido justificada de forma convincente…”.
Mais em:
Notas / Referências bibliográficas:
- [1] GONZÁLEZ, Justo L. E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo: a era dos dogmas e das dúvidas – Vol. 8. São Paulo: Vida Nova, 1984 (1ª ed.), pág. 132 e 133). In:<A era dos dogmas e das dúvidas: a opção racionalista>. Acesso em: 12/07/2024.
- [2] BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 46 a 47 (Texto adaptado).
- [3] Solipsismo “… é a concepção filosófica de que, além de nós, só existem as nossas experiências. O solipsismo é a consequência extrema de se acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores e pessoais, não se conseguindo estabelecer uma relação direta entre esses estados e o conhecimento objetivo de algo para além deles. O ‘solipsismo do momento presente’ estende este ceticismo aos nossos próprios estados passados, de tal modo que tudo o que resta é o eu presente…” (In: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Solipsismo>. Acesso em: 16/07/2024.
- [4] Eric Lionel Mascall, “… um importante teólogo e sacerdote na tradição anglo-católica da Igreja da Inglaterra. Ele foi um expoente filosófico da tradição tomista e foi professor de Teologia Histórica no King's College London…” (In: https://en.wikipedia.org/wiki/Eric_Lionel_Mascall, Acesso em: 16/07/2024).
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