Por: Alcides Amorim
Já destacamos, em relação ao estudo sobre a Primeira Guerra Mundial, os seus aspectos políticos, sociais e econômicos, e também a posição teológico-cristã, sobretudo da pessoa de Karl Barth, considerado o maior teólogo do século XX. Na época, diversos promotores da paz, cristãos como o papa Bento_XV, os protestantes Söderblom, Harnack e o próprio Barth, apelaram para a obtenção da paz através da comunhão cristã. Mas apesar de seus esforços e os de muitos outros, a paz durou apenas cerca de 20 anos, surgindo a Segunda Guerra Mundial, com resultados terríveis sobretudo para os judeus. Como vimos aqui, cerca de 46 milhões de pessoas foram mortas das quais cerca de 6 milhões apenas de judeus. Queremos, portanto, falar um pouco, neste post, sobre os aspectos teológico-cristãos no contexto da segunda grande guerra.
Sobre a posição da Igreja Católica (ou papal?) da época, importante ver algumas informações sobre o italiano Eugenio María Giuseppe Giovanni Pacelli, o Pio XII, que foi papa entre 1939 e 1958, e, portanto, liderou a Igreja por todo o período da Segunda Guerra. Sob o título “'Papa de Hitler' ou 'salvador dos judeus'?”, o jornalista Juan Francisco Alonso da BBC News Brasil, descreve Pio XII como um líder religioso omisso, polêmico e ambíguo, a despeito de afirmar ser “… o nazismo um movimento político pagão que destratava os católicos, [mas] o papa não foi particularmente incômodo para o Terceiro Reich” (Idem). Seu silêncio frente às atrocidades cometidas contra os judeus durante o holocausto, favoreceu muito mais o atroz Hitler do que suas vítimas. Inclusive uma carta de 1942, escrita por um padre jesuíta alemão ao secretário de Pio XII na época, e descoberta recentemente, traz à tona esta polêmica. Na carta, com o título “Pio XII Sabia”, o padre jesuíta Lother Koenig relatava o que estava acontecendo em três campos de concentração (Belzec, Auschwitz e Dachau) e, apesar disso, não o denunciaram publicamente. “Esse silêncio é a razão pela qual muitos historiadores e setores da comunidade judaica consideram o falecido pontífice, que desde 2009 é um aspirante a santo, um cúmplice do Holocausto” (Idem).
Embora textos como este, por exemplo, afirmem que Pio XII se esforçou muito para salvar os judeus, outros, como o referido acima, não concordam que Eugenio María Giuseppe Giovanni Pacelli tenha se esforçado o suficiente para salvar o povo judeu. Inclusive o pesquisador britânico John Cornwell afirma: "Não há dúvida de que muitos católicos — padres, freiras e fiéis — em toda a Europa ocupada salvaram muitos judeus, mas acho escandaloso que o Vaticano afirme que isso aconteceu graças às instruções do papa" (Idem). Em síntese, enquanto alguns padres, freiras e outros fiéis, incluindo leigos católicos lutaram pela paz no mundo, o papel do papa falhou muito nesta missão. De modo que neste período “… embora a reação do papa à perseguição dos judeus na Alemanha e nas áreas ocupadas da Europa deixasse muito a desejar, havia outros católicos arriscando a vida e a liberdade por causa dos irmãos judeus” (Veja aqui). Na verdade, certas decisões da Igreja Católica durante sua história têm sido terríveis para os judeus, não só durante a Segunda Grande Guerra. Por exemplo, em seu artigo, Inédito: conheça todo o ódio, intolerância e perseguição da Igreja Católica aos judeus na história, que é parte de seu livro sobre a Reforma, Lucas Banzoli, depois de fazer um histórico sobre o antissemitismo da Igreja Católica através da história da Igreja, afirma que
“ … o nazismo não foi um mal que surgiu ‘do nada’, mas é antes de tudo o fruto de toda uma mentalidade antissemita que se desenvolveu por séculos, tendo no papado, na Inquisição e na pessoa dos reis católicos o seu pontapé inicial. As ideias de ‘pureza de sangue’ e seus estatutos contra os judeus e seus descendentes serviram de inspiração a Hitler, que não tardou em implementá-los também em seu país. Toda a ideologia nazista era baseada na política de discriminação racial predominante na Idade Média e que já massacrava judeus muito antes de um führer chegar ao poder no século XX. Como um pavio fumegante de uma bomba prestes a estourar, era mera questão de tempo até que o antissemitismo eclesial tomasse a forma de antissemitismo de Estado e resultasse no extermínio de milhões de judeus, não apenas na Alemanha, mas ao redor de todo o mundo” (Idem).
Bem, também no meio protestante havia até a Igreja do Reich, liderada por Ludwig Müller, um pastor luterano antissemita, associado ao nazismo, que defendia o “cristianismo positivo” e considerava Jesus Cristo como sendo ariano.
Mas vale destacar especificamente o papel de Karl_Barth, sobre o qual já falamos, e também o de Dietrich Bonhoeffer (1906–1945) e de um grupo minoritário de cristãos que veio a formar a chamada Igreja Confessante e liderada por Martin Niemöller.
Barth, além de suas contribuições teológicas – interpretações sobre A carta aos romanos –, visando dar uma resposta espiritual aos problemas da Europa, também assumiu posição de resistência frente ao regime nazista, participando da Igreja Confessante, ao lado de Bonhoeffer e Niemöller.
De Niemöller, também sabemos, além de sua sua luta antinazista, de um texto muito conhecido, chamado "Eu me calei", muitas vezes adaptado (parafraseado) conforme as diferentes situações em que o mesmo é lembrado e citado:
Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado – porque não era socialista.Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado – porque não era sindicalista.Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado – porque não era judeu.Foi então que eles vieram me buscar, e já não havia mais ninguém para me defender” (In: Enciclopédia do Holocausto - Martin Niemöller).
Na década de 1920, Niemöller simpatizava com muitas das ideias nazistas, mas após Adolf Hitler chegar ao poder em 1933, Niemöller tornou-se um crítico ferrenho da interferência de Hitler nas igrejas protestantes. Por isso, passou os últimos oito anos do governo nazista, de 1937 a 1945, em prisões e campos de concentração, mas conseguiu sobreviver até 1984. O mesmo não aconteceu com Dietrich Bonhoeffer. Este morreu ainda durante a guerra. E como? Interessante que este artigo de autoria católica afirma que “… antes do fim do primeiro século, o termo ‘santo’ era reservado exclusivamente ao mártir, e o martírio é, ainda hoje, o caminho mais certo para a canonização”. Mas este princípio não se aplicou ao protestante Dietrich Bonhoeffer, que foi morto pelos nazistas! Pois é, “… na madrugada de 9 de abril de 1945, Dietrich Bonhoeffer ‘foi levado nu até o pátio de execuções’ da prisão de Flossenbürg, na Alemanha. ‘Os guardas o ridicularizaram e desprezaram. Aos pés do cadafalso’, Bonhoeffer ajoelhou e orou. ‘Então, subiu os degraus até a forca’, onde morreu cerca de trinta minutos depois, asfixiado por um nó de corda de piano (Bonhoefferblog)”.
O historiador Justo L.González, no último volume de sua obra A era inconclusa (IV): o Protestantismo na Europa, afirma sobre o que Barth declarava "... que a religião é um esforço humano pelo qual nos tentamos esconder de Deus" e baseado nesta afirmação, Bonhoeffer enfatizava um “cristianismo sem religião”, princípio que ficou marcado para o futuro do cristianismo. Em nossas igrejas evangélicas (quase todas), hoje, entendemos que a salvação não está numa religião, mas numa pessoa: Jesus Cristo. Viver para e em Cristo é viver um cristianismo sem religião. E o preço desta escolha foi muito alto para Bonhoeffer. Como ele tornou-se um ferrenho inimigo do regime, a gestapo não o perdoou. González, assim descreve em seu texto sobre Bonhoeffer:
"... À medida que o exército americano avançava e a derrota se tornava inevitável, o Terceiro Reich passou a eliminar os que considerava seus piores inimigos. Bonhoeffer estava entre eles. Após uma rápida corte marcial, ele foi condenado à morte. Posteriormente, o médico da prisão disse tê-lo visto ajoelhado em sua cela, orando em preparação para a morte. Em 9 de abril de 1945, dois anos e quatro dias após sua prisão, Dietrich Bonhoeffer foi enforcado. Alguns dias depois, a prisão onde ele havia sido executado foi tomada pelo exército americano" (Idem), pág. 71).
Leia também:
- O martírio, por Franklin Ferreira, in: Gazeta do Povo.
Um pouco mais sobre a história de Dietrich Bonhoeffer e o papel na resistência cristã pode ser visto no vídeo a seguir, de Teologia Missional.