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15 novembro 2024

Dia do Senhor (Domingo) - Apocalipse 1.10

 Por: Alcides Amorim

Já vimos aqui que a palavra hebraica para dia é yom (יוֹם) no seu sentido literal e de tempo ou período percorrido como entendemos: dia de 24 horas. Aqui, destaquei o dia de descanso ou de adoração utilizado pelos cristãos: “Hemera ou Iméra tou Kyríou” (Dia do Senhor ou o Domingo), baseados nos comentários de Wood. [1] e de BEASLEY-MURRAY (Nota 4 abaixo).

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Essa expressão [Dia do Senhor] é encontrada apenas uma vez nas Escrituras como indicação do primeiro dia da semana. Em Ap 1:10, João desvenda que a visão do Apocalipse lhe foi dada quando foi arrebatado 'no espirito, no dia do Senhor’. Essa é a primeira ocorrência que temos, na literatura cristã, da expressão “hê kyriaké hemera”. A construção adjetival sugere que se tratava de uma designação formal sobre o dia de adoração da Igreja. Como tal certamente aparece no início do segundo século (Inácio, Epístola aos Magnesianos, i. 67) [2].

Pouco apolo pode ser aduzido em favor da teoria que diz que esse termo se refere ao dia da Páscoa, exceto, naturalmente, no sentido que cada dia do Senhor é uma recaptulação pascal. Porém, deve ser observado que eruditos de tanta reputação como Wettstein, Deissmann, e Hort, entre outros, preferem interpretar o versículo como indicação que João foi transportado, em seu êxtase espiritual, até o grande dia do próprio juízo (cf Ap 6:17; 16:14). Lightfoot acredita que existem ‘razões muito boas, não até mesmo conclusivas’ em favor dessa posição (The Apostolic Fathers, II, secção I, parte II, pág. 129. A opinião da maioria, entretanto, se inclina a sentir, juntamente com Swete, que tal interpretação ao contexto imediato e contrário ao uso linguístico (a Septuaginta sempre emprega a expressão he hemera tou kyriou para o profético ‘dia do Senhor’: kyriakos não aparece nunca). Seria razoavelmente seguro, portanto, concluir que, assim como a localização real da visão de João é registrada no versículo, semelhantemente a ocasião real também é registrada no versículo 10.

Mesmo que pudéssemos aceitar uma data tardia para o livro de Apocalipse (c. de de 96 D. C.), não seria necessário supor, juntamente com Harnack, que a expressão he kyriake hemera não estava em uso antes do término do primeiro século de nossa era. É possível que essa expressão tenha surgido tão cedo quanto 57 D. C., quando Paulo escreveu a epístola de 1 Coríntios. Em 11:20 desse livro o apóstolo fala em kyriakon deipnon ('ceia do Senhor'). É interessante que a versão pesita diz 'dia do Senhor' nesse versículo. Porém dificilmente parece que o termo estivesse então em uso corrente, pois, mais adiante naquela mesma epístola, Paulo diz kata mian sabbatou, (no primeiro dia da semana' (16:2).

Deissmann lançou mais alguma luz sobre o título ao mostrar que na Ásia Menor e no Egito, até mesmo antes da era Cristã, o primeiro dia de cada mês era chamado de dia do Imperador ou Sebastē. Isso, eventualmente, pode ter sido transferido para um dia qualquer da semana, provavelmente a quinta-feira (dies Iovis). 'Se essas conclusões são válidas', comenta R. H. Charles, 'então poderemos entender quão naturalmente o termo "Dia do Senhor" teve início; pois assim como o primeiro dia de cada mês, ou como certo dia de cada semana era chamado de "Dia do Imperador", semelhantemente seria natural que os crentes dessem nome ao primeiro dia de cada semana, associado como estava à ressurreição do Senhor e ao costume dos crentes de se reunirem para adorar, chamando-o de "Dia do Senhor". Talvez tenha surgido primeiramente em círculos apocalípticos, quando uma atitude hostil para com o império foi adotada pelo Cristianismo' (R. H. Charles, The Revelation of St. John, 1920, I, pág. 23; cf BS, págs. 218 e segs.).

'Senhor, nessa passagem, claramente significa Cristo, e não Deus Pai. Trata-se do dia de Cristo. Pertence-Lhe por causa de Sua ressurreição, quando foi 'poderosamente demonstrado filho de Deus' (Rm 1:4). Mc Arthur certamente tem razão ao afirmar que esse título, afinal de contas, se deriva da Soberania de Jesus Cristo, Soberania essa que se tornou manifesta na ressurreição do 'primeiro dia da semana' (Mc 16:2; vd A. A. Mc Arthur, The Evolution of the Christian Year, 1953, pág. 21). A adoração cristã é essencialmente uma anamnesis (lembrança) do acontecimento da Páscoa, que revelou o triunfo do propósito redentor de Deus. Isso explica o tom prevalente de alegria e louvor. O primeiro dia era igualmente apropriado, visto que relembrava o dia inicial da criação, quando Deus criou a luz, bem assim o fato que o Pentecoste Cristão caiu no domingo. Além disso, é bem possível que a expectativa dos crentes primitivos fosse que o retorno do Senhor se verificasse em Seu próprio dia.

A mais antiga evidência relacionada com a observância do primeiro dia da semana, por parte dos cristãos, aparece em 1 Co 16:1,2, ainda que não haja ali referência explícita a alguma reunião realmente levada a efeito. At 20:7 [3] é passagem mais específica e provavelmente reflete o uso continuado do calendário judaico por parte dos crentes, conforme o qual o dia do Senhor teria início ao pôr do sol do dia de sábado. Alford vê na prontidão dos gentios em aceitar este cálculo judaico 'a maior prova de todas que o dia foi assim observada' (H. Alford, The New Testament for English Readers, p. 788). Por outro lado, não há no Novo Testamento qualquer indicação duma controvérsia sabatista. O dia do Senhor, que de fato cumpriu todos os propósitos beneficentes de Deus na instituição do sábado para a humanidade, era observado 'em novidade de espírito e não na caducidade da letra' (Rm 7:6).

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Resumindo, conforme diz Murray [4], o Dia do Senhor não deve ser entendido no sentido escatológico, como pensam alguns, “… como se João tivesse sido transportado para viver naquele dia, mas ‘no dia consagrado ao Senhor’, uma frase que se usava já no segundo século referindo-se ao domingo. O termo ‘o dia do Senhor’, como Deissmann [5] tem mostrado, é provavelmente a substituição desafiadora dos cristãos ao ‘dia do Imperador’, que era celebrado ao menos mensalmente na Ásia Menor, se não semanalmente. Indicava originalmente o dia da elevação de Faraó ao trono do Egito, ou seu dia natalício; a ideia foi apropriada pelos imperadores romanos. Como memorial do dia da ressurreição de Cristo, e assim, da sua exaltação à soberania, o título ‘o dia do Senhor’ é especialmente apropriado” (destaques meus).

Veja também o vídeo do Portal CACP, a seguir, sob o título “O que significa a expressão ‘O Dia do Senhor’?”, do Pr. Natanael Rinaldi:


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] WOOD, A. S. Dia do Senhor (Domingo). Apud: DOUGLAS, J. D. (Editor Organizador). O Novo Dicionário da Bíblia, Volume I. São Paulo: Vida Nova, 1979, Pág. 417/8.

  • [2“… Portanto, não precisamos mais manter o sábado, como fazem os judeus, ou alegrar-se pelos dias de ociosidade, pois “aquele que não trabalha, não deve comer”. Também foi dito pelos [santos] oráculos: ‘É pelo suor da tua face que comerás o teu pão’. Mas deixe todo aquele entre vós que ainda mantém o sábado por motivo espiritual, alegrando-se na meditação da Lei e não no descanso do corpo, admirando a obra de Deus e não comendo coisas preparadas no dia anterior, não fazendo uso de bebidas mornas ou andando um certo limite prescrito, não deleitando-se por dançar e aplaudir, e outras coisas sem sentido. Porém, após a observância do sábado, deve todo amigo de Cristo observar o Dia do Senhor como festa, o dia da ressurreição, a rainha e comandante de todos os dias [da semana]. Foi sobre isto que o profeta declarou: 'Para encerrar, o oitavo dia' [Foi nesse dia] que a nossa vida renasceu e a vitória sobre a morte foi obtida em Cristo…” (“Epístola aos Magnésios”.(Inácio, Bispo de Antioquia, 67 – 110 d.C., Parte IV, 9). Disponível em: <Inácio de Antioquia / Epístola aos magnesios>. Acesso em 13/11/2024.

  • [3E no primeiro dia da semana, ajuntando-se os discípulos para partir o pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte, falava com eles; e prolongou a prática até à meia-noite” (Versão A.C.F.).

  • [4BEASLEY-MURRAY, George Raymond. Apocalipse. In: O Novo Comentário da Bíblia, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1983, Comentário sobre Apocalipse 1.10.

  • [5Gustav Adolf Deissmann (1866-1937): “teólogo protestante alemão, melhor conhecido por sua pioneira obra sobre a língua grega utilizada no Novo Testamento, que ele demonstrou ser o koiné, ou a língua comum utilizada no mundo helênico daquele tempo…”. Mais em: <Wikipedia – Deissmann>. Acesso em: 14/11/2024.

07 novembro 2024

Reflexões sobre textos escatológicos (4): Dias da criação

PorAlcides Amorim

Continuando nossa reflexão sobre unidades de tempo na Bíblia, no contexto da escatologia – estudo das últimas coisas –, resolvi destacar neste post, dada a profundidade do tema, apenas o conceito de dia no relato da criação.

Em Gênesis 1 encontramos: “... dia primeiro” (v. 5); “… dia segundo” (v. 8); “… dia terceiro” (v. 13); “… dia quarto” (v. 19); “… dia quinto” (v. 23); “... dia sexto” (v. 31)... A palavra hebraica para dia, em todos estes versos é “yom” (יוֹם). O sentido aqui é literal, inclusive yom aparece nos nomes de algumas festas judaicas como “Yom Kipur” (Dia do Perdão); “Yom Yerushalayim” (Dia de Jerusalém); “Yom Teruah” (Dia da Lembrança)…

Gleason L. Archer Jr. fala de três teorias acerca da palavra yom (yõm). Uma delas representa “um dia de vinte e quatro horas” e o relato de toda a criação trata-se de uma “… semana literal na qual Deus completamente restaurou do caos uma criação (registrada em Gn 1:1) que tinha sofrido uma catástrofe (possivelmente na época na qual Satanás e seus anjos foram expulsos da presença de Deus). Apoio para esta interpretação tem sido alegadamente descoberto em Is 45:18 quando se lê que Deus não criou a terra ‘em vão’ ou para ser um caos’… vazia...” [1]. A terra que foi criada, não para ser vazia, “tornou-se”, “veio a ser” vazia (Hb hãyãh) [2], tornou-se um caos, depois da batalha de Satanás e seus anjos. Daí, o relato da criação tratar-se da restauração deste caos (v.1). Archer Jr. não sustenta esta teoria como sendo “verdade absoluta”, apenas a apresenta para o conhecimento do leitor. O que muitos cristãos estudiosos tentam fazer é conciliar um suposto intervalo entre o v.1 e o v. 2 (que veio a ser chamado de “Teoria do Intervalo”) com a antiguidade da terra, defendida pela “ciência”. Ou seja, o Universo (céus e terra) foi criado perfeito (v.1), talvez há bilhões de anos; num tempo indefinido, porém, houve uma rebelião de Satanás (cf. Is 14.12-14; Ez 28.12-15 e Ap 12.7-9), tornando a terra (apenas a terra, não o universo em geral) sem forma e vazia; e houve, a partir do verso 2, uma espécie de “recriação” da terra não tão antiga assim como a ciência afirma [3].

O professor Adauto Lourenço, grande defensor do Criacionismo, explica aqui, [4] de forma bem diferente do que já ouvi até hoje, este episódio da criação: o caos, a queda de Satanás etc. Quero destacar alguns pontos de sua fala:

  • O que ocorre no verso 2 não é uma recriação da terra a partir do caos, mas sim uma criação em processo. Ele entende que o verbo original hãyãh, traduzido como “era”, não se aplica a “tornou-se” como alguns o fazem, afirmando que a terra tornou-se sem forma e vazia por conta da queda de Satanás.

  • A expressão “… muito bom…” (v. 31), aplicada à criação de Deus não condiz em nada com uma terra perfeita e já concluída se Satanás estava nela. Ou seja, se assim fosse, haveria pecado na terra mesmo antes de o homem ter sido criado e posto no Éden.

  • O primeiro dia começa no verso 2 e termina no verso 5; o jardim do Éden só começa no sexto dia, após a criação do homem (2.8).

  • Considerando que o “querubim ungido” (que veio a ser Satanás) estava no “… Éden, jardim de Deus…” (Ez 28.13), portanto no mesmo lugar que estava o homem antes de ambos (o querubim e o casal Adão e Eva) pecarem, foi lá (no Éden) que o querubim, ainda antes de pecar, estava e/ou andava. Veja: “Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniquidade em ti” (Ez 28.15).

  • Há uma diferença de quando “… Lúcifer, filho da alva…” (Is 14.12) pecou e recebeu a sentença de seus atos (as consequências de seu seu pecado), e de quando ele foi/será expulso do céu. Até os dias de Jó, por exemplo, ele ainda tinha acesso à terra e ao céu (Jó 1.6 e 2.1), chegou, inclusive à presença de Deus.

  • Entendido que o Filho da Mulher (Ap 12) é Jesus, será Ele que expulsou ou expulsará para sempre (v. 8 ) o Inimigo. Veja mais esses nomes/adjetivos (v. 9): “grande dragão”, “antiga serpente”, “Diabo”, “Satanás”..., Ele foi/será “… precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele”. No meu entendimento (posso estar enganado), a precipitação do Diabo, o grande dragão, à terra, se dará durante a grande tribulação. E Deus dará escape a Israel por três anos e meio ou “… um tempo, e tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente” (v. 14).

Veja: “mil duzentos e sessenta dias” (Ap 12.6); “um tempo, e tempos, e metade de um tempo” (Ap 12.14) e “quarenta e dois meses” (Ap 13.5) equivalem ao mesmo espaço de tempo: “… metade de uma semana” (Dn 9.27), assunto do qual falamos um pouco aqui e pretendemos falar mais em outro momento.

  • Por esta interpretação, o Diabo não foi lançado na terra entre os versos 1 e 2 de Gn 1, mas sim após a ascensão de Jesus. Ele mesmo anteviu isto antes de sua morte: “… Eu via Satanás, como raio, cair do céu” (Lc 10.18).
Bem, e os seis dias da criação foram dias de 24 horas? A resposta para esta pergunta deixo também com o professor Adauto Lourenço [5]. Ele explica que os seis dias com tardes e manhãs apontam para dias de 24 horas. Reforça este entendimento com o texto de Êxodo 20.11: “Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou.” Se Deus pediu que seu povo trabalhasse seis dias e descanse no sétimo, obviamente não seriam seis dias longos, de milhões de anos – ou um dia como mil anos, por exemplo – mas no sentido literal. Neste caso, ou eu provo que Êx 20.11 é uma exceção ou admito que trata-se de dias literais. Compare: “E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito” (Gn 2.2). Mas seis dias não são um tempo muito curto para a criação? Pensando como humano, sim, mas devemos lembrar do que a Bíblia diz: “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito da sua boca… Porque falou, e foi feito; mandou, e logo apareceu” (Sl 33.6,9). Disse Deus: “Haja…” e “houve...”. Tudo foi feito pela Palavra, “o Verbo”, que estava no princípio com Deus, e sem Ele, o Verbo (JESUS) nada do que foi feito se fez (Veja Jo 1.1-3). Portanto, finalizando, os dias da criação apontam para uma idade jovem da terra, não só porque a Bíblia fala que ela é jovem mas também porque a ciência comprova.

Veja mais em:



"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez" (Jo 1.1-3).

Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] ARCHER Jr. Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento? São Paulo: Vida Nova, 1984 (3a Ed.), pág. 94.
  • [2] O verbo hãyãh traduzido em nossas bíblias como “era” pode ter este sentido de “veio a ser”, “emergiu-se de algo”, “começar a existir” etc.
  • [5] O estudo do professor Adauto Lourenço sobre o assunto está em seu livro Gênesis 1 e 2, publicado pela Editora Fiel. Uma minúscula explicação está no vídeo a seguir: <https://www.youtube.com/watch?v=xeOlXsb0g-0>. Acesso em: 05/11/2024.

28 outubro 2024

Eleições 2024 nos duzentos maiores municípios do Brasil

 Por: Alcides Amorim


Em anexo, resultados das eleições nos 200 maiores municípios do Brasil em 2024 e os 20 veradores mais votados...

Acesse:


24 outubro 2024

Reflexões sobre textos escatológicos (3): Hora

Por: Alcides Amorim

Jesus respondeu: Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo” (Jo 11.9) [1].

Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última hora”  (1Jo 2.18).


No intuito de estudar textos bíblicos que tratam de escatologia – estudo das últimas coisas –, achei por bem ver um pouco sobre unidades de tempo (hora, dia, mês, ano etc.), desta feita iniciando pela palavra HORA. Isto é, os vários sentidos da palavra e, especialmente, a hora, no sentido escatológico.

Destaco abaixo, primeiramente a palavra hora como tempo definido (preciso) entendida nos tempos bíblicos no sentido hebraico e romano. Em seguida, a mesma palavra com o sentido escatológico.

1. Hora como divisão de tempo

Em seu sentido mais preciso, uma hora é um doze-avo (1/12) do período em que o sol aparece. Na referência acima, João 11.9, Jesus fala de um dia com luz de 12 horas, computadas do nascer até o pôr do sol. A noite, no entanto, era composta de três vigílias (judaicas) ou quatro vigílias (romanas), computadas desde o pôr do sol até o nascer do mesmo. “Visto que o nascer e o pôr do sol variavam conforme o período do ano, as horas bíblicas não podem ser traduzidas exatamente conforme as modernas horas cronométricas; e, seja como for, a ausência de cronômetros exatos significa que o tempo do dia era indicado em termos mais gerais do que entre nós”[2]. Os romanos computavam seu dia civil como período que se iniciava à meia-noite, enquanto que os judeus reputavam-no como tendo início ao pôr do sol. Considerando os dois modelos de contagem [3], temos:

a) Dia claro das 6 às 18 horas:

  • Primeira hora = 6 a 7 da manhã;
  • Segunda hora = 7 a 8 da manhã;
  • Terceira hora = 8 a 9 da manhã;
  • Quarta hora = 9 a 10 da manhã;
  • Quinta hora = 10 a 11 da manhã;
  • Sexta hora = 11 a 12 Meio dia;
  • Sétima hora = 12 (meio dia) a 1 da tarde;
  • Oitava hora = 1 a 2 da tarde;
  • Nona hora = 2 a 3 da tarde;
  • Décima hora = 3 a 4 da tarde;
  • Décima primeira hora = 4 a 5 da tarde;
  • Décima segunda hora = 5 a 6 da tarde, ou 18 horas.


a) Dia escuro (noite) das 18 ou 6 da tarde, às 6 horas (manhã do outro dia):

Em Mateus 14.25 encontramos: “Mas, à quarta vigília da noite, dirigiu-se Jesus para eles, andando por cima do mar”.

Segundo Russell Champlin: “… os romanos dividiam a noite em quatro vigílias, de três horas cada uma, costume esse que evidentemente foi adotado pelos judeus desde os tempos de Pompeu, e que se reflete nas Escrituras do N.T. Essas vigílias começavam, respectivamente, às 18:00 horas, às 21:00 horas, às 24:00 horas e às 3:00 horas” [4]. Considerando o critério romano, portanto, como sendo a noite dividida em quatro vigílias, temos:

  • Primeira vigília = das 18 às 21 horas;
  • Segunda vigília = das 21 às 24 horas;
  • Terceira vigília = das 24 (0 hora) às 3 horas;
  • Quarta vigília = das 3 às 6 horas.

Então, podemos dizer que Jesus dirigiu-se para seus discípulos, andando por cima do mar, à noite, entre três e seis horas da manhã. E para exemplificar também o dia segundo o critério romano, citando o texto de Mateus 20.1-10, encontramos ali a parábola dos obreiros da vinha ou parábola dos trabalhadores. Considerando apenas o sentido literal da parábola temos os termos: “madrugada” (v. 1), equivalente a algum momento antes das seis horas; “hora terceira” (v. 3), equivalente às nove horas; “hora sexta e nona” (v. 5), equivalentes, respectivamente, às doze e quinze horas; e, finalmente, “hora undécima” (v. 6), equivalente às dezessete horas.

Neste e em outros exemplos, podemos perceber a palavra hora com o sentido de o momento (a hora) de algum acontecimento. Outros exemplos: “… Pai, salva-me desta hora…” (Jo 12.27); “… Simão, dormes? não podes vigiar uma hora?” (Mc 14.37); “E Pedro e João subiam juntos ao templo à hora da oração, a nona” (At 3.1); “… E naquela mesma hora o seu criado sarou” (Mt 8.13) etc.


2. Hora no sentido profético/escatológico 

Nas Escrituras vemos também a palavra hora com o sentido profético, ou seja, de algum acontecimento a ser revelado no futuro. Sobre isto, queria destacar alguns versículos e buscar entender seus significados escatológicos.

a) Hora da volta de Jesus:

Sobre a hora da vinda de Jesus, encontramo-na em várias passagens dos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) e também em João. Exemplo: “Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor(Mt 24.42); “… daquele dia e hora ninguém sabe...”(Mc 13.32); “… porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais…(Lc 12.4). Também relacionada à ressurreição dos mortos encontramos em João: “… vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz…” (Jo 5.28).

b) Hora da recompensa dos que servem a Jesus:

As várias etapas (da chamada de trabalhadores para a vinha do “Pai de família”) de Mateus 20, se assemelham ao “reino dos céus”, disse Jesus. Isto significa que há trabalhadores que trabalham mais tempo no Reino, outros menos e outros, ainda, muito menos. Mas todos receberão os seus galardões do “Dono da vinha”, tantos os que foram chamados de “madrugada” (v. 1), quantos os que foram chamados na “hora terceira” (v. 3), “hora sexta e nona” (v. 5) e ainda na “hora undécima” (v. 6), todos serão recompensados. Observe que “horas”, descritas na parábola, tem o sentido literal (tempo de trabalho) e pagamento pelo mesmo, e também profético, podendo referir-se, no sentido espiritual, aos servos de Deus que serão recompensados pela sua atividade no Reino de Deus, o Senhor da Vinha. Portanto, para Deus, uns servem desde criança, outros começam à meia idade e, outros ainda, na velhice ou final da vida. Mas todos são alcançados pela graça de Deus. “Assim é a graça de Deus. A sua graça se adapta à necessidade, juntamente com o seu desígnio de transformar o trabalhador, mas não de acordo com os méritos do mesmo. Não obstante, Deus não ignora totalmente o mérito, porque a recompensa dos galardões será distribuída segundo o trabalho feito… O ‘dono’ não fizera qualquer promessa a estes últimos trabalhadores, nem mesmo um salário segundo fosse ‘justo’. Não obstante, receberam o galardão da promessa feito àqueles que haviam trabalhado longa e arduamente... Ficamos certos, por ensinos como estes, que o Todo-poderoso usa de benevolência, o que basta para dar à existência humana uma grande significação...” [5].

Quando (a que hora?) será a recompensa dos galardões? Será após a volta de Jesus: “E, eis que cedo venho, e o meu galardão está comigo, para dar a cada um segundo a sua obra” (Ap 22.12).

c) Última hora e hora da tentação

Quero destacar aqui três referências que falam da palavra hora no sentido de fim dos tempos e de juízo:

  • Porque já é tempo [hora] que comece o julgamento pela casa de Deus; e, se primeiro começa por nós, qual será o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus?” (1Pe 4.17). A expressão kairós” (o kairos tou) é traduzida na versão que estou usando (ACF), por tempo (o tempo é chegado) e em outras versões (como a NVI), por “hora” (é chegada a hora). Kairós (do qual falaremos em outro momento) tem o sentido de tempo certo ou oportuno. Percebe-se pelo texto que hora ou tempo ali expresso ou ainda não chegou apesar da expressão “já é tempo/hora”, ou o final desta hora (julgamento) ainda também não chegou. Mas o certo é que o julgamento começa pelo povo de Deus. Não era ainda o fim… [e] se o julgamento é tão rigoroso para o povo de Deus, sua severidade para os incrédulos é indescritível (17b, 18; cfr. Luc .23.31). Mas o cristão tem um segredo que o incrédulo não tem. Pode entregar-se às mãos de Deus em inteira confiança, ciente de que Ele não pode falhar” [6].

  • Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última hora(1Jo 2.18). Alguns termos são importantes ser destacados neste verso: “última hora”, “anticristo” e “anticristos” (no plural). Primeiramente, a “última hora” já chegou? João diz que sim, mas ainda não terminou. Como sabemos disto? Porque Jesus ainda não voltou! Muitos “anticristos” se referem aos inimigos de Cristo, que representa um grupo (ou parte da sociedade) com índole anticristã, isto é, que vive contrária à vontade e modo de pensar de Cristo. Como eu disse aqui “… João reconhece que era esperado um único anticristo, [mas nesta sua Carta] ele dirige a sua atenção aos muitos anticristos que já apareceram negando que Jesus é o Cristo, contrariando, assim, a verdadeira natureza do Pai e do Filho... Os docetistas contemporâneos [de João] não davam crédito à humanidade de Cristo (2Jo 7), alegando que Ele parecia ter a forma humana. Para João, eles eram a concretização do espírito do anticristo”. Anticristo, neste caso, é alguém que “… assalta a Cristo propondo-se fazer ou preservar o que Ele fez, ao passo que O nega” (Westcott) [7]. Mas, há também o anticristo, um personagem maligno especial que recebe vários nomes da Bíblia, como "filho da perdição" (2 Ts 2.3; cf. Jo 17.12); “o iníquo" (2 Ts 2.8); a “besta” (Ap 13) e outros.

  • Como guardaste a palavra da minha paciência, também eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra” (Ap 3.10). Esta palavra de promessa dita por Jesus a respeito da Igreja de Filadélfia, é muitas vezes interpretada pelos dispensacionalistas/pré-tribulacionistas como um livramento dos cristãos fiéis da Grande Tribulação que virá ao mundo. A Igreja de Filadélfia, que representa o último estágio da Igreja Cristã, segundo a interpretação dispensacionalista, é também um exemplo dos cristãos fiéis que serão arrebatados da terra antes deste momento. Este é um assunto que merece um artigo à parte. Por ora, pensando na hora a que se refere o texto, quero apenas dizer que embora se trate de um momento de um determinado acontecimento, a hora, no sentido expresso aqui ainda não chegou. Chegará de forma singular com muita provação para o mundo. Paulo fala deste momento como sendo “… a ira futura” (1Ts 1.10). A ira de Deus virá, mas o povo de Deus será livrado da (ou na?) mesma. Bem, livrado através do Arrebatamento? Veremos sobre isto em outro momento…

Concluindo, até aqui, tentei destacar neste artigo, a palavra hora em dois sentidos: como um momento mais preciso, uma divisão ou parte do dia de doze horas (dia claro) ou parte de uma vigília (dia escuro/noite). Mas também no sentido profético, futurístico, que aponta para a última hora ou a hora em que virão: a grande tribulação; o surgimento de muitos anticristos – além dos que já existiram ou existem – e o Anticristo (principal); a volta do Senhor; a ressurreição dos mortos; o fim do mundo…

Veja também o vídeo de André Sanchez a seguir, sobre a primeira parte do assunto, “como as horas eram contadas na Bíblia”.


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] As referências bíblicas utilizadas em todo o artigo são da versão A.C.F. - Almeida Corrigida Fiel. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf>.
  • [2] BRUCE, Frederick Fyvie. Hora. Apud: SHEDD, R. P. (Editor). O Novo Dicionário da Bíblia, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1979 (3ª ed.), pág. 723.
  • [3] Veja também o cronograma feito por Jesse de Barros, aqui.

  • [4] CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. São Paulo: Hagnos. 2002, Vol. I, pág. 425 (comentário sobre Mt 14.25).

  • [5] CHAMPLIN (Nota 4): Comentário de Mateus 20.9, pág. 498. 
  • [6] MCNAB, Andrew. In: SHEDD, Russel P. (Editor). O Novo Comentário da Bíblia, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1963 (1ª ed.). Comentário sobre IPe 4.17. 
  • [7] In: SHEDD (Nota 7). Comentário sobre 1João 2.18.