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27 de outubro de 2025

Ética situacional: breve análise bíblica

 
Ilustração: Ética situacional [1]

Sobre o conceito de ética, já vimos brevemente: Ética x moral; Ética bíblica; Ceticismo e ética;  Ética situacional... Sobre este último, vimos como Fletcher analisa a ética do ponto-de-vista da “lei do amor”. A ética situacional de Joseph Fletcher defende que a única lei moral absoluta é o amor (ágape), e que as decisões morais devem ser tomadas com base nas circunstâncias de cada situação, e não em regras fixas. O amor, entendido como uma ação sacrificial e não apenas como sentimento, guia a escolha do que é melhor para a situação em questão, justificando o uso de qualquer meio se o fim for amoroso... Mas, a Bíblia realmente ensina a ética situacional? Vejamos a seguir o que diz o Ministério Got Questions [2] sobre isto.

A ética situacional é uma visão particular da ética moral que sustenta que a moralidade de um ato é determinada por seu contexto. A ética situacional afirma que se há um certo e errado, ele é simplesmente determinado pelo resultado desejado da situação. A ética situacional é diferente do relativismo moral porque o relativismo moral afirma que não há certo ou errado. A ética situacional desenvolve um código de ética no qual atender às necessidades de cada situação determina o que é certo ou errado.

De capa a capa, a Bíblia é verdadeira, consistente e aplicável. A Bíblia ensina, admoesta ou até mesmo inclina-se a defender a ética situacional? A resposta curta é "não". Vamos considerar três princípios: 1) Deus é o criador e sustentador. 2) Toda a Palavra de Deus é verdadeira, até mesmo as partes de que não gostamos ou entendemos. 3) O certo e o errado são determinados e definidos por quem Deus é.

1.    Deus é o criador e sustentador

A ética situacional afirma que a moralidade é determinada pelo ambiente ou circunstância. A Palavra de Deus diz que a moralidade é determinada pela soberania de Deus, pois Ele é o criador e sustentador. Isso não é uma questão de semântica, mas de fato. Ainda que Deus desse um comando para um grupo de pessoas e o proibisse a um outro grupo, a determinação de que é certo ou errado, ético ou não, não se baseia na situação, mas sim no comando de Deus. Deus tem a autoridade para governar o certo e o errado. Romanos 3:4 diz: "Antes seja Deus verdadeiro, e todo homem mentiroso."

2.    Toda a Palavra de Deus é verdadeira

Sugerir que a Bíblia defende a ética situacional seria implicar que ela contém erros. Isso não é possível. Não é possível por causa do número 1, Deus é o criador e sustentador.

3.    O certo e o errado são definidos por quem Deus é

O amor é a natureza de Deus. Ele define o que o amor é, não pelo que faz, mas simplesmente por quem é. A Bíblia diz: "Deus é amor" (1 João 4:16). O amor é desinteressado e atencioso com os outros, nunca procura a sua própria glória ou prazer (1 Coríntios 13). Portanto, em virtude de quem é Deus, a Bíblia, sendo dada por Deus e sendo completamente verdadeira, não pode conter um sistema de ética que desafiaria a natureza de Deus. A ética situacional encontra o certo e o errado para agradar a maioria ou uma única pessoa por egoísmo. O amor é o oposto. O amor procura incentivar e encorajar outras pessoas.

Dois problemas fundamentais com a ética situacional são a realidade de uma verdade absoluta e o conceito de amor real. A Bíblia ensina a verdade absoluta, a qual ensina que o certo e o errado são pré-determinados por um Deus Santo. E o amor – a definição de Deus do amor verdadeiro, honesto e real – não deixa espaço para motivações egoístas ou impuras. Mesmo se alguém dissesse que a situação exige abnegação, ainda é uma determinação humana e não divina. As razões de um ser humano para determinar o que é melhor sem o amor verdadeiro são fundacionalmente[3] egoístas.

Então o que acontece quando as coisas parecem certas, mas Deus diz que são erradas? Temos de confiar na soberania de Deus e confiar "que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito" (Romanos 8:28). Se nós pertencemos a Cristo, Deus nos deu o Seu Espírito (João 16), e por meio dEle temos uma compreensão do que é certo e errado. Através dEle, somos convencidos, incentivados e orientados para a justiça. Um desejo sincero de conhecer a verdade de um assunto, juntamente com a busca de Deus, será recompensado com a resposta de Deus. "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos" (Mateus 5:6).     

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Vejamos mais estes textos [4] / comentários:

 “Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.  Mas o que é espiritual discerne bem tudo, e ele de ninguém é discernido. Porque, quem conheceu a mente do Senhor, para que possa instruí-lo? Mas nós temos a mente de Cristo” (1Co 2.14-16).

Examinai tudo. Retende o bem” (1Ts 5.21)

E vós tendes a unção do Santo, e sabeis todas as coisas... E a unção que vós recebestes dele, fica em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina todas as coisas, e é verdadeira, e não é mentira, como ela vos ensinou, assim nele permanecereis” (1Jo 2.20,27).

Comentando sobre 1Co 2.14 (Ora, o homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente), o Dr. C. I. Scofield [5] destaca: “Paulo divide os homens em três classes:

1) psuchikos, significando dos sentidos, sensuais (Tg 3.15; Jd 19), naturais, isto é, o homem adâmico, não renovado pelo novo nascimento (Jo 3.3,5);

2) pneumatikos, significando espirituais, isto é, o homem renovado cheio do Espírito e andando no Espírito em comunhão com Deus (Ef 5.18-20); e

3) sarkikos, significando carnais, isto é, o homem renovado que, andando ‘segundo a carne’, permanece uma criancinha em Cristo (I Co 3.1-4). O homem natural pode ser culto, educado, eloquente, fascinante, mas o conteúdo espiritual das Escrituras lhe é absolutamente oculto; e o cristão carnal só consegue entender as verdades mais simples, ‘o leite’ (1 Co 3.2)”.

São os espirituais que conseguem "julgar todas as coisas" em uma situação complexa que requer discernimento fora do comum e que pode gerar consequências dependendo das escolhas a serem tomadas. Ao decidirem fazer a escolha correta segundo os princípios divinos podem pagar um preço por esta escolha. Essa capacidade de escolha da verdade permite aos seguidores espirituais avaliar a veracidade de ensinamentos e distinguir entre o certo e o errado, mas não se opõe ao mandamento de não julgar de forma hipócrita ou condenatória, especialmente em questões pessoais. E, por falar em escolhas arriscadas, veja o exemplo da aparente “mentira” de Raabe no vídeo a seguir, de Leandro Quadros:


Notas / Referências bibliográficas:

  •  [1] Imagem meramente ilustrativa feita através do Chat Gpt, em 17/10/2025.
  •  [3] Fundacionalismo: “... uma vertente da epistemologia que afirma que só podemos ter certeza de algo se, em algum ponto da linha, pudermos rastreá-lo até uma verdade indubitável e irrefutável. Essa verdade servirá como base a partir da qual todos os nossos outros conhecimentos e crenças poderão ser construídos e justificados...” (In: Expresso existencial). Veja também: Coerentismo e fundacionalismo.  
  •  [5] SCOFIELD, C. I. Nota sobre 1Co 2.14. In: Bíblia Sagrada (ARA). São Paulo: Imprensa Batista Regular do Brasil: 1987. 

18 de outubro de 2025

Joseph Fletcher e a Lei do Amor

Joseph Fletcher [1]

O que me motivou a falar aqui sobre Joseph Fletcher foi buscar conhecer um pouco acerca de seu ponto de vista sobre valores cristãos e o que ele chama de “ética situacional”. Numa época de pragmatismo, relativismo, consequencialismo, ideologia/narrativa, “governo do amor” etc., torna-se importante saber sobre as mentes pensantes por trás destes conceitos. E Fletcher é uma destas mentes, cuja teologia serviu e serve de base para a (tentativa de) aplicação de uma ética cujo “fim justifica os meios”.

Joseph Francis Fletcher (1905–1991) [2] foi um teólogo e filósofo norte-americano conhecido como o principal formulador da ética situacional (ou ética da situação), apresentada em sua obra Situation Ethics: The New Morality (1966).

O pensamento de Fletcher em relação à ética situacional baseada no “amor ágape”[3] já tinha embasamento nas ideias  de outros pensadores e concentrava-se:

·   na "vontade de Deus para a comunidade" (Brunner);

·   na "receptividade para com a exigência do amor" (Barth);

·  em se "deixar que o amor de Deus flua através de nós"; “onde há amor, nenhum outro preceito é necessário" (Nygren );

Assim, foi consagrado seu tema da ética situacional. Como enfatiza Reginald E. O. White [4], ela não depende das percepções cristãs. Fletcher cita expressões e precedentes bíblicos quando é conveniente e menciona oito "textos de prova" para sua "norma do amor" incluindo palavras de Jesus, a respeito do Grande Mandamento, e de Paulo, sobre o amor que cumpre a lei, mas nada vê de especialmente diferente ou sem igual nas escolhas do cristão. A amorosidade é o motivo operante com plena força, por trás das decisões de muitos não-cristãos.

Além disso, Fletcher rejeita todas as normas reveladas, exceto o mandamento do amor. Jesus não tinha regras nem sistemas de valores; princípios reverenciados, até mesmo os Dez Mandamentos, podem ser colocados de lado se entrarem em conflito com o amor. Violar o sétimo mandamento, por exemplo, pode ser uma coisa boa: depende de se os interesses do amor são plenamente revelados. As relações sexuais antes do casamento se a decisão for feita de modo "cristão" podem ser certas. Não há nenhuma ética pessoal, visto que a moralidade depende do relacionamento do amor, o que torna o Sermão do Monte supérfluo em grande medida. Paradoxalmente, ao fazer tudo depender da reação instante e intuitiva do agente diante das circunstâncias, a ética situacional exclui qualquer padrão generalizado de moralidade aplicável aos outros ou à sociedade outro sabor nitidamente não-cristão.

"A fé que opera pelo amor" oferece um alicerce para a norma do amor, mas não é essencial; um homem sincero, inteligente e sábio pode rejeitar a Cristo sem afetar a sua moralidade situacional. A base da norma é nossa decisão de que ela será o amor; para alguns, isto dependerá de uma decisão (não revelação) prévia de que Deus é amor.

Procura-se apoio num famoso ditado de Agostinho: "Ama, e faze o que queres" – "seis palavras benditas, parte do patrimônio dos emancipados", que fazem de Agostinho o santo padroeiro da "nova moralidade". Este fato ilustra bem o perigo da moralidade dos lemas, porque naquele contexto (Homilias, 1 Jo 7.8, 10.7) Agostinho está argumentando que é uma atitude amorosa o uso da força do Estado para obrigar os hereges donatistas a "entrarem" na festa ortodoxa do evangelho; o argumento de uma consciência inquieta que procura tristemente comprovar que um fim "amoroso" justifica quaisquer meios usados, produzindo um princípio que foi o alicerce para toda a perseguição religiosa a partir de então. Fica claro que tudo depende daquilo que é incluído na conduta amorosa.

Mas na ética situacional somente uma coisa é intrinsecamente boa – o amor, "um modo de se relacionar com as pessoas e de usar coisas". O fim procurado, o amor, é o único critério, e exclusivamente ele justifica os meios. Não há regras determinadas somente o amor. A única pergunta a ser levantada em qualquer situação é: O que produzirá a quantidade máxima de amor? A pessoa não recita textos, deveres, mandamentos, virtudes, obrigações, nem estima consequências: a pessoa reage em cada situação como o eu livre, exercitando o amor responsável, e pratica ou evita uma coisa segundo as exigências do amor. Esta atitude simplifica, liberta e é suficiente. Nenhuma outra orientação é necessária ou possível numa era tão nova. E porque as situações modernas podem ser mesmo tão complexas, o amor pode facilmente achar-se sacrificando os outros (para preservar segredos da guerra); contando mentiras; furtando; permitindo-se práticas homossexuais, "autossexuais", promíscuas ou adúlteras; lançando bombas atómicas; aprovando o aborto, a prostituição ou a poligamia.

Na superfície, há muita coisa atraente para os cristãos “A única lei é a lei do amor, de Cristo"; mas o critério-chave permanece essencialmente vago, porque não fica definido qual é o alvo do amor. É totalmente individualista, impulsivo, produto da situação: todas as obrigações são dissolvidas no impulso amoroso. Talvez seja verdadeiro que semelhante "amor" não é peculiar aos cristãos: mas o amor cristão o é.

Se for alegado que a norma é o amor ensinado por Jesus, logo é incoerente abandonar o Seu conceito de amor como o cumprimento, e não a revogação, da lei divina: argumentar que Jesus tinha razão somente no tocante ao amor, mas que estava enganado quanto à castidade, ao divórcio, à autodisciplina, aos mandamentos de Deus; e é bem falso reivindicar a Sua autoridade para qualquer coisa que o "amor" desculpe – o aborto, o sexo extraconjugal, as mentiras e as demais coisas. Sempre que se apela à autoridade de Cristo, o significado dEle deve ser mantido. Fletcher não raciocina, em lugar algum, acerca daquilo que o amor requer; os evangelhos estão repletos de ilustrações daquilo que Jesus queria dizer com isso, e fica abundantemente claro, no NT inteiro, que o amor cristão proíbe positivamente a fornicação, o adultério, o assassínio, a mentira, o furto e muitas coisas mais. Aquilo que o amor requer, e aquilo que ele exclui, não é deixado aos impulsos intuitivos e sem instrução.

Desta forma, embora a aparente simplificação também seja atraente, a norma do amor, que com justa razão é suprema, não é autossuficiente. Muita coisa deve ser conhecida de antemão quanto ao alvo cristão para a vida e os indivíduos, no tocante à escala de valores cristãos, acerca daquilo que realmente é bom para o nosso próximo e quanto à vontade de Deus em cada situação, antes de o amor saber o que fazer. A "situação", também, não é um mero acaso, mas uma oportunidade dentro da qual a providência colocou o cristão, com indicações do dever e da orientação divina Pressupõem-se bastante percepção, conhecimento e maturidade espiritual. A ética situacional é, na melhor das hipóteses, uma etapa final no crescimento moral, que vem depois de etapas anteriores que precisam de diretrizes, experiência emprestada e instrução clara. Fletcher reconhece tacitamente este fato, ao pressupor que o amor inclui inteligência, informação, previsão, prudência e muitas coisas mais.

Finalmente, a imediação prática da ética situacional é atraente aos cristãos. Sugere que o indivíduo está "aberto à inspiração do momento" quanto àquilo que deve fazer. Mas o indivíduo cristão não está totalmente aberto aos impulsos imediatos do amor caprichoso simplesmente por ser ele cristão. Ele confronta todas as situações com a mente e o coração já moldados pela experiência cristã, herdando (até certo grau) a longa tradição cristã daquilo que é certo, e tendo um compromisso com a fé e obediência do cristianismo. Com o exemplo de Jesus diante dos seus olhos, entra em cada nova situação tendo "a mente de Cristo". Sua norma de comportamento, portanto, embora certamente deva ser aplicada a situações variadas e sem precedentes, está, na realidade, arraigada no passado, expressa na encarnação do ideal em Cristo.

Hoje, o cristão alerta realmente enfrenta de modo renovado cada nova situação e confia na inspiração do Espírito de Jesus para saber como agir com amor; mas as diretrizes estão claras. Sua norma para todas as circunstâncias é a imitação de Cristo. Despojada de exageros e concentrada em Jesus, a ética situacional tem muita coisa para ensinar àqueles para quem a citação de textos antigos é orientação suficiente para os problemas contemporâneos...

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Resumindo, a ética situacional de Joseph Fletcher defende que a única lei moral absoluta é o amor (ágape), e que as decisões morais devem ser tomadas com base nas circunstâncias de cada situação, e não em regras fixas. O amor, entendido como uma ação sacrificial e não apenas como sentimento, guia a escolha do que é melhor para a situação em questão, justificando o uso de qualquer meio se o fim for amoroso... Essa abordagem nos fazer pensar no numa expressão muito falada hoje no Brasil: “governo do amor”. Pode-se, inclusive, traçar um paralelo entre ambos: a centralidade do amor como norma ética (?) e a medida de todas as decisões, além da crítica ao legalismo, à rigidez institucional, mas com o de chegar ao fim último: “o fim justifica os meios”.

Neste artigo [5] (Escola Goffs) é mencionado que embora as ideias de Joseph Fletcher “estivessem enraizadas na Bíblia, eram novas e, para alguns, chocantes!” para a época (1966) e que “... mais tarde, tornou-se ateu e participou da Associação Americana de Eutanásia e da Associação para Esterilização Voluntária...”.

Sobre uma resposta bíblica para o conceito de “ética situacional” falaremos mais em outro artigo.


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] Imagem ilustrativa feita pelo Chat GPT, em 14/10/2025.

  • [3Amor (Ágape): “’… boa vontade atuando em parceria com a razão” na busca do “melhor interesse do próximo, com um olhar atento a todos os fatores da situação’. Ágape é preocupação com os outros. Fletcher usa o termo “melhor interesse”, então isso parece muito semelhante ao utilitarismo de Singer. Agimos por amor aos outros, tentando fazer o melhor para servir aos seus interesses” (Idem, Nota 5).

  • [4] WHITE, R. E. Oscar. Ética situacional. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág.94 a 96 (texto adaptado).


 

7 de outubro de 2025

Bispos e Papas (18): Antero

Bispo Antero [1]

O próximo bispo de nossa lista (bispos e papas romanos), que queremos destacar aqui é o Bispo Antero. Na lista de Eusébio de Cesareia, em História Eclesiástica (HE) [2] encontramos: “Depois de Maximino, Gordiano recebeu em sucessão o principado dos romanos, e a Ponciano, que havia exercido o episcopado da igreja de Roma por seis anos, sucedeu Antero, que depois de servir no cargo durante um mês, teve como sucessor Fabiano” (HE, 6, XXIX – Destaques meus).

Veja que Eusébio afirma que Antero teve um episcopado muito curto, de apenas um mês ou pouco um mais. Assim, conforme esta [3] e mais esta [4] e esta outra [5] fontes católicas, o Papa ou Bispo Antero:

§  Exerceu seu episcopado entre “21 de novembro de 235 a 3 de janeiro de 236”.

§  Foi filho de Rômulo e nasceu na Magna Grécia, na região que hoje é a Calábria, de uma família de origens gregas, mas seu nome indica que ele foi um escravo livre.

§  Sua eleição foi marcada pelo enfrentamento da oposição de um sacerdote de nome Nereu de Chipre, que desejava o trono de São Pedro, mas não reuniu adeptos em número suficiente para apoiar as suas pretensões.

§  Pouco se sabe da sua morte, mas provavelmente foi condenado à morte por Maximino Trácio.

§  Ordenou a compilação de documentos canônicos oficiais, recolhidos e conservados na Igreja, em um lugar chamado scrinium. Muitas recompilações foram queimadas por ordem do imperador Diocleciano, mas voltaram a ser redigidas para desaparecerem novamente nos tempos do Papa Honório III (1225).

Segundo o Portal São Francisco (Nota 5) “Antero Promoveu a coleção de Os Atos dos Mártires, uma ordenação das atas concernentes aos mártires da Igreja, determinando que fossem lavradas cópias para serem guardadas nas igrejas. Sua iniciativa irritou o imperador romano Máximiano, um bárbaro da Trácia, que o levou à condenação e execução, tendo seu corpo sido sepultado junto às catacumbas de São Calixto. Sua morte violenta, associada a sua humildade e grande carisma pessoal, resultou em milhares de conversões entre os romanos e gregos pagãos e até entre a guarda pessoal do imperador...”.

Lembrando que nossa lista segue uma ordem diferente da Teologia Católica, uma vez que esta considera o apóstolo Pedro como o primeiro papa.


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] Imagem (adaptada) e meramente ilustrativa. Disponível em: Paróquia de Coreaú (Nota 4). Acesso em: 06/10/2025.

  • [2] CESAREIA, Eusébio. História Eclesiástica: os primeiros quatro anos da Igreja Cristã. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.

3 de setembro de 2025

A Escatologia de Hipólito e o Fundamentalismo Protestante

 Por: Alcides Amorim

Hipólito de Roma[1]

Sobre o comentário acerca das setenta semanas de Daniel, feito pelo Dr. C. I. Scofield [2], ele cita dois Pais da Igreja, Irineu e Hipólito, cuja escatologia se assemelhava à dos fundamentalistas. Sobre o primeiro já falamos aqui e aqui e, sobre Hipólito, veja o conteúdo abaixo.

1.    Quem era Hipólito [3]

Hipólito de Roma (c. de 170-c. de 236) foi um presbítero de língua grega na igreja em Roma que liderou um cisma contra o Bispo Calixto. Ele e um bispo posterior de Roma, Ponciano, foram exilados para a Sardenha durante a perseguição feita pelo imperador Maximino (235) Ponciano e Hipólito aparentemente foram reconciliados antes de morrerem na Sardenha, e vieram a ser considerados mártires.

Hipólito escreveu vários documentos importantes. A Refutação de todas as Heresias (as vezes chamada Philosophoumena) trata principalmente das seitas gnósticas, fazendo seus erros remontarem à filosofia. A Tradição Apostólica é a fonte mais completa no tocante aos costumes organizacionais e litúrgicos da Igreja ante-niceana [4] – e abrange o batismo, a eucaristia, a ordenação e a festa do amor ágape). O Comentário de Daniel é o mais antigo da Igreja Ortodoxa; expõe uma escatologia quillasta [5]. Contra Noeto opõe-se a uma antiga forma de modalismo. Uma estátua de Hipólito, presumivelmente preparada durante sua vida, traz uma inscrição que alista seus escritos e registra uma tabela de cálculo da data da Páscoa.

As opiniões de Hipólito foram aguçadas por sua controvérsia com Calixto. Além de suas diferenças pessoais (Calixto era um ex-escravo com pouca educação formal, Hipólto, uma pessoa livre com muita cultura) e da rivalidade pelo episcopado, os dois homens discordavam doutrinariamente no tocante a duas considerações importantes. Hipólito defendia a cristologia do Logos e fazia tanta distinção entre o Pai e Cristo, que Calixto o chamava de "diteísta"; Calixto e seu antecessor, Zeferino, enfatizavam a união divina, de tal maneira que Hipólito não via diferença entre as opiniões deles e o modalismo de Sabélio. Hipólito adotava um conceito rigorista da disciplina eclesiástica, e negava a reconciliação com a igreja àqueles que eram culpados dos pecados mais graves, deixando nas mãos de Deus o perdão; Calixto adotava um conceito mais lasso, e estava disposto a conceder o perdão da igreja, especialmente nos casos de pecados sexuais.

2.    Sua escatologia

§  A última semana de Daniel (9.27) / o Anticristo.

A exemplo de Irineu de Lyon, Hipólito de Roma também interpretou as setenta semanas de Daniel (Dn 9.24-27) como um período literal de 490 anos, conectando a última semana (70ª) diretamente com a vinda do Anticristo e os acontecimentos finais da história a exemplo também dos dispensacionalistas. A primeira metade da última semana era um período de aparente paz e aliança feita pelo Anticristo, enquanto a segunda metade, um período de extrema perseguição, abolição do sacrifício, “abominação da desolação” e domínio do Anticristo sobre o mundo. Esta fase é explicada e conectada também pelos períodos de tempos mencionados em Daniel e Apocalipse: 1260 dias (Ap 11.3; 12.6), 42 meses (Ap 11.2; 13.5) e tempo, tempos e metade de um tempo (Dn 12.7; Ap 12.14). Após este período de tribulação, Cristo intervirá e instaurará seu Reino definitivo.

§  Arrebatamento da Igreja / Milênio:

Sobre o arrebatamento, Hipólito não o via como um evento secreto como fazem os dispensacionalistas. Para ele, a igreja passará pela perseguição do Anticristo, especialmente durante os últimos 3 anos e meio da semana de Daniel. Espera-se que os fiéis sejam perseverantes e aguardem a manifestação gloriosa de Cristo no final da última semana. Na verdade, a ordem dos eventos do final dos tempos para Hipólito será:  Aparecimento do Anticristo (Dn 7.25; 9.27; 11.36; Ap 13); Perseguição dos santos: a Igreja sofreria durante o reinado de 3 anos e meio; Segunda vinda de Cristo: Cristo destruiria o Anticristo e instauraria o reino. Ressurreição/arrebatamento: ocorre na manifestação de Cristo, quando os justos são reunidos a Ele (1Ts 4.16-17). Mas, como Irineu e os dispensacionalistas modernos, Hipólito também cria em um reinado terreno (literal) de Cristo por mil anos.

Numa tabela criada pelo ChatGPT [6], relacionando Hipólito e dispensacionalistas, em relação ao tempo do fim temos:  

Evento

Hipólito de Roma

Dispensacionalismo

a)  Última semana de Daniel (Dn 9.27)

§ É futura e se refere ao governo do Anticristo. Dividida em duas metades de 3 anos e meio: paz aparente (1a);

§ Perseguição da Igreja (2a).

§ Idem.

b)   Anticristo

§ Figura real, governará 3 anos e meio, abolirá o sacrifício, instaurará a abominação da desolação e perseguirá os santos.

§ Também é figura real, dominará durante a Tribulação e fará pacto com Israel.

c)   Destino da Igreja durante a tribulação

§ A Igreja permanece na terra e sofre perseguição do Anticristo. Não há livramento antecipado.

§ Igreja é arrebatada antes da Tribulação (pré-tribulacionismo).

§ Alguns grupos aceitam arrebatamento no meio ou no fim da tribulação.

d)  Arrebatamento / Ressurreição (1Ts 4.16-17)

§ Acontece junto com a segunda vinda de Cristo, após a tribulação. É público e glorioso.

§ O arrebatamento é secreto e anterior à tribulação (pré-tribulacionismo clássico). Depois, ocorre uma segunda vinda visível de Cristo.

e) Milênio (Ap 20.4-6)

§ Literal: Cristo reinará 1.000 anos na terra após derrotar o Anticristo.

§ Também literal: Cristo reinará por 1.000 anos após a Tribulação.

f)   Israel e Igreja

§ Não faz distinção rígida: judeus e gentios em Cristo é perseguido pelo Anticristo e depois participa do Reino.

§ Forte distinção: Israel e Igreja têm destinos diferentes. A Tribulação é voltada a Israel; a Igreja já terá sido arrebatada.

g)  Sequência final

§ Anticristo Tribulação Segunda Vinda de Cristo Arrebatamento/Ressurreição Milênio Juízo final Eternidade.

§ Arrebatamento (antes da tribulação) 7 anos de Tribulação (Israel no centro) Segunda Vinda visível Milênio Juízo final Eternidade.

Para concluir, percebemos as ideias de Hipólito convergiam com as de dispensacionalistas, principalmente na crença da vinda de Anticristo real, uma última semana de Daniel futura e um milênio literal. A diferença crucial está no fato de que Hipólito coloca o arrebatamento apenas no fim da tribulação, enquanto o dispensacionalismo (clássico) defende que a Igreja não estará na tribulação, pois será retirada antes. Podemos afirmar, portanto, que Hipólito é um pós-tribulacionista milenarista, enquanto para o dispensacionalismo a ideia mais difundida é o pré-tribulacionista milenarista.

Resumo no vídeo a seguir:


Notas:

  •  [2] Cyrus Ingerson Scofield (1843–1921): “... foi um influente ministro americano. Sua Bíblia de Referência Scofield , repleta de anotações úteis sobre o texto, foi publicada em 1909 e se tornou o padrão para uma geração de cristãos fundamentalistas e popularizou a teologia dispensacionalista...”. Veja mais aqui, aqui e também aqui.  

  •  [3] FERGUSON, Everett. Hipólito. In: ELWELL, Walter. A. (Editor). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1988 (1ª Ed.), pág. 251-252.

  •  [4] Isto é, A Tradição Apostólica de Hipólito foi uma das fontes teológicas que serviram de base para o Concílio de Niceia, o primeiro dos concílios ecuménicos, ocorrido no ano 325.

  •  [5] Quiliasta: aquele que defende a crença num "Reino Milenar" literal onde Cristo reinará na Terra após a sua segunda vinda, com base em interpretações de passagens bíblicas como Apocalipse 20.1-6 e outras.

  •  [6] Para montagem deste quadro, o ChatGpt usou como base Exposição sobre Daniel de Hipólito.