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27 janeiro 2024

A teologia da morte de Deus

Por: Alcides Amorim

Sátira da Criação [1]


Pensei na imagem acima por citar o filósofo Nietzsche o qual aventou a ideia estúpida de que “Deus está morto”. Mas resolvi descrever um pouco o assunto, aproveitando as contribuições de S. N._Gundry [2], com seu texto “Teologia da morte de Deus”, itens 1 e 2 abaixo, a resposta bíblica sobre o assunto, do portal Gotquestions.org e adição do vídeo de Jonas Madureira abaixo.


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Conhecida também como a teologia radical, essa teologia floresceu em meados da década de 1960. Como movimento teológico nunca atraiu muitos seguidores, não chegou a uma expressão unificada e saiu de cena de modo tão rápido e dramático quanto surgiu. Há até mesmo uma falta de concordância quanto à identidade dos seus representantes principais. Alguns identificam dois deles, e outros, três ou quatro. Embora fosse pequeno, o movimento atraiu atenção por ter sido um sintoma espetacular da falência da teologia moderna, e por ter sido um fenômeno jornalístico. A própria declaração: "Deus está morto” foi feita sob medida para ser explorada jornalisticamente. Os representantes do movimento usaram artigos de revistas, livretos e meios de comunicação eletrônicos com eficácia.

1. Sua História

Esse movimento deu expressão a uma ideia que tinha sido incipiente na filosofia e na teologia ocidentais por algum tempo a sugestão de que, na melhor das hipóteses, a realidade de um Deus transcendente não poderia ser conhecida e, na pior delas, não existia mesmo. O filósofo Kant o o teólogo Ritschi negaram que alguém pudesse ter um conhecimento teorético [3] da existência de Deus. Hume e os empiristas, para todos os fins práticos, restringiam o conhecimento e a realidade ao mundo material conforme ele é percebido pelos cinco sentidos. Posto que não era possível averiguar de modo empírico a existência de Deus, dizia-se que a cosmovisão bíblica era mitológica e inaceitável à mente moderna. Os filósofos existencialistas ateus tais como Nietzsche, desesperavam-se até mesmo da possibilidade de empreender uma busca de Deus; foi o próprio Nietzsche quem cunhou a frase "Deus está morto” quase um século antes dos teólogos da morte de Deus.

Os teólogos dos meados do século XX, não associados com o movimento, também contribuíram para o contexto em que emergiu a teologia da morte de Deus. Rudolf Bultmann considerava mitológicos todos os elementos do mundo sobrenaturalista e teísta, e propôs que as Escrituras fossem demitizadas de modo que pudessem falar a sua mensagem à pessoa moderna. Paul Tillich, um anti-sobrenaturalista declarado, disse que a única declaração não-simbólica que se podería dizer a respeito de Deus era que Ele é a própria existência. Ele está além da essência e da existência; por isso, argumentar que Deus existe é negá-lo. É mais apropriado dizer que Deus não existe. Na melhor das hipóteses, Tillich era um panteista, mas seu pensamento chega à beira do ateísmo, Dietrich Bonhoeffer (quer tenha sido entendido corretamente, quer não) também contribuiu para formar o ambiente para essa opinião com algumas declarações fragmentárias porém atormentadoras conservadas em Letters and Papers from Prison ("Cartas e Papéis da Prisão"). Ele escreveu sobre o mundo e a humanidade "chegando à maioridade", do "cristianismo sem religião", do "mundo sem Deus", do livrar-se do "Deus das lacunas" e progredir tão bem como antes. Nem sempre há certeza quanto à intenção de Bonhoeffer, mas se não conseguiu fazer mais nada, pelo menos forneceu um vocabulário que os teólogos radicais posteriores podiam explorar.

Torna-se claro, portanto, que por mais assustadora que a ideia da morte de Deus tenha sido ao ser proclamada em meados da década de 1960, não representava um afastamento tão radical de ideias e vocábulos filosóficos e teológicos recentes quanto talvez parecesse superficialmente.

2. Sua Natureza

Que era, exatamente, a teologia da morte de Deus? As respostas são tão variadas quanto as pessoas que proclamaram o falecimento de Deus. Desde Nietzsche, os teólogos tinham ocasionalmente usado a frase "Deus está morto” para expressar o fato de que, para um número cada vez maior de pessoas na era moderna Deus parece ser irreal. Mas a ideia da morte de Deus começou a receber um destaque especial em 1957, quando Gabriel Vahanian publicou um livro chamado God Is Dead ("Deus Está Morto"). Vahanian não ofereceu nenhuma expressão sistemática da teologia da morte de Deus. Ao invés disso, analisou aqueles elementos históricos que contribuíram para a aceitação do ateísmo pelas massas, mais como modo de vida do que como uma teoria. O próprio Vahanian não acreditava que Deus estava morto. Mas insistia para que houvesse uma forma de cristianismo que reconhecesse a perda contemporânea de Deus e exercesse a sua influência através daquilo que sobrara. Outros proponentes da morte de Deus avaliaram da mesma forma a situação de Deus na cultura contemporânea, mas tiraram conclusões diferentes.

Thomas J. J. Altizer acreditava que Deus realmente tinha morrido. Mas Alizer frequentemente falava em linguagem exagerada e dialética, ocasionalmente com fortes sugestões do misticismo oriental. Às vezes é difícil saber exatamente o que Alize pretendia quando usava antíteses dialéticas tais como “Deus está morto, graças a Deus!” Mas parece que o verdadeiro sentido da crença de Altizer de que Deus morrera deva ser achado na sua crença na imanência de Deus. Dizer que Deus morreu é dizer que Ele deixou de existir como um ser transcendente e sobrenatural. Na verdade, Ele Se tornou plenamente imanente no mundo. O resultado é uma identidade essencial entre o humano e o divino. Deus morreu em Cristo nesse sentido, e o processo tem continuado repetidas vezes desde então. Altizer alega que a igreja tentou dar a Deus uma nova vida e colocá-lo de volta no céu mediante as suas doutrinas da ressurreição e da ascensão. Mas agora, as doutrinas tradicionais a respeito de Deus e de Cristo devem ser repudiadas porque o homem descobriu, depois de dezenove séculos, que Deus não existe. Os cristãos devem agora mesmo desejar a morte de Deus, mediante a qual o transcendente se torna imanente.

Para William Hamilton, a morte de Deus descreve o evento que muitos têm experimentado ao longo destes últimos cem anos. Já não aceitam a realidade de Deus nem a relevância da linguagem a respeito dele. As explicações não-teístas foram substituídas pelas teístas. Essa tendência é irreversível, e todos devem conformar-se com a morte histórico-cultural de Deus. A morte de Deus deve ser afirmada e o mundo secular deve ser aceito por ser intelectualmente normativo e eticamente bom. De fato, Hamilton era otimista a respeito do mundo, porque era otimista a respeito daquilo que a humanidade poderia fazer e estava fazendo para solucionar os seus problemas.

Paul van Buren é geralmente associado à teologia da morte de Deus, embora ele pessoalmente tenha negado essa ligação. Mas sua negação parece hipócrita tendo-se em consideração o seu livro: The Secular Meaning of the Gospel ("O Sentido Secular do Evangelho") e seu artigo "Christian Education Post Mortem Dei". Naquele, aceita o empirismo e a posição de Bultmann no sentido de a cosmovisão da Biblia ser mitológica e insustentável para as pessoas modernas. Neste, propõe uma abordagem à educação cristã que não pressuponha a existência de Deus, mas que "Deus morreu" e "já Se foi".

Van Buren ocupava-se com os aspectos linguísticos da existência e da morte de Deus. Aceitava a premissa da filosofia analítica empírica de que o verdadeiro conhecimento e significado podem ser transmitidos somente por linguagem empiricamente averiguável. Esse é o princípio fundamental dos secularistas modernos, e a única opção viável nesta era. Se apenas a linguagem empiricamente averiguável é relevante, logo, toda a linguagem que se refira à realidade de Deus, ou a tome por certa, não tem significado, posto que não se pode averiguar a existência de Deus por nenhum dos cinco sentidos. O teísmo, a fé em Deus, não somente é intelectualmente insustentável, como também é destituído de significado. Em The Secular Meaning of the Gospel, van Buren procura reinterpretar a fé cristă sem fazer referência a Deus. Procura-se em vão no livro inteiro até mesmo um mínimo indício de que van Buren seja outra coisa senão um secularista que procura traduzir os valores éticos cristão segundo aquele mesmo jogo de linguagem. Hå uma mudança notável, porém, no livro posterior de van Buren: Discerning the Way ("Discernindo o Caminho"). Em retrospecto, fica claro que não houve uma só teologia da morte de Deus, mas várias teologias da morte de Deus. A verdadeira relevância delas foi que as teologias modernas, ao abrirem mão dos elementos essenciais da fé em Deus sustentada pelos cristãos, chegaram, logicamente, a coisas que são verdadeiras antiteologias. Quando as teologias da morte de Deus desapareceram do cenário, permaneceu o compromisso com o secularismo e ele se manifestou em outras formas de teologia secular no fim da década de 1960 e na década de 1970.

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Resposta bíblica: “Se Deus está morto, então [4]…”

O termo técnico para o ensino de que "Deus está morto" é a teotanatologia, um composto de três partes do grego: theos (deus) + thanatos (morte) + logia (palavra). O poeta e filósofo alemão Friedrich Nietzsche é mais famoso por fazer a declaração "Deus está morto" no século XIX. Nietzsche, influenciado pela filosofia grega e pela teoria da evolução, escreveu: "Deus está morto. Deus continua morto! E nós o matamos! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos?... A grandeza desse ato não é demasiado grande para nós? Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele?" (Nietzsche, A Gaia Ciência, 125).

Nietzsche tinha o propósito de abolir a moralidade "tradicional" — o Cristianismo, em particular — porque, em sua mente, representava uma tentativa de líderes religiosos egoístas para controlar as massas fracas e irrefletidas. Nietzsche acreditava que a "ideia" de Deus não era mais necessária; de fato, Deus era irrelevante porque o homem estava evoluindo ao ponto de poder criar uma "grande moralidade" mais profunda e satisfatória.

A filosofia de que "Deus está morto" de Nietzsche tem sido utilizada para avançar as teorias do existencialismo, niilismo e socialismo. Teólogos radicais como Thomas J. J. Altizer e Paul van Buren defenderam a ideia de que "Deus está morto" nos anos 60 e 70.

A crença de que Deus está morto e que a religião é irrelevante leva naturalmente às seguintes ideias:

1) Se Deus está morto, não há valores absolutos morais e nenhum padrão universal ao qual todos os homens devam se conformar.

2) Se Deus está morto, não há propósito ou ordem racional na vida.

3) Se Deus está morto, qualquer design encontrado no universo é enxergado por homens que estão desesperados para encontrar o significado na vida.

4) Se Deus está morto, o homem é independente e totalmente livre para criar seus próprios valores.

5) Se Deus está morto, o mundo "real" (ao contrário de um céu e um inferno) é a única preocupação do homem.

A ideia de que "Deus está morto" é essencialmente um desafio à autoridade de Deus sobre nossas vidas. A noção de que podemos criar com segurança nossas próprias regras foi a mentira que a serpente disse a Eva: "... vocês serão como deuses" (Gênesis 3:5). Pedro nos adverte que "... também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição" (2 Pedro 2:1).

O argumento "Deus está morto" geralmente é apresentado como uma filosofia racional e capacitadora para artistas e intelectuais. No entanto, a Escritura o chama de tolo. "Diz o insensato no seu coração: Não há Deus…" (Salmo 14:1). Ironicamente, aqueles que se apegam à filosofia "Deus está morto" descobrirão o erro fatal nessa filosofia quando eles mesmos estiverem mortos.

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Bem, Friedrich Nietzsche era ateu? Há muita discussão sobre o assunto. Mas se não ateu, era no mínimo, um niilista, alguém que rejeita e é cético quanto ao valor e propósito da vida e da existência, não aceita os valores tradicionais nem a verdade absoluta. O estrago de quem pensa assim e é influenciado, discutido, seguido... nos meios acadêmicos é muito grande. Os itens 1 a 5 do texto da resposta bíblica acima demonstra bem isto. Veja mais sobre isto no vídeo, link a seguir...


Notas:

  • [2] Stanley Norman Gundry “… um teólogo evangélico americano, professor de seminário, editor e autor. Ele atuou como editor da série Zondervan ‘Counterpoints’, que apresenta várias visões sobre uma variedade de tópicos teológicos...”(Wikipedia). O texto em referência – Teologia da morte de Deus – é uma contribuição de Gundry para: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. III. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 486 a 489 (Texto adaptado).

  • [3] Teorético traduz a ideia de que teoricamente não se pode conhecer a Deus. O conhecimento humano não basta para se conhecer a Deus.

19 janeiro 2024

A Segunda Guerra Mundial e o Contexto Cristão

Por: Alcides Amorim


Já destacamos, em relação ao estudo sobre a Primeira Guerra Mundial, os seus aspectos políticos, sociais e econômicos, e também a posição teológico-cristã, sobretudo da pessoa de Karl Barth, considerado o maior teólogo do século XX. Na época, diversos promotores da paz, cristãos como o papa Bento_XV, os protestantes Söderblom, Harnack e o próprio Barth, apelaram para a obtenção da paz através da comunhão cristã. Mas apesar de seus esforços e os de muitos outros, a paz durou apenas cerca de 20 anos, surgindo a Segunda Guerra Mundial, com resultados terríveis sobretudo para os judeus. Como vimos aqui, cerca de 46 milhões de pessoas foram mortas das quais cerca de 6 milhões apenas de judeus. Queremos, portanto, falar um pouco, neste post, sobre os aspectos teológico-cristãos no contexto da segunda grande guerra.

Sobre a posição da Igreja Católica (ou papal?) da época, importante ver algumas informações sobre o italiano Eugenio María Giuseppe Giovanni Pacelli, o Pio XII, que foi papa entre 1939 e 1958, e, portanto, liderou a Igreja por todo o período da Segunda Guerra. Sob o título “'Papa de Hitler' ou 'salvador dos judeus'?”, o jornalista Juan Francisco Alonso da BBC News Brasil, descreve Pio XII como um líder religioso omisso, polêmico e ambíguo, a despeito de afirmar ser “… o nazismo um movimento político pagão que destratava os católicos, [mas] o papa não foi particularmente incômodo para o Terceiro Reich” (Idem). Seu silêncio frente às atrocidades cometidas contra os judeus durante o holocausto, favoreceu muito mais o atroz Hitler do que suas vítimas. Inclusive uma carta de 1942, escrita por um padre jesuíta alemão ao secretário de Pio XII na época, e descoberta recentemente, traz à tona esta polêmica. Na carta, com o título “Pio XII Sabia”, o padre jesuíta Lother Koenig relatava o que estava acontecendo em três campos de concentração (Belzec, Auschwitz e Dachau) e, apesar disso, não o denunciaram publicamente. “Esse silêncio é a razão pela qual muitos historiadores e setores da comunidade judaica consideram o falecido pontífice, que desde 2009 é um aspirante a santo, um cúmplice do Holocausto” (Idem).

Embora textos como este, por exemplo, afirmem que Pio XII se esforçou muito para salvar os judeus, outros, como o referido acima, não concordam que Eugenio María Giuseppe Giovanni Pacelli tenha se esforçado o suficiente para salvar o povo judeu. Inclusive o pesquisador britânico John Cornwell afirma: "Não há dúvida de que muitos católicos — padres, freiras e fiéis — em toda a Europa ocupada salvaram muitos judeus, mas acho escandaloso que o Vaticano afirme que isso aconteceu graças às instruções do papa" (Idem). Em síntese, enquanto alguns padres, freiras e outros fiéis, incluindo leigos católicos lutaram pela paz no mundo, o papel do papa falhou muito nesta missão. De modo que neste período “… embora a reação do papa à perseguição dos judeus na Alemanha e nas áreas ocupadas da Europa deixasse muito a desejar, havia outros católicos arriscando a vida e a liberdade por causa dos irmãos judeus” (Veja aqui). Na verdade, certas decisões da Igreja Católica durante sua história têm sido terríveis para os judeus, não só durante a Segunda Grande Guerra. Por exemplo, em seu artigo, Inédito: conheça todo o ódio, intolerância e perseguição da Igreja Católica aos judeus na história, que é parte de seu livro sobre a Reforma, Lucas Banzoli, depois de fazer um histórico sobre o antissemitismo da Igreja Católica através da história da Igreja, afirma que

“ … o nazismo não foi um mal que surgiu ‘do nada’, mas é antes de tudo o fruto de toda uma mentalidade antissemita que se desenvolveu por séculos, tendo no papado, na Inquisição e na pessoa dos reis católicos o seu pontapé inicial. As ideias de ‘pureza de sangue’ e seus estatutos contra os judeus e seus descendentes serviram de inspiração a Hitler, que não tardou em implementá-los também em seu país. Toda a ideologia nazista era baseada na política de discriminação racial predominante na Idade Média e que já massacrava judeus muito antes de um führer chegar ao poder no século XX. Como um pavio fumegante de uma bomba prestes a estourar, era mera questão de tempo até que o antissemitismo eclesial tomasse a forma de antissemitismo de Estado e resultasse no extermínio de milhões de judeus, não apenas na Alemanha, mas ao redor de todo o mundo” (Idem).


E a posição protestante?

Bem, também no meio protestante havia até a Igreja do Reich, liderada por Ludwig Müller, um pastor luterano antissemita, associado ao nazismo, que defendia o “cristianismo positivo” e considerava Jesus Cristo como sendo ariano.

Mas vale destacar especificamente o papel de Karl_Barth, sobre o qual já falamos, e também o de Dietrich Bonhoeffer (1906–1945) e de um grupo minoritário de cristãos que veio a formar a chamada Igreja Confessante e liderada por Martin Niemöller.

Barth, além de suas contribuições teológicas – interpretações sobre A carta aos romanos –, visando dar uma resposta espiritual aos problemas da Europa, também assumiu posição de resistência frente ao regime nazista, participando da Igreja Confessante, ao lado de Bonhoeffer e Niemöller.

De Niemöller, também sabemos, além de sua sua luta antinazista, de um texto muito conhecido, chamado "Eu me calei", muitas vezes adaptado (parafraseado) conforme as diferentes situações em que o mesmo é lembrado e citado:

Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado – porque não era socialista.
Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado – porque não era sindicalista.
Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado – porque não era judeu.
Foi então que eles vieram me buscar, e já não havia mais ninguém para me defender” (In: Enciclopédia do Holocausto - Martin Niemöller).

Na década de 1920, Niemöller simpatizava com muitas das ideias nazistas, mas após Adolf Hitler chegar ao poder em 1933, Niemöller tornou-se um crítico ferrenho da interferência de Hitler nas igrejas protestantes. Por isso, passou os últimos oito anos do governo nazista, de 1937 a 1945, em prisões e campos de concentração, mas conseguiu sobreviver até 1984. O mesmo não aconteceu com Dietrich Bonhoeffer. Este morreu ainda durante a guerra. E como? Interessante que este artigo de autoria católica afirma que “… antes do fim do primeiro século, o termo ‘santo’ era reservado exclusivamente ao mártir, e o martírio é, ainda hoje, o caminho mais certo para a canonização”. Mas este princípio não se aplicou ao protestante Dietrich Bonhoeffer, que foi morto pelos nazistas! Pois é, “… na madrugada de 9 de abril de 1945, Dietrich Bonhoeffer ‘foi levado nu até o pátio de execuções’ da prisão de Flossenbürg, na Alemanha. ‘Os guardas o ridicularizaram e desprezaram. Aos pés do cadafalso’, Bonhoeffer ajoelhou e orou. ‘Então, subiu os degraus até a forca’, onde morreu cerca de trinta minutos depois, asfixiado por um nó de corda de piano (Bonhoefferblog)”.

O historiador Justo L.González, no último volume de sua obra A era inconclusa (IV): o Protestantismo na Europa, afirma sobre o que Barth declarava "... que a religião é um esforço humano pelo qual nos tentamos esconder de Deus" e baseado nesta afirmação, Bonhoeffer enfatizava um “cristianismo sem religião”, princípio que ficou marcado para o futuro do cristianismo. Em nossas igrejas evangélicas (quase todas), hoje, entendemos que a salvação não está numa religião, mas numa pessoa: Jesus Cristo. Viver para e em Cristo é viver um cristianismo sem religião. E o preço desta escolha foi muito alto para Bonhoeffer. Como ele tornou-se um ferrenho inimigo do regime, a gestapo não o perdoou. González, assim descreve em seu texto sobre Bonhoeffer: 

"... À medida que o exército americano avançava e a derrota se tornava inevitável, o Terceiro Reich passou a eliminar os que considerava seus piores inimigos. Bonhoeffer estava entre eles. Após uma rápida corte marcial, ele foi condenado à morte. Posteriormente, o médico da prisão disse tê-lo visto ajoelhado em sua cela, orando em preparação para a morte. Em 9 de abril de 1945, dois anos e quatro dias após sua prisão, Dietrich Bonhoeffer foi enforcado. Alguns dias depois, a prisão onde ele havia sido executado foi tomada pelo exército americano" (Idem), pág. 71).


Leia também:

Um pouco mais sobre a história de Dietrich Bonhoeffer e o papel na resistência cristã pode ser visto no vídeo a seguir, de Teologia Missional.











04 janeiro 2024

Os militares no poder

Por: Mary Del Priori e Renato Venancio

 


Em 25 de agosto de 1961, o país entra em profunda crise política. A renúncia de Jânio implica a posse do vice-presidente, João Goulart. Em viagem diplomática à China, Goulart é hostilizado por importantes segmentos das forças armadas e do meio empresarial. Há razão para tanto? É preciso lembrar que ele foi responsável pelo aumento de 100% do salário-mínimo, motivo suficiente para ser identificado à nebulosa política denominada república sindicalista. Além disso, pertence à corrente nacionalista, partidária da realização de reformas de base da sociedade brasileira, que contrariavam poderosos interesses.

Os ministros militares se manifestaram contra a posse. Tal recusa, porém, estava longe de contar com o apoio unânime das forças armadas. Goulart foi eleito pelo voto direto, levando a ala legalista do Exército a se posicionar a seu favor. Explorando habilmente essa divisão, Leonel Brizola, que no início dos anos 1960 desponta como nova liderança nacional do PTB, consegue o apoio do III Exército. O então governador do Rio Grande do Sul cria a Rede da Legalidade, lançando, através dos meios de comunicação de massa, uma campanha nacional em defesa da posse do novo presidente.

O golpe de 1961 é, dessa maneira, evitado. No entanto, foram necessárias concessões políticas por parte de João Goulart. A mais importante delas foi a adoção do parlamentarismo, através do qual se transfere para o Congresso Nacional e para o presidente do Conselho de Ministros, aí eleito, boa parcela das prerrogativas do Poder Executivo.

Aproximadamente duas semanas após a renúncia de Jânio Quadros, o novo presidente assume o cargo e novas conspirações se iniciam. Um aspecto crucial relativo à adoção do parlamentarismo é aquele que prevê, nove meses antes do término do mandato presidencial, a realização de um plebiscito no qual se confirmaria a manutenção dessa forma de governo.

A experiência parlamentarista, implementada às pressas, se revela um fracasso. A crise econômica conjuga-se à quase paralisia do sistema político. Auxiliado por tais circunstâncias e pela campanha que faz, João Goulart consegue não só antecipar o plebiscito, como também dele sair vitorioso. Em janeiro de 1963, o Brasil volta a ser presidencialista. Dessa data até março de 1964, assistimos a uma progressiva radicalização entre os setores nacionalistas e antinacionalistas. Para compreendermos a razão de tanto conflito, devemos retornar no tempo e analisar as propostas políticas e econômicas desses dois grupos, assim como as alianças a que deram origem.

Conforme mencionamos no capítulo anterior, por volta de 1945 a economia brasileira torna-se predominantemente industrial. A partir dessa época, as discussões se voltam para a aceleração do processo de desenvolvimento econômico. Pois bem, uma das soluções propostas implica a associação com o capital internacional, enquanto a outra consiste em proteger a economia desse tipo de intervenção, valorizando a ação do Estado como promotor da industrialização. Entre numerosos defensores desta forma de desenvolvimento, havia os partidários da reorganização de nosso mundo rural. Para eles, o campo brasileiro mantinha estruturas econômicas pré-industriais, impedindo a integração da população aí existente ao mercado consumidor. Mais ainda: nossa agricultura, baseada em grandes propriedades e na lavoura de exportação, abastecia precariamente a cidade, elevando o custo de vida e fazendo com que, entre os trabalhadores, sobrassem poucos recursos para a aquisição de produtos industriais. A formação de latifúndios improdutivos tinha outro efeito negativo: desviava capitais das atividades econômicas mais dinâmicas. Em outras palavras, sem a reforma agrária, a economia brasileira estaria fadada à estagnação ou então a uma crescente dependência em relação aos investimentos estrangeiros.

O debate a respeito da alteração de nossas estruturas agrárias está longe de ser meramente técnico. Em torno dele se chocam interesses econômicos e paixões políticas. Não por acaso, nem mesmo governos transformadores, como os de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek, instituíram projetos dessa natureza. Na verdade, pode-se afirmar o inverso. Desde os anos 1930, a ênfase dada à industrialização leva, na maioria das vezes, a restrições ao crédito rural e a uma política cambial desfavorável aos produtores agrícolas. Assim, para a manutenção das taxas de lucro, deve-se aumentar o nível de exploração dos trabalhadores, o que estimula, por sua vez, movimentos migratórios e sentimentos de revolta.

Conforme vimos, após a abolição, o campo brasileiro nem sempre adota o trabalho assalariado. Em várias partes, colonos, rendeiros, meeiros e moradores de favor é que de fato substituem o braço cativo. Nesse meio, fazendeiros cobram prestações de serviços em troca de moradia, alteram livremente os acordos de partilhas das colheitas ou despedem trabalhadores sem indenização alguma. Em 1955, a revolta contra essa situação cristaliza-se na forma de Ligas Camponesas, organizadas por Francisco Julião, advogado com longa experiência na defesa dos trabalhadores e pequenos proprietários rurais. Inicialmente, as Ligas se estabelecem em Pernambuco e Paraíba, para depois se espalharem por outras regiões brasileiras, como Rio de Janeiro e Goiás. Seu lema é levar “justiça ao campo” através da reforma agrária, “na lei ou na marra”, o que implicava invasões de propriedades rurais, criando um clima de terror em parte da elite brasileira.

Outro aspecto interessante dessa nova organização é que ela foge ao controle das tradicionais instituições populistas, como era o caso dos sindicatos vinculados ao PTB. De fato, pode-se afirmar que as Ligas e seu líder são hostis a João Goulart. Em 1962, essa postura ganha alcance nacional. Francisco Julião, eleito deputado federal pelo PSB, apoia vitoriosamente o prefeito de Recife, Miguel Arraes, na disputa do cargo de governador. João Goulart enfrenta, agora, oposição à direita e à esquerda; talvez por isso, o presidente reforça sua base de apoio popular se aproximando do PCB. Para compreender a aliança entre populistas e comunistas precisamos retornar no tempo.

O primeiro ensaio dessa aproximação ocorreu em 1945, por ocasião do fim do governo de Getúlio Vargas. No entanto, a cassação do registro legal do partido em 1947 leva os comunistas a uma fase de radicalização. A partir de 1952, ainda na ilegalidade, o Partidão – como então era popularmente conhecido – dá início à revisão dessa linha política, reaproximando-se de correntes políticas populistas, principalmente aquelas vinculadas ao nacionalismo ou ao movimento sindical.

Essa postura, em parte, decorre da análise teórica predominante no PCB. Desde os anos 1920, intelectuais comunistas procuram interpretar a sociedade brasileira à luz dos conceitos marxistas e leninistas. Tal leitura é afetada pelo fraco conhecimento de textos originais de Marx e pela adoção incondicional da linha política soviética. Nesse contexto, a interpretação que se torna dominante nos círculos comunistas é a de considerar as sociedades latino-americanas como pré-capitalistas. Tal conceituação implica, porém, brutais simplificações da realidade. Uma delas consiste em não ver diferenças entre países que apresentam níveis variados de desenvolvimento econômico. Brasil, Argentina, Guatemala ou Paraguai, por exemplo, são arrolados indistintamente. Pior ainda, adota-se a linha evolutiva europeia como sendo universal, o que leva a classificar o conjunto das sociedades latino-americanas como feudais. Na prática, tal interpretação implica reconhecer a necessidade de uma etapa capitalista para que, em um momento não definido do futuro, fosse possível atingir o socialismo; assim como os positivistas de cem anos antes, os comunistas são fortemente influenciados por concepções evolucionistas.

Ora, de forma simplificada, podemos afirmar que, para o PCB, os membros da UDN e parte do PSD representam os interesses feudais, ao passo que o PTB aglutinaria os grupos pertencentes à nascente burguesia nacional. Não é de estranhar, portanto, que os comunistas vissem com bons olhos a ascensão de João Goulart, defensor da reforma agrária e hostil ao capital internacional. Além disso, a aproximação do PCB com o PTB atende a necessidades práticas, como era o caso da legalização partidária dos comunistas.

Goulart procurava tirar vantagens dessa aliança. Um exemplo disso refere-se às mencionadas Ligas Camponesas. No início dos anos 1960, comunistas e trabalhistas levam a cabo uma bem-sucedida campanha de filiação sindical dos trabalhadores do campo. Na época do fim do parlamentarismo, enquanto as Ligas contam com 80 mil associados, registra-se a existência de 250 mil trabalhadores agrícolas sindicalizados, o que enfraquece o segmento oposicionista Julião Arraes em sua própria base eleitoral.

A aproximação entre PTB e PCB revela o fracasso do presidente em promover uma política moderada. Goulart naufraga em suas articulações com a Frente Parlamentar Nacionalista, integrada até mesmo por udenistas favoráveis às reformas estruturais da sociedade brasileira. O mesmo ocorre em sua tentativa de criar a União Sindical dos Trabalhadores, confederação destinada a enfraquecer o Comando Geral dos Trabalhadores, controlado por comunistas. Na política econômica, seu resultado também é medíocre. A equipe de seu primeiro ministério, liderada por San Thiago Dantas e Celso Furtado, tenta, sem sucesso, implementar o plano trienal, que prevê a captação de recursos internacionais, assim como austeridade no gasto público, crédito e política salarial. Tal fracasso tem graves repercussões, registrando-se então uma recessão e uma taxa de inflação alarmante.

Cada vez mais isolado entre as elites, Goulart procura apoio na ala radical do trabalhismo, liderada por Leonel Brizola – defensor da mobilização popular como uma forma de pressão pelas reformas de base. Em outubro de 1963, as conspirações contra seu governo proliferam. Pressionado pela ala legalista do Exército, o presidente ensaia decretar estado de sítio, mas é sabotado no Congresso pelo próprio partido, perdendo assim o pouco de prestígio que lhe resta junto às forças militares.

Apesar de sua frágil situação, Goulart não reavalia o projeto reformista. Desde a posse, o presidente mantém uma postura ambígua, ora tentando desenvolver uma política moderada, ora apelando para a mobilização popular para forçar o Congresso a aprovar reformas. Em parte devido à inflação, e também à ambiguidade populista, greves se multiplicam. Assim, é possível afirmar, por exemplo, que entre 1961 e 1963 ocorrem mais movimentos grevistas do que no período compreendido entre 1950 e 1960. No que diz respeito às greves gerais – ou seja, aquelas envolvendo várias categorias socio-profissionais –, o crescimento é de 350%! Não é difícil imaginar os transtornos criados nos serviços básicos de saúde e de transportes coletivos por esse tipo de prática, tornando o presidente bastante impopular junto às classes médias e camadas representativas dos trabalhadores. Observa-se, ainda, durante seu governo, o declínio acentuado da repressão aos grevistas, dando munição aos que disseminavam entre as elites o medo em relação à implantação de uma república sindicalista no Brasil.

No início de 1964, o presidente encaminha ao Congresso um projeto de reforma agrária e é derrotado. Através de mobilizações de massa pressiona o Poder Legislativo. No comício de 13 de março, que reúne cerca de 150 mil participantes, anuncia decretos nacionalizando refinarias particulares de petróleo e desapropriando terras com mais de 100 hectares que ladeavam rodovias e ferrovias federais. As medidas são acompanhadas por declarações bombásticas, como as de Brizola, defendendo a constituição de um Congresso composto de camponeses, operários, sargentos e oficiais militares. A direita reage a esse tipo de manifestação, organizando, com apoio da Igreja Católica e de associações empresariais, “marchas da família com Deus pela liberdade”, por meio das quais condenam o suposto avanço do comunismo no Brasil.

Em um lance extremamente infeliz, Goulart estende a mobilização sindical aos quartéis. Em fins de março, apoia a revolta de marinheiros, deixando que esses últimos participem da escolha do novo ministro da Marinha; além disso, mobiliza os sargentos do Rio de Janeiro. A quebra da hierarquia militar é o item que faltava para que os conspiradores conseguissem apoio da ala legalista das forças armadas. Em 31 de março é deposto o presidente. A UDN, por intermédio de dois governadores, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Carlos Lacerda, da Guanabara, participa ativamente do golpe, e, em 15 de abril, o general Castello Branco, identificado à ala legalista, assume a Presidência da República. Dentre os poderes atribuídos a ele havia o de cassar direitos políticos e afastar os militares identificados ao governo deposto. Essa depuração envolve milhares de oficiais, soldados e deputados, e seu resultado concreto foi criar um desequilíbrio no Congresso e nas forças armadas a favor dos antigos grupos antinacionalistas.

Esse desequilíbrio de forças no interior do Exército gera uma situação complexa. Inicialmente, o núcleo conspirador apresentou a intervenção militar como defensiva em face de um iminente golpe que Goulart estaria planejando, e previa, por exemplo, eleições presidenciais em 1965. No entanto, os grupos antinacionalistas – agora denominados linha-dura – alimentam um projeto político duradouro. Nos documentos imediatamente lançados após o golpe, os partidários dessa visão assumem o papel de liderar a sociedade brasileira: “a revolução” – afirma um desses textos – “se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação”.

De fato, o Golpe Militar de 1964 pode ser acusado de muitas coisas, menos de ter sido uma mera quartelada. Havia muito, tal intervenção era discutida em instituições, como a Escola Superior de Guerra (ESG), criada em 1948, ou o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes), fundado em 1962 por lideranças empresariais. Outro indício de que o golpe vinha sendo tramado havia tempos ficou registrado nos documentos da operação “Brother Sam”, através da qual se prevê, caso houvesse resistência, que o governo norte-americano “doaria” 110 toneladas de armas e munições ao Exército brasileiro. Por ser fruto desse planejamento prévio, não é surpreendente que a instituição militar apresente um projeto próprio de desenvolvimento para o país – aliás, compartilhado pela maioria do empresariado nacional. Em larga medida, tal projeto consiste em retomar o modelo implantado em fins da década de 1950, aquele definido como tripé, baseado na associação entre empresas nacionais privadas, multinacionais e estatais.

Com o objetivo de tornar esse modelo mais eficaz, é meticulosamente organizada a repressão ao movimento sindical e à oposição política. Contudo, a implantação da ditadura não ocorre imediatamente após a deposição do presidente. Os conspiradores dependem dos grupos legalistas, muitos deles defensores do retorno do poder civil nas eleições presidenciais seguintes. Além disso, a ausência de resistência – em 3 de abril de 1964, João Goulart se exila no Uruguai – desarma a linha-dura. Mas isso dura pouco. Em 1965, graças às depurações nas forças armadas, os militares identificados ao general Costa e Silva têm força suficiente para alterar os rumos da revolução. A derrota que enfrentam nas urnas alimenta ainda mais essa tendência. No referido ano, candidatos oposicionistas vencem em estados e cidades importantes, como na Guanabara, em Minas Gerais e na capital paulista. Boa parcela dos brasileiros demonstra seu descontentamento com o governo instituído em 31 de março. Como resposta, foram impostos os Atos Institucionais nos 2 e 3, que abolem os partidos existentes e as eleições diretas para presidente, governador e prefeito de capitais. Não restavam dúvidas, os militares tinham vindo para ficar...


Veja também:


Fonte / Referência bibliográfica:

  • DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. Cap. 30, pág. 198 a 203.

14 dezembro 2023

Segunda Guerra Mundial

Por Alcides Barbosa de Amorim




O século XX assistiu duas grandes guerras de proporções mundiais. A primeira guerra durou entre 1914 e 1918, e embora a criação da Liga das Nações, em 1919, tinha como um dos objetivos evitar novas guerras, isto não aconteceu. De 1939 a 1945, o mundo assistiu a chamada segunda guerra, da qual falaremos a seguir.

Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, Hitler trazia na cabeça a obsessão de livrar a Alemanha da humilhação do Tratado de Versalhes. Esse tratado foi imposto pela França e Inglaterra em 1919, após a derrota da Alemanha.

Em setembro de 1939 a Alemanha invadia a Polônia, fazendo eclodir a Segunda Guerra mundial. Era o começo de uma guerra, a mais destrutiva da história, que envolveu países de vários continentes e que só terminou em 1945, com a rendição incondicional da Alemanha e do Japão.

No plano político, a principal consequência do conflito mundial foi o fim da supremacia da Europa ocidental no mundo...


Veja o texto completo, em PDF, em:

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Segunda Guerra Mundial

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09 dezembro 2023

Tentações militares e outras tentações

Por:  Mary Del Priori Renato Venancio


Governo Populista: imagem adaptada

O fim do Estado Novo sugeria que as antigas oligarquias tinham chance de retornar ao comando político. Mas isso só na aparência, pois o Brasil dos anos 1940 era profundamente diferente daquele que havia existido durante a Primeira República. Dentre essas mudanças, talvez a mais importante tenha sido a que dizia respeito ao novo eleitorado que então surgira.

Em consequência das reformas educacionais e da incorporação do voto feminino, os índices de participação eleitoral, em declínio desde fins do Império – quando os analfabetos foram excluídos do direito de votar –, aumentam sensivelmente. Por volta de 1945, além de mais numerosos do que nunca, os eleitores brasileiros também apresentam um perfil cada vez mais urbano. Um exemplo extremo dessa situação pode ser percebido ao compararmos o estado do Amazonas com a cidade do Rio de Janeiro: enquanto a primeira unidade possuía 28.908 eleitores, o Distrito Federal desfrutava de um colégio eleitoral de 483.374 homens e mulheres.

Como seria de esperar, tal mudança implica uma alteração profunda no perfil dos candidatos e dos votantes. Estes ficam cada vez menos sujeitos aos coronéis, enquanto aqueles não mais precisam ser originários da elite agrária, dependendo agora do próprio carisma, da representatividade junto aos trabalhadores ou de uma máquina clientelista capaz de conceder favores e empregos. Uma vez mais se deve reconhecer a sagacidade do antigo ditador em perceber essas transformações, explorando-as habilmente. A conjugação entre a propaganda política, que fazia dele o “protetor dos pobres”, e a utilização de sindicatos e de institutos de previdência garante seu prestígio entre os eleitores urbanos, tornando-o parcialmente independente das antigas oligarquias. Mais ainda: através do PTB, Getúlio imprime uma dimensão nacional a seu projeto político.

Após o fim do Estado Novo, a amarga experiência eleitoral vivida pelos egressos do antigo Partido Republicano Paulista, em contraste com o retorno do ex-ditador ao poder, ilustra esse estado de coisas. Por isso, para muitos pesquisadores, a década de 1950 é um momento de consolidação de uma prática política definida como populismo: multiplicam-se os políticos que apelam para as massas urbanas e não mais consideram as elites como portadoras de um modelo a ser seguido.

No caminho de retorno de Getúlio Vargas existia, porém, um obstáculo: o Exército. Como vimos, os generais o haviam deposto em 1945. Seu retorno à presidência em 1951 implicava negociações. Estas, por sua vez, são bem-sucedidas. Para muitos militares, Getúlio, por ser um político com forte apelo popular, servia como antídoto ante o risco do comunismo. Em 1945, o PCB, apesar de legalizado às vésperas das eleições, consegue eleger catorze deputados e Luís Carlos Prestes como senador; o que representa o voto de aproximadamente 12% do eleitorado brasileiro, sendo que em algumas cidades, como o Rio de Janeiro, tal cifra atinge 20%.

Nessa época, um impasse sobre os rumos que devia tomar a sociedade brasileira divide o Exército. Até o início dos anos 1940, o debate a respeito do desenvolvimento nacional é dividido em duas correntes: uma defende a “vocação agrícola” de nossa sociedade e a outra se posiciona a favor da industrialização acelerada. Ora, durante o governo Dutra, a primeira posição perde o sentido, pois a maior parte da economia brasileira passa a depender do desenvolvimento industrial.

Devido às transformações implementadas ao longo do primeiro governo de Getúlio Vargas, o modelo de industrialização se depara com sérias dificuldades. Não se trata mais de simplesmente substituir os produtos de consumo importados por similares nacionais, mas sim de incrementar um modelo de desenvolvimento industrial articulado. Em outras palavras, tratava-se de saber como seria possível produzir internamente automóveis, navios e maquinário ligado à mecânica pesada, bens que dependiam de capitais elevados e de tecnologia avançada.

Diante de tais questões surgem profundas divisões no seio das elites brasileiras, incluindo aquelas pertencentes às forças armadas. De forma esquemática, é possível identificar aqueles que, de um lado, defendem o nacionalismo econômico e a intensiva participação do Estado no desenvolvimento industrial. Na outra posição estavam os partidários de que o segundo ciclo de nossa industrialização devia ser comandado exclusivamente pela iniciativa privada brasileira, associada a capitais estrangeiros.

Embora não fosse frontalmente contrário aos investimentos internacionais, Getúlio era identificado à corrente nacionalista. Foi justamente com base nos segmentos do Exército filiados a essa tendência que ele consegue apaziguar temporariamente os quartéis. No entanto, a trégua não dura muito. Dentre o grupo identificado ao segundo modelo de desenvolvimento industrial, havia uma parcela importante da elite civil, reunida em torno da UDN. De certa maneira, a fragilidade eleitoral desse grupo era compensada pelo prestígio que contava junto a importantes segmentos das forças armadas.

As circunstâncias políticas internacionais em grande parte favorecem a UDN. Conforme mencionamos anteriormente, durante a Segunda Guerra Mundial, na luta contra o nazifascismo, Estados Unidos e União Soviética se aproximam. A postura anticomunista por parte dos governos capitalistas declina. No Brasil, legaliza-se o PCB, ainda que por um curto período. No entanto, após a guerra, a posição norte-americana sofre uma inflexão: o comunismo torna-se a principal ameaça. Razões para isso? Por volta de 1950, o sistema comunista havia deixado de ser uma experiência isolada, sendo agora compartilhado por um número crescente de países do Leste Europeu, tais como Iugoslávia (1945), Bulgária (1946), Polônia (1947), Checoslováquia (1948), Hungria (1949) e República Democrática Alemã (1949); assim como asiáticos, Vietnã do Norte (1945), Coreia do Norte (1948) e China (1949).

O quadro mundial torna-se ainda mais delicado em razão do desenvolvimento de armas atômicas. Em 1945, os Estados Unidos, nos ataques a Hiroshima e Nagasaki, demonstraram as consequências desse poderio. Quatro anos mais tarde, foi a vez de a União Soviética revelar ao mundo seu arsenal atômico em testes no deserto do Cazaquistão. Em um contexto como esse, um confronto entre Estados Unidos e União Soviética colocaria em risco a sobrevivência do planeta. Essa situação leva à transferência dos conflitos para os países subordinados a cada uma dessas potências. Como seria de esperar, a nova política internacional concede pouca autonomia às áreas de influência; atitude que implica ver nas políticas nacionalistas ora uma guinada rumo ao capitalismo – no caso do bloco soviético –, ora um passo em direção ao comunismo – no caso do bloco norte-americano.

No início dos anos 1950, parte do Exército brasileiro e a União Democrática Nacional, que chegou a contar com um pequeno agrupamento de socialistas, depois estabelecido em partido próprio, transitam para posturas cada vez mais afinadas com o anticomunismo. Acusa-se Getúlio de tramar novos golpes, agora com base nos setores nacionalistas e sindicais.

Dessa forma, a Guerra Fria, que inicialmente contribui para o retorno do ex-ditador, visto como uma forma de contrabalançar a influência dos comunistas, torna-se um elemento desfavorável a sua continuidade no poder. Ciente dessa fragilidade, Vargas procura cooptar os opositores. No Exército, promove hierarquicamente, a partir de 1952, grupos antinacionalistas, e o mesmo é feito em relação aos políticos da UDN, a quem são oferecidas pastas ministeriais. A tentativa de cooptação estende-se aos comunistas: em 1952, deixa de ser obrigatória a apresentação de atestado ideológico – fornecido pela polícia – aos dirigentes sindicais.

Paralelamente a isso, é aprofundada a política econômica nacionalista, por intermédio de leis de grande impacto na opinião pública, como aquelas referentes à limitação de remessas de lucros de empresas estrangeiras ou à criação da Petrobras, que passa a deter o monopólio da exploração do petróleo brasileiro. A ousadia do presidente não para e, em 1953, Getúlio procura reforçar sua base popular indicando um jovem político com amplo apoio sindical para ocupar o cargo de ministro do Trabalho. Seu nome: João Goulart.

O novo líder trabalhista não esconde a opção política, atendendo reivindicações de reajustamento do salário-mínimo, aumentando-o em 100%. A crise se instala e o Exército, uma vez mais, é o porta-voz do descontentamento das elites. Em fevereiro de 1954, vem a público o Manifesto dos coronéis. O texto é um exemplo do radicalismo comum ao período da guerra fria. Queixando-se de que o aumento não era extensivo às forças armadas, os oficiais aproveitam a ocasião para denunciar a ameaça da “república sindicalista”, assim como a “infiltração de perniciosas ideologias antidemocráticas”, ou então para alertar a respeito do “comunismo solerte sempre à espreita...” pronto a dominar o Brasil.

Em vez de cooptar as elites, Getúlio consegue assustá-las.

Diante da crise, Vargas afasta João Goulart do cargo, mas mantém o aumento do salário-mínimo. A UDN, por meio de seu mais radical líder, Carlos Lacerda, multiplica as acusações de corrupção, de nepotismo e de uso de dinheiro público para promover jornais favoráveis ao governo. Por outro lado, as articulações políticas “acima dos partidos” acabam por afastar os aliados tradicionais. Em junho de 1954, o Congresso vota o impeachment de Getúlio Vargas. O pedido é rejeitado; mantêm-se, entretanto, fortíssimas pressões pela renúncia. Em agosto, um atentado a Carlos Lacerda, no qual estavam envolvidos elementos próximos a Vargas, sela definitivamente o destino do presidente. Um novo golpe militar é posto em marcha, mas acaba não dando certo. Vejamos por quê.

Nas forças armadas, paralelamente aos nacionalistas e antinacionalistas, havia aqueles dispostos a garantir que a Constituição fosse respeitada. Alguns autores definem esse segmento como “legalista”. A suspeita de que o presidente estava tramando um novo golpe levou os antinacionalistas a conseguirem apoio dos legalistas. É nesse contexto que se interpreta o suicídio de Getúlio Vargas, ocorrido em 24 de agosto de 1954: um derradeiro gesto político, através do qual ele consegue sensibilizar as massas populares, ao mesmo tempo em que esvazia a aliança golpista no interior das forças armadas.

Dessa vez, o presidente acerta: os levantes populares após o suicídio inviabilizam a ação militar. No período que se estende até 1955 são preparadas novas eleições presidenciais; a UDN busca um candidato militar, na figura do general Juarez Távora, e o PTB, por sua vez, procura se aproximar do PSD, que tem como candidato Juscelino Kubitschek. Combatendo o salário-mínimo, o direito de greve e o ensino gratuito, os udenistas são novamente derrotados e Juscelino e o vice-presidente eleito, João Goulart, não encontram um ambiente político favorável. Em 11 de novembro de 1955, alegando a necessidade de maioria absoluta nas votações presidenciais, os quartéis voltam a dar sinais de descontentamento. Uma vez mais, a corrente militar antinacionalista procura o apoio dos legalistas, mas estes garantem a posse do novo presidente.

Como se pode perceber, após 1945, as intervenções militares no sistema político não são um fato isolado, mas sim uma prática rotineira, que se repetirá em 1961, alcançando em 1964 o sucesso esperado. Voltemos, porém, a Kubitschek. Ele representou uma ruptura? Ora, no melhor estilo do PSD mineiro, do qual ele era originário, a resposta é sim e não. Em outras palavras, o novo presidente procura conciliar bandeiras comuns aos nacionalistas e antinacionalistas. Promove os primeiros no Exército, aprofunda práticas de intervencionismo estatal, mas, ao mesmo tempo, abre a economia para os investimentos estrangeiros.

O novo governo, aliado do PTB, guarda traços populistas. No entanto, a política econômica representa uma alteração profunda em relação ao modelo precedente. Durante os dois governos Vargas, a prioridade do desenvolvimento nacional consiste no crescimento da indústria de base, produtora de aço ou de fontes de energia, como o petróleo e a eletricidade. Nesse primeiro modelo, a iniciativa estatal predomina e os recursos para o crescimento econômico advêm da agricultura de exportação. Pois bem, Juscelino Kubitschek altera essa forma de crescimento industrial, instituindo o que os historiadores economistas chamam de tripé: a associação de empresas privadas brasileiras com multinacionais e estatais, estas últimas responsáveis pela produção de energia e insumos industriais.

A diferença desse modelo em relação ao anterior reside no fato de os bens duráveis, como foi o caso da produção de automóveis por multinacionais, passarem a ser o principal setor do processo de industrialização. Graças ao investimento das empresas estrangeiras, a nova economia brasileira tornar-se-ia mais independente em relação às crises do setor agroexportador. No entanto, o modelo tripé tem consequências nefastas. Por dispor de fartos recursos, a produção das multinacionais podia crescer em ritmo mais acelerado do que a produção de base, implicando aumento das importações de insumos industriais, fator responsável pelo progressivo endividamento externo do Brasil. Mais ainda: para estimular a implantação dessas empresas, foi facilitada a remessa de lucros para as matrizes, o que implica o desvio de valiosos recursos da economia brasileira.

A curto prazo, porém, o modelo industrial de Juscelino foi um sucesso. A economia atinge taxas de crescimento de 7%, 8% e até 10% ao ano. Isso permite que um ambicioso Plano de Metas – popularmente conhecido como “50 anos em 5” – alcance um estrondoso sucesso. Rodovias são multiplicadas e o número de hidrelétricas cresce além do previsto, o mesmo ocorrendo com a indústria pesada. Na área de produção de alimentos, o presidente estimula uma tendência, existente desde os anos 1930, que consiste em ampliar a fronteira agrícola em direção a Goiás e Mato Grosso – o que, aliás, leva a novos extermínios de povos indígenas. Coroando essa política ambiciosa, a capital é transferida: no cerrado do Brasil Central, surge Brasília.

Diante de tais feitos, a própria UDN abandona provisoriamente o discurso anticomunista em prol de críticas à má gestão dos negócios públicos, à corrupção e à inflação que se intensifica no período. Apesar disso, respira-se certa tranquilidade política, pois o crescimento econômico também permite o aumento dos salários – que, em termos reais, no ano de 1959, atingem valores até hoje não ultrapassados –, reforçando o apoio dos trabalhadores ao PTB, base aliada do governo juscelinista.

Mas a calmaria não dura muito. Ao longo da redemocratização surgem vários partidos políticos que, na maior parte do tempo, não chegam a ameaçar o controle das três agremiações dominantes. Quase sempre de pouca duração, esses pequenos partidos às vezes tinham designações pitorescas, como União Social pelos Direitos do Homem, Partido Industrial Agrícola Democrático ou Partido Nacional Evolucionista, para mencionarmos apenas alguns exemplos. Vez por outra, porém, a fragmentação partidária permitia a ascensão de políticos não vinculados às organizações tradicionais. Um exemplo bem-sucedido dessa trajetória foi o de Jânio Quadros, eleito sucessivamente, a partir de 1947, vereador, deputado estadual, prefeito e governador pelo Partido Democrata Cristão.

O anticomunismo e a retórica moralista de Jânio em muito agradava aos udenistas. Misturando o discurso conservador com práticas populistas, Jânio consegue o impossível: ser de direita e conquistar o apoio das massas. Não é de se estranhar a aproximação da UDN, selando uma aliança para as eleições presidenciais de 1960. Do outro lado do espectro das forças políticas, reproduz-se a aliança PSD-PTB, com a indicação do general Lott, da ala nacionalista do Exército; pela segunda vez, também era candidato à presidência Ademar de Barros, líder populista paulista, concorrendo pelo Partido Social Progressista.

A vitória janista foi esmagadora: o candidato conseguiu 50% de votos a mais do que o general Lott, e mais que o dobro de Ademar de Barros. A UDN finalmente chega ao poder, mas trata-se de uma vitória ambígua. O novo presidente governa sem consultar a coligação de partidos que o elegeu e seu ministério inclui inimigos dos udenistas, assim como pessoas escolhidas pelo critério de amizade. No Exército, Jânio promove grupos antinacionalistas e, em relação ao Congresso, tem uma postura agressiva, declarando publicamente tratar-se de um “clube de ociosos”.

Visando combater os altos índices de inflação herdados do governo anterior, Jânio implementa uma política econômica austera. No plano internacional, desagrada à UDN, pois opta por uma política de não alinhamento aos Estados Unidos, valorizando acordos comerciais com países do bloco comunista. A política econômica coerente e a inovadora política diplomática convivem com medidas sem nenhuma importância, mas com grande repercussão nos meios de comunicação, como as proibições do uso de biquínis em desfile de misses, do hipnotismo em lugares públicos, de corridas de cavalos em dias de semana, de brigas de galo... Jânio também condecora Che Guevara, em uma aproximação com Cuba, talvez tentando repetir a política internacional ambígua de Getúlio Vargas, responsável por acordos vantajosos com os Estados Unidos.

Apesar do tom autoritário, quando não carnavalesco, de seu governo, o risco de instabilidade política parecia diminuir, a não ser por um importante detalhe: segundo a legislação da época, votava-se para vice-presidente separadamente do cabeça de chapa. Ora, na eleição de Jânio, João Goulart havia sido novamente eleito ao cargo. Após pouco mais de seis meses no governo, o presidente procura explorar a delicada situação renunciando.

Conforme o presidente, no livro História do povo brasileiro, seu objetivo era forçar uma intervenção militar: “primeiro, operar-se-ia a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório – visto que a João Goulart [...] não permitiriam as forças militares a posse, e, destarte, ficaria o país acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula, em consequência da qual ele mesmo emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro do novo regime institucional, ou bem, sem ele, as forças armadas se encarregariam de montar esse novo regime [...]”. O aprendiz de ditador fracassa devido à vacilação dos chefes militares. Instala-se, então, uma grave crise política, cujo desfecho tem uma data marcada: 31 de março de 1964.

Veja também:


Fonte / Referência bibliográfica:

  • Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010. Cap. 29, pág. 191 a 197.

06 dezembro 2023

Bispos e Papas: (4) Evaristo

Bispo Evaristo

Por: Alcides Barbosa de Amorim


Bispo Evaristo [1]


Prosseguindo o estudo dos bispos romanos [2] – listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica [3] –, e dos papas, queremos destacar neste post a pessoa do bispo Evaristo.

Eusébio, em sua obra História Eclesiástica [4], afirma que “… no terceiro ano do reinado acima mencionado [Trajano], Clemente, bispo de Roma, confiou o encargo episcopal a Evaristo e partiu desta vida após superintender a pregação da palavra divina por nove anos”. O governo de Trajano durou de 98 a 117. “O terceiro ano de Trajano foi 100-101, mas Clemente deve ter morrido antes, Evaristo provavelmente assumiu em 99” [5], estando seu antecessor ainda vivo. Algumas fontes (p. ex., esta) afirmam que Clemente morreu em 101.

Sobre o bispo Evaristo não encontrei muitas informações em fontes protestantes. Algumas católicas, como esta, mais esta e esta outra, por exemplo, baseiam-se no Liber Pontificalis, um livro das biografias dos papas que vão “… de São Pedro, até o Papa Estêvão V do século XV…”, e afirmam que Evaristo era grego originário de Antioquia, sofreu o martírio, embora este último fato é muito contestado. Morreu morreu em 105, e segundo uma tradição muito antiga, Evaristo teria sido mártir da fé durante a perseguição imposta pelo imperador Trajano, e que depois seu corpo teria sido abandonado perto do túmulo do apóstolo Pedro. Mas esta fonte parece não ser precisa, assim como a data de sua morte.

Bem, por esta fonte, Evaristo foi papa de 96/99 até 105/106, portanto, liderou a Igreja em Roma durante parte do governo do imperador Trajano (de 98 a 117). O contexto religioso da época de Trajano era de certa trégua em relação, por exemplo às perseguições aos cristãos e judeus, o que contradiz, neste caso, a versão do martírio de Evaristo, sob este imperador. Tomás de Aquino, por exemplo, via “… Trajano como um exemplo de pagão virtuoso…” (Veja aqui). Traja no é considerado por muitos historiadores como o melhor imperador romano [6]. O próprio Eusébio de Cesareia, no capítulo XXXIII do livro 3, trata de como “Trajano impediu que se perseguisse os cristãos”. Ao receber de Plínio Segundo, uma carta relatando a grande perseguição dos cristãos sem nada fazerem de perversos, e o grande número de martírios, a “… resposta de Trajano foi promulgar um decreto do seguinte teor: que não se perseguisse a tribo dos cristãos, mas que se castigasse quem caísse. Graças a isto extinguiu-se parcialmente a perseguição…”. Mas, talvez até pela trégua às perseguições e momento de certa paz aos cristãos, obras ou feitos do bispo Evaristo não tenham alcançado muito destaque.

Em síntese, esta fonte informa que Evaristo foi papa de 97 a 105, enquanto esta diz que foi de 98 a 105, ano de sua morte.


Veja também:


Notas / Referências bibliográficas:

  • [3] Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Evaristo é o número 4 da lista...
  • [4] CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica: os primeiros quatro séculos da Igreja Cristã. Rio de Janeiro: CPAD, 1999, Livro 3, Capítulo XXXIV.




Campo 14 – bebês mortos a pauladas, fome e execuções: a vida em um campo de concentração norte-coreano

P or J ones R ossi  [ 1 ] Uma aula no Campo 14   Os  professores do Campo 14 eram guardas uniformizados:  tratados por Shin no desenho acima...