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11 fevereiro 2024

A Aposta de Pascal: da razão à fé em Deus

Por: Alcides Amorim


O Racionalismo, corrente filosófica que argumenta ser a razão a única forma para se chegar ao verdadeiro conhecimento é normalmente atribuído ao filósofo francês René Descartes (1596-1650), que é considerado também o fundador da filosofia moderna. Mas esta ideia de chegar ao verdadeiro conhecimento choca-se muitas vezes com a teologia e a fé. Foi na tentativa de aliar a razão com a fé que outro filósofo – também francês –, chamado Blaise Pascal (1623-1662) [1], desenvolve a apologética famosa exposta em sua principal obra Pensées (Pensamentos sobre a Religião e Alguns Outros Assuntos).

Segundo Richard V. Pierard, Pascal foi uma das maiores figuras na história intelectual do Ocidente, embora tenha vivido muito pouco: 39 anos. Foi criado por seu pai viúvo, um brilhante advogado e oficial cívico; tornou-se pensador, cientista e matemático; usando o método experimental, criou o primeiro calculador mecânico, pesquisas básicas sobre vácuos e hidráulica, a formulação da teoria da probabilidade e a formação dos alicerces para o cálculo diferencial e integral, entre outras contribuições.

Em 1646 Pascal passou por uma "conversão" para um ensino austero de renúncia do mundo e de submissão a Deus, conforme propunham os discípulos de Jean du Vergier. O resultado foi uma cessação temporária das suas labutas intelectuais, mas logo deixou o grupo. Em 1654 experimentou uma "segunda conversão", muito mais significativa, à doutrina Jansenista [2] em Port Royal, e aceitou fervorosamente a fé cristă, como se vê em suas obras posteriores, as Cartas Provinciais (1657) e sua obra publicada postumamente Pensées.

Nos seus escritos religiosos, Pascal era mais um apologista do que um pensador sistemático. Ao argumentar a favor da existência de Deus, não era um fideísta completo, pois achava possível demonstrar aos descrentes que a religião não era contrária à razão, mas rejeitava provas metafísicas como as de Descartes por serem insuficientes para levar alguém ao Deus vivo. Na verdade, argumentava psicologicamente [3], acreditando que o coração era a chave. Deus podia ser percebido pela intuição do coração, mas não pela razão. Tratava-se de combinar o conhecimento, o sentimento e a vontade, e de estabelecer um relacionamento místico vivificante com Cristo. Quando Pascal apresenta seu argumento da aposta, a probabilidade nos obriga a correr o risco da fé em Deus. Além disso, ele via a condição humana como de "grandeza e miséria". Rejeitando o pelagianismo jesuíta, Pascal aceitou a reafirmação jansenista do conceito agostiniano do pecado original. Disse que o homem possui uma condição moral e religiosa especial que o eleva muito acima dos animais, mas ele é controlado pelo pecado e necessita desesperadamente da graça especial de Deus a fim de ser salvo. Embora ele achasse que "o coração tem razões que a própria razão desconhece", não deixou de sustentar que as Escrituras, que se validam a si mesmas, as profecias, a existência dos judeus, os milagres e o testemunho da história, todos servem para autenticar o cristianismo.

Sobre a Aposta de Pascal deve ser considerado, conforme Rodrigo Silva, que pelo fato de sua doença que o levou à morte ainda muito jovem, este deixou muitos trabalhos ainda rascunhados, tanto que a Pensées foi uma obra póstuma e, possivelmente em elaboração, sem a conclusão do próprio autor. Em seu estudo, Rodrigo Silva mostra como as percepções de Pascal era parte de uma conclusão matemática daquele filósofo, um dos mais célebres da história. Portanto, embora Pascal é visto como controverso teologicamente – veja, por exemplo aqui –, é inegável que ele era um homem de fé, além de um filósofo. Fé e razão andando juntas.

Para Pascal, continua Pierard, ‘Ou Deus existe, ou Ele não existe’, e propõe que apostemos no assunto. Apostar que Ele existe importa numa modesta entrega da nossa razão, mas optar pela não-existência divina è arriscar a perda da vida e felicidade eternas. O valor da aposta (a nossa razão) é mínimo comparado ao prêmio que pode ser ganho. Se aquele que apostou em Deus tiver razão, ganhará tudo, mas nada perderá se sua escolha se revelar errada. Ja que foi demonstrado que esta aposta é razoável, pode-se avançar, agora, do ámbito do provável para a ação prática de se colocar a fé em Deus.

Deus existe ou Deus não existe [4]


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1R. V. PIERARD, Doutor da Universidade de Iowa. Professor de História na Universidade Estadual de Indiana, Terre Haute, Indiana, EUA… (E mais aqui). Dois breves estudos, “A Aposta de Pascal” e “Blaise Pascal”, utilizados como fontes aqui, são contribuições de Pierard à Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. I (Pág. 101 e 102) e Vol. III (Pág. 100) respectivamente. São Paulo: Vida Nova: 1988. (Texto adaptado).

  • [2O Jansenismo foi um movimento de muito rigor moral e dogmático, além de disciplinar e que assumiu também contornos políticos, ocorrido no seio da Igreja Católica nos séculos XVII e XVIII e cujas teorias foram consideradas controversas pela própria igreja. O Jansenismo foi fundado Na Bélgica por Cornélio Jansénio e difundido na França por Jean du Vergier. Foi neste meio de ensino austero de renúncia do mundo e submissão a Deus, que Pascal conviveu num primeiro momento e que provocou uma cessação temporária das suas labutas intelectuais, passando depois (em 1654) por outra experiência que ficou conhecida como uma ‘segunda conversão’. 

  • [3] … e principalmente matematicamente, na opinião de Rodrigo Silva, confrme o  vídeo abaixo.

  • [4Esquema ilustrativo anexo ao estudo de Rodrigo Silva, Aposta de Pascal. Acesso em: 09/02/2024.



Se o link não abrir, acesse: A Aposta de Pascal, com Rodrigo Silva..


16 outubro 2020

Deus (1): argumentos em prol de sua existência

“Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles[1] se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis” (Rm 1.19-20).

Dando prosseguimento à nossa série de estudos sobre Doutrinas Bíblicas, quero me ocupar no estudo sobre “DEUS”, em três partes. Neste post (artigo), enfatizando resumidamente alguns argumentos sobre a existência de Deus.


A relevância de um Criador[2]

Já citamos e postamos aqui o texto completo de Myer PEARLMAN, onde ele apresenta alguns argumentos bíblico-filosóficos acerca da existência de Deus, como a criação (um princípio; efeito de uma causa suficiente); o desígnio (universo como obra dum Arquiteto inteligente), a natureza humana (regulada por conceitos do bem e do mal), a história (marcada por dos eventos que demonstram evidências de um poder e duma providência dominantes) e a crença universal (tão difundida quanto a própria raça humana).

Mas queremos usar como base neste artigo, principalmente o texto de A. J. HOOVER[3], onde os argumentos acerca da existência de Deus às vezes se interpõem e se completam aos de Pearlman.

Conforme Hoover há três maneiras segundo as quais se pode argumentar em prol da existência de Deus, que são a abordagem a priori (definição, principalmente de Anselmo de Cantuária, acerca de Deus como um ser infinito, perfeito e necessário, cuja inexistência é inconcebível), a abordagem a posteriori (que oferece evidências extraídas do mundo, do universo observável e empírico, insistindo em que Deus é necessário para explicar certos aspectos do cosmos) e a abordagem existencial (que firma a experiência direta de Deus através da revelação pessoal). Mas a mentalidade popular parece gostar mais da abordagem a posteriori. E é por este caminho que seguem os argumentos[4] a seguir:

1.  O Argumento Cosmológico

Este argumento tem mais de uma forma. A mais antiga ocorre em Platão[5] e Aristóteles[6] e ressalta a necessidade de explicar a causa do movimento. Supondo que o repouso é natural e o movimento não o é, estes pensadores chegaram a Deus como o necessário Agente Motor de todas as coisas. Tomás de Aquino usou o movimento como sua primeira prova na Summa Theologica[7]. Tudo quando se movimenta deve ser movimentado por outra coisa. Mas esta cadeia de motores não pode continuar até o infinito – esta é uma suposição-chave – porque então não haveria agente motor primário e, portanto nenhum outro motor. Devemos chegar, portanto, a um Agente Motor, ou Motor Primo, segundo conclui Aquino, “e todos entendem que se trata de Deus”.

Este argumento baseado no movimento está longe de ser coerente para a nossa geração científica, porque entendemos que o movimento é natural e que o repouso é desnatural, conforme declara o princípio da inércia. Muitos filósofos insistem em que o movimento de uma série infinita de motores não é impossível nem contraditória, de modo algum.

A forma mais interessante – e persuasiva – do argumento cosmológico é a “terceira via” de Aquino, o argumento baseado na contingência. Sua força deriva da sua maneira de empregar tanto a permanência quanto a mudança. Epicuro declarou o problema metafísico há séculos: “obviamente algo existe agora, e algo nunca surgiu do nada”. A existência, portanto, deve ter sido sem início. Um Eterno Algo deve ser admitido por todos – teístas, ateus e agnósticos.

Mas o universo físico não poderia ser este Eterno Algo, porque ele é obviamente contingente, mutável, sujeito à decadência. Como uma entidade em decomposição poderia explicar-se a toda a eternidade? Se cada coisa/evento contingente presente depende de uma coisa/evento contingente anterior, e assim por diante ad infinitum, então isto não fornece nenhuma explicação adequada de coisa alguma.

Daí, para haver alguma coisa que seja até mesmo um pouco contingente no universo, deve haver pelo menos uma coisa que não seja contingente – algo que seja necessário no meio de todas as mudanças e estabelecido em si mesmo. Neste caso, “necessário” não se aplica a uma proposição, mas a uma coisa, e significa infinito, eterno, perpétuo, causado por si mesmo, auto existente.

Não basta dizer que o tempo infinito solucionará o problema da existência contingente. Não importa quanto tempo haja disponível, a existência dependente continua dependendo de alguma coisa. Tudo quanto estiver contingente dentro do alcance do infinito passará, num determinado momento, a não existir. Mas se houve um momento em que nada existia, logo, nada existiria agora.

A escolha é simples: ou escolhemos um Deus autoexistente ou um universo autoexistente – e o universo não se comporta como se fosse autoexistente. Na verdade, de conformidade com a segunda lei da termodinâmica, o universo está parando como um relógio sem corda, ou melhor, está esfriando como um forno gigante. A energia está sendo constantemente difundida ou dissipada, ou seja, progressivamente distribuída por todo o universo. Se este processo continuar por mais alguns bilhões de anos – e os cientistas nunca observaram uma restauração da energia dissipada – logo, o resultado será um estado de equilíbrio térmico, uma “morte do calor”, uma degradação aleatória da energia por todo o cosmos e, daí, haverá a estagnação de toda a atividade física.

Os naturalistas, desde Lucrécio até Sagan, têm pensado que não precisamos postular Deus enquanto a natureza puder ser considerada uma entidade que se autoexplica por toda a eternidade. Mas é difícil sustentar esta doutrina se a segunda lei for verdadeira e a entropia for irreversível. Se o cosmos está deixando de funcionar por falta de impulso, ou se está esfriando totalmente, logo, não pode ter estado eternamente deixando de funcionar ou esfriando. Deve ter tido um início.

Uma réplica popular ao argumento cosmológico é perguntar: “Se Deus criou o universo, quem, pois criou a Deus?” Se insistirmos em que o mundo teve uma causa, não devemos insistir também em que Deus teve uma causa? Não, porque se Deus é um ser necessário – fato este que é estabelecido se aceitarmos a prova – logo, é desnecessário perguntar sobre as Suas origens. Seria como perguntar: “Quem criou o Ser incriável?” ou “Quem causou o Ser incausável?”

Mais séria é a objeção de que a prova baseia-se numa aceitação não-crítica do “principio da razão suficiente”, a ideia de que cada evento/efeito tem uma causa. Se este princípio for negado, mesmo na metafísica, o argumento cosmológico perderá o seu impacto. Hume argumentou que a causação é um princípio psicológico, não metafísico, cujas origens se achavam na propensão humana de tomar por certa ligações necessárias entre eventos, enquanto tudo quanto realmente vemos é contiguidade e sucessão. Kant apoiou Hume ao Argumentar que a causalidade é uma categoria embutida em nossas mentes como uma das muitas maneiras pelas quais ordenamos a nossa experiência. Sartre achava que o universo era “infundado”. Bertrand Russell alegava que a questão das origens estava emaranhada em verbosidade sem sentido e que devemos restringir-nos a declarar que o universo “simplesmente existe, e com isso esgota-se o assunto.”

Não é com facilidade que se comprova o princípio da causalidade. É uma daquelas pressuposições fundamentais que se faz ao elaborar-se uma cosmovisão. No entanto, pode ser indicado que, se alijarmos a ideia da razão suficiente, destruiremos não somente a metafísica como também a ciência. Quando alguém ataca a causalidade, ataca boa parte do conhecimento em si, porque sem este princípio a conexão racional na maior parte da nossa aprendizagem se desfaz. Por certo, não é irracional pesquisar a causa do universo inteiro.

2.  O Argumento Teleológico ou do desígnio

Esta é uma das provas teístas mais antigas, mais populares e mais inteligíveis. Sugere que há uma analogia específica entre a ordem e a regularidade do cosmos e algo produzido pela engenhosidade humana. Voltaire colocou o assunto em termos um pouco simplistas: “Se um relógio comprova a existência do relojoeiro, mas o universo não comprova a existência de um grande Arquiteto, então consinto em ser chamado de tolo”.

Ninguém pode negar que o universo parece ser resultado de desígnio[8]; exemplos da ordem proposital acham-se ao nosso redor. Em quase qualquer lugar, acham-se aspectos da existência que demonstram que o universo é basicamente amistoso à vida, à mente, à personalidade e aos valores. A própria vida é uma função cósmica, ou seja, uma disposição muito complexa de coisas tanto terrestres quanto extraterrestres deve entrar em ação antes de a vida poder subsistir. A Terra deve ter o tamanho exatamente certo, a sua rotação deve ser exatamente correta, sua distância do sol deve estar dentro de certos limites, sua inclinação deve ser correta para causar as estações, deve haver um equilíbrio muito delicado entre a terra seca e as águas. Nossa estrutura biológica é muito frágil. Com um pouco mais de calor ou de frio, morremos. Precisamos de luz, mas não da ultravioleta em demasia. Precisamos de calor, mas não da luz infravermelha em demasia. Vivemos exatamente embaixo de uma proteção atmosférica que todos os dias nos serve de escudo contra milhões de mísseis. Vivemos exatamente 16 km acima de uma blindagem e rochas que nos protege do calor terrível abaixo dos nossos pés. Quem criou todos estes anteparos e escudos que tornam possível a nossa existência terrestre?

Mais uma vez, há uma escolha que devemos enfrentar. Ou o universo foi projetado, ou desenvolveram-se por acaso todas estas características. O cosmos ou é um plano ou um acidente!

A maioria das pessoas tem uma repugnância inata à ideia do acaso, porque contradiz a maneira segundo a qual ordinariamente explicamos as coisas. O acaso não é uma explicação, mas a falta de explicação. Quando um cientista explica um evento imediato, ele age segundo a suposição de que este universo é regular, onde tudo ocorre como resultado da marcha ordeira de causa e efeito. Quando, porém, o naturalista chega à metafísica, à origem do universo inteiro, abandona o princípio da razão suficiente e toma por certo que a causa de tudo é uma inimaginável sem-causa, o acaso ou o destino.

Imagine que você está em pé olhando para um alvo, e vê uma flecha, atirada detrás de você, “acertar na mosca”. Depois, você vê mais nove flechas, atiradas em rápida sucessão, todas atingindo o mesmo ponto. A pontaria é tão exata que cada flecha racha a flecha anterior ao atingir o alvo. Ora, uma flecha atirada ao ar está sujeita a muitos processos contrários e discordantes – a gravidade, a pressão do ar e o vento. Quando dez flechas em seguida atingem exatamente o mesmo alvo, isto não exclui a possibilidade do mero acaso? Você não diria que isto foi o resultado de um exímio arquiteto? Esta parábola não forma uma analogia com o nosso universo?

Objeta-se que o argumento do desígnio, mesmo que fosse válido, não comprova a existência de um criador, mas somente de um arquiteto, e mesmo neste caso, apenas um arquiteto suficientemente inteligente para produzido universo conhecido, e não necessariamente um ser onisciente. Esta objeção é correta. Não devemos procurar mais do que a vidência permitida. Não teremos uma visão cem por cento completa do Javé da Bíblia através de qualquer evidência da teologia natural. Este nosso universo, no entanto, é tão vasto e maravilhoso que podemos concluir com segurança que seu projetista deve ser digno de nossa adoração e devoção.

Muitos objetam que a teoria da evolução remove boa parte do impacto do argumento do desígnio. O evolucionismo demonstra que o desígnio maravilhoso nos organismos vivos veio a existir mediante a adaptação lenta ao meio-ambiente, e não pela criação inteligente. Esta é uma alegação falsa. Mesmo se fosse admitida, a evolução simplesmente introduz um período mais longo de tempo na questão do desígnio. Comprovar que relógios vinham de uma fábrica completamente automatizada sem intervenção humana alguma não nos levaria a perder o interesse por um projetista, porque se pensamos que um relógio é maravilhoso, o que devemos pensar de uma fábrica que produz relógios? Isto não sugeriria com igual ênfase a existência de um projetista? As pessoas religiosas têm sido muito atemorizadas pela teoria da evolução.

Até mesmo os grandes críticos da teologia natural, como Hume e Kant, revelavam admiração pelo argumento teleológico. Hume atribuía a ele certa validez limitada. Kant foi mais além. “Esta prova sempre merecerá ser tratada com respeito. É a mais antiga, a mais clara, e a que mais está de conformidade com o raciocínio humano... Nada temos a dizer contra a racionalidade e a utilidade desta linha de argumento, mas desejamos, pelo contrário, recomendá-la e estimulá-la”. 

3.  O Argumento Moral

Esta é a mais recente das provas teístas. O primeiro filósofo de destaque que a usou foi Kant, que achava deficientes as provas tradicionais. Kant sustentava que a existência de Deus e a imortalidade da alma eram questões de fé, e não do raciocínio especulativo comum que, segundo declarava, está limitado à sensação.

Kant raciocinava que a lei moral nos ordenou a buscar o summum bonum (o sumo bem) tendo a perfeita felicidade como resultado lógico. Mas surge um problema quando contemplamos o fato desagradável de que “não há o mínimo fundamento na lei moral para uma conexão necessária entre a moralidade e a felicidade proporcional num ser que pertence ao mundo como parte dele”. Portanto, o único postulado da experiência moral do homem que fará sentido é “a existência de uma causa de toda a natureza, distinta da própria natureza”, isto é, um Deus que recompensará devidamente o esforço moral em outro mundo. Num universo sem Deus a experiência mais profunda do homem seria um enigma cruel.

Na sua obra Rumor of Angels (“Rumor dos Anjos”), Peter Berger oferece uma interessante versão negativa do argumento moral, denominada por ele “o argumento da perdição eterna”. Nossa condenação moral apodíctica de homens imorais como Adolf Eichmann parece transcender gostos pessoais e costumes sociais; parece exigir uma condenação de dimensões sobrenaturais. Alguns atos não são apenas maus, mas monstruosamente malignos; parecem estar imunes a qualquer tipo de relativismo moral. Ao pronunciarmos julgamentos morais de tão grande peso, como quando condenamos a escravidão e o genocídio, apontamos em direção a um âmbito transcendente de absolutos morais. De outra forma, toda a nossa moralização fica sem fundamento e razão de ser. Um “relativista pregador” é uma das mais cômicas autocontradições.

A maioria dos pensadores modernos que usa o argumento moral dá continuidade à tese de Kant de que Deus é um postulado necessário para explicar a experiência moral. Kant pensava que a lei moral poderia ser estabelecida pelo raciocínio, mas invocou a presença de Deus para garantir a recompensa da virtude. Os pensadores modernos não fazem tanto uso do conceito de Deus com vistas à recompensa, mas com o intuito de providenciar um fundamento para a lei moral em primeiro lugar.

O argumento moral começa com o simples fato de experiência ética. A pressão no sentido do cumprimento do dever pode ser sentida tão fortemente quanto a pressão de um objeto empírico. Quem ou o que está provocando esta pressão? Não basta dizer que a sociedade nos condiciona a sentir essas pressões. Alguns dos maiores moralistas da História adquiriram fama exatamente porque criticaram as falhas do seu grupo – tenha sido tribo, classe, raça ou nação. Se o subjetivismo social é a explicação da motivação moral, logo, não temos direito algum de criticar a escravidão, o genocídio ou coisa alguma!

Os evolucionistas atacam o argumento moral, insistindo que toda a moralidade é meramente um longo desenvolvimento a partir dos instintos animais. Os homens gradualmente elaboram seus sistemas éticos convivendo em comunidades sociais. Mas esta objeção é uma espada de dois gumes: se elimina a moralidade, também elimina o raciocínio e o método científico. O evolucionista acredita que o intelecto humano desenvolveu-se do cérebro físico dos primatas, mas toma por certo que o intelecto é fidedigno. Se a mente faz jus à confiança, embora tenha evoluído de formas inferiores, por que não a natureza moral também?

Muitas pessoas colocam-se numa posição intermediária e aceitam o objetivismo moral, mas querem parar no ponto do âmbito transcendental dos absolutos morais impessoais. Negam que seja necessário crer numa Pessoa, numa Mente ou num Legislador. Isto parece ser redutivo. É difícil imaginar uma “mente impessoal”. Como uma coisa poderia nos fazer sentir obrigados pelo dever a sermos bondosos, úteis, verazes e amorosos? Devemos prosseguir firmemente até chegar a uma Pessoa, a Deus, ao Legislador. Somente aí a experiência moral é adequadamente explicada.

Até que ponto todas estas provas teístas são válidas? O que diz o apóstolo Paulo?

Esta pergunta levanta questões em vários campos: lógica, metafísica, física e teoria do conhecimento. Citamos alguns pensadores acima como Aquino, Hume, Pascal e Kant. Mas fico apenas com o argumento do apóstolo Paulo, parte do qual usamos para encabeçar este artigo. Ele parece exigir um alto conceito das provas teístas quando diz que os descrentes são ‘indesculpáveis’. “Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles [nos homens] se manifesta, porque Deus lho manifestou. Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se veem pelas coisas que estão criadas, para que eles fiquem inescusáveis (Rm 1.19-20).

Ampliando um pouco mais este argumento, até o verso 32, o apóstolo Paulo trata da justiça dos gentios – povos não-judeus –, e neste texto, destacam Thomson e Davidson:

Paulo traça um retrato vivido da injustiça do mundo gentílico, descrevendo a religião pagã (impiedade) e a moralidade pagã (injustiça). Sobre uma e outra a ira de Deus se revela (18), de igual modo como se revela Sua justiça... Os gentios tornaram-se nulos em seus próprios raciocínios (21); isto é, fúteis em suas filosofias... Essa jactanciosa teorização levava à idolatria, visto como, obscurecendo ou detendo a verdade (18), fazia-os afastar-se de Deus e a excogitar ignóbeis substitutos dEle (23). Eles deviam compreender melhor! Deviam conhecer o que era cognoscível. Deus Se lhes revelara. Sua mão oculta, desde o princípio, podia ser bem discernida. Deus sempre deu testemunho de Si, tanto pela natureza como pela consciência. Não havia desculpas para a ignorância deles. Embora seja paradoxal falar em ver o invisível, as coisas invisíveis de Deus, o seu próprio poder e divindade, ‘Deus em ação e na Sua essência’, nunca estiveram escondidas do homem (20). E assim Paulo condena as filosofias gentílicas por alienarem de Deus os homens, Deus que é a verdade, e por conduzirem ao culto vão dos ídolos... (G. T. THOMSON e F. DAVIDSON (In. SHEDD: 1983, p. 1156).

Paulo não estava necessariamente afirmando que os argumentos são dedutíveis, analíticos ou demonstrativos. Se alguém rejeitasse uma proposição de alta probabilidade, ainda poderíamos dizer que ele não tinha desculpa. Os argumentos, em seu efeito cumulativo, oferecem uma defesa muito forte da existência de Deus, mas não são logicamente inexoráveis nem racionalmente inevitáveis. Se definirmos a prova como ocorrência provável baseada nas experiências empiricamente produzidas e sujeitas ao teste do julgamento razoável poderemos, pois, dizer que os argumentos comprovam a existência de Deus.

Se Deus realmente existe, estamos lidando com uma proposição fatual, e o que realmente queremos, ao pedirmos a prova de uma proposição fatual, não é uma demonstração da sua impossibilidade lógica, mas, sim, um grau de evidência que exclua a dúvida razoável. Algo pode ser tão provável que exclui a dúvida razoável sem ser dedutiva, analítica, demonstrativa ou logicamente inevitável. Achamos que as provas teístas – excluindo o argumento ontológico – encaixam-se nesta categoria.

A teologia natural, no entanto, nunca poderá estabelecer a existência do Deus bíblico. Estas provas podem fazer da pessoa um deísta, mas somente a revolução fará da pessoa um cristão. A razão que opera sem a revelação sempre acaba indicando uma divindade diferente de Javé, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Podemos facilmente confirmar este fato ao compararmos Javé om as divindades de Aristóteles, Spinoza, Voltaire e Thomas Paine.

Portanto, a verdadeira crença no verdadeiro Deus é aquela que é o resultado da revelação geral ou manifestação deste Deus a todas as pessoas de todos os tempos e lugares, mediante a qual elas vêm a saber que este verdadeiro Deus existe e como é, mas este é assunto para um próximo artigo ou post.

Referências bibliográficas:

ELWELL, Walter. A. (Editor). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. I. São Paulo: Vida Nova, 1988 (1ª Ed.).

SHEDD, Dr. Russell P. (Editor). O Novo Comentário da Bíblia, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1983.


Notas:

  • [1] “Porquanto o que de Deus se pode conhecer neles se manifesta, porque Deus lho manifestou...”. Neles, isto é os gentios, isto é, os povos não-judeus. Veja mais no comentário de G. T. THOMSON e F. DAVIDSON (In. SHEDD: 1983), no final deste artigo.

  • [2] Imagem disponível em: <http://ourview.com.br/index.php/tag/criador-do-mundo/>. Acesso em: 08/04/2019.

  • [3] A. J. HOOVER é Doutor (Ph.D.), pela Universidade do Texas, Professor de História, Universidade Cristã de Abilene, Abilene, Texas, EUA, e um dos colaboradores da Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (q.v.), editada por Walter A. ELWELL.

  • [4] Adaptação de parte do texto “Argumentos em prol da existência de Deus”, de A. J. Hoover (Nota 1), pp. 421 a 427.

  • [5] PLATÃO. Leis, Livro X.

  • [6] ARISTÓTELES. Metafisica, Livro VIII.

  • [7] Em sua obra, “A Suma Teologica” Tomás de Aquino que foi um grande estudioso dos escritos de Aristóteles buscou provar a existência de Deus por meio da razão.

  • [8] O argumento do desígnio, também destacado por Myer PERLMAN (Veja aqui) é usado pelos teístas para defender a existência de Deus, pois está relacionado com o modo regular, ordenado e complexo como o universo está organizado. Estes fatores revelam o desígnio de um ser divino e criador, cujos sinais são: todos aqueles objetos naturais que se assemelham a máquinas feitas pelo homem; o modo como as partes na natureza se juntam e se combinam entre si; e a adaptação dos meios aos fins. Destes sinais do desígnio, estabelecendo uma analogia entre os desígnios e as obras humanas e os desígnios e obras divinas, os teístas inferem a existência de um autor divino – Deus –, cuja inteligência e planejamento sejam de algum modo análogos às dos humanos.

19 março 2024

Racionalismo e fé cristã: Leibniz

Por: Alcides Amorim


Sobre o Racionalismo, corrente filosófica que argumenta ser a razão a única forma para se chegar ao verdadeiro conhecimento, já falamos dos filósofos franceses René Descartes (1596-1650) e Blaise Pascal (1623-1662) e o do holandês Baruch Spinoza (1632-1677). O último fisósofo desta série, e o menos comentado, é o alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716).

Para um estudo sobre Leibnz, veja o que escreve D. A. RAUSCH [1]:


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Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) foi filho brilhante de um professor de filosofia na Universidade de Leipzig. Leibniz inicialmente estudou Direito em Leipzig, mas em pouco tempo dirigiu sua atenção à filosofia e à matemática, interesses estes que tomariam toda sua atenção durante o restante de sua vida. De 1673 até o fim da vida, trabalhou para o Duque de Brunswick, reunindo e catalogando os vastos arquivos da Casa de Brunswick, enquanto escrevia uma história extensa da família. Sendo um homem de muitos interesses e contatos intelectuais, fundou a Academia Prussiana, em 1700, e procurou promover paz entre os teólogos protestantes e católicos romanos, bem como unir as igrejas protestantes em geral. Dedicou-se à causa da paz internacional.

Embora fosse um racionalista, Leibniz censurou a filosofia de Spinoza, denunciando-a como um ataque contra a imortalidade pessoal e por não deixar lugar para o propósito e a criatividade divinos. Ele não se satisfez com o dualismo de Descartes quanto à "substância espiritual” que misteriosamente interage com a "substância material", e não gostava do conceito mecanicista do universo, proposto por Newton. Leibniz considerava Deus como um Ser livre e racional, um Ser que poderia ter criado qualquer tipo de mundo que desejasse. Acreditava que Deus deve ter criado o melhor mundo possível, onde os homens são recompensados e castigados de acordo com a sua conduta. Deus não é responsável pelo mal. O mal é o resultado da liberdade humana. Leibniz tinha um otimismo teísta, que foi ridicularizado por Voltaire, mas que antecedeu o otimismo do Iluminismo em geral. Ele foi a primeira pessoa a empregar o termo "teodiceia" (no titulo de uma obra que publicou em 1710), explicando que a existência do mal é uma condição necessária para a existência do maior bem moral.

Em Monadologia (1720) – veja mais abaixo –, Leibniz concorda em que a matéria consiste de átomos, mas argumenta que além dos átomos físicos divisíveis, e por baixo deles, estão os átomos metafísicos indivisíveis. A estes centros espirituais de força ele chamou mônadas. Estas mônadas são independentes entre si, mas são levadas a uma organização racional mediante uma harmonia predeterminada, planejada pela mente e vontade de Deus. Seu sistema permitia que ele defendesse as provas tradicionais da existência de Deus (com modificações) e sustentasse alguns princípios escolásticos que haviam sido atacados por outros filósofos. Ele acreditava que a sua doutrina de substância podia ser harmonizada com a transubstanciação e a consubstanciação. O cristianismo, ele observou, era a soma de todas as religiões.

Leibniz é considerado o maior filósofo alemão do século XVII e uma das mentes mais universal de todos os tempos. Ele é uma indicação da grande diversidade dentro do racionalismo moderno inicial.


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Ainda sobre as ideias de Leibniz, Collin Brown [2] destaca:

  • Monadologia: principal obra de Leibniz, escrita em 1714 e publicada em 1720.

  • Mônadas: substancias simples, sem partes e sem janelas pelas quais alguma coisa pudesse entrar ou sair. São indivisíveis e sempre ativas. Cada mônada espelha a totalidade da existência.

  • As nômadas formam uma série ascendente, desde a inferior, que é quase nada, até superior, que é Deus.

  • Deus é um Ser Necessário, ou "a substância simples original, da qual todas as mônadas criadas e derivadas, são produzidas.


Notas:

  • [1] David A. Rausch (1947-2023) foi autor e professor Ph.D., na Universidade Estadual de Kent. Professor de História Eclesiástica e Estudos Judaicos no Seminário Teológico na Ashland University em Ohio, EUA… O artigo (estudo biográfico) Gottfried Wilhelm Leibniz usado (e adaptado) aqui é uma contribuição de Rausch à Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 422.
  • [2] BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 42 (texto adaptado).


Veja também o vídeo de Mateus Salvadori:

19 julho 2022

Teorias sobre a origem do Homem (2): Criacionismo

"A Criação de Adão", obra de Michelangelo1

Como já vimos, a História, como ciência, estuda o passado das diferentes sociedades humanas... com base num estudo criterioso, investigativo e sistemático sobre a humanidade através dos tempos. E, para melhor identificar os fatos, historiadores costumam dividir o passado da humanidade em fases ou eras como Pré-história, Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. As teorias sobre a origem do homem, por exemplo, são estudadas na primeira fase: pré-história.
Duas teorias sobre a origem do homem são: evolucionismo e criacionismo. Já vimos sobre a primeira - o Evolucionismo – e neste post, veremos algumas considerações sobre o Criacionismo.
Obviamente, o que chamamos de "teoria" (no título do artigo) pode ter um significado maior do que simplesmente um "conhecimento especulativo, metódico e organizado de caráter hipotético e sintético". Entendemos que o Criacionismo pode receber o status de teoria científica, assim como já o fazem com o Evolucionismo na maioria ou (quase) todas as instituições de ensino do mundo. Ou seja, entendemos que embora o assunto seja polêmico, ele pode ser recebido como sendo parte das contribuições da ciência para o estudo da origem do homem.
Mas sabemos que o conceito de um conjunto de conhecimento reconhecido com o status de ciência pode mudar com o tempo. Por exemplo, até o século XVI o Geocentrismo – que afirmava ser a Terra o centro do Universo – era tido como ciência, e que foi deixada de lado a partir de Nicolau Copérnico, o qual sistematizou uma teoria – que ficou chamada de Heliocentrismo – que contrapunha àquele modelo, afirmando que "... a Terra e os demais planetas se moviam ao redor de um ponto vizinho ao Sol, sendo, este, o verdadeiro centro do Sistema Solar2". O Criacionismo também, até meados do século XIX3, era aceito quase que de forma universal no mundo alcançado pelo Cristianismo. Por causa da influência da teologia, considerada a "rainha" das ciências, os cristãos eram criacionistas e jamais ousavam por em dúvida as Escrituras. Foi a partir de Charles Darwin que o Evolucionismo foi pouco a pouco substituindo o Criacionismo de modo que hoje ele é apresentado em escolas e universidades não como uma hipótese, mas sim como um fato “cientificamente” comprovado, impenetrável a qualquer outra forma de pensamento, enquanto cristãos procuravam ficar com o Criacionismo apenas justificando suas bases religiosas e dogmáticas.
Mas muitos estudiosos hoje procuram entender o Criacionismo não apenas pelo lado religioso e dogmático mas também científico. “Tais homens de ciência afirmam não estar longe o dia em que a evolução será ensinada nas escolas, não como um fato, mas como a grande falácia dos séculos XIX e XX” 4. Na verdade, embora o Criacionismo, em linhas gerais, segue o modelo da criação, baseado nas Escrituras, em que “… todos os sistemas básicos da natureza foram trazidos à existência completos, prontos para pleno desempenho de suas funções”5 e que os seres vivos vieram à existência através de atos distintos de criação – “conforme sua especie” –, seguindo a ciência observacional, os criacionistas entendem que há vários processos da natureza que podem provocar mutações capazes de introduzir novidades genéticas em uma dada espécie, embora não ao ponto desta ou daquela espécie mudarem sua criação ou aspecto original. Também não creem que a vida possa ter se originado a partir da matéria sem vida, de um modo inteiramente ao sabor do acaso. Pelo contrário, há um Criador que do NADA fez todas as coisas e que “… findo o período de criação, cessaram os processos criativos, substituídos por processos de conservação, com o fim de preservar tudo que havia sido feito. Nesse contexto, tudo teria sido criado perfeito. Do infinitesimal protozoário aos grandes mamíferos; do minúsculo átomo às gigantescas galáxias, o universo foi criado em perfeita ordem e todos os seres vivos, inclusive o homem, estavam presentes desde o início”6.
As modificações que existem na criação, segundo os criacionistas, são processos normais e naturais e esses processos ocorrem de forma providencial, mas não implicam num processo de criação em si. “Podemos dizer que o mundo é o mesmo desde que foi criado, no sentido de que nada mais está se criando, mas não no sentido de fixismo. Isso significa que as espécies se adaptam para sobreviverem em seus ecossistemas, e as atividades sísmicas alteram aspectos geológicos. O importante é compreender que essa verdade é muito diferente de uma teoria de macro-evolução”7.
A terra e a criação são muito antigos como afirmam os evolucionistas? Algumas correntes criacionistas defendem que a Terra não é tão antiga assim. Uma destas correntes é o chamado Criacionismo da Terra-Jovem (CTJ), cujos princípios de interpretação se baseiam principalmente nos escritos de Henry Morris8, que defendem evidências científicas relacionadas à ‘Creation science’ que significa as evidências científicas como9:
- Repentina criação do universo, energia e vida, a partir do nada.
- A insuficiência da mutação e da seleção natural em suscitar o desenvolvimento de todas as formas de vida a partir de um único organismo.
- Mudanças apenas em limites fixos nos tipos originalmente criados de plantas e animais.
- Ancestralidade separada de humanos e primatas.
- Explicação da geologia da Terra por catastrofismo, incluindo a ocorrência de um dilúvio global.
- Uma origem relativamente recente da Terra e dos seres vivos.
Há outras correntes criacionistas, como por exemplo a da Terra-Antiga e a da teoria da Lacuna. Esta última, também chamada de “criacionismo de ruína-restauração”, se aproxima da teoria evolucionista de que a Terra é muito antiga (mas apenas neste aspecto), uma vez que “… esta posição apoia-se numa leitura alternativa dos primeiros versos da Bíblia, admitindo que há uma lacuna de tempo (Gap) indeterminado entre os versos 1 e 2 de Gênesis 1. O verbo hebraico normalmente traduzido como era em ‘E a terra era sem forma e vazia’ pode ser traduzido como ‘tornou-se’, o que resultaria no seguinte: Gn 1:1 – No princípio criou Deus os céus e a terra. Lacuna (GAP) – possíveis milhões de anos Gn 1:2 - E a terra se tornou sem forma e vazia10...”. Ou seja, houve uma recriação da Terra (tempo recente e em seis dias da criação) para consertar o caos em que ela se tornou (tempo antigo).
Bem, entendemos que o criacionismo é compatível com a abordagem científica referente a qualquer assunto. E também que a verdadeira ciência não entra em choque com a Bíblia, base de sua interpretação. Se não houver consenso em dado resultado de algum objeto estudado é porque a falha não está na Bíblia mas sim na sua interpretação. “Há fatos científicos estabelecidos que são consistentes com o criacionismo, e a forma pela qual esses fatos se relacionam entre si combinam com a interpretação criacionista. Da mesma forma que ideias científicas gerais são usadas para dar coerência a uma série de fatos, assim também ocorre com o criacionismo”11.
O evolucionismo defende os processos naturais de desenvolvimento das espécies, enquanto o criacionismo é definido como a crença de que o universo e organismos vivos se originaram de atos específicos da criação divina. Mas o naturalismo, assim como o criacionismo, requer uma série de pressuposições que não são geradas por experimentos. E assim, tanto o naturalismo como o criacionismo são fortemente influenciados por pressuposições que não podem ser testadas ou provadas, as quais entram nas discussões antes de quaisquer fatos: uma teoria, que pode se tornar científica. Seguindo então a lógica da teoria – conhecimento especulativo, metódico e organizado de caráter hipotético e sintético –, é justo dizer que o criacionismo é tão cientifico quanto o naturalismo e tão compatível com o método científico de descobrimento. Esses dois conceitos não são, no entanto, ciências em si mesmos, pois ambas as opiniões incluem aspectos que não são considerados “científicos” no seu sentido normal, mas teorias. Portanto, nem o criacionismo nem o naturalismo podem ser rejeitados ou negados; quer dizer, não há qualquer experimento que possa conclusivamente refutar um ou o outro. “Apenas tomando esses dois pontos como base – naturalismo x criacionismo – podemos ver que não há nenhuma razão lógica pela qual devemos considerar um como sendo mais científico que o outro (idem, Nota 11). Mais uma observação entre naturalismo e criacionismo é que o primeiro rejeita as crenças em milagres descritas na Bíblia. Nesse caso, “… o criacionismo, na verdade, como teoria propriamente dita, é melhor do que o naturalismo, pois ela possui evidências de declarações de milagres, já que as Escrituras nos fornecem narrativas documentadas de acontecimentos milagrosos. A caracterização do criacionismo como um conceito não científico por causa de milagres exige uma caracterização semelhante para o naturalismo” (Idem, Nota 11). Especificamente no que diz respeito ao debate entre a evolução e a criação, o próprio Charles Darwin defendeu esse argumento.
A base para a afirmação do resultado científico precisa ser a verdade. E “nem todos os cientistas concordam sobre qual é a verdade, mas quase todos concordam que um ou o outro tem que ser verdade” (Idem, Nota 11). E no caminho para além da teoria o criacionismo segue uma abordagem racional e científica à aprendizagem, como os conceitos de probabilidade realística, falta de evidência que sustente a macroevolução, a evidência da experiência etc. A suposta “crença” na criação não é uma barreira ao descobrimento científico, haja vista as grandes realizações de homens como Newton, Pasteur, Mendel, Pascal, Kelvin, Linnaeus e Maxwell, todos declaradamente criacionistas. Criacionismo não é uma “ciência”, assim como naturalismo não é uma “ciência”. Criacionismo é, no entanto, completamente compatível com a ciência propriamente dita.
A Bíblia faz referência a um dilúvio universal e depois disto, todos os homens no mundo de hoje, segundo Gênesis 9.1,19, descendem dos três filhos de Noé. Ou seja, todos os continentes foram, no decorrer dos tempos, ocupados pelos descendentes dos filhos de Noé: Sem, Cam e Jafet.
Mais sobre este assunto, sugiro os textos abaixo:

Veja ainda o vídeo a seguir:


Notas:

  • 1 Nesta obra, o pintor italiano Michelangelo executou a criação do afresco “A criação de Adão”, que retrata o exato momento em que Deus estabeleceu a criação do homem. In: <O Deus de Michelangelo>. Acesso em: 19/07/2022.
  • 5 Idem (Nota 3).
  • 6 Idem (Nota 3).

  • 8 Henry Madison Morris, “… criacionista da Terra Jovem, apologético cristão e engenheiro estadunidense. Foi um dos fundadores da Creation Research Society e do Institute for Creation Research, sendo considerado por muitos como ‘o pai da moderna ciência da criação’. In: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Henry_Madison_Morris>. Acesso em: 12/07/2022.
  • 10 GARROS, Tiago Valentim (Veja Nota 8. Pág. 27.

10 julho 2024

Empirismo: algumas considerações filosófico-teológicas

Por: Alcides Amorim


Já escrevi alguns posts sobre o racionalismo, corrente de pensamento que se desenvolveu na Europa continental, e fiz algumas observações filosófico-teológicas sobre os principais racionalistas: Descartes, Spinoza, Leibniz e Pascal. Agora, queremos escrever um pouco também sobre o empirismo, movimento que se desenvolveu na Grã-Bretanha (Reno Unido): Locke (Inglês), Berkeley (irlandês) e Hume (escocês).

O que diferenciava racionalistas e empiristas, eram as ideias inatas, defendidas pelos primeiros. Para os racionalistas, as ideias inatas são aquelas que são os verdadeiros atributos da mente humana, que foram dadas à mente por Deus. Sendo assim essas ideias "puras” são conhecidas a prori por todos os seres humanos e, portanto, são cridas por todos. Elas eram de importância decisiva para os racionalistas, de modo que usualmente se sustinha que essas ideias eram a condição prévia para a aprendizagem de fatos adicionais. Os empiristas, ao contrário, argumentavam que o conteúdo das ideias chamadas inatas na verdade era aprendido através da experiência das pessoas, embora elas talvez tenham refletido pouco sobre isso. Dessa maneira, aprendemos vastas quantidades de conhecimento através da nossa família, educação e sociedade, que surge bem cedo na vida e que não pode ser contado como inato.

Em especial, os empiristas do século XVIII preocupavam-se principalmente com os problemas do conhecimento. Em contraste com os racionalistas que procuravam erigir sistemas filosóficos por meio de raciocinar com base em verdades alegadamente evidentes em si mesmas, os empiristas ressaltavam o papel que a experiência desempenhava no conhecimento. Argumentavam que não temos ideia alguma senão aquelas que derivam da experiência que vem a nós através dos sentidos. Declarações (a não ser aquelas da lógica pura) somente podem ser conhecidas como sendo verdadeiras ou falsas por meio de testá-las na experiência.

Teologicamente falando, podemos afirmar que os racionalistas não eram agnósticos, céticos ou ateus, embora não alinhado com o verdadeiro ensino das Escrituras. Mas dos empiristas pode-se dizer o mesmo? Vejamos:

Bem, Colin Brown [1] entende que não “… seria correto estigmatizar o movimento como sendo inflexivelmente agnóstico”. Hume era um cético, enquanto Locke era um homem de fé sincera e Berkeley era um bispo anglicano. “Mesmo assim, pensa-se geralmente que o movimento fez uma contribuição considerável ao avanço geral do agnosticismo moderno...”, Na verdade, aplicar o método experimental mesmo em matéria de fé, não necessariamente torna a pessoa um agnóstico ou ateu. Entendemos que é possível ser empirista e cristão ao mesmo tempo.

Teologicamente, porém, é necessário fazer algumas ponderações entre empirismo e fé cristã. David A. Rausch [2] afirma que o problema radical com qualquer forma de empirismo é o do relacionamento entre qualquer exposição concernente à experiência e os dados fatuais ou empíricos. Envolve o relacionamento entre experiências e os “significados” pelos quais as experiências podem ser conceptualizadas, articuladas e comunicadas. Visto poder haver uma variedade de interpretações daquilo que se constitui uma experiência, qualquer apelo à experiência como o único árbitro do significado e da relevância é problemático. Semelhante apelo depende totalmente de qual interpretação da experiência a pessoa aplica. Este problema destacou-se especialmente quando os positivistas lógicos procuravam construir uma abordagem unificada para todas as áreas do conhecimento e da ciência. Esta tentativa fracassou, porque os positivistas lógicos não conseguiram impedir que as interpretações teóricas entrassem na sua linguagem de "observação".

O empirismo tem sido aplicado à teologia de várias maneiras. Hume acreditava que se devia estudar a religião de modo científico, porque nada havia de único e sem igual na experiência religiosa. Friedrich Schleiermacher, por outro lado, acreditava que a experiência religiosa era sem igual, e cria que a teologia somente poderia fornecer símbolos para descrever a grande diversidade de experiências religiosas do homem. Cada homem, portanto, precisa ter uma descrição particular dos seus sentimentos, uma teologia individual. Algumas pessoas sugeririam que Schleiermacher é a fonte de todas as teorias da "experiência religiosa" que estão em voga hoje. Os teólogos liberais do fim do século XIX e do início do século XX aplicaram à religião o método científico, procurando reconstruir a fé cristã de acordo com as conclusões "modernas" da ciência. Por isso, um modo cristão apropriado de compreender o mundo e o seu progresso exigiria o método empírico. Este desejo de harmonizar a fé cristã com o método empírico da ciência não é meramente um fenômeno liberal moderno, mas também pode ser achado nas teologias naturais do século XVIII de escritores conservadores, tais como William Paley e Bispo Butler. Alguns conservadores modernos, tais como John Warwick Montgomery, têm continuado esta tendência.

Para concluir, deixo o vídeo (veja este link) do Pr. Anderson Porto, que refuta biblicamente o empirismo. Este nega a fé ao defender que todo o “conhecimento resulta da experiência, das sensações, dos sentidos…”. Neste sentido, Tomé, apóstolo de Cristo, era também um empirista, pois só acreditava no que via e no que suas mãos tocassem. Mas a fé vai além da experiência, daquilo que é palpável…

E oito dias depois estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja convosco. Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. E Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram (João 20.26-29).



Notas / Referências bibliográficas:

  • [1BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 44.

  • [2] RAUSCH, David A. Empirismo, Teologia Empírica. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 20 e 21.