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17 dezembro 2024

Ciro, o persa... e outros

Por: Alcides Barbosa de Amorim

O rei Ciro, ao qual nos referimos aqui, também chamado de Ciro II e Ciro, o Grande, foi responsável pela formação do Império Persa e a efetivação de uma política de expansão territorial, consolidando um dos maiores impérios da Antiguidade. E também foi um instrumento de Deus em favor de Israel, chamado inclusive por Deus de “meu pastor” e meu “ungido”.

Ciro, o grande, com o seu cilindro [1]

1.  Ciro e o Império Persa

O planalto do Irã, região montanhosa e desértica, situado à leste do Crescente Fértil [2], entre a Mesopotâmia e a Índia, foi povoado pelos medos e pelos persas. A princípio, os persas eram dominados pelos medos. Essa situação se inverteria por volta de 559 a.C., pois nessa época, sob o comando de Ciro, os persas dominaram os medos e passaram a controlar a região.

Com Ciro, os persas se estenderam por um largo território e conquistaram vários reinos como Babilônia, Egito, Reinos da Lídia, Fenícia, Síria, Palestina e regiões gregas da Ásia Menor. Ciro governou entre 559 e 530 a.C.

Ciro era descendente de Teispes, neto de Ciro I e filho de certo Acaemênio Cambises. Dentre suas virtudes destacamos o fato de que ele respeitava os costumes e religiões dos povos conquistados e defendia os direitos humanos. Por conta disto Ciro gozava de elevada reputação também entre os judeus.

Ciro era da Dinastia Aquemênida e depois dele, segue a lista de reis desta dinastia [3]: Cambises II (530-522 a.C.); Esmérdis (522 a.C.); Dario I, o Grande (522-486 a.C.); Xerxes I (486-465 a.C.); Artaxerxes I (465-424 a.C.) etc., até a conquista do Reino por Alexandre, o Grande (336-323 a.C.). Para nosso propósito, no entanto, queremos destacar apenas a pessoa de Ciro, o Grande, e como ele chegou à Babilônia, em 539 a.C., pondo fim à hegemonia babilônica, como – teologicamente falando – um instrumento de Deus para a realização de sua vontade naquele momento histórico, sobretudo em favor de Israel.

2.  Ciro e a conquista de Babilônia

Em Isaías 44.28 se lê: “Que digo de Ciro: É meu pastor, e cumprirá tudo o que me apraz, dizendo também a Jerusalém: Tu serás edificada; e ao templo: Tu serás fundado”. Ligando os textos bíblicos com a história, sabemos que aqui foi a primeira vez que Ciro é mencionado pelo nome. E o nome Ciro foi profetizado por Isaías cerca de mais de 150 anos antes de ele nascer, pois Isaías profetizou entre 740 e 701 a.C. e Ciro, o persa, reinou entre 559 e 530 a.C.

Deus governa sobre toda a terra usando pessoas como instrumentos para cumprirem seus propósitos. No texto de Isaías 44.24 até 45.25, o instrumento que Deus usou foi Ciro, chamando-o, inclusive de “meu pastor” (44.28) e “ungido” (45.1). Com esse último título (ungido), por exemplo, Ciro é, em determinado sentido, considerado o precursor gentio, ou tipo do Messias: Jesus Cristo. W. Fitch [4] destaca que “... Flavo Josefo (Antiguidades [5], 11:1, seção 2) registra que mostraram a Ciro esta profecia quando ele entrou na Babilônia, resolvendo logo o monarca dar-lhe cumprimento...”. Sabe-se que Isaías faleceu provavelmente em 701 a.C., e em seu trabalho sobre o assunto Gabriel Girotto Lauter afirma que “... isso faz com que muitos tenham dificuldade em crer que se trata de uma profecia genuína, mas defendem que essa porção do livro tenha sido escrita no período em que os fatos aconteceram...[6]”. Mas, como sabemos pelas Escrituras, Deus anuncia o “fim” desde o “princípio” e “... desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam...” (Is 46.10).

Considera-se que a expressão “Que diz a profundeza: ‘seca-te’” (Is 44.27) seja um ardil de que Ciro se serviu para conquistar Babilônia. Nabonido era o rei na época e foi o último governante da Babilônia. “Por artes de engenharia, [Ciro] desviou as águas do Eufrates do seu curso através da cidade, e fez com que os seus soldados entrassem nela pelo leito seco do rio” (Fitch, Nota 4). Isto ocorreu em 539 a.C. Mas, segundo ainda Lauter, “... as tropas de Ciro sitiaram a cidade e seu general entrou nela sem precisar lutar. O povo da Babilônia recebeu Ciro como libertador e não como conquistador...” (Idem, Nota 6). Heródoto, segundo Fitch, informa ainda que “... as portas de Babilônia eram em número de cem. Todas elas se abrirão [abriram] de par em par, revelando tesouros ocultos, escondidos nas caves e lugares secretos da cidade[7]. Bem, podemos resumir o que diz a Bíblia acerca de Ciro, assim, conforme os cinco primeiros versos do capítulo 45 de Isaías:

  • Deus escolheu Ciro como seu agente para cumprir sua divina vontade. E ai dos que se opusessem ao seu governo!
  • Deus o ungiria como rei, iria à sua frente e aplanaria as montanhas.
  • Deus arrebentaria portões de bronze e quebraria trancas de ferro.
  • Deus lhe daria tesouros escondidos e riquezas guardadas em lugares secretos.
  • Ciro cumpriria a vontade do Deus de Israel mesmo não conhecendo-O.

Assim diz o SENHOR ao seu ungido, a Ciro, a quem tomo pela mão direita, para abater as nações diante de sua face, e descingir os lombos dos reis, para abrir diante dele as portas, e as portas não se fecharão. Eu irei adiante de ti, e endireitarei os caminhos tortuosos; quebrarei as portas de bronze, e despedaçarei os ferrolhos de ferro. Dar-te-ei os tesouros escondidos, e as riquezas encobertas, para que saibas que eu sou o Senhor, o Deus de Israel, que te chama pelo teu nome. Por amor de meu servo Jacó, e de Israel, meu eleito, eu te chamei pelo teu nome, pus o teu sobrenome, ainda que não me conhecesses. Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que tu não me conheças...” (Is 45.1-5).

3.    O decreto de Ciro e o fim do cativeiro

Importante destacar que o Soberano Deus usa reis e outras importantes personalidades como Lhe apraz, seja para castigar ou abençoar o seu povo. Por exemplo, Deus usou também outro rei, este último, porém, com caráter e postura muito diferentes de Ciro, há uns 70 anos antes, por volta de 607 a.C., que foi Nabucodonosor, chamando-o “meu servo” (Jr 27.6), para castigar seu povo, levando-o cativo para a Babilônia. “E toda esta terra virá a ser um deserto e um espanto; e estas nações servirão ao rei de babilônia setenta anos” (Jr 25.11), disse o Senhor. Mas “... no ano primeiro de Dario [8], filho de Assuero, da linhagem dos medos, o qual foi constituído rei sobre o reino dos caldeus” (Dn 9.1), Daniel entendera pela leitura dos escritos de Jeremias (Dn 9.2), que o cativeiro estava chegando ao fim. E se pôs a orar ao seu Deus. A resposta vinda a ele pelo anjo Gabriel (Dn 9.21) fala da “... ordem para restaurar e para edificar Jerusalém...” (v. 25) até do surgimento do “... príncipe, que há de vir...” (v. 26), assunto do qual já falamos aqui.

Sabemos que a ordem de saída trata-se do edito de Ciro, assinado em 538 a.C., que põe fim ao cativeiro babilônico. Isto significa que Ciro tomou esta decisão um ano após ter conquistado o Império Babilônico. Veja 2Cr 36.22,23; Ed 1.2; 5.13; 6.3. Ciro também devolveu os vasos pertencentes ao templo (Ed 1.7) e proveu fundos para a obra de reabilitação de Judá (Ed 3.7).

O texto do decreto de Ciro tal como foi descrito em Esdras 1.1-4, “... poderia sugerir que Ciro cria em Jeová. No entanto, sabemos pelas inscrições do próprio Ciro que ele também atribuiu as suas vitórias ao deus babilônico Marduc. É provável que Ciro sentisse respeito por vários deuses em geral e redigisse os seus decretos a todas as nações. Provavelmente pediu a qualquer dirigente judaico (quem sabe se Daniel) para redigir o decreto de forma que este fosse aceitável para os judeus[9]. Ciro era benquisto por todos os seus governados, mas não alguém que se convertera ao Deus dos judeus. Mesmo assim, Deus o usou pois como Ele diz: “Eu fiz a terra, o homem, e os animais que estão sobre a face da terra, com o meu grande poder, e com o meu braço estendido, e a dou a quem é reto aos meus olhos” (Jr 27.5); “... o Altíssimo domina sobre os reinos dos homens e os dá a quem quer" (Dn 4.32). Aliás, a referência de Daniel 4.32, é uma continuação da explicação de Daniel a respeito do sonho que Nabuconosor teve, que dizia respeito à queda da “grande Babilônia”, assim considerada pelo rei. "A sentença sobre Nabucodonosor cumpriu-se imediatamente. Ele foi expulso do meio dos homens e passou a comer capim como os bois. Seu corpo molhou-se com o orvalho do céu, até que os seus cabelos e pelos cresceram como as penas de uma águia, e as suas unhas como as garras de uma ave” (Dn 4.33). O Império Persa também chegou ao fim, em 330 a.C. através do grande rei Alexandre da Macedônia. Veja: “Agora, pois, vou dar-lhe a conhecer a verdade: Outros três reis aparecerão na Pérsia, e depois virá um quarto rei, que será bem mais rico do que todos os outros. Quando ele tiver conquistado o poder com sua riqueza, instigará todos contra o reino da Grécia. Então surgirá um rei guerreiro, que governará com grande poder e fará o que quiser” (Dn 11.2-3). O rei guerreiro (poderoso) mencionado no verso 3 trata-se de Alexandre, o Grande. Mas o fim deste também já estava previsto: “Depois que ele [Alexandre] surgir, o seu império se desfará e será repartido para os quatro ventos do céu. Não passará para os seus descendentes, e o império não será poderoso como antes, pois será desarraigado e dado a outros” (v. 4). E assim, temos uma sucessão de reinos e governantes até a volta do”... REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES” (Ap 19.16).

4.  Existem “Ciros” nos dias atuais?

Como dissemos acima, Deus usou no passado e ainda usa – no presente –, pessoas para exercerem determinadas tarefas segundo a sua vontade no mundo, sejam elas pessoas honestas, religiosas ou não. Normalmente – podemos afirmar – que Deus interfere na história quando determinados fatos têm relação direta com Israel. Devemos lembrar que segundo a Bíblia, quem não é judeu ou israelita é chamado de “gentio”[10(ou estrangeiro), e embora a graça de Deus abranja toda a humanidade [11], há uma aliança dEle específica com seu povo: Israel. De modo que todos que aceitam crer e servir a Deus, tornando-se parte da Igreja de Cristo, têm que ter em mente que o Deus em quem eles creem como cristãos é antes de tudo o Deus de Israel. Portanto, o Deus dos cristãos é o mesmo Deus dos judeus. Não é concebível ser cristão e antissemita, por exemplo. A propósito, veja este meu artigo sobre o assunto: Semitismo, antissemitismo e xenofobia.

Seguindo este raciocínio, podemos dizer que outros “Ciros” (figurativamente e talvez de menor importância) foram e estão sendo usados hoje através da história, para o bem de Israel e de sua Igreja, assim como outros “Nabucodonosores”, “Faraós” ou “Herodes”..., mas para o castigo e/ou disciplina do seu povo. Interferência na história e negócios dos homens é um dos meios como Deus como “Senhor da História”. A tolerância dos pecados homens tem um tempo determinado por Deus. Assim, podemos dizer que Deus interviu em alguns momentos da história modificando seu rumo e permitiu em outros momentos as ações de governantes – inclusive tiranos – para um julgamento posterior. Diversas passagens bíblicas como Ezequiel 38 e 39, Zacarias 12 e 14, Apocalipse 14 etc., tratam do juízo de Deus no futuro, de nações rebeldes e inimigas de Israel. Disse Deus: “Por meu intermédio os reis governam, e as autoridades exercem a justiça; também por meu intermédio governam os nobres, todos os juízes da terra” (Pv 8.15,16 – NVI).

Bem, sobre o holocausto, por exemplo, será que Hitler foi usado ou teve permissão de Deus para praticar aqueles horrores que ele fez aos judeus, matando cerca de seis milhões deles? Ele se gabava, por exemplo, de ter sido escolhido por Deus para castigar os judeus. Aliás, veja aqui, qual foi também a posição cristã católica (mais especificamente, do Papa Pio XII)  e protestante (principalmente de Dietrich Bonhoeffer) sobre as atitudes de Hitler durante a segunda guerra mundial.

Em linhas gerais, como nos Estados Modernos não há reis com poderes absolutos (ou não deveriam ter) e sim democráticos, que dependem da escolha dos seus líderes pelos cidadãos de seus respectivos países, entendo – como um cristão conservador – que para errarmos menos, devemos votar em nossos representantes, seja do Poder Legislativo, mas principalmente do Executivo, que, em linhas gerais, sejam pró-Israel; defensores da cultura judaico-cristã – não se trata de defesa do etnocentrismo ocidental ou do cristianismo apenas –, conservadores que reconhecem os fundamentos do Cristianismo e da Bíblia como alicerce da civilização ocidental; defensores de princípios como honestidade, família tradicional (pai, mãe, filhos), liberdade de comércio, de imprensa e de crença (seja ela qual for); que sejam defensores do Estado laico e não laicismo... Além disso, por princípio, os conservadores são contrários ao Comunismo e defensores do Capitalismo. Como já falamos aquio conservadorismo implica em preservar valores, costumes e tradições da cultura judaico-cristã. Portanto, se alguém é antissemitista, e anticristão, por exemplo, não pode ser considerado um conservador, ao passo que na sociedade, alguém que mesmo não sendo ... cristão, mas aceita os valores cristãos como moral, ética etc., conseguem conviver muito bem com os conservadores...”.

Votando então à questão de que se existem “Ciros” nos dias atuais, podemos afirmar que governantes que consideram os princípios acima sine qua non em sua administração podem ser um Ciro moderno. E acrescento que os que assim o fazem presenciam prosperidade econômica e social em seus países, com as devidas proporções, obviamente, porque na sociedade, aqueles que não aceitam tal postura lutam (e muito) contra suas aplicações das medidas que defendem.

Um exemplo de líder político conservador que até certo ponto, pode se assemelhar a um “Ciro” moderno é Donald Trump nos EUA. Uma matéria do Portal Vox [12], publicada em março de 2018, trazia o título: A história bíblica que a direita cristã usa para defender Trump. A história bíblica é exatamente a de Ciro, o persa. Segundo a matéria, há até uma moeda mostrando Trump e Ciro lado a lado. O apelo e o desejo da direita estadunidense de ver Trump presidente do seu país (agora, novamente eleito), significa que esta (grande) parcela da sociedade norte-americana goza dos mesmos princípios que Trump. Acho que estas pessoas não esperam um Trump santo, mas um líder que defende os princípios descritos acima: judaico-cristãos e base da civilização ocidental. Mas o que mais leva em conta na comparação de Trump com Ciro é o fato de ambos defenderem Israel. A maioria dos que apoiam e votam em Trump, portanto conservadores, é cristã. E estes cristãos entendem que a bênção de Abraão está sobre os que apoiam os filhos de Abraão: “E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3).

De 2016 para cá, passei a observar o perfil de outro líder político brasileiro: Jair Bolsonaro. Na época, eu ainda achava que PSDB, por exemplo, era partido de direita. Mas quando percebi que Bolsonaro não era bem quisto nem pela extrema esquerda e nem pelos psdbistas passei a questionar o porquê daquele deputado federa na época ser tão perseguido. Mais adiante, em setembro de 2018, quando levou uma facada acabei descobrindo que quem eu achava ser de direita, na verdade era apenas uma oposição faz-de-conta da extrema-esquerda. Foi nesta época que conheci a expressão de Olavo de Carvalho: “o teatro das tesouras”. A defesa da crença em Deus, de apoio a Israel, da família tradicional etc., foram os temas que mostram a grande diferença entre os verdadeiros conservadores e os demais. Jair Bolsonaro está sempre cercado de apoiadores e conta com grande popularidade dos conservadores, cristãos, em sua maioria. E mesmo inelegível (no momento, pelo menos – dezembro de 2024) [13] e mesmo depois de tanta perseguição que sofreu durante o seu governo (2019-2022), ainda mantém seu slogan: “Deus, Pátria, Família e Liberdade”. Portanto, embora odiado pela esquerda ele é recompensado pelo apreço da maioria dos cristãos por conta desta sua defesa dos mesmos princípios conservadores, mas que – podemos afirmar – seus princípios servem para todos. O país de Jair Bolsonaro é muito diferente do de Trump, e não teria a mesma relevância. Quando o Presidente dos EUA fala ou toma alguma medida, esta tem repercussão internacional. A mesma atitude de Jair Bolsonaro não teria o mesmo efeito, mas seu país e parte do mundo seriam beneficiados como já foi entre 2019 e 2022, em meio a um turbilhão de críticas de opositores, pandemia, justiça trabalhando contra e assim por diante. Por que ele não foi reeleito em 2022? Bem, este é assunto do qual não podemos falar hoje no Brasil. Outros líderes conservadores, como Javier Milei, na Argentina, Nayib Bukele em El-Salvador, Giorgia Meloni na Itália e outros seguem no mesmo caminho.

Concluindo, o governo de Ciro, o persa, é visto como um governo ideal. Deus usou sua pessoa e outros como seus instrumentos e também abençoa os que têm os princípios conservadores como norteadores de suas administrações. Mas embora, mesmo sendo cidadãos que votamos para escolher nossos representantes, não podemos nos esquecer de que Deus governam as nações. E ao que espiritualmente observo, Deus está permitindo nosso país passar pelo que está passando: Judiciário aliado a um Executivo de extrema-esquerda, portanto contrário aos princípios conservadores. Diz a Palavra de Deus: “Todos devem sujeitar-se às autoridades governamentais, pois não há autoridade que não venha de Deus; as autoridades que existem foram por ele estabelecidas” (Rm 13.1). Por meu intermédio os reis governam, e as autoridades exercem a justiça; também por meu intermédio governam os nobres, todos os juízes da terra” (Pv 8.15,16). “Na verdade, as nações são como a gota que sobra do balde; para ele [o Senhor] são como o pó que resta na balança; para ele as ilhas não passam de um grão de areia” (Is 40.15). Que as Nações atuais tenham ou não seus Ciros, o certo é que:

“Já refulge a glória eterna de Jesus, o Rei dos reis

Breve os reinos deste mundo seguirão as Suas leis

Os sinais da Sua vinda mais se mostram cada vez

Vencendo vem Jesus...

(...)

E, por fim entronizado, as nações irá julgar

Todos, grandes e pequenos, o Juiz hão de encarar

E os remidos, triunfantes, lá no Céu irão cantar

Venceu o Rei Jesus!!!”

(in: Cantor Cristão: 112) [14].



Notas / Referências bibliográficas
:

  • [2] O Crescente Fértil “... corresponde a uma região do Oriente Médio, com aproximadamente 500 mil km2 de extensão. Está localizada entre a Jordânia, Líbano, Síria, Egito, Israel, Palestina, Irã, Iraque e parte da Turquia. Abriga grandes rios tal qual o Nilo, Tigre, Eufrates e Jordão. Todos eles tornaram a agricultura o principal meio de subsistência das primeiras grandes civilizações da antiguidade oriental... O ‘Crescente Fértil’ ou ‘Meia Lua Fértil’ recebe esse nome uma vez que a região, se olhada no mapa, possui a forma de uma lua em estágio crescente...”. In: <https://www.todamateria.com.br/crescente-fertil/>. Acesso em: 06/12/2024.
  • [4] FITCH, W. Isaías. Apud: SHEDD, Russel P., Editor. O Novo Comentário da Bíblia, Vol. I. São Paulo: Vida Nova, 1963 (1ª ed.)., pág. 724.
  • [5] FLÁVIO JOSEFO foi um escritor e historiador judeu do século I d.C. Dentre suas obras está Antiguidades Judaicas (AJ). As Antiguidades dos Judeus detalham a história do povo judeu desde a narrativa da criação (Gênesis no Antigo Testamento) a época da escrita de Josefo (Novo Testamento e depois).
  • [6] LAUTER. Gabriel Girotto. Um estudo das profecias sobre Ciro presentes no livro do profeta Isaías. Disponível em:  <https://revista.batistapioneira.edu.br/index.php/ensaios/article/view/102/141>. Acesso em: 09/12/2024.
  • [7] In: FITCH, Nota 4, pág. 724.
  • [8] Dario I, o Grande (522-486 a.C.), foi o quarto rei da Dinastia Aquemênida. Como o Decreto de Ciro, dando oportunidade para os judeus voltarem para sua terra foi assinado em 538 a.C., entende-se que esta oração de Daniel ocorreu cerca de pelo menos uns trinta anos depois. E muita gente ainda não tinha voltado para Israel nesta época.
  • [9] WRIGHT, J. Stafford. Esdras. Apud: SHEDD, Russel P., Editor. O Novo Comentário da Bíblia, Vol. I. São Paulo: Vida Nova, 1963 (1ª ed.)., pág. 431.
  • [10] Os hebreus, povo escolhido por Deus, através de Abraão, com o tempo teve seu Estado, chamado Reino de Israel. Depois de Salomão, houve uma divisão do reino em Israel, formado por dez tribos do Norte, e Judá, formado por duas tribos do Sul. São as tribos do Sul que foram levadas por Nabucodonosor para a Babilônia. Depois disto, o adjetivo judeu (de Judá) passou também a ser sinônimo de hebreu e israelita. O profeta Daniel fala que depois da 69ª semana (Dn 9.25-26 = 7 semanas + 62 semanas) o Messias (Jesus) seria cortado (morto). Jesus veio para todos: judeus e não-judeus, estes chamados de gentios. De judeus e gentios, Jesus, que “... de ambos os povos [judeus e gentios] fez um...” (Ef 2.14) formou sua Igreja. Portanto, os povos bíblicos são: judeus (povo escolhido), gentios (não-judeus) e igreja (judeus e gentios que receberam Cristo como seu Senhor e Salvador). Veja também a nota seguinte.
  • [11] Jesus “... veio para o que era seu [Israel], e os seus [maioria dos israelitas] não o receberam. Mas, a todos quantos o receberam [Igreja], deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que creem no seu nome” (Jo 1.11-12).
  • [13] Enquanto escrevo isto – 14 de dezembro de 2024 –, ouço a notícia da prisão do ex-Chefe do Estado-Maior do Exército do Governo Bolsonaro (2019-2022). Por isso, acho que o caminho para a prisão do líder maior dos conservadores brasileiros, Jair Bolsonaro está aberto e a ditadura do Judiciário já está instalada no Brasil.
  • [14] Louvor "Vencendo Vem Jesus", apresentado pelo local da Igreja Memorial Batista/Brasília. In: <https://www.youtube.com/watch?v=uPn7eHATdS0>. Acesso em: 16/12/2024.

19 janeiro 2024

A Segunda Guerra Mundial e o Contexto Cristão

Por: Alcides Amorim


Já destacamos, em relação ao estudo sobre a Primeira Guerra Mundial, os seus aspectos políticos, sociais e econômicos, e também a posição teológico-cristã, sobretudo da pessoa de Karl Barth, considerado o maior teólogo do século XX. Na época, diversos promotores da paz, cristãos como o papa Bento_XV, os protestantes Söderblom, Harnack e o próprio Barth, apelaram para a obtenção da paz através da comunhão cristã. Mas apesar de seus esforços e os de muitos outros, a paz durou apenas cerca de 20 anos, surgindo a Segunda Guerra Mundial, com resultados terríveis sobretudo para os judeus. Como vimos aqui, cerca de 46 milhões de pessoas foram mortas das quais cerca de 6 milhões apenas de judeus. Queremos, portanto, falar um pouco, neste post, sobre os aspectos teológico-cristãos no contexto da segunda grande guerra.

Sobre a posição da Igreja Católica (ou papal?) da época, importante ver algumas informações sobre o italiano Eugenio María Giuseppe Giovanni Pacelli, o Pio XII, que foi papa entre 1939 e 1958, e, portanto, liderou a Igreja por todo o período da Segunda Guerra. Sob o título “'Papa de Hitler' ou 'salvador dos judeus'?”, o jornalista Juan Francisco Alonso da BBC News Brasil, descreve Pio XII como um líder religioso omisso, polêmico e ambíguo, a despeito de afirmar ser “… o nazismo um movimento político pagão que destratava os católicos, [mas] o papa não foi particularmente incômodo para o Terceiro Reich” (Idem). Seu silêncio frente às atrocidades cometidas contra os judeus durante o holocausto, favoreceu muito mais o atroz Hitler do que suas vítimas. Inclusive uma carta de 1942, escrita por um padre jesuíta alemão ao secretário de Pio XII na época, e descoberta recentemente, traz à tona esta polêmica. Na carta, com o título “Pio XII Sabia”, o padre jesuíta Lother Koenig relatava o que estava acontecendo em três campos de concentração (Belzec, Auschwitz e Dachau) e, apesar disso, não o denunciaram publicamente. “Esse silêncio é a razão pela qual muitos historiadores e setores da comunidade judaica consideram o falecido pontífice, que desde 2009 é um aspirante a santo, um cúmplice do Holocausto” (Idem).

Embora textos como este, por exemplo, afirmem que Pio XII se esforçou muito para salvar os judeus, outros, como o referido acima, não concordam que Eugenio María Giuseppe Giovanni Pacelli tenha se esforçado o suficiente para salvar o povo judeu. Inclusive o pesquisador britânico John Cornwell afirma: "Não há dúvida de que muitos católicos — padres, freiras e fiéis — em toda a Europa ocupada salvaram muitos judeus, mas acho escandaloso que o Vaticano afirme que isso aconteceu graças às instruções do papa" (Idem). Em síntese, enquanto alguns padres, freiras e outros fiéis, incluindo leigos católicos lutaram pela paz no mundo, o papel do papa falhou muito nesta missão. De modo que neste período “… embora a reação do papa à perseguição dos judeus na Alemanha e nas áreas ocupadas da Europa deixasse muito a desejar, havia outros católicos arriscando a vida e a liberdade por causa dos irmãos judeus” (Veja aqui). Na verdade, certas decisões da Igreja Católica durante sua história têm sido terríveis para os judeus, não só durante a Segunda Grande Guerra. Por exemplo, em seu artigo, Inédito: conheça todo o ódio, intolerância e perseguição da Igreja Católica aos judeus na história, que é parte de seu livro sobre a Reforma, Lucas Banzoli, depois de fazer um histórico sobre o antissemitismo da Igreja Católica através da história da Igreja, afirma que

“ … o nazismo não foi um mal que surgiu ‘do nada’, mas é antes de tudo o fruto de toda uma mentalidade antissemita que se desenvolveu por séculos, tendo no papado, na Inquisição e na pessoa dos reis católicos o seu pontapé inicial. As ideias de ‘pureza de sangue’ e seus estatutos contra os judeus e seus descendentes serviram de inspiração a Hitler, que não tardou em implementá-los também em seu país. Toda a ideologia nazista era baseada na política de discriminação racial predominante na Idade Média e que já massacrava judeus muito antes de um führer chegar ao poder no século XX. Como um pavio fumegante de uma bomba prestes a estourar, era mera questão de tempo até que o antissemitismo eclesial tomasse a forma de antissemitismo de Estado e resultasse no extermínio de milhões de judeus, não apenas na Alemanha, mas ao redor de todo o mundo” (Idem).


E a posição protestante?

Bem, também no meio protestante havia até a Igreja do Reich, liderada por Ludwig Müller, um pastor luterano antissemita, associado ao nazismo, que defendia o “cristianismo positivo” e considerava Jesus Cristo como sendo ariano.

Mas vale destacar especificamente o papel de Karl_Barth, sobre o qual já falamos, e também o de Dietrich Bonhoeffer (1906–1945) e de um grupo minoritário de cristãos que veio a formar a chamada Igreja Confessante e liderada por Martin Niemöller.

Barth, além de suas contribuições teológicas – interpretações sobre A carta aos romanos –, visando dar uma resposta espiritual aos problemas da Europa, também assumiu posição de resistência frente ao regime nazista, participando da Igreja Confessante, ao lado de Bonhoeffer e Niemöller.

De Niemöller, também sabemos, além de sua sua luta antinazista, de um texto muito conhecido, chamado "Eu me calei", muitas vezes adaptado (parafraseado) conforme as diferentes situações em que o mesmo é lembrado e citado:

Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado – porque não era socialista.
Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado – porque não era sindicalista.
Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado – porque não era judeu.
Foi então que eles vieram me buscar, e já não havia mais ninguém para me defender” (In: Enciclopédia do Holocausto - Martin Niemöller).

Na década de 1920, Niemöller simpatizava com muitas das ideias nazistas, mas após Adolf Hitler chegar ao poder em 1933, Niemöller tornou-se um crítico ferrenho da interferência de Hitler nas igrejas protestantes. Por isso, passou os últimos oito anos do governo nazista, de 1937 a 1945, em prisões e campos de concentração, mas conseguiu sobreviver até 1984. O mesmo não aconteceu com Dietrich Bonhoeffer. Este morreu ainda durante a guerra. E como? Interessante que este artigo de autoria católica afirma que “… antes do fim do primeiro século, o termo ‘santo’ era reservado exclusivamente ao mártir, e o martírio é, ainda hoje, o caminho mais certo para a canonização”. Mas este princípio não se aplicou ao protestante Dietrich Bonhoeffer, que foi morto pelos nazistas! Pois é, “… na madrugada de 9 de abril de 1945, Dietrich Bonhoeffer ‘foi levado nu até o pátio de execuções’ da prisão de Flossenbürg, na Alemanha. ‘Os guardas o ridicularizaram e desprezaram. Aos pés do cadafalso’, Bonhoeffer ajoelhou e orou. ‘Então, subiu os degraus até a forca’, onde morreu cerca de trinta minutos depois, asfixiado por um nó de corda de piano (Bonhoefferblog)”.

O historiador Justo L.González, no último volume de sua obra A era inconclusa (IV): o Protestantismo na Europa, afirma sobre o que Barth declarava "... que a religião é um esforço humano pelo qual nos tentamos esconder de Deus" e baseado nesta afirmação, Bonhoeffer enfatizava um “cristianismo sem religião”, princípio que ficou marcado para o futuro do cristianismo. Em nossas igrejas evangélicas (quase todas), hoje, entendemos que a salvação não está numa religião, mas numa pessoa: Jesus Cristo. Viver para e em Cristo é viver um cristianismo sem religião. E o preço desta escolha foi muito alto para Bonhoeffer. Como ele tornou-se um ferrenho inimigo do regime, a gestapo não o perdoou. González, assim descreve em seu texto sobre Bonhoeffer: 

"... À medida que o exército americano avançava e a derrota se tornava inevitável, o Terceiro Reich passou a eliminar os que considerava seus piores inimigos. Bonhoeffer estava entre eles. Após uma rápida corte marcial, ele foi condenado à morte. Posteriormente, o médico da prisão disse tê-lo visto ajoelhado em sua cela, orando em preparação para a morte. Em 9 de abril de 1945, dois anos e quatro dias após sua prisão, Dietrich Bonhoeffer foi enforcado. Alguns dias depois, a prisão onde ele havia sido executado foi tomada pelo exército americano" (Idem), pág. 71).


Leia também:

Um pouco mais sobre a história de Dietrich Bonhoeffer e o papel na resistência cristã pode ser visto no vídeo a seguir, de Teologia Missional.











14 outubro 2023

Sionismo e sionismo cristão

 Sionismo e sionismo cristão

Por Alcides B. de Amorim



Sobre a relação da Igreja e a sociedade mundial com Israel, já destacamos aqui algumas postagens, como: A Igreja e Israel no Novo Testamento; Semitismo, Antissemitismo e Xenofobia; As Setenta Semanas de Daniel… e agora destaco o que é sionismo e porque a maioria dos cristãos o defende. E para tanto, quero utilizar os textos quase na íntegra de D. A. Rausch [1], um resumo de Fritz May e o vídeo de Marcos Granconato.

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1. O que é sionismo


Este termo [sionismo] refere-se à filosofia da restauração do povo judeu a "Sião”, que no começo da história judaica era identificado com Jerusalém. Depois de os romanos expulsarem os judeus de Jerusalém em 135 d.C., essa ideia de "Sião" nunca se separou completamente do pensamento judaico, e as orações dos judeus (tanto individuais como coletivas) enfatizavam o desejo de voltarem à sua pátria. O judeu religioso sonhava com um período final de derradeira libertação da sua dispersão entre as nações e de uma volta à Terra Prometida. Um pequeno número de judeus sempre tinha permanecido na Palestina, e os números foram aumentados pelos refugiados da Inquisição Espanhola em 1492. Apesar disso, para muitos judeus, a noção de uma volta física para a Palestina parecia um sonho ilusório e até mesmo impossível.

Durante o século XIX, a ascensão da literatura hebraica, do nacionalismo judaico, e, principalmente, de um novo surto de anti-semitismo, estimulou grupo como Hoveve Zion (“Amantes de Sião") a levantarem recursos financeiros para os judeus que se estabeleciam na Palestina. Os pogroms na Rússia czarista depois de 1881 tiveram como resultado milhares de refugiados tomados pelo pânico, que perceberam que a Palestina seria seu melhor lugar de refúgio. As colonias agrícolas eram patrocinadas, também, por benfeitores como o Barão Edmond de Rothschild.

O sionismo pré-moderno enfatizava um tema religioso e uma colonização pacifica do território. Com a publicação de Der Juden-staat ("O Estado Judaico") por Theodor-Herzl em 1896, no entanto, nasceu o sionismo politico e, com ele, o conceito moderno do sionismo. Abriu-se uma nova era na história Judaica quando Herzl, um jornalista austríaco, deixou a defesa da assimilação Judaica adotando a crença de que o anti-semitismo seria inevitável enquanto a maioria do povo judaico vivesse fora da sua pátria. Ele expunha esforços políticos, econômicos e técnicos que, segundo acreditava, eram necessários para criar um Estado judaico que funcionasse. O primeiro Congresso Sonista reuniu-se em 1897, e mais de duzentos delegados do mundo inteiro adotaram o Programa de Basileia. Esse programa ressaltava que o sionismo queria criar uma pátria legalizada na Palestina para o povo judeu, e que promoveria a colonização, criaria organizações mundiais para unir os judeus, fortaleceria a consciência nacional judaica e obteria o consentimento dos governos do mundo.

O pensamento de Herzl era puramente secular; na realidade, ele era agnóstico. A maioria dos seus seguidores, no entanto, eram judeus ortodoxos, do sudeste da Europa, e embora Herzl se opusesse a transformar o sionismo numa sociedade cultural, religiosa ou de colonização gradativa, fez concessões a seus defensores. Essa aliança frágil indica as muitas facetas do sionismo durante o século XX. Para Herzl, o alvo principal do sionismo era obter uma carta magna politica que concedesse aos judeus os direitos de soberania na sua pátria. Pouco depois da sua morte em 1904, aproximadamente setenta mil judeus já tinham se estabelecido na Palestina. Uma maioria (pelo menos 60 por cento) habitavam nas cidades. O sionismo foi transformado num movimento de massa e poder politico durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1917, os britânicos promulgaram a Declaração Balfour [2], que favoreceu o estabelecimento de um lar nacional dos judeus na Palestina.

O sionismo era um movimento minoritário e encontrava oposição mesmo dentro da comunidade judaica. O Judaísmo Reformado dos Estados Unidos, por exemplo, acreditava que os judeus não tinham condições de enfrentar os rigores da Palestina, onde grassavam a fome e a peste. Além disso, alegavam que a Palestina já não era um país judaico, e que os Estados Unidos representavam "Sião". Segundo esses judeus não-sionistas, o sionismo estava lesando a harmonia do judaísmo e apenas servia para provocar a inimizade dos russos. Somente o horror do assassinato em massa de cem mil judeus por unidades do exército russo entre 1919 e 1921, e, finalmente, o horror do holocausto nazista durante a Segunda Guerra Mundial, quando foram exterminados seis milhões de judeus, reuniu os sionistas e os não-sionistas no apoio à Palestina como uma república judaica – um porto seguro para os perseguidos e os desabrigados. Em novembro de 1947, um plano de dividir a região para criar um estado judaico, endossado tanto pelos Estados Unidos como pela União Soviética, foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas. O Estado de Israel foi formalmente reconhecido 14 de maio de 1948, quando terminou o domínio britânico. À medida que o novo Estado se fortalecia, a definição do sionismo, e aquilo que deve ser seus alvos propósitos atuais, têm sido debatidos calorosamente dentro da própria Organiza Sionista Mundial. A partir de 1968, a ênfase da aliyah (a migração pessoal para Israel) tem sido entendido por muitos como um alvo final, ainda que controvertido.

O sionismo tem sido ajudado nos séculos XIX e XX pelos "sionistas cristãos”. Por causa da sua escatologia pré-milenista, os evangélicos fundamentalistas têm dado apoio especial ao retorno do povo judaico a Israel, e ao próprio Israel no século XX.

2. Sionismo Cristão

Os cristãos têm desempenhado um papel importante no apoio ao retorno do povo judeu a "Sião". Dentro da tradição milenista, a convicção de que s judeus voltariam à Palestina veio a ser um dogma importante. À medida que pré-milenismo foi conquistando terreno durante o século XIX, formando o coração do movimento fundamentalista antigo, os adeptos não somente acreditavam que o povo Judeu voltaria, como também se pronunciavam abertamente a favor do direto de os judeus serem reconduzidos à sua pátria original. Até mesmo antes de Der Judenstaat de Theodor Herzl, o evangélico fundamenta-lista William E._Blackstone [3] propunha o reestabelecimento de um Estado Judaico e circulou uma petição conclamando os Estados Unidos a devolverem a terra da Palestina ao povo judeu. A Petição de Blackstone de 1891 foi assinada por 413 líderes cristãos e judeus de destaque, e foi distribuída às principais nações do mundo através do Departamento do Estado. Durante a Primeira Guerra Mundial, Blackstone persuadiu o Presidente Woodrow Wilson a fazer mais uma petição, e em 1918 foi convidado a falar diante de uma concentração sionista em Los Angeles.

Outros cristãos, tais como William H. Hechler, amigo intimo de Herzl, trabalhavam diligentemente para promover o sionismo político como a solução final para a questão judaica. Hechler tentava encorajar chefes de estados (inclusive o sultão turco que controlava a Palestina) a apoiarem as propostas de Herzl, e acompanhou Herzi à Palestina em 1898 para um encontro com o kaiser. O apoio de tais sionistas cristãos em muitos países influenciou a ação politica, e mesmo a Declaração Balfour de 1917 foi o resultado de atividade religiosa e não apenas politica. Os sionistas cristãos, como indivíduos, provinham de uma ampla gama de tradições teológicas. Até mesmo o protestantismo liberal, que historicamente se opunha ao sionismo, contribuiu com clérigos através de organizações como o Concilio Cristão para a Palestina durante a Segunda Guerra Mundial.

Ainda assim, são os evangélicos fundamentalistas que, por causa da sua escatologia pré-milenista, têm dado mais apoio à restauração do povo judeu à terra de Israel, e à própria nação de Israel no século XX. Na sua revista Our Hope ("Nossa Esperança"), Arno C. Gaebelein defendia, desde 1894 até 1945, não somente o retorno do povo judeu à Palestina, como também que eles tinham um direito inerente de posse aquela terra. Quando Israel tornou-se um Estado em 1948, os cristãos que enfatizavam as profecias consideravam que se tratava de um milagre de Deus. Na década de 1960 o protestantismo liberal fazia apelos a favor da "internacionalização" da cidade de Jerusalém, mas o evangélico fundamentalista declarava que a Bíblia a dava ao povo judeu. Depois da Guerra de Seis Dias em 1967, a Concilio Nacional de Igrejas condenou o fato de Israel ter anexado a Cidade Velha de Jerusalém. Por outro lado, os evangélicos fundamentalistas regozijavam-se e insistiam que Deus tinha feito com que o povo Judaico saísse vencedor, a despeito da opressão e dos obstáculos impostos pelo mundo.

Em 30 de outubro de 1977, Billy Graham deu destaque a décadas de apoio a Israel, ao fazer uma preleção diante da reunião do Conselho Executivo Nacional do Comitê Judaico Norte-Americano, quando conclamou os Estados Unidos a se rededicar à existência e à segurança de Israel. No Congresso Bicentenário da Profecia em Filadélfia no ano anterior, uma proclamação que apoiava Israel tinha sido assinada por onze evangélicos fundamentalistas de destaque. Recebeu, então, sete mil assinaturas adicionais rapidamente, e foi apresentada ao embaixador do Estado de Israel. Declarações de apoio também tem aparecido em anúncios de páginas inteiras nos jornais – vários no jornal New York Times.

Esse inequívoco sionismo cristão não tem passado sem receber ataques. Tem sido criticado mesmo dentro do evangelicalismo, como uma filosofia politica errônea baseada numa interpretação espúria da Bíblia que declara que a Palestina moderna é o território especial dos judeus. Esses criticos argumentam que o sionismo cristão desconsidera totalmente os direitos do povo árabe palestino, e que os judeus, já há muito tempo, perderam seu direito à Terra Prometida por causa da sua infidelidade.

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O que são sionistas cristãos (destaques)?

“Sionistas cristãos são pessoas:

  • que creem no Senhor Jesus Cristo.
  • que têm raízes espirituais inseparavelmente ligadas com o povo de Israel.
  • que promovem e incentivam a volta do povo judeu a Sião com todos os meios disponíveis (oração, recursos, diálogo).
  • que amam e visitam Jerusalém e a terra de Israel (Sião), para aprofundarem a sua fé e sua relação com Israel.
  • que se empenham pelo direito à existência do povo e da terra de Israel entre o Mediterrâneo e o Jordão e que demonstram amor e solidariedade para com pessoas judias (Is 62.1ss).

Um pouco mais sobre a base do sionismo, em:


Notas:

  • [1David A. Rausch: Professor PhD na Universidade Estadual de Kent. Professor de História Eclesiástica, Universidade de Guelph, Ontário, Canadá. "Ele serviu como presidente do Departamento de História e Ciência Política da Ashland University… e escreveu centenas de artigos e pelo menos trinta e nove livros”. O texto a seguir é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (Vide Referência bibliográfica).

  • [2] Leia mais aqui sobre a Declaração de Balfour, documento “… em que os britânicos comprometeram-se a criar um lar para os judeus - por isso, ele pode ser usado como um marco para o início da formação do Estado de Israel...”.

  • [3] Na Petição de 1891 Blackstone comentou, em relação aos judeus: “Por que não lhes devolver a Palestina? De acordo com a distribuição das nações feita por Deus, a Palestina é a sua terra natal — uma possessão inalienável da qual eles foram expulsos à força. Quando eles a cultivavam, era uma terra extraordinariamente frutífera que sustentava milhões de israelitas; eles diligentemente lavravam as suas encostas e vales. Eram agricultores e produtores, bem como se constituíam numa nação de grande importância comercial — o centro da civilização e da religião [...] Cremos que este é o momento adequado para que todas as nações, principalmente as nações cristãs da Europa, demonstrem benevolência para com Israel. Um milhão de exilados que, devido ao seu terrível sofrimento, imploram, de forma comovente, a nossa compaixão, justiça e humanidade. Restauremos-lhes agora a terra da qual eles tão cruelmente foram despojados pelos nossos ancestrais Romanos". In: <Blackstone e o Sionismo cristão>. Acesso em 12/10/2023.


Referência bibliográfica:

  • RAUSCH, David A. Sionismo / Sionismo Cristão. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. III. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 400 a 403 (Texto adaptado).

11 outubro 2023

Igreja e Israel: a controvérsia

Igreja e Israel: a controvérsia

Por Dr. Cornelis P. Venema

VENEMA, Dr. Cornelis P [1]. Igreja e Israel: a controvérsia [2].  São José dos Campos: Editora Fiel, 2015.


Ao longo da história da Igreja cristã, a questão do lugar de Israel nos propósitos redentivos de Deus tem sido de especial importância. Na história moderna, com a emergência do dispensacionalismo como uma perspectiva escatológica popular e o estabelecimento do estado de Israel em 1948, a questão teológica acerca da intenção de Deus para Israel se tornou ainda mais premente. Depois do holocausto, com o esforço nazista para exterminar os judeus por toda a Europa durante a Segunda Guerra Mundial, o problema da relação entre a e Israel foi novamente afetado pela triste realidade do antissemitismo, que muitos alegam pertencer a qualquer teologia cristã que insista em um único caminho de salvação pela fé em Jesus Cristo, seja para judeus ou gentios.
A teologia dos “dois pactos”
Teologia da substituição radical
Conclusão

A fim de orientar a discussão dessa crucial controvérsia, precisamos começar com um entendimento claro das principais visões deste assunto que estão atualmente representadas na igreja. Essas visões ilustram não apenas a importância da questão, mas também a ampla diversidade de posições.

Dispensacionalismo pré-milenarista: o propósito especial de Deus para Israel

Embora o dispensacionalismo pré-milenarista seja uma perspectiva relativamente nova na história da teologia cristã, a sua posição acerca do propósito especial de Deus para Israel tem moldado, até mesmo dominado, os debates recentes entre os cristãos evangélicos acerca do relacionamento entre a Igreja e Israel.

No dispensacionalismo clássico, Deus tem dois povos distintos: um povo terreno, Israel, e um povo celestial, a Igreja. Segundo o dispensacionalismo, Deus administra o curso da história da redenção por meio de sete dispensações (ou economias da redenção) sucessivas. Durante cada dispensação, Deus prova os seres humanos por uma revelação distinta da sua vontade. Entre essas sete dispensações, as três mais importantes são a dispensação da lei, a dispensação do evangelho e a dispensação do reino. Embora não seja possível, num pequeno ensaio como este, descrever todas as diferenças dessas três dispensações, o que importa é a insistência do dispensacionalismo de que Deus tem um propósito separado e um modo distinto de lidar com o seu povo terreno, Israel. Durante a presente era, a dispensação da Igreja, Deus “suspendeu” seus propósitos especiais para Israel e voltou sua atenção, por assim dizer, para o ajuntamento dos povos gentios mediante a proclamação do evangelho de Jesus Cristo para todas as nações. Contudo, quando Cristo retornar a qualquer momento para “arrebatar” a Igreja antes de um período de sete anos de grande tribulação, ele retomará o programa especial de Deus para Israel. Esse período de tribulação será um prelúdio à inauguração da futura dispensação do reino de mil anos sobre a terra. Para o dispensacionalismo, o milênio marca o período durante o qual as promessas de Deus a Israel, seu povo terreno, terão um cumprimento distinto e literal. Apenas ao final da dispensação do reino milenar é que Cristo finalmente vencerá todos os seus inimigos e introduzirá o estado final.

Embora o dispensacionalismo reconheça que todos, judeus ou gentios, são salvos pela fé no único Mediador, Jesus Cristo, ele mantém uma clara e permanente distinção entre Israel e a Igreja nos propósitos de Deus. As promessas do Antigo Testamento não se cumprem mediante o ajuntamento da Igreja de Jesus Cristo de entre todos os povos da terra. Essas promessas são dadas a um povo terreno e etnicamente distinto, Israel, e serão cumpridas de modo literal apenas durante a dispensação do reino que segue a presente dispensação do evangelho.

A visão reformada tradicional: um único povo de Deus

Ao contrário da rígida distinção do dispensacionalismo entre os dois povos de Deus, Israel e a Igreja, a teologia reformada histórica insiste na unidade do programa redentivo de Deus ao longo da história. Quando Adão, o cabeça pactual e representante da raça humana, caiu no pecado, todos os seres humanos enquanto sua posteridade se sujeitaram à condenação e à morte (Romanos 5.12-21). Em virtude do pecado de Adão e de suas implicações para toda a raça humana, todos se sujeitaram à maldição da lei e se tornaram herdeiros de uma natureza pecaminosa e corrupta.

Segundo a interpretação reformada tradicional da Escritura, Deus introduziu o pacto da graça, após a queda, a fim de restaurar o seu povo eleito à comunhão e intimidade consigo mesmo. Embora o pacto da graça seja administrado de maneiras diversas ao longo da história da redenção, ela permanece uma em substância, desde o tempo de sua ratificação formal com Abraão até a vinda de Cristo na plenitude do tempo. Em todas as várias administrações do pacto da graça, Deus redime o seu povo mediante a fé em Jesus Cristo, o único Mediador do pacto da graça, por meio de quem os crentes recebem o dom da vida eterna e a comunhão restaurada com o Deus vivo [vide Louis Berkhof, Teologia sistemática (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2013).

No entendimento reformado da história da redenção, portanto, não há nenhuma separação radical entre Israel e a Igreja. A promessa que Deus fez a Abraão na ratificação formal do pacto da graça (Gênesis 12, 15, 17), a saber, que ele seria o pai de muitas nações e quem em seu “descendente” todas as famílias da terra seriam abençoadas, encontra seu cumprimento em Jesus Cristo. O descendente prometido a Abraão no pacto da graça é Jesus Cristo, o verdadeiro Israel, e todos aqueles que mediante a fé são unidos a ele e, assim, são feitos herdeiros das promessas do pacto (Gálatas 3.16, 29). Na visão reformada, o evangelho de Jesus Cristo cumpre diretamente as promessas do pacto da graça para todos os crentes, sejam judeus ou gentios. Israel e a Igreja não são dois povos distintos; em vez disso, a Igreja é o verdadeiro Israel de Deus, “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1 Pedro 2.9).

Na história recente da reflexão sobre Israel e a Igreja, surgiu uma posição nova e mais radical. Frequentemente ligada ao nome de Franz Rosenzweig, o autor judeu de uma obra escrita logo após a Primeira Guerra Mundial e intitulada The Star of Redemption, a teologia dos dois pactos ensina que há dois pactos separados, um entre Deus e Israel e outro entre Deus e a Igreja de Jesus Cristo. Em vez de haver um único caminho de redenção mediante a fé em Jesus Cristo para crentes judeus e gentios indistintamente, o relacionamento pactual original de Deus com o seu povo ancestral, Israel, permanece separado do seu novo relacionamento pactual com as nações gentias por meio do Senhor Jesus Cristo.

No cenário do segundo pós-guerra, com sua preocupação quanto ao legado de antissemitismo na Igreja cristã, a posição da teologia dos dois pactos se tornou cada vez mais popular entre muitas importantes igrejas protestantes. Mesmo dentro da Igreja Católica Romana, alguns teólogos apelaram aos pronunciamentos do Concílio Vaticano II e à encíclica Redemptoris Missio do Papa João Paulo II (1991), os quais defendem o diálogo entre cristãos e judeus, a fim de se oporem aos contínuos esforços de evangelização dos judeus. Na perspectiva dos dois pactos, a confissão cristã acerca da pessoa e obra de Cristo como o único Mediador ou Redentor permanece verdadeira dentro da moldura do pacto de Deus com a Igreja. Contudo, uma vez que o pacto de Deus com Israel é um pacto separado, que não se cumpre na vinda de Jesus Cristo na plenitude do tempo, os cristãos não podem impor a Israel os termos do pacto de Deus com a Igreja.

A última posição na controvérsia sobre Israel e a Igreja que precisa ser mencionada é a que podemos denominar “teologia da substituição radical”. Embora os dispensacionalistas frequentemente insistam que a afirmação reformada tradicional de um único povo de Deus, constituído de judeus e gentios que creem em Cristo, seja uma forma de “teologia da substituição”, a visão reformada não considera que o evangelho “substitui” a antiga economia pactual com Israel, antes, que a “cumpre”. A teologia da substituição radical é o ensino de que, porquanto muitos dos judeus não reconheceram Jesus Cristo como o Messias prometido, Deus substituiu Israel pela Igreja gentílica. O evangelho de Jesus Cristo chama todas as nações e povos à fé e ao arrependimento, mas não deixa nenhum espaço para qualquer ênfase particular sobre o propósito redentivo de Deus para o seu povo ancestral, Israel. Uma vez que a Igreja é o verdadeiro Israel, o espiritual, qualquer ênfase peculiar sobre a questão do intento salvador de Deus para Israel não é mais permitida.

A teologia da substituição radical representa no espectro o extremo oposto da posição dos dois pactos. Em vez de falar de um distinto relacionamento pactual entre Deus e Israel que continua mesmo depois da vinda de Cristo e da proclamação do evangelho às nações, a teologia da substituição sustenta que o programa e o interesse de Deus em Israel cessaram.

A diversidade entre essas várias posições na questão de Israel e da Igreja testifica a importância da controvérsia. Tem Deus um propósito e um programa redentivo separado para Israel e a Igreja? Ou será que o evangelho de Jesus Cristo cumpre o propósito de Deus de ajuntar um povo de toda tribo, língua e nação, judeus e gentios indistintamente, em uma única família universal? Quando o apóstolo Paulo declara em Romanos 1 que o evangelho é “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego” (Romanos 1.16), ele declara que há um único caminho de salvação para todos os que creem em Jesus Cristo, Ainda assim, ele ao mesmo tempo afirma que essa salvação não remove nem suplanta o propósito redentivo de Deus para os judeus, mas, em vez disso, o cumpre. O contínuo debate acerca de Israel e da Igreja precisa manter o equilíbrio apostólico, não separando Israel da Igreja nem substituindo Israel pela Igreja.


Notas:

  • [1Dr. Cornelis P. Venema: presidente e professor de estudos doutrinários no Mid-America Reformed Seminary e pastor associado da Redeemer United Reformed Church em Dyer, Indiana.