Por W. A. Dyrness [1]
Cultura
é um conceito antropológico e está relacionado a toda invenção
humana, seja ela material ou imaterial. Mas por sua vez, o homem
criador de cultura, é um ser que tem sua origem no processo criativo
de Deus. Daí, a importância de se analisar a cultura mais do que
puramente antropológica, natural ou cientificamente, também teologicamente.
A
cultura foi tema de estudos (dissertações) nossos nas áreas de História e de Teologia.
E é nesse sentido que também produzimos vários
textos e os publicamos neste blog, por exemplo:
Continuando
este assunto, resolvi transcrever o texto abaixo, de W. A. Dyrness [3],
no qual ele faz uma análise entre as relações do cristianismo com a cultura, sob a cosmovisão de um teólogo protestante e com um
panorama histórico muito importante.
O cristão e a cultura
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As
relações entre o cristianismo e a cultura têm variado
segundo as circunstâncias e os modos específicos de percepção da
cultura. Embora a
ciência
social moderna nos tenha dado uma compreensão mais pormenorizada da
cultura, basicamente nos interessamos pela maneira que a obra divina
da redenção – tanto nas
Escrituras quanto na História – tem confrontado e transformado a
ordem social no seu
contexto criado,
e também pelas formas de as comunidades crentes encararem o seu meio
ambiente e corresponderem a ele. A Igreja confronta estas questões
sempre quando
procura viver na prática a sua fé e dar um testemunho fidedigno no lugar
para onde Deus a chamou.
A
palavra "cultura" originalmente referia-se ao cultivo da
terra, e nunca perdeu completamente esta harmonia com a produtividade
natural. Embora a palavra seja bastante
usada de modo mais ligado às belas-artes, a cultura é melhor
entendida como o padrão total do comportamento de um povo, e
é
neste último sentido que a palavra será empregada neste artigo. A
cultura inclui todo o comportamento que é aprendido e transmitido
pelos símbolos (ritos, artefatos, linguagem etc.) de um grupo
especifico, e que se concentra em certas ideias
ou pressuposições que chamamos de cosmovisão.
1. Estrutura
Bíblica e Teológica
a)
Antigo Testamento
A
Bíblia não tem palavra correspondente a "cultura" como
tal, mas fica claro desde o principio que Deus criou o homem e a
mulher como criaturas de cultura. Os capítulos iniciais de Gênesis
apresentam a ordem criada como uma comunidade inter-relacionada em
que os relacionamentos com Deus, com a terra e com os seres humanos
desempenhavam o seu papel. Há uma aliança subentendida entre o
homem e Deus que deve ser vivida num contexto social por um povo
encaixado na criação. Fica claro que a ordem era boa (Gn 1.31) e
que o processo humano de exercer domínio também era bom.
A
Queda que acompanhou a rebelião de Adão e Eva contra as instruções
de Deus resultou numa comunidade desordeira e numa cultura que
refletia a soberba humana (Gn 11.4). A intervenção divina, desde a
escolha de Abraão até a libertação do Egito, deve ser vista em
termos do propósito de Deus de restaurar e renovar a ordem criada
através de um povo que refletisse o Seu caráter.
É
um erro ver a Lei como uma expressão do desejo de Deus no sentido
que Seu
povo tivesse um sistema cultural sem igual. Boa parte da cultura de
Israel coincidia com
as
culturas de outras nações do antigo Oriente Próximo. É
verdade que o contato com
outras
culturas foi proibido quando Israel entrou em Canaã
(Js 6.18), mas isto era devido
ao fato de aqueles povos estarem sujeitos à ira de Deus por causa
das suas iniquidades
não por serem estrangeiros.
De
fato, os antropólogos que estudam o AT reconhecem que Israel, devido
à sua
geografia, estava mais exposto às influências dos povos
circunvizinhos do que qualquer
outra
nação antiga. Os estudiosos bíblicos têm começado a apreciar
como as práticas bíblicas – e.g., a ornamentação do Templo ou até
mesmo a ideia
da aliança – têm paralelos
estreitos nas culturas vizinhas. Desta forma, no processo da
revelação, Deus não Se preocupou
em dar ao Seu povo uma cultura especial, mas em intervir e revelar a
Sua vontade de modo que instituições e práticas já existentes
pudessem ser reformadas e tornar-se
veículos
apropriados da Sua glória. Isto, naturalmente, importava em proibir
muitas coisas
dentre as culturas vizinhas, e até mesmo aquelas instituições que
Israel tinha em comum
com seus vizinhos – tais como o sacerdócio e a monarquia – foram
transformadas
sob o impacto das instruções de Deus (e.g., Dt 17.14-20).
À
medida que Israel prosperou durante a monarquia, esqueceu-se de que
suas instituições
eram um meio de promover os propósitos de Deus e passou a vê-las
como fragilidades em si mesmas, de modo que Deus teve de expulsar
Israel da sua terra e mandar
habitar no meio de uma cultura estranha. Mesmo ali, Deus prometeu que
um Rebento do
tronco de Jessé levaria a efeito a renovação de toda a criação
(Is 11); enquanto isso, israelitas teriam de procurar a prosperidade
da terra onde habitavam (Jr 29.5-7).
b)
Novo
Testamento
O
desejo de Deus de redimir e restaurar os padrões culturais humanos
fica subentendido
no ministério de Cristo, que veio com uma nítida consciência de
estar cumprindo
o propósito redentor do AT. Sua obra da nova criação, que abalou a
terra, concentrou-se
na ressurreição, na ascensão e no Pentecoste, que eram vistos como
cumprimentos
das promessas veterotestamentárias para a vida e a comunidade
segundo Aliança.
A
repetida observação de que o NT é
indiferente à cultura é aplicável somente
no
caso de um conceito muito estreito do termo. A experiência que os
cristãos têm com Cristo era considerada cheia de grandes
implicações para a cultura (cf. o conselho de Paulo a Filemom). E
se for levada em conta a visão veterotestamentária da renovação
da terra e da humanidade, poderá ser visto que a obra terrena de
Cristo deu início
a um
processo de transformação que será gloriosamente completado quando
Ele voltar para
julgar o mundo, uma consumação da qual, mediante nossa reação
favorável em fé
e obediência,
já recebemos um antegozo.
Como
no AT, o meio ambiente da Igreja no NT era altamente cosmopolitano.
A administração
romana e a língua e cultura gregas favoreciam o intercâmbio
de ideias.
Os
escritores
do NT frequentemente empregavam termos familiares a um amplo espectro
de pessoas: João faz uso de palavras tais como logos
ou sophia
para expressar a realidade
transformadora do Verbo que Se fez carne; Paulo demonstra que
respeita uma grande
variedade de práticas culturais (1 Co 10.23-33; Rm 14; CI 2.16; 1 Tm
4.3-4) para a libertação
genuína que advém de estar em Cristo. Não se quer dizer com isto
que o
evangelho
era compatível com todo e qualquer padrão cultural. Havia choques
fundamentais
com os judaizantes, que insistiam numa cultura judaica para todos os
crentes com os gregos, que acreditavam que a sabedoria expressava uma
ordem imanente que
poderia ser descoberta pela razão humana. Para estes, a vinda de
Cristo era o elemento
decisivo; um novo sentido foi dado ao testemunho da Lei judaica e à
procura grega da
sabedoria
humana.
2.
A
Perspectiva Histórica
a)
A
Igreja Primitiva
A
igreja
nasceu no meio de tradições intelectuais importantes. Alguns, como
Justino Mártir,
achavam que a boa cultura era uma reflexão do Logos divino e
treinamento preliminar para o evangelho. Outros concordavam com
Tertuliano, que insistia em dizer que a cultura era o foco do pecado
e que a salvação envolvia uma separação ética das influências
circunvizinhas. Mas logo ficou claro que, se a igreja quisesse
comunicar a sua fé em termos que o mundo pudesse compreender, ela
também, assim como a igreja neotestamentária, deveria fazer uso de
expressões contemporâneas. As ideias
de infinitude e eternidade, que os gregos relutavam em aplicar a
Deus, eram usadas para descrever o Deus dos cristãos; a ideia
de uma fonte transcendente
de todas as coisas, oriunda do Oriente Próximo, influenciou as
formulações posteriores da doutrina da Criação; e o mundo
inteligível de Plotino foi usado para descrever a Nova Jerusalém e
formular um caminho para Deus a partir do interior. Em outros
aspectos, no entanto, como nos conceitos da História e da
Providência, o cristianismo rompeu nitidamente com essas
influências.
A
conversão do Imperador Constantino (312 d.C.) alterou a posição do
cristianismo no mundo, ou até o caráter do próprio cristianismo, e
tornou possível a identificação de uma civilização especifica
com o cristianismo. A tentação era considerar a fé de forma
institucional, ao invés de ser o poder de Deus para transformar
indivíduos e comunidades. Agostinho forneceu a primeira
interpretação geral da história e da cultura em Cidade
de Deus.
Ali, argumentou que a história envolvia uma luta contínua
entre a cidade dos homens, dominada pela cupiditas (ou cobiça), e a
Cidade de Deus, governada pelo amor. Com a decadência da cultura
clássica, Agostinho veio
a sentir certo pessimismo no tocante às realizações humanas e à
necessidade de confiar na graça de Deus. A Queda, se- gundo ele
acreditava, criou uma divisão dentro da consciência humana, que
poderia ser sanada somente pela submissão à Igreja e pela
apropriação da sua arte e liturgia como modo de se obter um
conhecimento amplo de Deus. A linguagem bíblica figurada passou,
então, a tomar o lugar dos Clássicos como a base de uma "cultura
crista" (cf. sua Da
Doutrina Cristã),
lançando, assim, o alicerce para a arte e adoração medievais.
Enquanto
isso, os teólogos do leste ressaltavam a terra como um veículo
em potencial do Espírito de Deus e viam a redenção em termos da
divinização (Atanásio), uma restauração da sua "imagem"
de Deus. Esta ideia reconquistou alguns ecos do AT que tinham sido
perdidos no Ocidente, e levou às ricas tradições místicas das
Igrejas Ortodoxas.
b)
A
Idade Média
A
partir de Agostinho desenvolveu-se o conceito de que tudo na terra se
conformava com algum padrão celestial. Bonaventura retratava o mundo
como uma estrada que levava a Deus, ao longo da qual cada objeto O
revelava. Para Aquino, a cultura como uma reflexão da finalidade
natural do homem deve conformar-se à lei natural. Visto que "é
natural ao homem ser um animal social e politico", a vida em
sociedade é preceituada pela lei natural. A graça, a boa
assistência da parte de Deus, aperfeiçoa, ao invés de julgar
aquilo que é naturalmente bom, visto que a nossa finalidade está
implícita
em nossa natureza. Esta opinião compreendia a relevância eterna da
realização humana – a nossa obra "dá frutos eternos",
conforme a expressão de Dante, na Divina
Comédia
– mesmo quando reduzia seu significado histórico e, às vezes,
causava lealdade não-critica a corporificações específicas da
civilização cristã.
c)
A
Reforma
A
crítica decisiva ao conceito medieval da cultura veio com a Reforma.
A revolução copernicana e as viagens de descoberta focalizavam as
possibilidades da vida terrestre. A cosmovisão medieval estática
foi rompida, e os reformadores começaram a definir os propósitos
cristãos não em termos de imaginação de algum padrão eterno mas
de concretização de um ideal futuro. João Calvino enfatizava as
intervenções soberanas de Deus e a vitória definitiva de Cristo
que é ressaltada pela ressurreição. A ascensão deixava
subentendido que todas as coisas ficam plenas da Sua glória e,
portanto, o cristão pode ser otimista no tocante a esta ordem
mundial. O reino dinâmico de Cristo avança através
da Igreja, a fim de colocar toda a humanidade sob o domínio do
evangelho.
Martinho
Lutero, por outro lado, reagindo contra as pretensões medievais da
cultura
cristã, enfatizava o caráter pecaminoso da obra humana e a
necessidade da graça.
As formas
culturais, portanto, não têm valor positivo e servem somente para
refrear o mal.
O ato espontâneo de amor que Deus produz no crente pode ser levado a
efeito em qualquer
profissão e, de qualquer maneira, não ficará plenamente manifesto
a não ser na
volta
de Cristo. A Igreja leveda a sociedade, mas sua influência é
frequentemente visível
somente pela fé.
A
corrente radical da Reforma – às vezes chamada anabatismo –
retomou linhas ascéticas
e perfeccionistas na Igreja, e ressaltava a conversão pessoal e uma
comunidade
cristã separada. O conceito deles no tocante ao caráter penetrante
do pecado, a ênfase
na volta
iminente de Cristo e, talvez, a condição minoritária fizeram com
que se tornassem
pessimistas no tocante às possibilidades da cultura humana.
d)
O
lluminismo
A
consciência da Reforma e a ênfase dada pela Renascença ao presente
mundo contribuíram juntas para um processo de secularização no
Ocidente em que
o consenso cristão da Idade Média paulatinamente cedeu lugar aos
alvos do estado secular.
Os ideais cristãos frequentemente eram influentes na sociedade (como
continuam
sendo até ao dia de hoje), mas abria-se mão da realidade cristã.
Já em fins do séc XVIII, durante o período chamado Iluminismo, o
mundo era considerado em terma imanentes; Deus estava distante, sem
Se envolver; o homem já se tornara maior de idade. Por trás desta
fé subjazia a convicção de que "a situação humana é
fundamentalmente
caracterizada pelo conflito com a natureza" e não pelo conflito
com Deus (H Niebuhr). Além disso, havia plena confiança da vitória
nesse conflito, e o caminho ficou
aberto
para se identificar o cristianismo com a cultura europeia
ocidental (e, posteriormente,
norte-americana), e para o imperialismo cultural dos séculos XIX e
XX.
A
ideia
de Hegel sobre o desenvolvimento imanente da realidade espiritual na
cultura
humana marcou uma etapa final da influência do cristianismo sobre a
cultura europeia.
Pouco depois, Nietzsche proclamou que Deus estava morto e que todos
os valores
deveriam
ser reformulados. Karl Löwith chama o niilismo resultante "a
única crença genuína
de pessoas cultas", no fim do século XIX.
e)
O
Período Moderno
A
Primeira Guerra Mundial pareceu confirmar o cinismo de
Nietzsche, bem como a ausência de todas as influências cristãs
sobre a cultura, e esmagou
as esperanças de alguns que tinham acreditado na possibilidade da
introdução
do
milênio.
Não é de admirar que a maioria dos cristãos adotasse atitudes
negativas diante
da direção tomada pela cultura ocidental e se satisfizesse em lutar
em frentes muito
estreitas.
Numa das primeiras tentativas de julgar criticamente a cultura
moderna pós-cristã,
T. S. Eliot argumentou, em 1934, que a literatura moderna era
dominada por secularismo
e individualismo. Mais recentemente, os evangélicos Francis
Schaeffer e H.
R. Rookmaaker
traçaram a alienação da cultura moderna à capitulação dos
valores cristãos
desde a Renascença. B. I.
Bell e C. S. Lewis descreveram a manipulação e a desumanização
que resultaram da moderna sociedade de consumo, com as
"sensibilidades famintas"
consequentes. De modo mais positivo, Paul Tillich indicou que as
formas culturais
modernas ainda expressam uma dedicação básica religiosa ou
absoluta, que possibilitam
uma experiência de profundidade.
A
influência do máximo alcance sobre o conceito cristão da cultura
desde a Segunda
Guerra Mundial tem sido levada a efeito pelo impacto crescente das
ciências sociais.
Estes estudos nos mostraram que a cultura é mais do que uma
cosmovisão intelectual;
é
também um complexo de símbolos – incluindo objetos, palavras e
eventos – por
meio dos
quais um povo se orienta no mundo. O significado e, portanto, as
implicações da
dedicação
cristã revelam que permeiam a totalidade da cultura humana,
possibilitando, assim,
uma nova compreensão integral do evangelho. A comunicação
transcultural da fé
tem sugerido a necessidade de se aproveitarem os recursos da cultura
emissora e da cultura receptora a fim de se obter uma compreensão
mais completa da verdade cristã. Em todas as comunidades, há a
consciência crescente de que a Palavra de Deus, e não alguma
cultura especifica, corrigirá falhas e redimirá aspectos fortes, e
toda percepção cultural da verdade cristã e das Escrituras pode
ser usada para enaltecer a nossa compreensão do evangelho "até
que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do
Filho de Deus" (Ef 4.13).
3.
A
Tipologia
A
história do encontro entre o cristianismo e a cultura demonstra certas reações típicas que refletem várias ênfases teológicas e
contingências históricas. Correndo o risco de fazer divisões
arbitrárias, podemos sugerir três conceitos típicos que têm sido
influentes no pensamento evangélico.
a)
O
Anabatista
No
decurso da história da cristandade uma corrente radical e rigorosa
apareceu, enfatizando a natureza decaída desta ordem mundial e a
necessidade de se criarem estruturas alternativas que sigam mais de
perto o modelo do Senhor crucificado da Igreja. Tal conceito, que
achou sua expressão mais clara na Reforma radical, tem continuado a
influenciar os cristãos através das igrejas dentro dessa tradição
e dos muitos grupos pietistas que compartilham desse mesmo espírito.
Uma expressão extremada desse ponto de vista está em Watchman Nee,
que acreditava que a salvação envolvia a separação total entre o
crente e o sistema deste mundo. O cristão vive no mundo como num
ambiente estranho – como um mergulhador na água – e assim deve
desenvolver uma atitude de desprendimento. A obra terrena do cristão
sempre está sujeita à sentença da morte: sua única esperança é
ser finalmente libertado por Deus. Um proponente mais moderado deste
conceito é Jacques Ellul, que argumentava que a civilização espera
numa nova obra de Deus mediante a qual a Nova Jerusalém tomará o
lugar desta cidade caída. Enquanto isso, continuamos a trabalhar,
conscientes de que "estamos participando de uma obra de morte
que está sob a maldição". Uma expressão mais positiva e
influente desta tendência é oferecida por J. H. Yoder. Segundo
Yoder, Jesus veio levar a efeito uma revolução social por meio da
formação de uma nova comunidade voluntária, ao invés de um
encontro com as autoridades. Cristo fundou uma nova ordem com padrões
alternativos de liderança e estilo de vida que acabarão condenando
e substituindo a velha ordem moribunda. O caminho da cruz, Yoder
acredita, é uma "alternativa tanto a insurreição quanto ao
quietismo". Este conceito tem dado expressão nítida aos
elementos apocalípticos e transcendentes do cristianismo, e muitos
dos seus representantes têm exercido uma forte influência
profética, embora tenham hesitado em ocupar-se em esforços públicos
ativos para melhorar as condições existentes.
b)
O
Conceito Anglo-Católico
Outros
cristãos têm insistido mais na distribuição entre as
esferas da graça e da natureza. Continuando a tradição medieval,
pensadores com esta tendência
acreditam que a área da cultura humana é indiferente aos valores
religiosos. J. H. Newman deu expressão clássica a este conceito há
um século, quando declarou que a cultura tem valor no seu próprio
nível (natural), mas não pode ser o ambiente da virtude: "O
cultivo intelectual não é a causa, nem o antecedente apropriado, de
qualquer coisa sobrenatural". No presente século, C. S. Lewis
adotou um ponto de vista semelhante. Ele acredita que o NT é
inconfundivelmente frio na sua maneira de tratar a cultura, sendo que
é necessário descartá-la no momento em que entra em conflito com o
serviço de Deus. O bem da cultura pode formar uma analogia com o bem
cristão, mas não é a mesma coisa – Lewis confessa não saber
como se pode harmonizar bens espirituais
e culturais. Estes pensadores dão, com toda a razão, prioridade aos
valores espirituais, mas não conseguem sugerir perspectivas criticas
formadas pela verdade cristã e, portanto, tendem
a apoiar o status
quo
cultural.
c)
O
Conceito Reformado
Desde
Justino Mártir têm havido cristãos com a convicção de que a
cultura pode ser levada cativa ao senhorio de Cristo. Enfatizando o
poder criador
de Deus e a obra vitoriosa de Cristo, estes pensadores tendem a ser
mais otimistas
no tocante às estruturas humanas, pois têm a impressão que por
mais iníquas e depravadas
que certas instituições talvez pareçam ser, elas não estão fora
do alcance da soberania
de Cristo. Calvino deu expressão clássica a esta posição, e tem
sido seguido pela tradição
do cristianismo reformado e presbiteriano. No início do século XX,
Abraham Kuyper
expressou de modo conciso este ponto de vista, que coloca a
glorificação do próprio
Deus
no centro do pensamento cristão a respeito da cultura. Toda a labuta
humana exibe
coletivamente a imagem de Deus e, mediante a graça geral, é dada
para honrar a Cristo,
o
mediador da Criação. A cultura, portanto, pode ser o meio de
controle da influência do
pecado e, por causa da obra de Cristo que restaura a criação dentro
das suas próprias raízes,
pode começar a refletir o triunfo do reino restaurado de Cristo, que
será consumado
na Segunda Vinda. Kuyper acredita que o desenvolvimento genuíno na
sociedade transbordará para a eternidade (Ap 21.24), embora os
últimos dias tenham de demonstrar
uma apostasia nas coisas espirituais. Este conceito tem tido muita
influência nas sociedades
onde se faz presente, e exibe uma ênfase atraente ao senhorio de
Cristo e à realidade do Seu reino; sua fraqueza tem sido uma
tendência ao triunfalismo que subestima o poder e a extensão da
iniquidade.
Conclusão
Teológica
Com
base nas evidências examinadas, é possível sugerir algumas
diretrizes para uma abordagem cristã à cultura? Alguns concordam
com H.R Niebuhr em que as relatividades da nossa fé e da nossa
posição sugerem que deixemos abertas as nossas opções. Certos
parâmetros bíblicos, no entanto, podem ser oferecidos. Os
evangélicos têm se preocupado, com razão, em evitar que as
influências culturais não desafiem nem diluam a autoridade de
Cristo e da Sua Palavra. Mas é claro que este problema não pode ser
resolvido ao se evitar a cultura; é impossível dedicar-se a Cristo
em
isolamento
da nossa cultura. Alguma medida de solidariedade com nosso meio
ambiente é inevitável; somos produtos dele e, como cristãos, somos
responsáveis diante dele para
pensarmos
sal e luz. Além disso, o pecado é a rebelião contra Deus e Sua
Palavra, de modo que a luta básica na cultura não é contra a
natureza, mas contra as forças do mal. Segue-se que não podemos
evitar a batalha em prol da justiça na esfera cultural. Conforme
Milton: "Ser ingênuo e ignorante no tocante às opções morais
é uma coisa; uma outra coisa bem diferente é ter consciência das
opções e escolher a obediência a Deus". A pureza
visível, pois, embora provenha de Deus, não pode ser concretizada
senão mediante
provações, e as provações provêm daquilo que é contrário.
A
necessidade básica para os cristãos no decurso das eras tem sido
uma fé suficientemente
grande para incluir a totalidade dos elementos bíblicos – que vê
Deus como
Criador e Sustentador; que honra a Cristo como Logos e Senhor; e que
vê na redenção tanto a reconciliação do pecador quanto a
renovação da ordem criada. Esta atitude leva um otimismo realista,
porque a dedicação a Deus liberta-nos da subserviência aos
princípios menos importantes e ajuda-nos a mantê-los na sua
perspectiva correta. A Escritura
é a
norma para todos os povos e todos os tempos, mas o elemento
supracultural
sempre deve ser expresso em alguma forma cultural especifica, mesmo
que tais formas sejam transformadas à medida que o Espirito Santo
aplica a realidade do reino. Por ora,
em nossas
famílias e comunidades, oremos para termos o prazer da criança, que
fica atônita simplesmente por existir, e a sabedoria do erudito, a
fim de discernirmos a verdade e
batalharmos
por ela. Porque as "pequenas ações de pequenos homens e
pequenas mulheres,
todas incompletas e imperfeitas..., são cruciais e têm seu lugar
nos grandes planos de Deus" (H. R. Rookmaaker).
Fonte:
DYRNESS,
William
A.
Cristianismo
e Cultura.
Apud: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell.
Vol. I. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 375
a 380.
Notas: