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14 outubro 2022

O Ministério da Verdade

Por

Cristóvão Tezza [1], Gazeta do Povo


Foto disponível no artigo, ver Nota 2

 

"O Grande Irmão está vendo você..." (G. Orwell, pg.27).

 

Hoje, lendo um dos artigos de a Gazeta do Povo, Pedidos de censura do PT podem ser prenúncio sobre regulação da mídia que Lula propõe, de Leonardo Desideri, acabei me reportando ao livro presenteado também pelo mesmo Jornal, 1984, de George Orwell. Ao mesmo tempo, descobri outra matéria publicada em 2012, que trazia uma explicação de Cristóvão Tezza de como o Ministério da Verdade1 já era sentido na época. Vamos ao texto:

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No clássico 1984, de George Orwell, a pessimista distopia sobre um mundo totalitário que controla o cidadão em cada gesto, existe um ‘Ministério da Verdade’. Sua função? Mentir. O Ministério da Verdade é encarregado de modificar a história passada de modo a deixá-la de acordo com a vontade do poder. Os números antigos de jornais e revistas são sempre modificados; estatísticas alteradas; discursos omitidos; e até mesmo o sentido das palavras sofre uma aguda vigilância. A ‘novilíngua’ é uma máquina semântica de achatar significados. Bem, o Brasil não precisa se preocupar. Para quem já tem um ‘Ministério da Pesca’ [isto, em 2012], não há necessidade de alegorias complementares. E, felizmente, temos liberdade absoluta para rir, que faz bem à alma.

O assustador delírio ficcional de Orwell me veio à lembrança ao ler que um procurador do Ministério Público Federal entrou com uma ação contra... contra quem mesmo? Contra o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. O motivo: em suas acepções para a palavra ‘cigano’, o dicionário, depois de listar as definições correntes, anota as de sentido pejorativo: ‘trapaceiro’, ‘velhaco’, colocando a data (1899) em que este uso é documentado na língua pela primeira vez. Para o Ministério Público, esta definição seria ofensiva, preconceituosa, de cunho racista. Sim, e é mesmo; justo por isso, o dicionário informa o leitor de que se trata de um sentido pejorativo. É exatamente esta a função de um dicionário da língua: anotar os usos concretos da língua, em seus momentos históricos. Tanto melhor ele será quanto mais definições contemplar, e o Houaiss é um dicionário extraordinário para a cultura brasileira x é o nosso primeiro grande dicionário, elaborado com um padrão de exigência e com um ouvido para a vida real da língua como nenhum dos antecessores. Mas, para o procurador, a quinta acepção que o dicionário registra ao definir ‘cigano’ afrontaria a Constituição brasileira.

A acusação não é apenas absurda; é perigosa, pelo seu precedente de controle da linguagem. Assim, chegaremos à ‘novilíngua’ de Orwell. Se o leitor consultar no mesmo Houaiss, por exemplo, a palavra ‘polaca’, verá que ela define, pela ordem, a mulher nascida na Polônia, a dança chamada ‘polonesa’, a Constituição do Brasil promulgada em 1937 (era chamada de ‘constituição polaca’ por seguir a linha da Constituição da Polônia); e, finalmente, com a indicação de uso ‘pejorativo’ e ‘obsoleto’, o dicionário registra que ‘polaca’ pode ser ‘mulher da vida’, ‘meretriz’. Esta acepção surgiu no final do século 19, designando as vítimas (‘loiras’, daí o nome ‘polacas’) do tráfico de mulheres da Europa para o Brasil. Se a moda pega, o novo Ministério da Verdade logo vai propor varreduras semânticas e fogueiras purificadoras. O meu medo é que, de grão em grão, excomunguem A polaquinha, obra-prima de Dalton Trevisan.

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Bem, se em 2012, Cristovão Tezza já tinha percebido a ação do tal Ministério da Verdade, o que diremos, hoje, em 2022, em tempo de República Alexandrina! E por falar nisto, aproveito mais uma contribuição de outro, aliás, outra colunista da Gazeta do Povo, Cristina Graeml, com o vídeo a seguir [3], no momento em que o Ministério da Verdade ganha muitos adeptos: PT, TSE, grande imprensa (isto mesmo, outros órgãos da imprensa) etc.

… a censura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a uma publicação da Gazeta do Povo no Twitter, atendendo a pedido da campanha do PT. O ministro do TSE, Paulo de Tarso Sanseverino, concordou com a alegação dos advogados da campanha petista de que é inverídico que Lula apoie o ditador da Nicaragua, Daniel Ortega e proibiu o post refrente à reportagem cujo título era: Ditadura apoiada por Lula tira sinal da CNN do ar.

Vejamos:

Notas:

  • [1] Cristovão Tezza “… nasceu em Lages, Santa Catarina, em 1952. Em junho de 1959, morreu seu pai; dois anos depois, a família se mudou para Curitiba, ParanáColunista da Gazeta do Povo, autor de muitíssimos artigos, incluindo este sobre o Ministério da Verdade (ou da Mentira?), publicado em 05/03/2012... Veja mais em: <http://cristovaotezza.com.br/p_biografia.htm>. Acesso em: 14/10/2022.
  • [3]  TSE censura post no Twitter da Gazeta do Povo a pedido do PT. Gazeta do Povo. Acesso em: 14/10/2022.

28 abril 2023

1984 – George Orwell – Parte 1 – Capítulo 1: O Grande Irmão

Por Alcides Barbosa de Amorim

Sobre 1984 de George Orwell, já falamos sobre dois assuntos, O Ministério da Verdade e alguns destaques iniciais e introdutórios sobre o livro. Neste post, quero resumir (veja também o resumo feito por Natália Barboni) o capítulo 1 da parte 1, destacando as ideias principais do capítulo.

Era um dia claro e frio de abril e os relógios marcavam treze horas…”. Assim começa o livro 1984, de George Orweel, cujo personagem principal, Winston Smith, que tinha 39 anos de idade, passava pelas portas de vidro das Mansões da Vitória, cujo hall de entrada tinha cheiro de repolho cozido e tapetes velhos de retalhos. Este local ficava a cerca de um quilômetro de distância de seu trabalho, o Ministério da Verdade, em Londres, a terceira cidade mais populosa das províncias da Oceania.

Já no hall do prédio Winston se depara com um imenso cartaz com o rosto enorme de um homem com cerca de 45 anos, que tinha um bigode preto farto e traços acidentalmente bonitos. Apesar de possuir uma úlcera varicosa e ser – talvez por conta disto – muito magro e frágil, Winston sobe as escadas até um apartamento no sétimo andar, vestido com um macacão azul, uniforme oficial do partido. Ao subir, depara, em cada andar, com o pôster com o rosto enorme que encarava quem passasse. A legenda do cartaz dizia: O GRANDE IRMÃO ESTÁ VENDO VOCÊ.

Dentro do apartamento, uma voz doce vinha de uma placa metálica, uma teletela. Esta tinha também o poder de filmar e gravar todo o ambiente. Aliás, até fora do apartamento, nas ruas, Winston Smith, da janela do apartamento, percebe o bigode negro vigiando todos em cada esquina, e na fachada da casa oposta, a legenda: O GRANDE IRMÃO ESTÁ VENDO VOCÊ, além de helicóptero vigiando telhados, a patrulha policial bisbilhotando as janelas das pessoas etc. Para as patrulhas, porém, a única coisa que importava era a Polícia do Pensamento.

Os três slogans do partido, que podiam ser lidos até a partir do prédio – Mansões da Vitória –, mesmo a um quilômetro distante, era: GUERRA É PAZ, LIBERDADE É ESCRAVIDÃO, IGNORÂNCIA É FORÇA.

Os Ministérios eram divididos em quatro casas, sendo cada uma delas a de um dos ministérios. Os quatro Ministérios eram:

  • Ministério da Verdade, que se preocupava com notícias, entretenimento, educação e artes plásticas.
  • Ministério da Paz, que se preocupava com a guerra.
  • Ministério do Amor (o mais assustador) que mantinha a lei e a ordem.
  • Ministério de Abundância, que se ocupava dos assuntos econômicos. 

Winston volta para a sala de estar e senta-se em uma pequena mesa que ficava à esquerda da teletela, de alguma forma, longe do seu alcance visual. E começa a escrever – uma espécie de diário –, porém ele sabe que se fosse detectado, mesmo não sendo aparentemente ilegal, (nada era ilegal, já que não havia mais leis), poderia ser punido com a morte, ou pelo menos com vinte e cinco anos em um campo de trabalho forçado. Mesmo assim, cria coragem e começa pela data: 04 de abril de 1984.

O diário de Winston Smith era para ser deixado para o futuro. Mas surge uma dúvida: com a Novalíngua ou duplopensar, como seria que pessoas no futuro iriam entender? Como poderia se comunicar com o futuro? Era impossível por natureza. Ou o futuro se assemelharia ao presente e, nesse caso, não o ouviria; ou seria diferente e sua situação não faria sentido.

Winston começa a escrever sobre um filme de guerra e para – de escrever – ao sentir dores de cãibras e também não entende porque tinha começado por aquele fluxo de lixo, as atrocidades da guerra. Depois, começar falar no diário sobre acontecimentos da manhã daquele dia no Ministério, por exemplo, num caso em que estava tomando seu lugar em uma das fileiras do meio quando duas pessoas que ele conhecia de vista, mas com quem nunca tinha falado, entraram inesperadamente na sala. Uma delas era uma garota com quem ele cruzava com frequência nos corredores, não sabia nem o nome dela, e não gostava da garota pois suspeitava ser ela uma pessoa perigosa a serviço da Polícia do Pensamento. A outra pessoa era um homem chamado O’Brien, um membro do Partido Interno, de alguma forma indefinível, curiosamente civilizado. Como não o conhecia direito apenas nutria a esperança de que a ortodoxia política de O’Brien não fosse perfeita.

Estavam reunidos no seu trabalho quando um discurso horrível explodiu da grande teletela no final da sala. Foi um barulho que fazia os dentes rangerem e arrepiavam os cabelos na parte de trás do pescoço. Os Dois Minutos de Ódio tinha começado, e o rosto de Emmanuel Goldstein, o Inimigo do Povo, havia piscado na tela. Acontecem assobios, medo e repugnância entre a plateia. Goldstein havia sido uma das figuras principais do Partido, quase no mesmo nível do próprio Grande Irmão, e depois havia se envolvido em atividades contrarrevolucionárias, fora condenado à morte, mas escapado misteriosamente e desaparecido, possivelmente estivera escondido em algum lugar na própria Oceania. Ele tinha um rosto judeu magro, auréola grande e felpuda de cabelos brancos e uma pequena barbicha. E Winston sente uma mistura dolorosa de emoções, pois o ouvira atacando as doutrinas do Partido. Estava abusando do Grande Irmão, denunciando a ditadura do Partido, exigindo o fim imediato da paz com a Eurásia, defendendo a liberdade de expressão, liberdade de imprensa, liberdade de reunião, liberdade de pensamento…

Winston mistura seu ódio ao da multidão contra Goldstein, ao perceber que para quase todos os presentes o Grande Irmão era de fato o protetor, invencível e destemido. Então os três slogans do Partido se destacaram na tela: GUERRA É PAZ, LIBERDADE É ESCRAVIDÃO, IGNORÂNCIA É FORÇA.

Após o pronunciamento de Goldstein, Wiston percebe, após seus olhos encontrarem o olhar de O’Brien por um breve momento, que este pensa como ele, isto é, ambos pensavam que o Grande Irmão era de fato uma péssima figura. Era como se suas duas mentes tivessem se aberto e os pensamentos fluído de um para o outro, “eu estou com você”, O’Brien parecia ter dito a ele. “Sei exatamente o que você está sentindo. Sei tudo sobre seu escárnio, seu ódio, sua repugnância. Mas não se preocupe, eu estou do seu lado”.

Seus olhos se reorientaram na página. Ele descobriu que enquanto ficou sentado sem fazer nada, ele também estava escrevendo, como se fosse uma ação automática, várias vezes a expressão: FORA GRANDE IRMÃO, FORA GRANDE IRMÃO, FORA GRANDE IRMÃO…, e sente medo! E enquanto isto alguém bate à porta. Quem era? Veremos no próximo capítulo.

Bem, sobre este capítulo, além de destacar o papel dos personagens, quero apenas comentar sobre a figura do Grande Irmão. Nos últimos três anos, pudemos perceber aqui no Brasil um isolamento social com monitoramento, e sobretudo no meu estado, São Paulo, sob o governo de João Dória, houve ameaças, inclusive, de controlar os cidadãos através de dados de telefones celulares. Senti bem de perto como o Estado – o Grande Irmão – quer estar de olho em todas as pessoas. E por isso resolvi adicionar abaixo o vídeo de Alex Carozza, de abril de 2020, que trata do tema.

Mas a fúria do Grande Irmão no Brasil todo hoje (2023), agora sob a figura de um novo governo, que teve a pandemia como um dos carros-chefes – o estopim da narrativa – e o desejo terrível de controlar as redes sociais, inspirado em governos ditatoriais de esquerda, está terrível. Estamos em vias de verem sendo aprovada a PL 2630, que está sendo chamada de “PL da Censura”. E a partir daí, se criará o tal “Ministério da Verdade”. Qual verdade? Aquela que o Estado determinar. Infelizmente, afirma Carozza, quando o “… Estado avança no controle, dificilmente volta atrás. A visão de George Orwell no livro intitulado ‘1984’ se torna finalmente possível pelo avanço das tecnologias modernas. Pense no efeito perigoso de juntar o avanço da tecnologia da informação com governos autoritários mundo afora…”

Só posso concluir lamentando que no Brasil, “o Grande Irmão está de olho em você”, em mim, em nós, sobretudo se o nós forem conservadores, cristãos, brancos, homens… E, se ainda por cima, forem bolsonaristas, aí então o OLHO do Estado estará mais aberto ainda.




Notas/Referências bibliográficas:

  • ORWELL, George. 1984 - George Orwell – Livro em PDF. Disponível por Gazeta do Povo. 1949. In: <1984 - George Orwell>.

21 abril 2023

1984 – Introdução: destaques gerais

Por Alcides Amorim

 “Guerra é Paz. Liberdade é Escravidão. Ignorância é Força.”

Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota prensando um rosto humano para sempre.”

Liberdade é a liberdade de dizer que dois mais dois são quatro.”

Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o presente, controla o passado.”

A massa mantém a marca, a marca mantém a mídia e a mídia controla a massa.”

O pensamento-crime não acarreta a morte: o pensamento-crime é a morte.“

Nós somos os mortos. Nossa única vida genuína repousa no futuro.”

(Algumas frases de George Orwell, em 1984).

George Orwell


Eu fui contemplado no ano passado com o livro em PDF 1984 de George Orwell, presenteado pela Gazeta do Povo sobre o qual tenho ouvido uma diversidade de comentários, estudos, vídeos etc., por se tratar de uma mensagem muito rica e atual, o que confirma o porquê disto tudo através da leitura do mesmo. E já destacamos também em outro momento, matéria da própria Gazeta do Povo, do jornalista Leonardo Desideri sobre o Ministério da Verdade. Pretendo salientar neste post as informações iniciais e mais importantes como os principais personagens mencionados no livro, sua mensagem e sua aplicação – até coincidente – a fatos e acontecimentos políticos de nossos dias. Posteriormente, pretendo fazer também um resumo (notas) e comentários de cada capítulo do mencionado volume de George Orwell.

George Orwell (1903 – 1950), conforme destaca o Brasil Paralelo, é um pseudônimo do autor. Seu nome de batismo na Igreja Anglicana foi Eric Arthur Blair. Nasceu em 25 de junho de 1903, em Motihari, na cidade de Bengala, Índia, onde seu pai trabalhava para o império britânico, e estudou em colégios tradicionais da Inglaterra. Jornalista, crítico e romancista, é um dos mais influentes escritores do século XX. Autor também de Revolução dos Bichos (1945), dentre outros. Morreu de tuberculose, sete meses depois da publicação de 1984, publicado em 1949.

O livro 1984 foi escrito em 1948 e parece estarem invertidos os dois últimos números do ano: 84 ao invés de 48, justamente como acontece com as inversões de discursos, narrativas, valores… O gênero do livro é uma distopia, ou seja, enquanto a utopia idealiza uma sociedade boa, a distopia, conforme descreve o livro, é a idealização de uma sociedade em condições de extrema opressão, desespero e privação.

O mundo do livro é dividido em três grandes impérios modernos, que são grandes potências (Wikipédia):

  • Oceania - o maior dos impérios, governa toda a Oceania, América, Islândia, Reino Unido< Irlanda e grande parte do sul da África.

  • Eurásia: o segundo maior império, governa toda a Europa (exceto Islândia, Reino Unido e Irlanda), quase toda a Rússia e pequena parte do resto da Ásia.

  • Lestásia: o menor império, governa países orientais como China, Japão, Coreia, parte da Índia e algumas nações vizinhas.

  • Territórios sob disputa: outros territórios, como o norte da África, o centro e o Sudeste da Ásia (quadrilátero formado entre as cidades de Brazzaville, Darwin, Hong Kong e Tânger), além de todo o território da Antártica.

O “clássico romance distópico do autor britânico George Orwell… retrata o cotidiano de um regime político totalitário de modelo comunista… Desde sua publicação, muitos de seus termos e conceitos, como ‘Big Brother’, ‘duplipensar’ e ‘Novilíngua’ entraram no vernáculo popular. O termo ‘Orwelliano’ surgiu para se referir a qualquer reminiscência do regime ficcional do livro… De facto, 1984 é uma metáfora sobre o poder e atuação dos regimes comunistas, Orwell o escreveu animado de um sentido de urgência, para avisar os seus contemporâneos e às gerações futuras do perigo que corriam, e lutou desesperadamente contra a morte – sofria de tuberculose – para poder acabá-lo” (Paloma VIRICIO).

Os principais termos constantes usados no livro são:

  • Buraco na memória: consiste em alterar ou destruir documentos, fotos, gravações e textos considerados inapropriados a fim de levar as pessoas a pensarem que um determinado fato nunca ocorreu.

  • Crime-ideia: crime de ideia com base no pensamento correto do Ministério da Verdade. Ao questionar os documentos e ser denunciado, caberá à ‘Polícia do Pensamento’ eliminar o indivíduo.

  • Duplipensar: fenômeno de aceitar duas crenças contraditórias simultaneamente.

  • Grande Irmão: ditador e líder máximo do Partido que vê tudo 24 horas por dia.

  • Impessoa (não-pessoa): pessoa que não existe mais, e todas as referências a ela devem ser apagadas dos registros históricos.

  • Ministérios:
    • Fartura: responsável pela economia.
    • Paz: responsável pela guerra.
    • Verdade: responsável por tudo o que é escrito, seguindo a lógica de que o partido é infalível e nunca erra.
    • Amor: responsável pela espionagem e controle da população.

  • Novilíngua: pensada para travar o pensamento pela diminuição do vocabulário, através de um estado de confusão com a semântica foi distorcida.

  • O Partido: grupo que se mantém no poder através de métodos totalitários, de forma explícita. O objetivo do partido não é nada menos do que o poder. O Partido é marcado pela onipresença do Grande Irmão, que ao país governa e a todos vigia.

Acho importante destacar também os principais personagens constantes no livro, como (In: Wikipedia):

  • Emmanuel Goldstein: ex-membro de topo e agora opositor do partido. Atua de modo semelhante a Leon Trotsky. Assim como o Big Brother, Goldstein, se alguma vez foi real, está provavelmente morto, ambos podem ter sido criados para fins de propaganda.
  • Grande Irmão: autocrata da Oceânia, que atua de modo semelhante a ‘Joseph Stalin’. Winston Smith aponta que ele nunca foi visto, nem ninguém se lembra de ver o Big Brother, e sugere que ele pode não existir. Declaração de O'Brien que o Big Brother ‘nunca vai morrer’ também contribui para esta teoria, sugerindo que o Big Brother pode ser apenas uma representação simbólica do partido como um todo. Sua imagem está em toda parte, principalmente nos cartazes onipresentes que advertem: ‘Big Brother is Watching You’ – O Grande Irmão está observando você.

  • Júlia: amante de Winston, uma secreta ‘rebelde da cintura para baixo’, que elogia as doutrinas, é militante do Partido, enquanto vive secretamente em contradição com elas.

  • O'Brien: agente do governo que engana Winston e Julia fazendo-os acreditar que ele é um membro da resistência, e convencendo-os a aderir a esta, e depois usa isso contra eles para torturá-los. Ele convence-os de que eles não devem apenas obedecer, mas amar o Big Brother. O'Brien pode ser visto como principal antagonista da novela.

  • Winston Smith: protagonista do romance, um homem comum fleumático.


Veja também a análise sobre 1984, por Guilherme Freire em:


Referências bibliográficas:

  • FREIRE, Guilherme. 1984: Análise da obra de Goerge Orwell. Disponível em: <1984 – YouTube>. Acesso em: 19/04/2023. 

  • ORWELL, George. 1984 - George Orwell – Livro em PDF. Disponível por Gazeta do Povo. 1949. In: <1984 - George Orwell>. 

26 maio 2023

Cristianismo e Cultura

Por W. A. Dyrness [1]


Cultura é um conceito antropológico e está relacionado a toda invenção humana, seja ela material ou imaterial. Mas por sua vez, o homem criador de cultura, é um ser que tem sua origem no processo criativo de Deus. Daí, a importância de se analisar a cultura mais do que puramente antropológica, natural ou cientificamente, também teologicamente.

A cultura foi tema de estudos (dissertações) nossos nas áreas de História e de Teologia. E é nesse sentido que também produzimos vários textos e os publicamos neste blog, por exemplo:

Continuando este assunto, resolvi transcrever o texto abaixo, de W. A. Dyrness [3], no qual ele faz uma análise entre as relações do cristianismo com a cultura, sob a cosmovisão de um teólogo protestante e com um panorama histórico muito importante.


O cristão e a cultura


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As relações entre o cristianismo e a cultura têm variado segundo as circunstâncias e os modos específicos de percepção da cultura. Embora a ciência social moderna nos tenha dado uma compreensão mais pormenorizada da cultura, basicamente nos interessamos pela maneira que a obra divina da redenção – tanto nas Escrituras quanto na História – tem confrontado e transformado a ordem social no seu contexto criado, e também pelas formas de as comunidades crentes encararem o seu meio ambiente e corresponderem a ele. A Igreja confronta estas questões sempre quando procura viver na prática a sua fé e dar um testemunho fidedigno no lugar para onde Deus a chamou.

A palavra "cultura" originalmente referia-se ao cultivo da terra, e nunca perdeu completamente esta harmonia com a produtividade natural. Embora a palavra seja bastante usada de modo mais ligado às belas-artes, a cultura é melhor entendida como o padrão total do comportamento de um povo, e é neste último sentido que a palavra será empregada neste artigo. A cultura inclui todo o comportamento que é aprendido e transmitido pelos símbolos (ritos, artefatos, linguagem etc.) de um grupo especifico, e que se concentra em certas ideias ou pressuposições que chamamos de cosmovisão.


1. Estrutura Bíblica e Teológica

a) Antigo Testamento

A Bíblia não tem palavra correspondente a "cultura" como tal, mas fica claro desde o principio que Deus criou o homem e a mulher como criaturas de cultura. Os capítulos iniciais de Gênesis apresentam a ordem criada como uma comunidade inter-relacionada em que os relacionamentos com Deus, com a terra e com os seres humanos desempenhavam o seu papel. Há uma aliança subentendida entre o homem e Deus que deve ser vivida num contexto social por um povo encaixado na criação. Fica claro que a ordem era boa (Gn 1.31) e que o processo humano de exercer domínio também era bom.

A Queda que acompanhou a rebelião de Adão e Eva contra as instruções de Deus resultou numa comunidade desordeira e numa cultura que refletia a soberba humana (Gn 11.4). A intervenção divina, desde a escolha de Abraão até a libertação do Egito, deve ser vista em termos do propósito de Deus de restaurar e renovar a ordem criada através de um povo que refletisse o Seu caráter.

É um erro ver a Lei como uma expressão do desejo de Deus no sentido que Seu povo tivesse um sistema cultural sem igual. Boa parte da cultura de Israel coincidia com as culturas de outras nações do antigo Oriente Próximo. É verdade que o contato com outras culturas foi proibido quando Israel entrou em Canaã (Js 6.18), mas isto era devido ao fato de aqueles povos estarem sujeitos à ira de Deus por causa das suas iniquidades não por serem estrangeiros.

De fato, os antropólogos que estudam o AT reconhecem que Israel, devido à sua geografia, estava mais exposto às influências dos povos circunvizinhos do que qualquer outra nação antiga. Os estudiosos bíblicos têm começado a apreciar como as práticas bíblicas – e.g., a ornamentação do Templo ou até mesmo a ideia da aliança – têm paralelos estreitos nas culturas vizinhas. Desta forma, no processo da revelação, Deus não Se preocupou em dar ao Seu povo uma cultura especial, mas em intervir e revelar a Sua vontade de modo que instituições e práticas já existentes pudessem ser reformadas e tornar-se veículos apropriados da Sua glória. Isto, naturalmente, importava em proibir muitas coisas dentre as culturas vizinhas, e até mesmo aquelas instituições que Israel tinha em comum com seus vizinhos – tais como o sacerdócio e a monarquia – foram transformadas sob o impacto das instruções de Deus (e.g., Dt 17.14-20).

À medida que Israel prosperou durante a monarquia, esqueceu-se de que suas instituições eram um meio de promover os propósitos de Deus e passou a vê-las como fragilidades em si mesmas, de modo que Deus teve de expulsar Israel da sua terra e mandar habitar no meio de uma cultura estranha. Mesmo ali, Deus prometeu que um Rebento do tronco de Jessé levaria a efeito a renovação de toda a criação (Is 11); enquanto isso, israelitas teriam de procurar a prosperidade da terra onde habitavam (Jr 29.5-7).

b) Novo Testamento

O desejo de Deus de redimir e restaurar os padrões culturais humanos fica subentendido no ministério de Cristo, que veio com uma nítida consciência de estar cumprindo o propósito redentor do AT. Sua obra da nova criação, que abalou a terra, concentrou-se na ressurreição, na ascensão e no Pentecoste, que eram vistos como cumprimentos das promessas veterotestamentárias para a vida e a comunidade segundo Aliança.

A repetida observação de que o NT é indiferente à cultura é aplicável somente no caso de um conceito muito estreito do termo. A experiência que os cristãos têm com Cristo era considerada cheia de grandes implicações para a cultura (cf. o conselho de Paulo a Filemom). E se for levada em conta a visão veterotestamentária da renovação da terra e da humanidade, poderá ser visto que a obra terrena de Cristo deu início a um processo de transformação que será gloriosamente completado quando Ele voltar para julgar o mundo, uma consumação da qual, mediante nossa reação favorável em fé e obediência, já recebemos um antegozo.

Como no AT, o meio ambiente da Igreja no NT era altamente cosmopolitano. A administração romana e a língua e cultura gregas favoreciam o intercâmbio de ideias. Os escritores do NT frequentemente empregavam termos familiares a um amplo espectro de pessoas: João faz uso de palavras tais como logos ou sophia para expressar a realidade transformadora do Verbo que Se fez carne; Paulo demonstra que respeita uma grande variedade de práticas culturais (1 Co 10.23-33; Rm 14; CI 2.16; 1 Tm 4.3-4) para a libertação genuína que advém de estar em Cristo. Não se quer dizer com isto que o evangelho era compatível com todo e qualquer padrão cultural. Havia choques fundamentais com os judaizantes, que insistiam numa cultura judaica para todos os crentes com os gregos, que acreditavam que a sabedoria expressava uma ordem imanente que poderia ser descoberta pela razão humana. Para estes, a vinda de Cristo era o elemento decisivo; um novo sentido foi dado ao testemunho da Lei judaica e à procura grega da sabedoria humana.

2. A Perspectiva Histórica

a) A Igreja Primitiva

A igreja nasceu no meio de tradições intelectuais importantes. Alguns, como Justino Mártir, achavam que a boa cultura era uma reflexão do Logos divino e treinamento preliminar para o evangelho. Outros concordavam com Tertuliano, que insistia em dizer que a cultura era o foco do pecado e que a salvação envolvia uma separação ética das influências circunvizinhas. Mas logo ficou claro que, se a igreja quisesse comunicar a sua fé em termos que o mundo pudesse compreender, ela também, assim como a igreja neotestamentária, deveria fazer uso de expressões contemporâneas. As ideias de infinitude e eternidade, que os gregos relutavam em aplicar a Deus, eram usadas para descrever o Deus dos cristãos; a ideia de uma fonte transcendente de todas as coisas, oriunda do Oriente Próximo, influenciou as formulações posteriores da doutrina da Criação; e o mundo inteligível de Plotino foi usado para descrever a Nova Jerusalém e formular um caminho para Deus a partir do interior. Em outros aspectos, no entanto, como nos conceitos da História e da Providência, o cristianismo rompeu nitidamente com essas influências.

A conversão do Imperador Constantino (312 d.C.) alterou a posição do cristianismo no mundo, ou até o caráter do próprio cristianismo, e tornou possível a identificação de uma civilização especifica com o cristianismo. A tentação era considerar a fé de forma institucional, ao invés de ser o poder de Deus para transformar indivíduos e comunidades. Agostinho forneceu a primeira interpretação geral da história e da cultura em Cidade de Deus. Ali, argumentou que a história envolvia uma luta contínua entre a cidade dos homens, dominada pela cupiditas (ou cobiça), e a Cidade de Deus, governada pelo amor. Com a decadência da cultura clássica, Agostinho veio a sentir certo pessimismo no tocante às realizações humanas e à necessidade de confiar na graça de Deus. A Queda, se- gundo ele acreditava, criou uma divisão dentro da consciência humana, que poderia ser sanada somente pela submissão à Igreja e pela apropriação da sua arte e liturgia como modo de se obter um conhecimento amplo de Deus. A linguagem bíblica figurada passou, então, a tomar o lugar dos Clássicos como a base de uma "cultura crista" (cf. sua Da Doutrina Cristã), lançando, assim, o alicerce para a arte e adoração medievais.

Enquanto isso, os teólogos do leste ressaltavam a terra como um veículo em potencial do Espírito de Deus e viam a redenção em termos da divinização (Atanásio), uma restauração da sua "imagem" de Deus. Esta ideia reconquistou alguns ecos do AT que tinham sido perdidos no Ocidente, e levou às ricas tradições místicas das Igrejas Ortodoxas.

b) A Idade Média

A partir de Agostinho desenvolveu-se o conceito de que tudo na terra se conformava com algum padrão celestial. Bonaventura retratava o mundo como uma estrada que levava a Deus, ao longo da qual cada objeto O revelava. Para Aquino, a cultura como uma reflexão da finalidade natural do homem deve conformar-se à lei natural. Visto que "é natural ao homem ser um animal social e politico", a vida em sociedade é preceituada pela lei natural. A graça, a boa assistência da parte de Deus, aperfeiçoa, ao invés de julgar aquilo que é naturalmente bom, visto que a nossa finalidade está implícita em nossa natureza. Esta opinião compreendia a relevância eterna da realização humana – a nossa obra "dá frutos eternos", conforme a expressão de Dante, na Divina Comédia – mesmo quando reduzia seu significado histórico e, às vezes, causava lealdade não-critica a corporificações específicas da civilização cristã.

c) A Reforma

A crítica decisiva ao conceito medieval da cultura veio com a Reforma. A revolução copernicana e as viagens de descoberta focalizavam as possibilidades da vida terrestre. A cosmovisão medieval estática foi rompida, e os reformadores começaram a definir os propósitos cristãos não em termos de imaginação de algum padrão eterno mas de concretização de um ideal futuro. João Calvino enfatizava as intervenções soberanas de Deus e a vitória definitiva de Cristo que é ressaltada pela ressurreição. A ascensão deixava subentendido que todas as coisas ficam plenas da Sua glória e, portanto, o cristão pode ser otimista no tocante a esta ordem mundial. O reino dinâmico de Cristo avança através da Igreja, a fim de colocar toda a humanidade sob o domínio do evangelho.

Martinho Lutero, por outro lado, reagindo contra as pretensões medievais da cultura cristã, enfatizava o caráter pecaminoso da obra humana e a necessidade da graça. As formas culturais, portanto, não têm valor positivo e servem somente para refrear o mal. O ato espontâneo de amor que Deus produz no crente pode ser levado a efeito em qualquer profissão e, de qualquer maneira, não ficará plenamente manifesto a não ser na volta de Cristo. A Igreja leveda a sociedade, mas sua influência é frequentemente visível somente pela fé.

A corrente radical da Reforma – às vezes chamada anabatismo – retomou linhas ascéticas e perfeccionistas na Igreja, e ressaltava a conversão pessoal e uma comunidade cristã separada. O conceito deles no tocante ao caráter penetrante do pecado, a ênfase na volta iminente de Cristo e, talvez, a condição minoritária fizeram com que se tornassem pessimistas no tocante às possibilidades da cultura humana.

d) O lluminismo

A consciência da Reforma e a ênfase dada pela Renascença ao presente mundo contribuíram juntas para um processo de secularização no Ocidente em que o consenso cristão da Idade Média paulatinamente cedeu lugar aos alvos do estado secular. Os ideais cristãos frequentemente eram influentes na sociedade (como continuam sendo até ao dia de hoje), mas abria-se mão da realidade cristã. Já em fins do séc XVIII, durante o período chamado Iluminismo, o mundo era considerado em terma imanentes; Deus estava distante, sem Se envolver; o homem já se tornara maior de idade. Por trás desta fé subjazia a convicção de que "a situação humana é fundamentalmente caracterizada pelo conflito com a natureza" e não pelo conflito com Deus (H Niebuhr). Além disso, havia plena confiança da vitória nesse conflito, e o caminho ficou aberto para se identificar o cristianismo com a cultura europeia ocidental (e, posteriormente, norte-americana), e para o imperialismo cultural dos séculos XIX e XX.

A ideia de Hegel sobre o desenvolvimento imanente da realidade espiritual na cultura humana marcou uma etapa final da influência do cristianismo sobre a cultura europeia. Pouco depois, Nietzsche proclamou que Deus estava morto e que todos os valores deveriam ser reformulados. Karl Löwith chama o niilismo resultante "a única crença genuína de pessoas cultas", no fim do século XIX.

e) O Período Moderno

A Primeira Guerra Mundial pareceu confirmar o cinismo de Nietzsche, bem como a ausência de todas as influências cristãs sobre a cultura, e esmagou as esperanças de alguns que tinham acreditado na possibilidade da introdução do milênio. Não é de admirar que a maioria dos cristãos adotasse atitudes negativas diante da direção tomada pela cultura ocidental e se satisfizesse em lutar em frentes muito estreitas. Numa das primeiras tentativas de julgar criticamente a cultura moderna pós-cristã, T. S. Eliot argumentou, em 1934, que a literatura moderna era dominada por secularismo e individualismo. Mais recentemente, os evangélicos Francis Schaeffer e H. R. Rookmaaker traçaram a alienação da cultura moderna à capitulação dos valores cristãos desde a Renascença. B. I. Bell e C. S. Lewis descreveram a manipulação e a desumanização que resultaram da moderna sociedade de consumo, com as "sensibilidades famintas" consequentes. De modo mais positivo, Paul Tillich indicou que as formas culturais modernas ainda expressam uma dedicação básica religiosa ou absoluta, que possibilitam uma experiência de profundidade.

A influência do máximo alcance sobre o conceito cristão da cultura desde a Segunda Guerra Mundial tem sido levada a efeito pelo impacto crescente das ciências sociais. Estes estudos nos mostraram que a cultura é mais do que uma cosmovisão intelectual; é também um complexo de símbolos – incluindo objetos, palavras e eventos – por meio dos quais um povo se orienta no mundo. O significado e, portanto, as implicações da dedicação cristã revelam que permeiam a totalidade da cultura humana, possibilitando, assim, uma nova compreensão integral do evangelho. A comunicação transcultural da tem sugerido a necessidade de se aproveitarem os recursos da cultura emissora e da cultura receptora a fim de se obter uma compreensão mais completa da verdade cristã. Em todas as comunidades, há a consciência crescente de que a Palavra de Deus, e não alguma cultura especifica, corrigirá falhas e redimirá aspectos fortes, e toda percepção cultural da verdade cristã e das Escrituras pode ser usada para enaltecer a nossa compreensão do evangelho "até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus" (Ef 4.13).

3. A Tipologia

A história do encontro entre o cristianismo e a cultura demonstra certas reações típicas que refletem várias ênfases teológicas e contingências históricas. Correndo o risco de fazer divisões arbitrárias, podemos sugerir três conceitos típicos que têm sido influentes no pensamento evangélico.

a) O Anabatista

No decurso da história da cristandade uma corrente radical e rigorosa apareceu, enfatizando a natureza decaída desta ordem mundial e a necessidade de se criarem estruturas alternativas que sigam mais de perto o modelo do Senhor crucificado da Igreja. Tal conceito, que achou sua expressão mais clara na Reforma radical, tem continuado a influenciar os cristãos através das igrejas dentro dessa tradição e dos muitos grupos pietistas que compartilham desse mesmo espírito. Uma expressão extremada desse ponto de vista está em Watchman Nee, que acreditava que a salvação envolvia a separação total entre o crente e o sistema deste mundo. O cristão vive no mundo como num ambiente estranho – como um mergulhador na água – e assim deve desenvolver uma atitude de desprendimento. A obra terrena do cristão sempre está sujeita à sentença da morte: sua única esperança é ser finalmente libertado por Deus. Um proponente mais moderado deste conceito é Jacques Ellul, que argumentava que a civilização espera numa nova obra de Deus mediante a qual a Nova Jerusalém tomará o lugar desta cidade caída. Enquanto isso, continuamos a trabalhar, conscientes de que "estamos participando de uma obra de morte que está sob a maldição". Uma expressão mais positiva e influente desta tendência é oferecida por J. H. Yoder. Segundo Yoder, Jesus veio levar a efeito uma revolução social por meio da formação de uma nova comunidade voluntária, ao invés de um encontro com as autoridades. Cristo fundou uma nova ordem com padrões alternativos de liderança e estilo de vida que acabarão condenando e substituindo a velha ordem moribunda. O caminho da cruz, Yoder acredita, é uma "alternativa tanto a insurreição quanto ao quietismo". Este conceito tem dado expressão nítida aos elementos apocalípticos e transcendentes do cristianismo, e muitos dos seus representantes têm exercido uma forte influência profética, embora tenham hesitado em ocupar-se em esforços públicos ativos para melhorar as condições existentes.

b) O Conceito Anglo-Católico

Outros cristãos têm insistido mais na distribuição entre as esferas da graça e da natureza. Continuando a tradição medieval, pensadores com esta tendência acreditam que a área da cultura humana é indiferente aos valores religiosos. J. H. Newman deu expressão clássica a este conceito há um século, quando declarou que a cultura tem valor no seu próprio nível (natural), mas não pode ser o ambiente da virtude: "O cultivo intelectual não é a causa, nem o antecedente apropriado, de qualquer coisa sobrenatural". No presente século, C. S. Lewis adotou um ponto de vista semelhante. Ele acredita que o NT é inconfundivelmente frio na sua maneira de tratar a cultura, sendo que é necessário descartá-la no momento em que entra em conflito com o serviço de Deus. O bem da cultura pode formar uma analogia com o bem cristão, mas não é a mesma coisa – Lewis confessa não saber como se pode harmonizar bens espirituais e culturais. Estes pensadores dão, com toda a razão, prioridade aos valores espirituais, mas não conseguem sugerir perspectivas criticas formadas pela verdade cristã e, portanto, tendem a apoiar o status quo cultural.

c) O Conceito Reformado

Desde Justino Mártir têm havido cristãos com a convicção de que a cultura pode ser levada cativa ao senhorio de Cristo. Enfatizando o poder criador de Deus e a obra vitoriosa de Cristo, estes pensadores tendem a ser mais otimistas no tocante às estruturas humanas, pois têm a impressão que por mais iníquas e depravadas que certas instituições talvez pareçam ser, elas não estão fora do alcance da soberania de Cristo. Calvino deu expressão clássica a esta posição, e tem sido seguido pela tradição do cristianismo reformado e presbiteriano. No início do século XX, Abraham Kuyper expressou de modo conciso este ponto de vista, que coloca a glorificação do próprio Deus no centro do pensamento cristão a respeito da cultura. Toda a labuta humana exibe coletivamente a imagem de Deus e, mediante a graça geral, é dada para honrar a Cristo, o mediador da Criação. A cultura, portanto, pode ser o meio de controle da influência do pecado e, por causa da obra de Cristo que restaura a criação dentro das suas próprias raízes, pode começar a refletir o triunfo do reino restaurado de Cristo, que será consumado na Segunda Vinda. Kuyper acredita que o desenvolvimento genuíno na sociedade transbordará para a eternidade (Ap 21.24), embora os últimos dias tenham de demonstrar uma apostasia nas coisas espirituais. Este conceito tem tido muita influência nas sociedades onde se faz presente, e exibe uma ênfase atraente ao senhorio de Cristo e à realidade do Seu reino; sua fraqueza tem sido uma tendência ao triunfalismo que subestima o poder e a extensão da iniquidade.

Conclusão Teológica

Com base nas evidências examinadas, é possível sugerir algumas diretrizes para uma abordagem cristã à cultura? Alguns concordam com H.R Niebuhr em que as relatividades da nossa fé e da nossa posição sugerem que deixemos abertas as nossas opções. Certos parâmetros bíblicos, no entanto, podem ser oferecidos. Os evangélicos têm se preocupado, com razão, em evitar que as influências culturais não desafiem nem diluam a autoridade de Cristo e da Sua Palavra. Mas é claro que este problema não pode ser resolvido ao se evitar a cultura; é impossível dedicar-se a Cristo em isolamento da nossa cultura. Alguma medida de solidariedade com nosso meio ambiente é inevitável; somos produtos dele e, como cristãos, somos responsáveis diante dele para pensarmos sal e luz. Além disso, o pecado é a rebelião contra Deus e Sua Palavra, de modo que a luta básica na cultura não é contra a natureza, mas contra as forças do mal. Segue-se que não podemos evitar a batalha em prol da justiça na esfera cultural. Conforme Milton: "Ser ingênuo e ignorante no tocante às opções morais é uma coisa; uma outra coisa bem diferente é ter consciência das opções e escolher a obediência a Deus". A pureza visível, pois, embora provenha de Deus, não pode ser concretizada senão mediante provações, e as provações provêm daquilo que é contrário.

A necessidade básica para os cristãos no decurso das eras tem sido uma fé suficientemente grande para incluir a totalidade dos elementos bíblicos – que vê Deus como Criador e Sustentador; que honra a Cristo como Logos e Senhor; e que vê na redenção tanto a reconciliação do pecador quanto a renovação da ordem criada. Esta atitude leva um otimismo realista, porque a dedicação a Deus liberta-nos da subserviência aos princípios menos importantes e ajuda-nos a mantê-los na sua perspectiva correta. A Escritura é a norma para todos os povos e todos os tempos, mas o elemento supracultural sempre deve ser expresso em alguma forma cultural especifica, mesmo que tais formas sejam transformadas à medida que o Espirito Santo aplica a realidade do reino. Por ora, em nossas famílias e comunidades, oremos para termos o prazer da criança, que fica atônita simplesmente por existir, e a sabedoria do erudito, a fim de discernirmos a verdade e batalharmos por ela. Porque as "pequenas ações de pequenos homens e pequenas mulheres, todas incompletas e imperfeitas..., são cruciais e têm seu lugar nos grandes planos de Deus" (H. R. Rookmaaker).

Fonte:

DYRNESS, William A. Cristianismo e Cultura. Apud: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. I. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 375 a 380.

Notas:

  • [1William A. DYRNESS “… é  um teólogo americano e professor de teologia e cultura no Seminário Teológico Fuller . Ele ministra cursos de teologia, cultura e artes e é membro fundador do Brehm Center… Dyrness trabalha na interseção da teologia reformada, evangélica, global e ecumênica. Suas numerosas publicações podem ser caracterizadas como uma tentativa de lidar com o encontro dramático entre a fé e a cultura humana” (Wikipedia: William Dyrness )”. Acesso em: 25/05/2023. 
  • [3Texto copiado na íntegra, com algumas adaptações e aplicado ao Novo Acordo Ortográfico Brasileiro..

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