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14 outubro 2022

O Ministério da Verdade

Por

Cristóvão Tezza [1], Gazeta do Povo


Foto disponível no artigo, ver Nota 2

 

"O Grande Irmão está vendo você..." (G. Orwell, pg.27).

 

Hoje, lendo um dos artigos de a Gazeta do Povo, Pedidos de censura do PT podem ser prenúncio sobre regulação da mídia que Lula propõe, de Leonardo Desideri, acabei me reportando ao livro presenteado também pelo mesmo Jornal, 1984, de George Orwell. Ao mesmo tempo, descobri outra matéria publicada em 2012, que trazia uma explicação de Cristóvão Tezza de como o Ministério da Verdade1 já era sentido na época. Vamos ao texto:

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No clássico 1984, de George Orwell, a pessimista distopia sobre um mundo totalitário que controla o cidadão em cada gesto, existe um ‘Ministério da Verdade’. Sua função? Mentir. O Ministério da Verdade é encarregado de modificar a história passada de modo a deixá-la de acordo com a vontade do poder. Os números antigos de jornais e revistas são sempre modificados; estatísticas alteradas; discursos omitidos; e até mesmo o sentido das palavras sofre uma aguda vigilância. A ‘novilíngua’ é uma máquina semântica de achatar significados. Bem, o Brasil não precisa se preocupar. Para quem já tem um ‘Ministério da Pesca’ [isto, em 2012], não há necessidade de alegorias complementares. E, felizmente, temos liberdade absoluta para rir, que faz bem à alma.

O assustador delírio ficcional de Orwell me veio à lembrança ao ler que um procurador do Ministério Público Federal entrou com uma ação contra... contra quem mesmo? Contra o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. O motivo: em suas acepções para a palavra ‘cigano’, o dicionário, depois de listar as definições correntes, anota as de sentido pejorativo: ‘trapaceiro’, ‘velhaco’, colocando a data (1899) em que este uso é documentado na língua pela primeira vez. Para o Ministério Público, esta definição seria ofensiva, preconceituosa, de cunho racista. Sim, e é mesmo; justo por isso, o dicionário informa o leitor de que se trata de um sentido pejorativo. É exatamente esta a função de um dicionário da língua: anotar os usos concretos da língua, em seus momentos históricos. Tanto melhor ele será quanto mais definições contemplar, e o Houaiss é um dicionário extraordinário para a cultura brasileira x é o nosso primeiro grande dicionário, elaborado com um padrão de exigência e com um ouvido para a vida real da língua como nenhum dos antecessores. Mas, para o procurador, a quinta acepção que o dicionário registra ao definir ‘cigano’ afrontaria a Constituição brasileira.

A acusação não é apenas absurda; é perigosa, pelo seu precedente de controle da linguagem. Assim, chegaremos à ‘novilíngua’ de Orwell. Se o leitor consultar no mesmo Houaiss, por exemplo, a palavra ‘polaca’, verá que ela define, pela ordem, a mulher nascida na Polônia, a dança chamada ‘polonesa’, a Constituição do Brasil promulgada em 1937 (era chamada de ‘constituição polaca’ por seguir a linha da Constituição da Polônia); e, finalmente, com a indicação de uso ‘pejorativo’ e ‘obsoleto’, o dicionário registra que ‘polaca’ pode ser ‘mulher da vida’, ‘meretriz’. Esta acepção surgiu no final do século 19, designando as vítimas (‘loiras’, daí o nome ‘polacas’) do tráfico de mulheres da Europa para o Brasil. Se a moda pega, o novo Ministério da Verdade logo vai propor varreduras semânticas e fogueiras purificadoras. O meu medo é que, de grão em grão, excomunguem A polaquinha, obra-prima de Dalton Trevisan.

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Bem, se em 2012, Cristovão Tezza já tinha percebido a ação do tal Ministério da Verdade, o que diremos, hoje, em 2022, em tempo de República Alexandrina! E por falar nisto, aproveito mais uma contribuição de outro, aliás, outra colunista da Gazeta do Povo, Cristina Graeml, com o vídeo a seguir [3], no momento em que o Ministério da Verdade ganha muitos adeptos: PT, TSE, grande imprensa (isto mesmo, outros órgãos da imprensa) etc.

… a censura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a uma publicação da Gazeta do Povo no Twitter, atendendo a pedido da campanha do PT. O ministro do TSE, Paulo de Tarso Sanseverino, concordou com a alegação dos advogados da campanha petista de que é inverídico que Lula apoie o ditador da Nicaragua, Daniel Ortega e proibiu o post refrente à reportagem cujo título era: Ditadura apoiada por Lula tira sinal da CNN do ar.

Vejamos:

Notas:

  • [1] Cristovão Tezza “… nasceu em Lages, Santa Catarina, em 1952. Em junho de 1959, morreu seu pai; dois anos depois, a família se mudou para Curitiba, ParanáColunista da Gazeta do Povo, autor de muitíssimos artigos, incluindo este sobre o Ministério da Verdade (ou da Mentira?), publicado em 05/03/2012... Veja mais em: <http://cristovaotezza.com.br/p_biografia.htm>. Acesso em: 14/10/2022.
  • [3]  TSE censura post no Twitter da Gazeta do Povo a pedido do PT. Gazeta do Povo. Acesso em: 14/10/2022.

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