O Cristianismo, estudado no contexto da história de Roma, é um dos elementos importantes de sua cultura e que representa um dos maiores legados para a humanidade.
Jesus, o “Cordeiro que tira o pecado do mundo” e morreu na cruz como malfeitor. [1]
O Cristianismo foi fundado por Jesus de Nazaré, que ficou conhecido como Jesus Cristo, nascido na Palestina, uma das províncias romanas, e durante o governo de Otávio Augusto.
Origem
Na Palestina, os judeus viviam a expectativa da chegada – à terra – de um Messias ou Cristo, que os salvaria, principalmente, do jugo romano. Esta salvação, porém, enquanto para muitos judeus, estava restrita ao aspecto puramente material, para outros, porém, significava a redenção dos seus pecados (desobediência do homem a Deus) e promessa de uma vida eterna com Deus.
Nascido de uma família pobre e filho “adotivo” de José, o Carpinteiro, Jesus é batizado por João Batista – que segundo as Escrituras Judaicas viera preparar o povo para sua chegada –, com quase trinta anos, quando então inicia seu ministério.
Logo no início de sua missão, Jesus escolhe alguns homens para serem seus seguidores ou discípulos. Depois, ele consagra doze destes discípulos, que se tornam apóstolos, os quais lhe acompanham até sua crucificação, morte e ressurreição, exceto um deles, Judas Iscariotes, que o traiu e se suicidou antes.
“A morte por crucificação foi inventada pelos persas entre 539 e 533 a.C. Os romanos, porém, a popularizaram. Ela era utilizada para punir escravos rebeldes, criminosos violentos e subversivos políticos... As pessoas crucificadas não eram enterradas. Seus corpos eram deixados para serem consumidos pelos urubus. Jesus Cristo foi uma exceção. Seu sepultamento ocorreu graças à influência de José de Arimateia, um rico judeu simpatizante que negociou com Pilatos, o governador" [2].
Veja que Jesus Cristo foi condenado como um malfeitor. Mas, apesar de sua morte horrenda, o fato mais importante para todos os cristãos é que Ele foi ressuscitado. E, segundo informa os registros sagrados, um dos requisitos para ser, por exemplo, sucessor de Judas Iscariotes, isto é, um apóstolo em seu lugar, era: ter sido testemunha da morte e ressurreição de Jesus.
Livro Sagrado
Jesus não deixou registros escritos. Seus
atos, milagres e ensinamentos foram registrados, posteriormente, por
seus discípulos. Desta forma, surgiu a BíbliaSagrada
Cristã, composta:
Do
Antigo Testamento ou Torá (Livro Sagrados dos hebreus) [3].
Evangelhos
(4), que são Mateus, Marcos, Lucas e João que tratam da vida e
obra de Jesus.
Atos
dos Apóstolos (1), que trata dos primeiros anos da Igreja Cristã.
Epístolas
(21), que foram escritas por apóstolos (a maioria de Paulo) e
outros discípulos, e que formalizam as doutrinas cristãs.
Apocalipse
(1), livro que trata de profecias relativas, em sua maior parte, aos
assuntos dos últimos tempos.
Perseguições
Conforme o Cristianismo foi crescendo e
ganhando adeptos entre as classes pobres de Roma, sobrevieram as
perseguições, promovidas, principalmente, pelos imperadores. Os
motivos destas perseguições foram, entre outras:
os cristãos
não aceitavam a divindade dos imperadores: jamais os cristãos
colocariam César acima de Cristo. Por isto, foram considerados
“ateus” pelo Estado romano.
os cristãos foram considerados
perigosos e desleais ao Estado romano:
reuniões secretas dos cristãos (a
portas fechadas);
o repúdio dos cristãos de “cultuar”
o Estado tornava-os “traidores” e passíveis de perseguições;
os imperadores achavam que os
cristãos formavam uma sociedade secreta que tramavam ações
políticas contra o Estado;
a sociedade cristã foi vista como
anarquista e sacrílega por Roma;
O crescimento do número de adeptos,
principalmente entre os plebeus e escravos:
a despeito da repressão, o
Cristianismo aumentava cada vez mais;
os cristãos foram vistos como a pior
classe de revolucionários, destruidores dos fundamentos da
civilização.
"O primeiro caso documentado de perseguição aos cristãos pelo Império Romano direciona-se a Nero. Em 64, houve o grande incêndio de Roma, destruindo grandes partes da cidade e devastando economicamente a população romana. Nero, cuja sanidade já há muito tempo havia sido posta em questão, era o suspeito de ter intencionalmente ateado fogo. (...) Ao associar os cristãos ao terrível incêndio, Nero aumentou ainda mais a suspeita pública já existente e, pode-se dizer, exacerbou as hostilidades contra eles por todo o Império Romano. As formas de execução utilizadas pelos romanos incluíam crucificação e lançamento de cristãos para serem devorados por leões e outras feras selvagens"
Cristãos
sendo usados como tochas humanas, na perseguição sob Nero. Obra
de Henryk Siemiradzki (1843-1902) [4].
O
Edito de Milão e o fim das perseguições
Na
verdade, quando falamos de “fim” das perseguições aos cristãos,
queremos nos referir apenas às perseguições formais e legais
(institucionais), previstas nas leis romanas. Mas, de fato, os
cristãos nunca deixaram de ser perseguidos, senão, de forma física,
com torturas, corpos incendiados, crucificações, corpos jogados às
feras etc., mas no aspecto moral, espiritual, processos de toda
ordem, calúnias e outros meios. No decorrer da história cristã,
encontramos diversos momentos de perseguições e até guerras,
contra os cristãos e, em diversos momentos, até grupos cristãos
contra outros grupos cristãos e estes contra muçulmanos e assim por
diante.
A
perseguição aos cristãos continuou durante os séculos II e III e
só terminou com o imperador Constantino,
que governou Roma no século IV. Neste momento, o Império já estava
em decadência e o poder imperial enfraquecido. Além disso, as
perseguições tiveram efeito contrário ao esperado pelos
imperadores, pois quanto o Cristianismo era perseguido, mais pessoas
se convertiam, buscando alívio para seus sofrimentos e esperança de
vida eterna, nas pregações cristãs.
Constantino
percebeu que não adiantava perseguir cristãos, mesmo porque –
segundo reconheceu – o Deus deles era bastante forte e que ouvia
suas orações. “Sem dúvida
percebeu também que se o Cristianismo fosse ajudado e se tornasse
bastante forte, seria um poderoso elemento para a unificação de
todos os povos do império. (Constantino) teve simpatia pessoal pelo
Cristianismo, mas nunca demonstrou em sua conduta qualquer influência
da moral cristã.” [5].
Em
313, Constantino baixou o EditodeMilão,
que punha fim às perseguições religiosas e dava liberdade de culto
aos cristãos. A partir de então, O Cristianismo ganhou um impulso
ainda maior no território romano. Depois veremos como o Cristianismo
tornou Religião Oficial do Império, através do imperador Teodósio,
em 390…
Conheça
minha página sobre o assunto: Cristianismo:
História e Teologia. Ainda
sobre a perseguição do Império Romano aos cristãos, veja o
vídeo:
Notas / Referências bibliográficas:
[1]
O Cordeiro e a Cruz, símbolos do
Cristianismo. Imagem disponivel em: <http://somentedeusgloria.blogspot.com.br/2011/12/jesus-o-cordeiro-maravilhoso_18.html>.
Acesso em 17/08/2013.
[2]
Guia dos Curiosos. Disponível em: <http://www.guiadoscuriosos.com.br/categorias/1301/1/crucificacao.html>.
Acesso em 17/08/2013. Veja
também um documento interessante, sobre a crucificação,
produzido pelo DiscoveryChannel,
em: <http://www.youtube.com/watch?v=uB9MqLl4yws>. Acesso em 17/08/2013.
[3]
O AntigoTestamento da Bíblia Sagrada
Cristã: Há
duas versões do Antigo Testamento na Bíblia Sagrada. Uma versão
utilizada pelos católicos e uma parte dos protestantes, que contém
46 livros e acréscimos no livro de Daniel e Ester, e um versão
utilizada pela maioria dos protestantes, que contém 39 livros. O
Novo Testamento é igual para ambos: católicos e protestantes.
[4]
Perseguiçãoaoscristãos: texto e
imagem. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Persegui%C3%A7%C3%A3o_aos_crist%C3%A3os#Persegui.C3.A7.C3.A3o_sob_o_Imp.C3.A9rio_Romano>.
Acesso em 17/08/2013.
[5]
NICHOLS,
Robert Hastings. HistóriadaIgrejaCristã,
6ª ed. São Paulo: Casa Ed. Presbite-riana, 1985. p. 42/43.
GONZÁLEZ, Justo L. E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo: a era dos gigantes – Vol. 2. São Paulo: Vida Nova, 1995, pág. 16 a 46.
“O
antissemitismo é um problema gravíssimo que envolve a todos nós
porque o início da verdadeira democracia não se deu em Paris ou até
mesmo na Atenas clássica, como alegam os manuais de política, e sim
naquilo que o teólogo Os Guinness chama em 'A Carta Magna da
Liberdade' (lançado no Brasil pela Edições Vida Nova) de “a
Revolução do Sinai”, quando Moisés recebeu a revelação de que
há somente um único Deus e que o povo hebreu se tornou nada mais,
nada menos que o representante de toda a humanidade…” (Martim V. Cunha) [1]
Neste post queremos destacar as expressões propostas no título acima, pois estão interligados entre si e têm relação com a história de Israel e sua luta no mundo atual. Também destacaremos, posteriormente, o movimento sionista, a formação e o estado atual – físico e político – de Israel.
1. Semitismo
X Antissemitismo
De acordo com Gênesis 10, Noé teve três filhos: Sem, Cão e Jafé (v. 1). A partir destes, formou-se a tabela das nações, sendo Sem, o “… ancestral das nações a Leste (Oriente) da terra de Canaã” (Wikipedia). Em Gênesis 10,21 encontramos: “E a Sem nasceram filhos, e ele é o pai de todos os filhos de Éber, o irmão mais velho de Jafé [2]”. Neste e outros versículos como 11.14-17, aparece o nome de Éber do qual nasceu o termo gentílico 'ibhri ou 'hebreu', usado na Bíblia como patronímico [3] para Abraão e seus descendentes. No Antigo Testamento, a designação 'ibhri serve para ligar a revelação abraâmica à promessa do pacto estabelecido com Sem. Trata-se, então, da ligação entre Israel e o semitismo (alusivo a Sem, um dos filhos de Noé) e o pacto entre Yahweh (o Deus de Israel) e seu povo: Israel. Portanto, o termo antissemitismo tem relação com o preconceito contra os judeus, principalmente, mas também contra árabes, etíopes ou assírios.
Nos parágrafos a seguir, em relação a esta primeira parte, vejamos o que M. R. Wilson [4] diz sobre o antissemitismo:
Wilhelm Marr (1819-1904)
O termo foi introduzido em 1879 por Wilhelm Marr [5], um agitador político alemão. Naquela época, designava campanhas anti-judaicas na Europa. Em pouco tempo, antes da era cristã.
A melhor descrição da história do antissemitismo é “longa e dolorosa". Entre os judeus os fatos trágicos do antissemitismo são bem conhecidos, porque eles ocupam uma porção preponderante na história judaica. Hoje, após mais de dois mil anos, esse mal que parece estar em todos os lugares, continua a existir. Por isso, a sensibilidade diante das artimanhas dos supostos antissemitas nunca está longe da consciência coletiva do judaísmo mundial. Nos círculos cristãos, no entanto, a história do antissemitismo – frequentemente sórdida e auto acusadora – geralmente permanece sem ser contada. Aparentemente, isto acontece porque a história da igreja tem quase a mesma duração da história do antissemitismo – se não nos atos abertos dos cristãos, certamente a tem no silêncio culposo deles.
No mundo antigo, o primeiro exemplo importante do antissemitismo ocorre durante o reinado de Antíoco IV Epifânio (175-153 a.C.). A tentativa deste governante selêucida de helenizar os judeus dos seus dias recebeu forte oposição. Os judeus eram monoteístas e, portanto, na sua maior parte, separados dos seus vizinhos gentios. Os gentios consideravam o descanso sabático como preguiça congênita, e a fidelidade às leis dietéticas como superstição grosseira. O ataque de Antíoco contra a religião judaica resultou na profanação do templo. Um porco foi sacrificado no altar, e o seu sangue aspergido nos rolos judaicos. Os governantes sírios consideravam que os judeus eram errantes nômades, um povo sem residência fixa, digno de destruição. Os judeus achavam nojenta a idolatria do mundo grego e, posteriormente, debaixo do império romano, rejeitaram a adoração ao imperador. Assim sendo, os judeus eram vistos como os grandes dissidentes do mundo mediterrâneo. Para os pagãos, vieram a ser personae non gratae, vitimas da discriminação e do desprezo.
A destruição do templo em 70 d.C. marcou uma dispersão dos judeus em larga es- cala. No século II, o imperador romano Adriano (117-138) promulgou decretos que proibiam a prática do judaísmo. Cerca deste tempo, o grande Rabino Akibá foi torturado à morte pelos romanos por meio da remoção da carne do seu corpo com pentes de ferro.
Em 321, Constantino fez do cristianismo a religião oficial do estado romano. Os judeus foram proibidos de fazer convertidos, de servir no exército, e de deter qualquer cargo elevado. Vários séculos mais tarde, sob o governo de Justiniano, os judeus foram impedidos de celebrar a Páscoa judaica antes da Páscoa cristã.
As raízes do antissemitismo teológico derivam de certos ensinos que surgiram nos primeiros séculos cristãos. A revolta judaica de 66-70 d.C. resultou em morte, exílio ou escravidão de milhares de judeus. A igreja gentia, em rápida expansão, pensava que tamanha adversidade era castigo divino, prova da rejeição dos judeus por Deus. Paulatinamente, a igreja considerava que estava tomando o lugar do judaísmo, que era uma fé "morta" e "legalista". A igreja agora estava triunfante acima da sinagoga, tornando-se o novo Israel de Deus, herdeira das promessas da aliança. Mas os judeus, como povo, ainda sofriam sob o jugo romano. Não conseguiram entender a redenção messiânica em termos de um servo sofredor, recusavam-se a crer que Deus tinha rejeitado para sempre o Seu povo escolhido.
Os escritos de vários pais da igreja refletem uma denúncia teológica dirigida contra os judeus. João Crisóstomo, o "boca de ouro", é um exemplo notável Ensinava que “a sinagoga é um prostíbulo e um teatro, … um covil de animais impuros... Nunca um judeu orou a Deus. São todos possessos pelo diabo".
Na Idade Média, os judeus, em grande medida, eram excluídos da cultura cristã medieval. Procuravam evitar as pressões sociais, econômicas e eclesiásticas, habitando por trás de muros de guetos. Era-lhes permitido, no entanto, a prática da usura. Isto levou os cristãos a acusá-los de serem um povo de párias. Os judeus foram obrigados a usar um chapéu distintivo ou uma emenda costurada nas suas roupas. Eram acusados de ter um cheiro distintivo, em contraste com o "odor de santidade". Os judeus também eram caluniados como sendo os assassinos de Cristo; os que profanavam a hóstia, responsáveis pela morte de criancinhas cristãs, causadores da disseminação da peste negra, envenenadores de poços, que mamavam em porcas. A Primeira Cruzada (1096) resultou em numerosos suicídios em massa pelos judeus que procuravam evitar o batismo forçado. Perto do fim da Idade Média, os judeus se tornaram errantes, sem lar. Foram expulsos da Inglaterra em 1290, da França em 1306, e de cidades da Espanha, Alemanha e Áustria, nos anos seguintes.
A inquisição espanhola e a expulsão de 1492 resultou na tortura de milhares de pessoas, queimadas à estaca, ou convertidas à força. Na Alemanha, uma geração mais tarde, Lutero publicou uma série de panfletos vitriólicos, atacando os judeus. A respeito dos judeus, escreveu: "Expulsemo-los do país para todo o sempre".
Por volta do início da era moderna, ocorreu uma revolta sangrenta contra os cossacos na Polônia (1648-58). Apanhados no meio do conflito, cerca de meio milhão de judeus foram mortos. Em outros países europeus naquele tempo, os judeus continuavam a ser perseguidos ou, na melhor das hipóteses, vistos com suspeita ou desprezo.
Na última parte do século XIX, a maior população judaica no mundo (seis milhões de pessoas) estava na Rússia czarista. Ali, os judeus passaram por uma série de massacres ferozes que deixaram um saldo de milhares de mortos. Outros, reunindo-se com judeus de vários países europeus, fugiram para a América do Norte. Lá esperavam achar um lugar que, segundo uma descrição anterior feita por George Washington, oferecia "nenhuma sanção ao preconceito, nenhuma assistência à perseguição". Entre 1880 e 1910 mais de dois milhões de judeus imigraram para os Estados Unidos, passando pela cidade de Nova Iorque. Durante este período, o famoso Escândalo Dreyfus [6], na França (1894), chamou a atenção do mundo para o problema do antissemitismo.
Arraigado no solo da Alemanha, o holocausto do século XX destaca-se como um evento sem paralelo. A propaganda nazista declarava que a raça humana devia ser "puri- ficada" e livrada dos judeus. A "solução final" ao "problema" judaico consistia em campos de concentração, câmaras de gás e crematórios. Entre 1933, quando Hitler subiu ao poder, e o fim da Segunda Guerra Mundial, cerca de seis milhões de vidas foram destruídas. Hoje, em Jerusalém, a Yad Vashem (o nome é tirado de Is 56.5) existe como memorial às vítimas do holocausto e como instituição para pesquisas e documentação.
No presente, o antissemitismo persiste em todos os lugares onde se acham judeus. Os judeus da Rússia e da França têm sido especialmente oprimidos. Nos países europeus e nos Estados Unidos, incidentes antissemíticos recentes têm incluído profanação de sinagogas, inclusive com bombas, de pedras tumulares, dizeres malévolos nas paredes, panfletos nazistas e estereótipos grotescos de judeus, na imprensa. Em outras ocasiões, encontra-se a chamada variedade "distinta" do antissemitismo, isto é, a discriminação e/ou a antipatia revelada contra os judeus nos campos social, educacional e econômico. A Liga de Antidifamação e outras agências judaicas continuam a fazer progresso lento, porém firme, na busca de entendimento entre povos de raças e religiões diferentes.
2. Xenofobia: o mundo contra Israel
Vimos no item acima que os judeus foram vítimas do ódio e preconceito em várias ocasiões desde o Período Inter-bíblico – entre o Antigo e o Novo Testamentos –, durante o domínio romano, na Idade Média, Moderna e até entre cristãos. Depois do texto do autor Wilson (Op. Cit.), anos 80 até hoje, muitos outros exemplos de casos de antissemitismo poderiam ser citados. Por exemplo, o relatório da CONIB (Confederação Israelita do Brasil), de março de 2023, “... apurou casos de antissemitismo classificados em três frentes: antissemitismo entendido como racismo; nazismo e, por fim, negação/banalização do Holocausto” [7]. Os resultados da apuração são alarmantes e demonstram como o antissemitismo continua muito forte e atuante no Brasil.
Por que será que o mundo tem tanto ódio dos judeus (Israel)? Podemos considerar [8], como resumo, as razões a seguir:
Teoria Racial – os judeus são odiados porque são uma raça inferior.
Teoria Econômica – os judeus são odiados porque possuem muita riqueza e poder.
Teoria dos Estrangeiros – os judeus são odiados porque são diferentes de todos os outros.
Teoria do Bode Expiatório – os judeus são odiados porque são a causa de todos os problemas do mundo.
Teoria do Deicídio – os judeus são odiados porque mataram Jesus Cristo.
Teoria do Povo Escolhido – os judeus são odiados porque arrogantemente declaram que são os “escolhidos de Deus”.
Existe alguma verdade nessas teorias?
Em relação à teoria racial, a verdade é que os judeus não são uma raça. Qualquer pessoa no mundo de qualquer credo, cor ou raça pode se tornar um judeu.
A teoria econômica que cita que os judeus são ricos não é confiável. A história tem mostrado que, durante os séculos 17 – 20, especialmente na Polônia e na Rússia, os judeus eram desesperadamente pobres e tinham pouca, se alguma, influência em sistemas empresariais ou políticos.
Quanto à teoria dos estrangeiros, durante o século 18, os judeus tentaram desesperadamente se assimilar com o resto da Europa. Eles esperavam que a assimilação causaria o desaparecimento do antissemitismo. No entanto, foram odiados ainda mais por aqueles que afirmavam que os judeus contaminariam a sua raça com genes inferiores. Isso foi verdade especialmente na Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial.
Quanto à teoria do bode expiatório, o fato é que os judeus têm sempre sido odiados, o que os torna um alvo muito conveniente.
Quanto à ideia de deicídio, a Bíblia deixa claro que os romanos foram os que realmente mataram Jesus, embora os judeus tenham sido cúmplices. Não foi até algumas centenas de anos depois que os judeus foram citados como os assassinos de Jesus. É de se perguntar por que os romanos não são os odiados. O próprio Jesus perdoou os judeus (Lucas 23:34). Até o Vaticano absolveu os judeus da morte de Jesus em 1963. No entanto, nenhuma declaração tem diminuído o antissemitismo.
Quanto à sua pretensão de serem o "povo escolhido de Deus", os judeus na Alemanha rejeitaram a sua posição de "escolhidos" durante a última parte do século 19 para melhor assimilarem a cultura alemã. No entanto, sofreram o Holocausto. Hoje, alguns cristãos e muçulmanos afirmam ser o "povo escolhido" de Deus, no entanto, em grande parte, o mundo os tolera e ainda odeia os judeus.
Isso nos leva à verdadeira razão pela qual o mundo odeia os judeus. O apóstolo Paulo nos diz: "Porque eu mesmo desejaria ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne; os quais são israelitas, de quem é a adoção, e a glória, e os pactos, e a promulgação da lei, e o culto, e as promessas; de quem são os patriarcas; e de quem descende o Cristo segundo a carne, o qual é sobre todas as coisas, Deus bendito eternamente. Amém" (Romanos 9:3-5). A verdade é que o mundo odeia os judeus porque o mundo odeia a Deus. Os judeus eram o primogênito de Deus, o Seu povo escolhido (Deuteronômio 14:2). Através dos patriarcas judeus, dos profetas e do templo, Deus usou os judeus para trazer a Sua Palavra, a lei e a moral para um mundo de pecado. Ele enviou o Seu filho, Jesus, o Cristo, em um corpo judeu para redimir o mundo do pecado. Satanás, o príncipe da terra (João 14:30, Efésios 2:2), envenenou as mentes dos homens com o seu ódio pelos judeus. Veja Apocalipse 12 para uma representação alegórica do ódio de Satanás (o dragão) pela nação judaica (a mulher).
Satanás tem tentado exterminar os judeus através dos babilônios, persas, assírios, egípcios, hititas e os nazistas. Entretanto, ele tem falhado toda vez. Deus ainda tem um plano para Israel. Romanos 11:26 nos diz que um dia todo o Israel será salvo, e isso não pode acontecer se Israel não existir mais. Portanto, Deus vai preservar os judeus para o futuro, assim como Ele tem preservado a sua remanescente ao longo da história, até que Seu plano final venha a acontecer. Nada pode frustrar o plano de Deus para Israel e para o povo judeu.
Quero sugerir também o vídeo a seguir:
Notas / Referências bibliográficas:
[1] CUNHA, Martim Vasques. Como começou a relação sombria entre a esquerda e o antissemitismo. Imagem e texto – disponíveis em <Gazeta do Povo, 30/01/2023>.
[3] Patronímico “… (do grego πατρωνυμικός, πατήρ "pai" e ὄνομα, "nome") é um nome ou apelido de família (sobrenome) cuja origem encontra-se no nome do pai ou de um ascendente masculino. O uso do patronímico foi um procedimento muito comum em todas as comunidades humanas para distinguir um indivíduo dentro de seu grupo, no qual havia inúmeras pessoas com o mesmo prenome ("nome de batismo" ou "nome próprio")…” (Wikipedia).
[4] Marvin R. Wilson: Professor de Estudos Bíblicos. Gordon College, Wheaton, Illinois, EUA. O texto a seguir – Parte I: Antissemitismo –, na íntegra e com adaptações0 –, é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Apud. WILSON, M. R. Antissemitismo. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. I. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 86 a 88.
[5] Wilhelm Marr: “Conhecido como o pai do anti-semitismo moderno, Wilhelm Marr liderou a luta para derrubar a emancipação judaica na Alemanha… Era luterano (não judeu, como às vezes se afirmava), filho de uma famosa personalidade do teatro. Ele entrou na política como um revolucionário democrático que favoreceu a emancipação de todos os grupos oprimidos, incluindo os judeus. Envolveu-se com exilados de esquerda na Suíça, mas foi expulso do país em 1843… Voltou para a Alemanha, juntando-se à revolução de 1848 em Hamburgo. Ele ficou amargurado com o fracasso da revolução em democratizar a Alemanha e com sua própria sorte política em rápido declínio. Ele partiu por uma década para viver na América do Norte e Central. Quando ele voltou para Hamburgo, seus pontos de vista haviam mudado radicalmente e ele voltou seu veneno contra os judeus…”. Veja mais em: <https://www.jewishvirtuallibrary.org/wilhelm-marr>. Acesso em 15/08/2023.
[6] “O caso Dreyfus foi um equívoco do judiciário francês culminando em um escândalo político, ocorrido na última década do século XIX. O oficial de artilharia do exército francês, de origem judaica, Alfred Dreyfus, foi acusado de vender segredos militares a um adido alemão, já que o pano de fundo se trata da Guerra Francos-Prussiana. Sua condenação pautou-se em documentos falsos e o escritor Emile Zola, redigiu uma carta aberta ao presidente francês, publicada no jornal parisiense L’Aurore, acusando o exército de ter condenado um inocente de maneira falsa e deliberada… Sete anos depois, em 12 de julho de 1906, as três câmaras da Alta Corte de Apelação, novamente reunidas, anularam o veredito de Rennes. Opinou que não existia prova alguma contra o condenado e que, na verdade, ele fora condenado ‘por engano e injustamente’...” (SILVA, Cintia Rufino Franco. O caso Dreyfus, Émile Zola e a imprensa. Disponível em: <https://revistacontemporaneos.com.br/n11/dossie/Dossie4-dreifus.pdf>. Acesso em: 16/08/2023.
O Sr. Jones, da Fazenda Solar, tinha trancado os galinheiros como toda a noite, mas estava bêbado demais para se lembrar de fechar as portinholas laterais. Com o círculo de luz de sua lanterna dançando de um lado para o outro, ele se arrastou pelo pátio, tirou as botas na porta dos fundos da casa, encheu um último copo de cerveja no barril da copa e subiu para a cama, onde a Sra. Jones já estava roncando.
Assim que a luz
do quarto se apagou, houve uma agitação e um rebuliço em todas as
instalações da fazenda. Durante o dia, havia se espalhado a notícia
de que o velho Major, um porco da raça middle white
magnífico, tivera um sonho estranho na noite anterior e desejava
contá-lo aos outros animais. Todos combinaram que deveriam se
encontrar em segurança no grande celeiro assim que o Sr. Jones
estivesse fora do caminho. O velho Major (assim o chamavam, embora
seu nome de exibição fosse Beleza de Willingdon) gozava de tanto
respeito na fazenda que todos estavam prontos para perder uma hora de
sono a fim de ouvir o que ele tinha a dizer.
O Major já
estava acomodado sobre uma cama de palha em uma das extremidades do
grande celeiro, em cima de uma espécie de plataforma elevada sob uma
lanterna pendurada em uma viga. Ele tinha doze anos de idade e já se
encontrava bastante rechonchudo, mas ainda era um porco majestoso,
com uma aparência sábia e benevolente, apesar de suas presas nunca
terem sido cortadas. Em pouco tempo os outros animais começaram a
chegar e a se aconchegar, cada um à sua maneira. Primeiro vieram as
três cachorras, Lulu, Mimi e Pipa, e depois os porcos, que se
assentaram na palha imediatamente em frente à plataforma. As
galinhas se empoleiraram nos parapeitos das janelas, os pombos se
agitaram até as vigas, as ovelhas e as vacas se deitaram atrás dos
porcos, logo começando a ruminar.
Os dois cavalos
de carga, Golias e Esperança, entraram juntos, andando muito devagar
e pisando com seus cascos peludos com muito cuidado para não
machucar qualquer animal de pequeno porte que estivesse escondido na
palha. Esperança era uma égua de criação robusta que se
aproximava da meia-idade, sem ter recuperado a forma depois [de] seu
quarto potro. O Golias era uma besta enorme, com mais de um metro e
oitenta de altura, e tão forte quanto dois cavalos comuns juntos.
Uma faixa branca em seu nariz lhe dava um ar um pouco estúpido e, de
fato, ele não era tão inteligente assim, mas todos o respeitavam
por conta de sua firmeza de caráter e de seu imenso talento para o
trabalho. Depois dos cavalos vieram Muriel, uma cabra branca, e
Benjamin, um burro. Benjamin era o animal mais velho da fazenda, e o
mais mal-humorado. Raramente falava e, quando falava, geralmente era
para fazer algum comentário cínico – ele dizia, por exemplo, que
Deus lhe havia dado um rabo comprido para manter as moscas longe, mas
que ele preferia não ter nem o rabo, nem as moscas. Solitário entre
os animais da fazenda, nunca ria. Se lhe perguntassem por que, ele
diria que não via graça em nada. Entretanto, sem admitir
abertamente, dedicava algum tempo ao Golias. Os dois geralmente
passavam seus domingos juntos no pequeno cercado além do pomar,
pastando lado a lado sem falar nada. Os dois cavalos tinham acabado
de se deitar quando uma ninhada de patinhos, que haviam se perdido de
sua mãe, entrou no galpão, piando baixinho e vagando de um lado
para o outro para encontrar algum lugar onde não corriam riscos de
serem pisoteados. Esperança fez uma espécie de muro em torno deles
com sua longa pata dianteira, onde os patinhos se aninharam e logo
adormeceram. Mollie, a tola e linda égua branca que puxava a carroça
do Sr. Jones, chegou no último instante, trotando delicadamente e
mastigando um torrão de açúcar. Ela encontrou um lugar perto da
frente e começou a balançar sua crina branca, na esperança de
chamar a atenção para as fitas vermelhas que ornavam suas tranças.
Por último veio a gata, que, como sempre, procurou o lugar mais
quentinho e finalmente se espremeu entre Golias e Esperança; ela
ficou lá, ronronando durante todo o discurso de Major sem ouvir uma
palavra do que ele estava dizendo.
Agora todos os
animais estavam presentes, exceto Moisés, o corvo dócil que dormia
em um poleiro atrás da porta dos fundos. Quando Major viu que todos
eles estavam confortáveis e esperavam atentos, limpou a garganta e
começou:
“Camaradas,
vocês já ouviram falar do estranho sonho que eu tive ontem à
noite. Mas chegarei ao sonho mais tarde. Tenho algo mais importante
para dizer antes. Não creio, camaradas, que estarei com vocês por
muitos mais tempo e, antes de morrer, sinto o dever de
transmitir-lhes toda a sabedoria que adquiri. Tive uma vida longa e
muito tempo para pensar enquanto estava deitado sozinho em minha baia
e acho que posso dizer que compreendo a natureza da vida nesta terra,
assim como de qualquer animal que está vivo sobre ela agora. É
sobre isto que desejo falar com vocês.
“E qual é,
camaradas, a natureza desta nossa vida? Vamos encarar a verdade:
nossas vidas são miseráveis, laboriosas e curtas. Nascemos,
recebemos apenas a quantidade de comida necessária para manter nosso
corpo respirando e aqueles de nós que são capazes são forçados a
trabalhar até o último fio de nossas forças. No instante em que
nossa utilidade chega ao fim, somos massacrados com uma crueldade
hedionda. Nenhum animal da Inglaterra sabe o significado da
felicidade ou do lazer depois do primeiro ano de vida. Nenhum animal
da Inglaterra é livre. A vida de um animal é só miséria e
escravidão: essa é a simples verdade.
“Mas será que
isto faz parte da ordem da natureza? Será que isso acontece porque
nossa terra é tão pobre que não pode proporcionar uma vida decente
para aqueles que nela habitam? Não, camaradas, mil vezes não! O
solo da Inglaterra é fértil, seu clima é bom e capaz de fornecer
alimento em abundância a um número enormemente maior de animais do
que os que habitam nela hoje. Até mesmo a nossa fazenda seria capaz
de sustentar uma dúzia de cavalos, vinte vacas, centenas de ovelhas
– todos vivendo em um conforto e dignidade que agora estão quase
além da nossa imaginação. Por que então continuamos nesta
condição miserável? Porque quase todo o produto de nosso trabalho
é roubado de nós pelos seres humanos. Essa, camaradas, é a
resposta para todos os nossos problemas. Para resumir em uma palavra
– o Homem. O Homem é o único e verdadeiro inimigo que temos.
Basta remover o Homem de cena que o motivo primário da fome e do
excesso de trabalho será abolido para sempre.
“O Homem é a
única criatura que consome sem produzir. Ele não dá leite, não
põe ovos, é muito fraco para puxar o arado, não consegue correr
rápido o suficiente para pegar coelhos. No entanto, ele é senhor de
todos os animais. Põe todos para trabalhar e devolve apenas o mínimo
necessário para que não passemos fome. O resto ele guarda para si
mesmo. Nosso trabalho enche o solo, nosso esterco o fertiliza, e
ainda assim não há um de nós que possua mais do que sua própria
pele. As vacas que vejo diante de mim: quantos milhares de galões de
leite já deram neste último ano? E o que aconteceu com o leite que
deveria ter criado bezerros robustos? Cada uma das gotas desceu pela
garganta de nossos inimigos. E vocês galinhas, quantos ovos puseram
neste último ano e quantos desses ovos já chocaram? Os demais foram
todos para o mercado, para trazer dinheiro para Jones e seus homens.
E você, Esperança, onde estão aqueles quatro potros que você
carregou, que deveriam ser o apoio e o prazer de sua velhice? Cada um
deles foi vendido com um ano de idade – e você nunca mais verá
qualquer um novamente. O que você já ganhou em troca de quatro
partos e de todo seu trabalho nos campos, exceto suas rações secas
e uma baia?
“E mesmo essas
vidas miseráveis que levamos não têm permissão de chegar ao fim
em seu tempo natural. Não resmungo por mim, pois sou um dos
sortudos. Tenho doze anos de idade e tive mais de quatrocentos
filhos. Assim é a vida natural de um porco. Mas nenhum animal escapa
da cruel faca no final. Vocês, jovens porcos que estão sentados à
minha frente, cada um de vocês vai gritar por suas vidas dentro de
um ano. Esse horror eventualmente encontra todos nós – vacas,
porcos, galinhas, ovelhas, todos. Nem os cavalos e os cães têm um
destino melhor. Você, Golias, no mesmo dia em que esses seus grandes
músculos perderem seu poder, será vendido por Jones para o
abatedouro, onde vão cortar sua garganta e te transformar em comida
de cão de caça. Quando os cães estiverem velhos e sem dentes,
Jones amarrará um tijolo aos seus pescoços e os afogará na lagoa
mais próxima.
“Então não é
óbvio, camaradas, que todos os males desta nossa vida brotam da
tirania dos seres humanos? Livrem-se apenas do Homem, e os produtos
de nosso trabalho seriam nossos. Quase da noite para o dia poderíamos
ficar ricos e livres. O que devemos fazer? Trabalhar noite e dia, de
corpo e alma, para depor a raça humana! Esta é a minha mensagem
para vocês, camaradas: Revolução! Não sei quando essa
Revolução chegará, pode ser daqui a uma semana ou daqui a cem
anos, mas sei, tão certo quanto vejo esta palha debaixo dos meus
pés, que mais cedo ou mais tarde será feita justiça. Fixem seus
olhos nisso, camaradas, durante o tempo restante de suas vidas! E
acima de tudo, passem esta minha mensagem àqueles que vierem depois
de vocês, para que as gerações futuras continuem a luta até
encontrarem a vitória.
“E lembrem-se,
camaradas, seu ímpeto nunca deve vacilar. Nenhum argumento deve
levá-los ao engano. Nunca escutem quando lhes disserem que o Homem e
os animais têm interesses em comum, que a prosperidade de um é a
prosperidade dos outros. Tudo isso é mentira. O Homem não serve aos
interesses de nenhuma criatura, exceto dele mesmo. E entre nós,
animais, que haja perfeita unidade, perfeita camaradagem na luta.
Todos os Homens são inimigos. Todos os animais são camaradas”.
Neste momento,
houve um tremendo tumulto. Enquanto o Major falava, quatro grandes
ratos haviam saído de seus buracos e estavam sentados em seus
traseiros, ouvindo-o. Os cães de repente os viram e os ratos só se
salvaram porque correram de volta para seus buracos. O Major levantou
sua pata para pedir silêncio.
“Camaradas”,
disse ele, “aqui está um assunto que deve ser resolvido. As
criaturas selvagens, como ratos e coelhos, são nossos amigos ou
nossos inimigos? Vamos colocar o tema em votação. Proponho esta
pergunta para os reunidos:
Os ratos são
camaradas?” A votação foi realizada imediatamente, e foi acordado
por uma maioria esmagadora que os ratos eram camaradas. Havia apenas
quatro dissidentes, os três cães e a gata, que depois descobriu-se
que tinha votado de ambos os lados. O Major continuou: “Estou
chegando no fim da minha fala. Apenas repito, lembrem-se sempre de
seu dever de inimizade para com o Homem e seus costumes. O que quer
que ande sobre duas pernas é um inimigo. O que quer que ande sobre
quatro patas, ou que tenha asas, é um amigo. E lembrem-se também
que na luta contra os seres humanos, não devemos nos tornar
parecidos com eles. Mesmo quando o derrotarem, não adotem seus
vícios. Nenhum animal jamais deve viver em uma casa, dormir em uma
cama, usar roupas, beber álcool, fumar tabaco, usar dinheiro ou se
envolver em comércio. Todos os hábitos do Homem são maus. E, acima
de tudo, nenhum animal deve jamais tiranizar sobre sua própria
espécie. Fracos ou fortes, espertos ou simples, todos somos irmãos.
Nenhum animal deve jamais matar nenhum outro animal. Todos os animais
são iguais.
“E agora,
camaradas, vou lhes contar sobre meu sonho de ontem à noite. Não
sou capaz de descrever esse sonho para vocês. Foi um sonho de como a
Terra será quando o Homem tiver desaparecido. Mas isso me fez
lembrar de algo que há muito tempo eu havia esquecido. Há muitos
anos, quando eu era um porquinho, minha mãe e as outras porcas
costumavam cantar uma velha canção da qual só conheciam a melodia
e as três primeiras palavras. Eu já conhecia essa canção na minha
infância, mas há muito tempo ela havia se perdido na minha cabeça.
Na noite passada, no entanto, ela voltou para mim em meu sonho. E,
mais ainda, as palavras da canção também voltaram, tenho certeza,
palavras que foram cantadas pelos animais de muito tempo atrás e que
se perderam na memória por gerações. Agora vou cantar essa canção,
camaradas. Estou velho e minha voz está rouca, mas quando eu vos
ensinar a melodia, vocês poderão cantá-la melhor vocês mesmos.
Ela se chama ‘Animais da Inglaterra’”.
O velho Major
limpou a garganta e começou a cantar. Como ele havia dito, sua voz
era rouca, mas cantou suficientemente bem. Era uma melodia agitada,
algo entre ‘Clementine’ e ‘La Cucaracha’. As palavras
correram:
Animais da
Inglaterra e da Irlanda Animais daqui
ou de acolá Ouçam a
notícia de esperança Do notável
tempo que vir
Cedo ou tarde
o dia está chegando, Em que o
tirano cairá ao chão, E nos férteis
solos da Inglaterra Somente os
animais passearão.
Sem mais
argolas em nossas ventas, Sem novos
pesos a carregar, Freios e
esporas enferrujando E chicotes
sem mais estralar.
Com mais
fartura que em nossos sonhos: Trigo e
cevada, feno praiano, Aveia, feijão
e beterraba Serão o
nosso cotidiano.
Brilharão os
campos da Inglaterra, Com águas
das mais puras matizes, Mais doce
ainda serão suas brisas No momento em
que estivermos livres.
Lutemos todos
por esse dia Mesmo que ao
custo de nossa vida Vacas, perus,
porcos e cavalos É a
liberdade a nossa lida
Animais da
Inglaterra e da Irlanda Animais daqui
ou de acolá Ouçam a
notícia de esperança Do notável
tempo que virá
Cantar esta canção deixou os animais selvagemente excitados. Quase antes de Major ter chegado ao fim, eles já começaram a cantá-la sozinhos. Mesmo os menos espertos já haviam captado a melodia e algumas das palavras, enquanto os mais espertos, como os porcos e cães, tinham decorado a canção inteira em poucos minutos. E então, após algumas tentativas preliminares, toda a fazenda se pôs a cantar “Animais da Inglaterra” em uníssono. As vacas mugiram, os cães uivaram, as ovelhas baliram, os cavalos relincharam, os patos grasnaram. Eles ficaram tão encantados com a canção que a cantaram cinco vezes seguidas, e poderiam ter continuado cantando a noite toda se não tivessem sido interrompidos.
Infelizmente, o alvoroço despertou o Sr. Jones, que saltou da cama, certo de que havia uma raposa no pátio. Ele pegou a arma que sempre estava em um canto de seu quarto, e atirou para a escuridão. As balas se enterraram na parede do celeiro e a reunião se desfez rapidamente. Todos fugiram para seu próprio abrigo. Os pássaros saltaram para seus poleiros, os animais se assentaram na palha e, de repente, toda a fazenda estava dormindo.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Veja também o
vídeo a seguir:
Notas:
[1] George
Orwell:
“...escritor nascido em uma colônia inglesa na Índia, é
considerado um
dos mais importantes romancistas da vertente distópica da
literatura mundial, caracterizada pela narração de enredos em que
os personagens vivenciam situações em espaço e tempo futuros, nos
quais não há possibilidade para a utopia, ou seja, para o sonho e
para a esperança. Nessa linha, destacam-se suas duas obras-primas,
traduzidas para vários idiomas e transpostas para as telas do
cinema mais de uma vez: o romance A
revolução dos bichos,
publicado em 1945, e o romance 1984,
publicado em 1949.” Veja mais aqui.
[2] O
que diz o livro Revolução
dos Bichos?
“O
conhecido livro do inglês George Orwell, A
Revolução dos Bichos
(1945), é um dos legados atemporais mais importantes que escritores
do século passado nos deixaram. Na obra, Orwell faz uma crítica ao
stalinismo. Então socialista, o inglês – nascido na Índia
durante o domínio britânico – se desilude com a ideologia ao ver
o totalitarismo soviético e satiriza o sucessor de Lênin. Na
alegoria, o autor apresenta uma revolução idealizada por um porco,
o Major (que pode representar tanto Marx como Lênin), que convoca
os bichos da granja em que vive a expulsar seu proprietário, o
humano Sr. Jones (que seria Nicolau II, imperador do Czar). Porco
Major morre em seguida e dois outros suínos tomam a frente:
Napoleão (representando Stálin) e Bola de Neve (que seria
Trotski).A
estória segue o roteiro soviético… Napoleão expurga Bola de
Neve, deturpa as leis a seu favor e se torna um ditador. Os demais
bichos (galinhas, gado, cavalo…) se rendem à autocracia sem
questionar, de forma passiva. Cada vez trabalham mais,
exaustivamente e com alimento controlado; enquanto isso, Napoleão
toma posse das dependências do Sr. Jones, agindo, portanto, de
forma mais exploradora e cruel que o antigo chefe. A ironia está no
fato de que a máxima da revolução era ‘duas pernas/patas mau’
– referindo-se a seres humanos”. Leia mais em: Rodrigo
Constantino – Gazeta
do Povo.com.
[3] ORWELL,
George. Revolução
dos Bichos.
Gazeta do Povo. Capítulo
I, pág.
2
a 15. Veja o livro completo aqui.
Durante todo o
ano, os animais trabalharam como escravos. Mas eles eram felizes
trabalhando; não se opunham a fazer nenhum esforço ou sacrifício,
conscientes de que tudo o que faziam era em benefício próprio e
daqueles de sua espécie que ainda nasceriam, e não em benefício de
um bando de seres humanos ociosos e ladrões.
Durante
a primavera e o verão eles trabalharam sessenta horas por semana e
em agosto Napoleão anunciou que trabalhariam também nas tardes de
domingo. Este trabalho era estritamente voluntário, mas qualquer
animal que se ausentasse teria sua ração reduzida pela metade.
Mesmo assim, precisaram abrir mão de certas tarefas. A colheita não
foi tão bem sucedida quanto no ano anterior, e dois campos que
deveriam ter sido semeados com raízes no início do verão não
foram porque a terra não fora arada a tempo. Já dava para prever
que o inverno seria bem difícil.
O
moinho de vento apresentou muitas dificuldades inesperadas. Havia uma
boa pedreira de calcário na fazenda, e tinham encontrado muita areia
e cimento em um dos galpões, de modo que todos os materiais para a
construção estavam à mão. Mas o problema que os animais não
conseguiam resolver a princípio era como quebrar a pedra em pedaços
de tamanho adequado. Não parecia haver maneira de fazer isso, exceto
com picaretas e pés-de-cabra, que nenhum animal conseguia usar, pois
nenhum animal ficava de pé em suas patas traseiras. Foi somente
depois de semanas de esforço em vão que uma boa ideia ocorreu a
alguém – usar a força da gravidade. Grandes rochas, grandes
demais para serem usadas como eram, estavam espalhadas por todo o
leito da pedreira. Os animais amarravam cordas ao redor delas e então
puxavam com uma lentidão desesperadora, todos juntos, vacas,
cavalos, ovelhas e qualquer outro animal que pudesse segurar a corda
– até mesmo os porcos se juntavam em momentos críticos – até o
topo da pedreira, de onde as pedras eram derrubadas para se
despedaçarem em pedaços menores abaixo. Transportar a pedra depois
de quebrada era relativamente simples. Os cavalos as carregavam em
carroças, as ovelhas arrastavam uma por uma, e até mesmo Muriel e
Benjamin usavam uma charrete velha e faziam sua parte. Até o final
do verão acumularam um estoque suficiente de pedras e então a
construção começou, sob a supervisão dos porcos.
Mas
foi um processo lento e laborioso. Frequentemente era necessário um
dia inteiro de esforço exaustivo para conseguirem arrastar uma única
pedra até o topo da pedreira, e nem sempre elas quebravam quando
caiam. Eles nunca teriam conseguido sem o Golias, cuja força parecia
igual à de todos os outros animais juntos. Quando as pedras
começaram a escorregar encosta abaixo e os animais gritavam
desesperados ao se verem arrastados pela colina, era sempre ele que
fazia força para segurar a corda e conseguia parar a pedra. Vê-lo
trabalhar na encosta, subindo de pouco a pouco, com a respiração
rápida, as pontas de seus cascos o segurando no chão e seus grandes
flancos cheios de suor, deixava todos admirados. Esperança o
advertiu algumas vezes para não se esforçar demais, mas Golias
nunca a ouvia. Seus dois lemas, “Vou trabalhar mais” e “Napoleão
está sempre certo”, pareciam-lhe uma resposta suficiente para
todos os problemas. Tinha feito arranjos com o galo para ser acordado
três quartos de hora mais cedo de manhã, ao invés de meia hora. E
em seus momentos de lazer, tão raros hoje em dia, ele ia sozinho à
pedreira, recolhia um carregamento de pedras quebradas e arrastava
até o local de construção do moinho sem nenhuma ajuda.
O
verão não foi tão ruim assim para os animais, apesar do trabalho
duro. Se não tinham mais comida do que tinham nos dias de Jones,
pelo menos não tinham menos. A vantagem de só ter que se alimentar
e não ter que suportar cinco seres humanos extravagantes também era
tão grande que os fracassos compensavam. E em muitos aspectos, o
método animal de fazer as coisas era mais eficiente e poupava
trabalho. Trabalhos como capinar, por exemplo, podiam ser feitos com
uma minuciosidade impossível para os seres humanos. E novamente,
como nenhum animal roubava agora, era desnecessário cercar o pasto
da terra arável, o que poupava muito trabalho na manutenção de
cercas e portões. No entanto, com o passar do verão, a escassez
imprevista de algumas coisas começaram a ser percebidas. Havia
necessidade de óleo de parafina, pregos, cordel, biscoitos para cães
e ferraduras para os cavalos, todos itens que não poderiam ser
produzidos na fazenda. Mais tarde haveria também necessidade de
sementes e adubos artificiais, além de várias ferramentas e,
finalmente, a maquinaria para o moinho de vento. Como estas seriam
adquiridas, ninguém conseguia imaginar.
Numa
manhã de domingo, quando os animais se reuniram para receber suas
instruções, Napoleão anunciou que havia adotado uma nova política.
A partir de agora, a Fazenda dos Animais se dedicaria ao comércio
com as fazendas vizinhas: não, é claro, para qualquer propósito
comercial, mas simplesmente para obter certos materiais que eram
urgentemente necessários. As necessidades do moinho de vento devem
se sobrepor a tudo o resto, disse ele. Ele estava, portanto, tomando
providências para vender uma pilha de feno e parte da safra de trigo
do ano corrente, e mais tarde, se mais dinheiro fosse necessário,
eles teriam que vender ovos, sempre muito requisitados em Willingdon.
As galinhas, disse Napoleão, deveriam acolher este sacrifício como
sua própria contribuição especial para a construção do moinho de
vento.
Mais
uma vez os animais estavam conscientes de um vago mal-estar. Não
tratar com seres humanos, não fazer comércio, não usar dinheiro –
não foram estas as primeiras resoluções aprovadas naquela reunião
triunfante depois da expulsão de Jones? Todos os animais se
lembravam de ter aprovado tais resoluções: ou pelo menos pensavam
que se lembravam disso. Os quatro jovens porcos que haviam protestado
quando Napoleão aboliu as Reuniões levantaram timidamente suas
vozes, mas foram prontamente silenciados por um tremendo rosnado dos
cães. Então, como de costume, as ovelhas gritaram “Quatro patas
bom, duas patas ruim!” e o constrangimento momentâneo foi
suavizado. Finalmente, Napoleão levantou sua pata para pedir
silêncio e anunciou que já havia feito todos os arranjos. Não
haveria necessidade dos animais entrarem em contato com seres
humanos, o que seria claramente indesejável. Ele pretendia assumir
todo o fardo sobre seus próprios ombros. Um tal de Sr. Whymper, um
advogado residente em Willingdon, tinha concordado em agir como
intermediário entre a Fazenda dos Animais e o mundo exterior, e
visitaria a fazenda toda segunda-feira de manhã para receber suas
instruções. Napoleão terminou seu discurso com seu habitual grito
de “Viva a Fazenda dos Animais!” e após o canto de “Animais da
Inglaterra”, os animais foram dispensados.
Em
seguida, Berro fez uma ronda na fazenda e acalmou a mente dos
animais. Ele lhes assegurou que a resolução contra o comércio e o
uso de dinheiro nunca havia sido aprovada, ou mesmo sugerida. Era
pura imaginação, provavelmente originada nas mentiras circuladas
por Bola de Neve. Alguns animais ainda se sentiam um pouco duvidosos,
mas Berro lhes perguntou com astúcia: “Vocês têm certeza de que
isto não é algo que vocês sonharam, camaradas? Vocês têm algum
registro de tal resolução? Está escrito em algum lugar?” E como
certamente era verdade que nada do tipo existia por escrito, os
animais estavam satisfeitos com a explicação que tinham se
equivocado.
Toda
segunda-feira, o Sr. Whymper visitava a fazenda como havia sido
combinado. Ele era um homenzinho de aparência manhosa com bigodes
laterais, um despachante de negócios pequenos, mas afiado o
suficiente para ter percebido antes de qualquer outro que a Fazenda
dos Animais precisaria de um corretor e que valeria a pena ter as
comissões. Os animais observavam suas idas e vindas com uma espécie
de pavor, e o evitavam o máximo possível. No entanto, a visão de
Napoleão, de quatro, entregando ordens à Whymper, que estava de pé,
em duas pernas, despertou seu orgulho e os reconciliou parcialmente
com o novo arranjo. Suas relações com a raça humana agora não
eram exatamente as mesmas que eram antes. Os seres humanos não
odiavam menos a Fazenda dos Animais agora que ela estava prosperando;
de fato, eles odiavam-na mais do que nunca. Todo ser humano tinha fé
que a fazenda iria à falência mais cedo ou mais tarde, e, acima de
tudo, que o moinho seria um fracasso. Eles se reuniam nos bares e
provavam uns aos outros por meio de diagramas que o moinho estava
destinado a cair ou, que se ele se mantivesse em pé, nunca
funcionaria. No entanto, contra sua vontade, eles tinham desenvolvido
um certo respeito pela eficiência com que os animais estavam
administrando seus próprios negócios. Um sintoma disso foi que eles
começaram a chamar a Fazenda dos Animais pelo nome próprio e
deixaram de fingir que ela se chamava Fazenda Solar. Eles também
haviam abandonado a simpatia a Jones, que havia perdido a esperança
de ter sua fazenda de volta e ido morar em outra parte do condado.
Exceto por Whymper, ainda não havia contato entre a Fazenda dos
Animais e o mundo exterior, mas havia constantes rumores de que
Napoleão estava prestes a firmar um acordo comercial definitivo com
o Sr. Pilkington de Foxwood ou com o Sr. Frederick de Pinchfield –
mas nunca, como se notou, com ambos simultaneamente.
Foi
mais ou menos nessa época que os porcos se mudaram de repente para a
casa da fazenda e passaram a morar lá. Os animais pareciam se
lembrar novamente que uma resolução contra isto havia sido aprovada
nos primeiros dias, e novamente Berro conseguiu convencê-los de que
este não era o caso. Era absolutamente necessário, disse ele, que
os porcos, os cérebros da fazenda, tivessem um lugar tranquilo para
trabalhar. Também era mais adequado à dignidade do Líder (pois,
nos últimos tempos, ele havia começado a se referir a Napoleão
como “Líder”) viver em uma casa do que em uma simples pocilga.
No entanto, alguns dos animais ficaram perturbados quando souberam
que os porcos não só comiam suas refeições na cozinha e usavam a
sala de visitas como sala de recreação, mas também dormiam nas
camas. Golias se acalmou com o “Napoleão está sempre certo!”,
como sempre, mas Esperança, que achava que se lembrava de uma
decisão definitiva contra as camas, foi até o final do celeiro e
tentou decifrar os Sete Mandamentos que estavam inscritos ali. Não
conseguindo ler mais do que algumas letras específicas, ela foi
buscar Muriel.
“Muriel”,
disse ela, “leia para mim o Quarto Mandamento. Não diz algo sobre
nunca dormir em uma cama?”.
Muriel
leu com alguma dificuldade. “Diz: ‘Nenhum animal deve dormir em
uma cama com lençóis’”, ela anunciou finalmente.
Curiosamente,
Esperança não se lembrava do Quarto Mandamento mencionar lençóis;
mas como estava ali na parede, devia ser assim. E Berro, que por
acaso estava passando por ali neste momento, acompanhado por dois ou
três cães, foi capaz de colocar todo o assunto em perspectiva.
“Vocês
ouviram então, camaradas”, disse ele, “que nós porcos agora
dormimos nas camas da fazenda? E por que não? Vocês não supuseram,
certamente, que alguma vez houve uma decisão contra as camas? Uma
cama significa apenas um lugar para dormir. Uma pilha de palha em uma
baia é uma cama, quando se para para pensar. A regra era contra os
lençóis, que são uma invenção humana. Tiramos os lençóis das
camas da fazenda, e dormimos entre cobertores. E olha, são camas
muito confortáveis! Mas não mais confortáveis do que precisamos,
posso dizer-lhes, camaradas, com todo o trabalho intelectual que
temos que fazer hoje em dia. Vocês não nos roubariam o nosso
descanso, não é, camaradas? Vocês não deixariam que ficássemos
cansados demais para cumprir nossas obrigações? Com certeza nenhum
de vocês deseja ver Jones de volta, não é?”
Os
animais confirmaram imediatamente que não, não queriam, e não se
falou mais nada sobre os porcos dormindo nas camas da fazenda. E
quando, alguns dias depois, foi anunciado que a partir de agora os
porcos se levantariam uma hora mais tarde pela manhã do que os
outros animais, ninguém reclamou.
No
outono, os animais estavam cansados, mas felizes. Eles tinham tido um
ano difícil, e após a venda de parte do feno e do milho, o estoque
de alimentos para o inverno não era abundante, mas o moinho de vento
compensava tudo. Agora a construção estava quase na metade. Após a
colheita, houve um período de tempo claro e seco e os animais
trabalhavam mais do que nunca, achando que valia a pena arrastar
blocos de pedra o dia inteiro se ao fazer isso eles pudessem levantar
mais um pouco as paredes da construção. Golias até saía à noite
e trabalhava por uma ou duas horas sozinho à luz da lua cheia. Em
seu tempo livre, os animais andavam em volta do moinho semipronto,
admirando a força e perpendicularidade de suas paredes e
maravilhando-se com o fato de que foram capazes de construir algo tão
imponente. Apenas o velho Benjamin se recusava a ficar entusiasmado
com o moinho, embora, como de costume, ele não dissesse nada além
do comentário misterioso de que os burros vivem muito tempo.
Chegou
o mês de novembro, com os ventos raivosos do sudoeste. A construção
teve que parar porque agora estava muito úmido para misturar o
cimento. Finalmente chegou uma noite em que o vendaval foi tão
violento que as instalações da fazenda balançaram sobre suas
fundações e várias telhas foram arrancadas do telhado do celeiro.
As galinhas despertaram em terror porque todas haviam sonhado
simultaneamente que ouviam uma arma disparar ao longe. Pela manhã,
os animais saíram de suas baias para descobrir que o mastro da
bandeira havia sido derrubado e um olmo no pé do pomar havia sido
arrancado como se fosse um rabanete. Eles tinham acabado de perceber
isso quando um grito de desespero saiu da garganta de cada um dos
animais. Todos viram algo terrível. O moinho de vento estava em
ruínas.
Eles
se precipitaram rapidamente para o local. Napoleão, que quase nunca
saía para caminhar, correu à frente de todos eles. Sim, lá estava
o moinho, fruto de todas as suas lutas, levado às suas fundações;
as pedras que haviam quebrado e carregado tão laboriosamente estavam
espalhadas por toda parte. Incapazes de falar a princípio, eles
ficaram olhando em luto para o monte de pedras caídas. Napoleão
andava de um lado para o outro em silêncio, ocasionalmente cheirando
o chão. Sua cauda se enrijeceu, se torcendo bruscamente de um lado
para o outro, sinal de intensa atividade mental. De repente, ele
parou, como se tivesse tomado uma decisão.
“Camaradas”,
disse ele silenciosamente, “vocês sabem quem é o responsável por
isto? Vocês sabem quem é o inimigo que veio na noite e derrubou
nosso moinho de vento? BOLA DE NEVE!” ele bramiu repentinamente com
uma voz de trovão. “Bola de Neve fez isto! Em pura maldade,
pensando em atrasar nossos planos e vingar-se de sua desonrosa
expulsão, este traidor rastejou até aqui sob a cobertura da noite e
destruiu nosso trabalho de quase um ano. Camaradas, aqui e agora eu
pronuncio a sentença de morte de Bola de Neve. Ofereço uma ordem
‘Herói Animal, Segunda Classe’ e meio alqueire de maçãs a
qualquer animal que o leve à justiça. Um alqueire cheio para
qualquer um que o capturar com vida”!
Os
animais ficaram mais do que chocados ao saber que Bola de Neve
poderia ser culpado de tal ação. Houve um grito de indignação e
todos começaram a pensar em maneiras de capturar o Bola de Neve se
ele voltasse algum dia. Quase imediatamente as pegadas de um porco
foram descobertas na grama a uma pequena distância do monte. Elas só
podiam ser rastreadas por alguns metros, mas pareciam levar a um
buraco na sebe. Napoleão farejou profundamente a região e
pronunciou que as pegadas eram de Bola de Neve. E afirmou que, na sua
opinião, Bola de Neve provavelmente tinha vindo da direção da
Fazenda Foxwood.
“Chega
de atrasos, camaradas!” gritou Napoleão quando as pegadas haviam
sido examinadas. “Há trabalho a ser feito. Vamos começar a
reconstruir o moinho de vento nesta manhã mesmo e vamos construir
durante todo o inverno, chuva ou sol. Vamos ensinar a este miserável
traidor que ele não pode desfazer nosso trabalho tão facilmente.
Lembrem-se, camaradas, não deve haver alteração em nossos planos:
eles devem ser realizados no prazo. Avante, camaradas! Viva o moinho
de vento! Viva a Fazenda dos Animais”!
-
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Veja
o vídeo sobre a leitura do capítulo VI a seguir:
Notas:
[1] George Orwell: “...escritor nascido em uma colônia inglesa na Índia, é considerado um dos mais importantes romancistas da vertente distópica da literatura mundial, caracterizada pela narração de enredos em que os personagens vivenciam situações em espaço e tempo futuros, nos quais não há possibilidade para a utopia, ou seja, para o sonho e para a esperança. Nessa linha, destacam-se suas duas obras-primas, traduzidas para vários idiomas e transpostas para as telas do cinema mais de uma vez: o romance A revolução dos bichos, publicado em 1945, e o romance 1984, publicado em 1949.” Veja mais aqui.
[2] O que diz o livro Revolução dos Bichos? “O conhecido livro do inglês George Orwell, A Revolução dos Bichos (1945), é um dos legados atemporais mais importantes que escritores do século passado nos deixaram. Na obra, Orwell faz uma crítica ao stalinismo. Então socialista, o inglês – nascido na Índia durante o domínio britânico – se desilude com a ideologia ao ver o totalitarismo soviético e satiriza o sucessor de Lênin. Na alegoria, o autor apresenta uma revolução idealizada por um porco, o Major (que pode representar tanto Marx como Lênin), que convoca os bichos da granja em que vive a expulsar seu proprietário, o humano Sr. Jones (que seria Nicolau II, imperador do Czar). Porco Major morre em seguida e dois outros suínos tomam a frente: Napoleão (representando Stálin) e Bola de Neve (que seria Trotski).A estória segue o roteiro soviético… Napoleão expurga Bola de Neve, deturpa as leis a seu favor e se torna um ditador. Os demais bichos (galinhas, gado, cavalo…) se rendem à autocracia sem questionar, de forma passiva. Cada vez trabalham mais, exaustivamente e com alimento controlado; enquanto isso, Napoleão toma posse das dependências do Sr. Jones, agindo, portanto, de forma mais exploradora e cruel que o antigo chefe. A ironia está no fato de que a máxima da revolução era ‘duas pernas/patas mau’ – referindo-se a seres humanos”. Leia mais em: Rodrigo Constantino – Gazeta do Povo.com.
[3] ORWELL, George.Revolução dos Bichos. Gazeta do Povo.Capítulo VI, pág. 71 a 84. Veja o livro completoaqui.