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10 julho 2024

Empirismo: algumas considerações filosófico-teológicas

Por: Alcides Amorim


Já escrevi alguns posts sobre o racionalismo, corrente de pensamento que se desenvolveu na Europa continental, e fiz algumas observações filosófico-teológicas sobre os principais racionalistas: Descartes, Spinoza, Leibniz e Pascal. Agora, queremos escrever um pouco também sobre o empirismo, movimento que se desenvolveu na Grã-Bretanha (Reno Unido): Locke (Inglês), Berkeley (irlandês) e Hume (escocês).

O que diferenciava racionalistas e empiristas, eram as ideias inatas, defendidas pelos primeiros. Para os racionalistas, as ideias inatas são aquelas que são os verdadeiros atributos da mente humana, que foram dadas à mente por Deus. Sendo assim essas ideias "puras” são conhecidas a prori por todos os seres humanos e, portanto, são cridas por todos. Elas eram de importância decisiva para os racionalistas, de modo que usualmente se sustinha que essas ideias eram a condição prévia para a aprendizagem de fatos adicionais. Os empiristas, ao contrário, argumentavam que o conteúdo das ideias chamadas inatas na verdade era aprendido através da experiência das pessoas, embora elas talvez tenham refletido pouco sobre isso. Dessa maneira, aprendemos vastas quantidades de conhecimento através da nossa família, educação e sociedade, que surge bem cedo na vida e que não pode ser contado como inato.

Em especial, os empiristas do século XVIII preocupavam-se principalmente com os problemas do conhecimento. Em contraste com os racionalistas que procuravam erigir sistemas filosóficos por meio de raciocinar com base em verdades alegadamente evidentes em si mesmas, os empiristas ressaltavam o papel que a experiência desempenhava no conhecimento. Argumentavam que não temos ideia alguma senão aquelas que derivam da experiência que vem a nós através dos sentidos. Declarações (a não ser aquelas da lógica pura) somente podem ser conhecidas como sendo verdadeiras ou falsas por meio de testá-las na experiência.

Teologicamente falando, podemos afirmar que os racionalistas não eram agnósticos, céticos ou ateus, embora não alinhado com o verdadeiro ensino das Escrituras. Mas dos empiristas pode-se dizer o mesmo? Vejamos:

Bem, Colin Brown [1] entende que não “… seria correto estigmatizar o movimento como sendo inflexivelmente agnóstico”. Hume era um cético, enquanto Locke era um homem de fé sincera e Berkeley era um bispo anglicano. “Mesmo assim, pensa-se geralmente que o movimento fez uma contribuição considerável ao avanço geral do agnosticismo moderno...”, Na verdade, aplicar o método experimental mesmo em matéria de fé, não necessariamente torna a pessoa um agnóstico ou ateu. Entendemos que é possível ser empirista e cristão ao mesmo tempo.

Teologicamente, porém, é necessário fazer algumas ponderações entre empirismo e fé cristã. David A. Rausch [2] afirma que o problema radical com qualquer forma de empirismo é o do relacionamento entre qualquer exposição concernente à experiência e os dados fatuais ou empíricos. Envolve o relacionamento entre experiências e os “significados” pelos quais as experiências podem ser conceptualizadas, articuladas e comunicadas. Visto poder haver uma variedade de interpretações daquilo que se constitui uma experiência, qualquer apelo à experiência como o único árbitro do significado e da relevância é problemático. Semelhante apelo depende totalmente de qual interpretação da experiência a pessoa aplica. Este problema destacou-se especialmente quando os positivistas lógicos procuravam construir uma abordagem unificada para todas as áreas do conhecimento e da ciência. Esta tentativa fracassou, porque os positivistas lógicos não conseguiram impedir que as interpretações teóricas entrassem na sua linguagem de "observação".

O empirismo tem sido aplicado à teologia de várias maneiras. Hume acreditava que se devia estudar a religião de modo científico, porque nada havia de único e sem igual na experiência religiosa. Friedrich Schleiermacher, por outro lado, acreditava que a experiência religiosa era sem igual, e cria que a teologia somente poderia fornecer símbolos para descrever a grande diversidade de experiências religiosas do homem. Cada homem, portanto, precisa ter uma descrição particular dos seus sentimentos, uma teologia individual. Algumas pessoas sugeririam que Schleiermacher é a fonte de todas as teorias da "experiência religiosa" que estão em voga hoje. Os teólogos liberais do fim do século XIX e do início do século XX aplicaram à religião o método científico, procurando reconstruir a fé cristã de acordo com as conclusões "modernas" da ciência. Por isso, um modo cristão apropriado de compreender o mundo e o seu progresso exigiria o método empírico. Este desejo de harmonizar a fé cristã com o método empírico da ciência não é meramente um fenômeno liberal moderno, mas também pode ser achado nas teologias naturais do século XVIII de escritores conservadores, tais como William Paley e Bispo Butler. Alguns conservadores modernos, tais como John Warwick Montgomery, têm continuado esta tendência.

Para concluir, deixo o vídeo (veja este link) do Pr. Anderson Porto, que refuta biblicamente o empirismo. Este nega a fé ao defender que todo o “conhecimento resulta da experiência, das sensações, dos sentidos…”. Neste sentido, Tomé, apóstolo de Cristo, era também um empirista, pois só acreditava no que via e no que suas mãos tocassem. Mas a fé vai além da experiência, daquilo que é palpável…

E oito dias depois estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja convosco. Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. E Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram (João 20.26-29).



Notas / Referências bibliográficas:

  • [1BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 44.

  • [2] RAUSCH, David A. Empirismo, Teologia Empírica. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 20 e 21.


02 julho 2024

Bispos e Papas: (8) Higino

 Por Alcides Amorim 

Bispo Higino [1]


Prosseguindo nossa série de estudos sobre os bispos romanos listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica [2], veremos resumidamente neste post, sobre o 8º bispo: Higino.

Eusébio (5, VI) afirma que depois que Telésforo, “… sofreu glorioso martírio”, veio Higino. E assim, como Telésforo, Higino é chamado de Papa e/ou Santo Higino nos escritos católicos. Quando ele exerceu seu bispado? Eusébio (4, X) afirma que o imperador romano Antonino Pio sucedeu Adriano em seu no vigésimo primeiro ano do reinado deste último. Na lista dos imperadores descrita aqui [3], Antonino Pio começou a governar em 138 e no primeiro ano de seu reinado (138 ou 139?), morreu Telésforo, sendo sucedido por Higino. Como esta fonte [4] coloca crédito no Liber Pontificalis (L.P.) [5] que fixa o tempo de governo de Higino em 4 anos e que ele morreu em 142, deduz-se que seu governo foi entre 138 e 142.

Destacamos a seguir, um breve compilado extraído destas fontes: Papa Santo Higino [6] e Papa Higino[7]:

Bispo Higino, Papa Higino ou ainda Santo Higino:

  • Era chamado filósofo de origem ateniense, portanto, de origem grega.

  • Durante seu breve pontificado, os ataques dos pagãos haviam diminuído e a Igreja se viu ameaçada pela proliferação de seitas heréticas.

  • Uma destas seitas era o gnosticismo – mistura de doutrinas e práticas religiosas com filosofia e mistérios – espalhada por Valentim e Cerdão, os quais foram excomungados por Higino, contando com a ajuda do filósofo São Justino.

O gnosticismo, uma das ameaças à unidade da igreja no segundo século, era resultado da mistura da religião helenística com o cristianismo. Os gregos cristãos, ou cristianizados, buscavam sabedoria (1Co 1.22) e nesta tentativa de conciliarem a “gnosis” com as doutrinas cristãs, pendiam-se, muitas vezes, para a heresia. No segundo século, como o gnosticismo, elementos com especulações místicas e cosmológicas sobre a doutrina da salvação, dualismo entre o mundo do espirito e o mundo material e até o ascetismo ou a libertinagem, negavam ou confundiam as principais doutrinas cristãs, como a criação, a encarnação, a ressurreição e outras. Desta forma, o gnosticismo precisava ser entendido, para ser evitado, assim como também o seu antídoto, o verdadeiro conhecimento das verdades cristãs. Estas deviam ser bem estudadas, ensinadas, cridas, aceitas e praticadas. Márciom (ou Marcião), o principal herege deste momento, procurava combinar elementos contrários ao mundo material e ao judaísmo. Pensava que este mundo era mau, e que seu criador devia ser um deus, se não mau, pelo menos ignorante. Em lugar de inventar toda uma série de seres espirituais, ao estilo dos gnósticos, o que Márcio propôs era muito mais simples. Segundo ele, o Deus do novo Testamento e Pai de Jesus Cristo não é o mesmo Jeová do Antigo Testamento. Há um Deus supremo, que é o Pai de Jesus Cristo, e um ser inferior, que é Jeová. Foi Jeová que fez este mundo (…). Mas Jeová, seja por ignorância ou por maldade, fez este mundo, e nele colocou a humanidade. (…) Jeová é um deus ciumento e arbitrário, que escolhe um povo acima dos demais, e que está constantemente conferindo a conta de quem o desobedece para tomar vingança. Em uma palavra, Jeová é um Deus de justiça [8].

  • Higino mexeu nas estruturas hierárquicas e na cerimônia do batismo; instituiu as ordens menores para melhorar o serviço da Igreja e preparação do sacerdócio.
  • Parece que se deve a ele a instituição de padrinhos no batismo.

  • Não se tem certeza de que ele tenha sofrido o martírio e que foi santo por outros méritos.


Quero, para finalizar, destacar um vídeo do Reverendo Augustus Nicodemus, sobre


Notas / Referências bibliográficas:

  • [2] Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Telésforo é o número 7 da lista...
  • [6Ver Nota 4.

26 junho 2024

Bispos e Papas: (7) Telésforo

Por  Alcides Amorim

Bispo Telésforo [1]


Até aqui, nesta série de estudos sobre os bispos romanos listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica, já vimos, os bispos Lino, Anacleto, Clemente de Roma, Evaristo, Alexandre I e Sixto. Agora, veremos resumidamente sobre o 7º bispo: Telésforo.

Depois do sexto bispo de Roma, Sixto, na lista de Eusébio (5, VI), aparece como seu sucessor o bispo “Telésforo, que também sofreu glorioso martírio”. E foi o “sétimo em sucessão desde os apóstolos”.

Quando Telésforo iniciou seu bispado? Segundo Eusébio (4, V), foi no décimo segundo ano do reinado de Adriano e quando Sixto havia cumprido seu décimo ano no seu episcopado de Roma.

Telésforo é chamado, além de Bispo, por Eusébio, também de Papa e Santo Telésforo nos escritos católicos. O que destacaremos a seguir, é um breve compilado extraído destas fontes: Ucatholic [2] e Portal São Francisco [3].

O Bispo Telésforo ou Papa Teléforo ou ainda Santo Telésforo:

  • Viveu entre 125 e 138 (site Ucatholic) ou entre 125 a 136 (site Portal São Francisco).

  • Foi, originalmente, um anacoreta (monge) grego.

  • Como bispo, enfrentou conflitos com as comunidades não cristãs.

  • Deve-se a ele as contribuições nas missas sobre:

- observância da Quaresma; 

- celebração da Missa de Natal (durante a noite): celebrações natalinas; 

- instituição de um jejum de sete semanas antes da Páscoa. 

- decreto de que o hino “Glória in Excelsis” fosse cantado exclusivamente durante a Missa de Natal.

  • Sofreu o martírio.

  • Foi substituído, após seu martírio, por São Higino (136-140), conforme afirma o Portal São Francisco.

Quero, para finalizar, destacar uma doutrina cristã, a Quaresma, que foi inicialmente instituída pelo Bispo Telésforo, em forma de pergunta: um evangélico pode participar da quaresma [4]?, respondida no vídeo, cujo link vai a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=DSU6HuzIEAk.



Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Telésforo é o número 7 da lista...

18 junho 2024

Marxismo e Fé cristã: dialética

Por: Alcides Amorim



A palavra dialética, conforme costuma-se definir no campo da Filosofia, significa o "caminho entre as ideias" e “… consiste em um método de busca pelo conhecimento baseado na arte do diálogo. É desenvolvida a partir de ideias e conceitos distintos e que tendem a convergir para um conhecimento seguro” [1]. Este “conhecimento seguro” só será possível após diversos diálogos, incluindo os prós e os contras, discussões gerais e finalmente, a chegada a um consenso ou essência do saber do objeto ou ideia em questão. Mas longe de dar um veredito final ao resultado do objeto estudado, a dialética propõe “... um modo de pensar que, ao privilegiar as contradições da realidade, permite que o sujeito se compreenda como agente e colaborador do processo de transformação constante através do qual todas as coisas existem…” (KONDER: 1998)[2].

A dialética, que teve sua origem na Grécia Antiga, ou com Zenão de Eleia (c. 490-430 a.C.) ou com Sócrates (469-399 a.C.), tem estado a serviço da Filosofia na Antiguidade, Idade Média, Moderna e Contemporânea. Para os objetivos deste post, fixamos apenas nos pensamentos de Hegel e Marx. Com Hegel (1770-1831), segundo o qual, a filosofia veio a ser um tipo de teologia, a sua dialética também seguia por este caminho. Hegel percebe que a realidade restringe as possibilidades dos seres humanos, que se realizam como uma força da natureza capaz de transformá-la a partir do trabalho do espírito. Sua dialética compunha de três elementos: a tese, a antítese e a síntese. A tese é a afirmação inicial, a proposição que se apresenta; a antítese é a refutação ou negação da tese, considerando a contraditoriedade daquilo que foi negado; e a síntese é composta a partir da convergência lógica (lógica dialética) entre a tese e sua antítese. Essa síntese, entretanto, não assume um papel de conclusão, mas sim como uma nova tese capaz de ser refutada dando continuidade ao processo dialético…

A dialética hegeliana enquanto teoria do conhecimento é aprofundada pelo marxismo. Aqui o conhecimento é totalizante. Karl Marx (1818-1883) concorda com Hegel no aspecto do trabalho como força humanizadora. Entretanto, para ele o trabalho dentro da perspectiva capitalista, pós-revolução industrial assume um caráter alienante.

Marx defendeu que vivemos em um mundo onde tudo é material, não havendo o sobrenatural. Assim, são abolidas as noções espirituais e o transcendente. A sociedade passa a ser explicada apenas em um ciclo de classes opressoras e oprimidas. Defendendo a materialidade de tudo, os valores morais também são reduzidos à materialidade, importando apenas os bens econômicos. Não há respeito à dignidade única de cada pessoa, sua liberdade, vida e escolhas.
O comunismo seria um paraíso terrestre, uma sociedade idealizada. Em prol de um futuro idealizado, sacrifica-se o presente[3].

O marxismo procura ser científico, tentando não depender de uma filosofia. Acontece que não consegue escapar de uma escolha filosófica prévia que por sua vez informa todo seu desenvolvimento científico posterior. E esta escolha é um ato de fé que corresponde ao ato de fé daquele que se vira para Cristo, mas o dogmatismo marxista não permite outra solução a não ser aquela aventurada por Marx. Os marxistas fazem uma crítica cerrada àqueles que aceitam a Bíblia (ou a tradição eclesiástica) como ponto de partida para sua fé. No entanto, os ideólogos marxistas citam os escritos de Marx e Engels como se fossem uma revelação divina.

A critica de Marx à religião como “começo de toda crítica”, e expressa na conhecida frase “A Religião é o Ópio do Povo”, é uma orientação antirreligiosa que o torna, sim, segundo Fulton J. Sheen, o Comunismo no “ópio do povo”. Marxistas esperam que o povo troque a religião pelo marxismo através da revolução cultural.

O Comunismo engana o pobre com a esperança falaz de um paraíso terrestre…
O Comunismo é o ópio do povo porque adormece os pobres prometendo-lhes algo que nunca lhes pode dar, ou seja um paraíso terrestre. Mudando apenas uma palavra numa sentença de Lenine: ‘O Comunismo ensina aqueles que labutam toda a sua vida em pobreza a serem resignados e pacientes neste mundo, e consola-os pelo pensamento de um paraíso terrestre’. Singular espécie de paraíso esse, que é inaugurado pelo morticínio, pelo exílio e pelo confisco; estranha espécie de paraíso esse, que espera estabelecer a fraternidade pregando a luta de classes, e estabelecer a paz praticando a violência. Estranha espécie de paraíso esse que tem de recorrer ao temor e à tirania para impedir que alguém ‘escape’ dele[4].

Portanto, como vimos aqui, a ideologia e a dialética marxistas estão intimamente interligadas ao saber numa autorreflexão hegeliana, embora encaixadas dentro do esquema materialista.

Infelizmente, há uma grande quantidade de “cristãos” achando que é possível ser cristão e comunista ao mesmo tempo. Como abrimos o post acima, pode ser que o comunismo esteja neste mundo hoje porque os cristãos não foram suficientemente cristãos e as democracias não foram suficientemente democráticas”, já dizia Martin Luther King.

E para concluir, veja o vídeo a seguir:


Veja também:


Notas / Referências bibliográficas:

  • [4] dem.


30 maio 2024

Marxismo e fé cristã: ideologia

Por Alcides Amorim


Em seu trabalho o marxismo e a fé cristã, o escritor J. Sturz divide o seu estudo em três partes importantes: os conceitos marxistas (ideologia, dialética, a história e o homem); Marx e a religião (a irreligião marxista, evangelho segundo Marx e diálogo marxista-cristão) e marxismo e teologia. Nosso propósito aqui, e em outros posts (esperamos poder publicar) é refletir sobre os sub-temas do referido trabalho escrito no início dos anos 80 e que ainda julgamos relevantes para nossos dias, obviamente com outros ingredientes complementares. O primeiro deles é a ideologia.

Como definição de ideologia podemos citar o que é dito aqui, como sendo ela “… um termo que possui diferentes significados e duas concepções: a neutraum… conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupoe a críticaque… pode ser considerado um instrumento de dominação que age por meio de convencimento (persuasão ou dissuasão, mas não por meio da força física) de forma prescritiva, alienando a consciência humana”.

Sturz diz que os conceitos marxistas ideologia e dialética estão inter-relacionados e estão ligados ao saber baseados numa auto-reflexão hegeliana. Mas sobre este último queremos falar num outro momento. Como fazia com outros conceitos relacionadas ao saber, Marx tentava encaixar suas ideias dentro do esquema materislista, ou seja, tentava separar as ideias da realidade histórico-social. Para Marx, “… a classe dominante impõe suas ideias através da escola, da religião, dos costumes ao ponto de que são consideradas verdadeiras, universais quanto à humanidade. Esta classe desenvolveu-se junto com suas ideias dentro de um modo de produção" [1]. Para desfazer a ideologia da classe dominante, Marx propõe uma revolução da classe oprimida contra a classe opressora. E a nova classe emergente, depois de sistematizar suas ideias, diferentes da existente e de acordo com seus interesses, precisam ganhar o apoio de toda sociedade. Sturz cita Marilena Chauí e destaca que a ideologia marxista não está encarregada de “tomar o lugar” da prática, nem de “guiar” a prática e nem tampouco de se “inutilizar enquanto teoria” para valorizar apenas a prática (Idem, pág. 210). Segundo esta linha de raciocínio marxista, as “… ideologias podem não ser consideradas visões de mundo… porque grande parte dos ideólogos propõe transformações sociais ao invés de uma teoria que tente explicar a realidade”. Ou seja, Karl Marx entende que ‘Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo’” [2].

Mas será que o marxismo escapa de ser ou ter uma ideologia?, pergunta Sturz. Na verdade, “… o marxismo, longe de ser apenas uma análise de fatos concretos, torna-se bandeira de ideias para fazer a realidade depender delas. De símbolos estas ideias se tornaram verdadeiros ídolos…” [3].

Ampliando este raciocínio, vejamos o estudo da Brasil Paralelo sobre o assunto: “Marx acreditava que a burguesia criava ideias ilusórias, como a religião, para enganar as outras classes e conseguir dominá-las mais facilmente. Ele chamava as supostas ideias falsas da burguesia de ideologia. Contudo, as características das teorias de Marx são semelhantes às da ideologia de Destutt [4], especialmente devido as influências iluministas nas obras de ambos"A Brasil Paralelo destaca ainda as características de uma ideologia:

  • Reducionismo da realidade: os ideólogos observam a realidade a partir do que pensam, fechando-se a tudo o que a realidade apresenta e que está fora da sua linha de pensamento.

  • Formação de um governo extremista: “Uma vez que a sociedade perfeita pode ser formada, o governo ideológico se vê no direito de eliminar aqueles que atrapalhem tamanho bem aparente, já que não existe uma punição além da terrena”.

  • Rechaço contra religiões transcendentais: os ideólogos (marxistas) acreditam que conseguem gerar uma civilização perfeita na Terra com seus próprios esforços, ao contrário da maioria das que religiões acreditam que a vida perfeita está para além deste mundo.

  • Formação de uma religião imanentista: para os comunistas, após viver a doutrina marxista e conseguir a conversão de um número de pessoas adequado, a revolução seria feita e o paraíso seria atingido.

Ao analisarmos as características acima, podemos dizer que os conservadores (não conservadoristas, pois assim se tornariam também ideólogos) pensam o contrário disso. Entender o oposto do que é ideologia pode auxiliar na melhor compreensão de seu conceito através da observação da realidade. Essa observação gera a construção de teorias e a descoberta de postulados, mas que não esgotam toda a existência. De forma coerente, a BP propõe os pensamentos de Tomás de Aquino e de Aristóteles como exemplos de ideias antagonistas das ideologias. Assim, os conservadores procuram entender o conceito mas rejeitam a qualificação de conservadorismo como bandeira ideológica, evitando assim, que seu pensamento venha a tornar-se num código rígido e dogmático de pensamento politizado.

E por que devemos rejeitar o marxismo? Por conta do enfoque idolátrico que aparece quando procura tornar um elemento apenas natural em absoluto. Neste afã, Marx desenvolve “três teorias”[5] que se tornam ídolos:

  • o materialismo dialético (a evolução humana, relações sociais determinadas pelas classes e os pensamentos humanos representam apenas estas classes);

  • um otimismo que vê solução de todos os problemas na marcha histórica; e

  • um humanismo religioso que encarrega o homem de sua própria salvação.

Como os ídolos são espécies de deuses que ocupam o lugar do verdadeiro Deus, as teorias marxistas tornam seus adeptos em verdadeiros “crentes” em Marx e suas ideias. Se a ideologia, segundo Marx “mascara a realidade social”, e toma o “falso por verdadeiro e o injusto por justo[6]", podemos interpretar, à luz Bíblia e da teologia cristã, de forma invertida estas palavras, isto é, afirmarmos o contrário: chamarmos de “treva” o que o marxismo chama de “luz”; de “falso” o que é entendido como “verdadeiro”, de “injusto” ao invés de “justo” e assim por diante.

Embora o marxismo não crê em nenhum elemento sobrenatural (metafísico), seu sistema tornou-se um verdadeiro dogma no sentido de que suas ideias (teorias, argumentações…) estejam colocadas acima de qualquer outro modo de pensar. E entendido sua ideias como verdades, os comunistas/marxistas tornam-se exclusivistas e não aceitam ser contraditados. É por isso que Marx defendia a implantação violenta do comunismo, inclusive a destruição do Cristianismo, esta ou qualquer outra religião é o “ópio do povo”. Veja o vídeo sugerido abaixo.

Um paralelo entre Comunismo e Cristianismo [7] sobre as várias situações da vida caracterizam bem as diferenças entre ambos:


    Comunismo: para o comunista...

    Cristianismo: para o cristão...

  • O homem não é livre, porque a sua iniciativa vem de fora, isto é, do Partido, que dita não somente o que ele deverá fazer, mas também o que deverá pensar. Ele é como o leme de um navio, que vai para onde quer que o dirija o comandante, que é o ditador do Partido.

  • O homem é livre, porque a sua iniciativa vem de dentro, a saber, da sua alma. Ele pode ser comparado a um capitão de navio, que é livre de traçar o seu próprio curso e de escolher o seu próprio porto.

  • O homem é um objeto. Um objeto não pode agir, mas é acionado como um autômato social, e torna-se como o cinzel na mão de um escultor.

  • O homem é um sujeito. Um sujeito pode determinar suas ações, como o artista pode livremente pintar quaisquer pinturas que escolher.

  • Só há uma espécie de unidade — a unidade político-econômica, que é realizada não de dentro, por laços espirituais, mas de fora, pela força, pelo terror e pela propaganda.

  • Há duas espécies de unidade: unidade político-econômica, e unidade orgânico-espiritual, pela qual nós somos membros uns dos outros no Corpo Místico de Cristo.

  • O homem é cidadão de um só mundo, e, desde que o Estado é tudo, daí se segue que o homem não tem direitos salvo aqueles que o Estado lhe deu. Por conseguinte, quando o entender, pode o Estado tirar-lhe esses direitos.

  • O homem é um cidadão de dois mundos8, e, em virtude do segundo, ele possui certos direitos inalienáveis, tais como a vida, a liberdade e a propriedade, dos quais nenhum Estado pode privá-lo.

  • A personalidade é relacionada ao tempo. O homem é alienado da sua humanidade no presente, para atingir uma humanidade duvidosa num paraíso terrestre no futuro. Tal como o expõe Lenine: “Durante o período da ditadura em que não haveria liberdade, o povo acostumar-se-ia às novas condições e sentir-se-ia livre numa sociedade comunista" (O Estado e a Revolução).

  • O homem existe não somente no presente, mas também no futuro. A personalidade é independente do tempo, porque tem um valor intrínseco em todos os tempos.

  • O homem é determinado pela sociedade… e nela perde a sua identidade como uma gota de água perde a sua identidade num copo de vinho...

  • O homem deve determinar a natureza da sociedade e ser o senhor desta.

Portando, quem estuda a Bíblia e à luz desta analisa o marxismo, torna-se (espera-se) anti-comunista ou evita ser comunista. E mesmo sem a Bíblia, na opinião de Reagan, como mencionamos na imagem acima, "Os comunistas são as pessoas que leram Marx e Engels, os anti-comunistas são aqueles que entenderam."

Veja mais:

Sobre os dogmas marxistas, que fazem desta ideologia “quase” uma verdadeira religião, veja o vídeo a seguir:



Notas:

  • [1] In: BROWN, Colin. Filosofia e fé cristã. São Paulo: Vida Nova: 1985, pág. 209.
  • [2] 000 O que é ideologia. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/o-que-e-ideologia>. Acesso em: 23/05/2024.
  • [3BROWN: 1985, pág. 210.
  • [4Antoine Destutt de Tracy (1754-1836), considerado o “pai” do termo ideologiaFilósofo iluminista francês, cunhou o termo no final do século XVIII para designar aquilo que ele acreditava ser a “ciência das ideias”. Disponível em: <https://www.cafehistoria.com.br/o-pai-do-termo-ideologia/>. Acesso em 24/05/2024.
  • [5Idem, pág. 210.
  • [6In: Nota 2. 
  • [8] Sugiro a leitura e o vídeo sobre A aposta de Pascal...aqui.