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15 julho 2024

Empirismo e fé cristã: John Locke

Por Colin Brown [1]


Locke havia lido as obras de Descartes e estava tão convencido como o filósofo francês de que a ordem do mundo corresponde a ordem do pensamento. Mas não cria que houvesse tal cousa como ideias inatas. Segundo ele, todo conhecimento procede da experiência. Essa experiência pode ser tanto a que nos dão os sentidos como a que nos dá nossa mente ao conhecer-se a si mesma (o que ele chama ‘sentido interno’). Mas na mente não existe ideia alguma antes que a experiência nos conduza a ela…” (GONZÁLEZ) [2].

Continuando nosso estudo sobre o empirismo, queremos destacar neste post o pioneiro do movimento chamado John Locke.

John Locke (1632-1704) [3] era filho de um pequeno proprietário de terras no interior, que também era advogado. Foi para a universidade de Oxford quando o puritanismo [4] estava nos seus dias áureos, e o vice-chanceler da Universidade era o grande John Owen. Entre outras coisas, Locke estudou medicina, e acabou ganhando seu doutorado nesta matéria, John Locke também era uma figura semipública. Mas nos últimos anos da dinastia real dos Stuart, achou mais prudente morar na Holanda, e não voltou senão depois da Gloriosa Revolução de 1688 [5]. Enquanto estava na Holanda teve tempo e tranquilidade para completar seu tratado filosófico importantíssimo, An Essay Concerning Human Understanding (1690), e sua primeira Letter on Toleration (1689). Publicou subsequentemente outras cartas sobre a mesma matéria, e tratados sobre a educação e o governo civil. The Reasonableness of Christianity (1695) foi seguido pelas obras póstumas Paraphrase and Notes on the Epistles of St. Paul (1705-7) e A Discourse on Miracles (1706).

Hoje, Locke é principalmente lembrado por ser o pioneiro da abordagem empirista ao conhecimento. Em Oxford, ficou impressionado com a leitura de Descartes, mas sua própria abordagem foi seguindo uma direção bem diferente. Rejeitou a ideia racionalista de que a mente tinha carimbadas sobre ela, desde o nascimento, certas noções primárias, evidentes por si mesmas. Pelo contrário, retratava a mente como sendo uma peça em branco que recebia de fora as suas impressões. “Suponhamos, portanto,” escreveu na sua retórica característica do século XVII, que a mente é, por assim dizer, um papel branco isento de caracteres, sem quaisquer ideias, como vem a ser suprida? De onde obtém aquela vasta quantidade que a imaginação ativa e ilimitada do homem pintou sobre ela com uma variedade quase infinita? De onde todas as matérias da razão e do conhecimento? Respondo a isto com uma só palavra: da experiência; nela, todo o nosso conhecimento é fundamentado e a partir dela, em última análise, a própria menta deriva. Nossa observação empregada em questões de objetos externos e sensíveis, ou nas operações internas da nossa mente, percebidas por nós mesmos, e sobre as quais nós mesmos refletimos, é aquilo que fornece ao nosso entendimento matérias para pensar. Estes dois grupos de questões são as fontes de todo o conhecimento, de onde emanam todas as ideias que temos, ou podemos naturalmente ter. Noutras palavras, o que conhecemos são ou ideias (impressões na mente de “amarelo, branco, calor, frio, macio, duro, amargo doce, e todas aquelas qualidades que chamamos de sensíveis) ou as reflexões da própria mente sobre elas. A partir dai, Locke tirou a conclusão que a mente humana não tem outro objetivo imediato senão suas próprias ideias e de que “o conhecimento é a percepção da concordância ou discordância de duas Ideias”.

Ao argumentar assim, Locke estava adiantado naquilo que às vezes é chamada a teoria representativa do conhecimento. A própria mente não tem conhecimento direto do mundo externo, porque nunca tem a capacidade de passar por cima dos sentidos e ficar fora deles. Aquilo que a mente percebe são os dados que os sentidos transmitem a ela, para então trabalhar com eles e interpretá-los. Antes de questionarmos a validade desta abordagem e voltarmos nossa atenção ao modo segundo o qual foi desenvolvida por empiristas posteriores, vale a pena fazer uma pausa para ver como Locke defendia a cristianismo contra os céticos dos seus dias.

Locke fazia uma distinção entre a fé e a razão. Definia esta última [a razão] como sendo “a descoberta da certeza ou probabilidade das proposições ou verdades as quais a mente chega por meio da dedução feita de tais ideias, que obteve por meio das suas faculdades naturais, viz, pela sensação ou pela reflexão. A , por outro lado, é o assentimento dado a qualquer proposição não calculada assim pelas deduções da razão, mas, sim, por causa de o proponente merecer crédito, como proveniente de Deus através dalgum modo extraordinário da comunicação. A este modo de os homens descobrirem as verdades chamamos de Revelação”.

Uma ou duas páginas antes, Locke tinha feito a distinção adicional entre aquilo que é de acordo com a razão, aquilo que está acima da razão, e aquilo que é contrário à razão. De acordo com a razão, são as proposições cuja veracidade podemos descobrir, por examinarmos e seguirmos até a origem ideias que temos a partir da sensação e da reflexão; e por dedução natural acharmos verdadeiras ou prováveis. Acima da razão, estão as proposições cuja veracidade ou probabilidade não podemos derivar mediante a razão, a partir daqueles princípios. Contrárias à razão, são as proposições que são inconsistentes com, ou irreconciliáveis com, nossas ideias claras e distintas. Destarte, a existência de um Deus único está de acordo com a razão; a existência de mais de um Deus, contrária [ou contraria] à razão; a ressurreição dos mortos, acima da razão.

Os pensadores talvez discordem quanto àquilo que deve ser colocado em cada compartimento. Eu mesmo desejaria qualificar mais aquilo que quero dizer com "razão” e “ser razoável”. Uma ideia é razoável quando se pode comprovar sua veracidade de antemão. Também pode ser chamado razoável se é justificado pela experiência. Pode ser que contenha implicações que não foram sondadas ou que somos incapazes de examinar no momento. Mesmo assim, se a observação e a experiência justificarem a conclusão, pode ser dito que esta é racional. É neste sentido que eu concordaria com Locke que a existência de Deus está em conformidade com a razão. Há porém, muitos aspectos da fé cristã que, conforme indica Locke, estão acima da razão. O método de Locke era aceitar tais coisas pela autoridade daquilo em que podia acreditar mediante a razão.

A razão é a revelação natural, mediante a qual o Pai da luz, e Fonte de todo o conhecimento, comunica a humanidade aquela porção da verdade que colocou dentro do alcance das faculdades naturais; a revelação é a razão natural estendida por um novo grupo de descobertas comunicadas imediatamente por DEUS, cuja veracidade é garantida pela razão por causa do testemunho e provas que elas dão quanto a terem vindo da parte de DEUS.

Para Locke, os milagres do cristianismo não eram (conforme parecem ser para muitos que gostariam de ser apologistas do cristianismo hoje) algo pelo qual se pede desculpas. Depois de a sua credibilidade ter sido devidamente examinada os milagres são evidências em prol da fé cristã. “Onde o milagre é admitido, a doutrina não pode ser rejeitada, acompanha a certeza de uma atestação divina dada àquele que aceita o milagre, e não podemos questionar a sua veracidade”. Voltaremos a esta questão na ocasião de discutirmos Hume.

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Na verdade, John Locke foi um personagem tão importante, que podemos dizer que ele não foi apenas o pai do empirismo, mas também o pai do liberalismo político, precursor do iluminismo inglês e, ainda influenciador intelectual (jurídico) da Independência dos Estados Unidos. As ideias de Locke no campo político foram revolucionárias. Enquanto criticava o direito absolutistas dos reis, afirmava que a soberania não reside no Estado mas na população, através dos poderes Executivo, Legislativo (o mais importante deles) e Judiciário. Veja, por exemplo estas frases abaixo e o vídeo na sequência:

  • Os indivíduos têm o direito natural de possuir propriedade, e isso nunca pode ser tirado deles sem o próprio consentimento”.

  • Onde não há lei, não há liberdade”.

  • "Consideramos estas verdades como evidentes, que todos os homens são criados iguais, que seu Criador lhes concede certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade" (Declaração de Independência dos EUA, inspirada em John Locke).

  • Não se revolta um povo inteiro a não ser que a opressão seja geral”.




Notas / Referências bibliográficas:

  • [1O Dr. Colin Brown é professor de Teologia Sistemática no Fuller Theological Seminary, em Pasadena, Califórnia, USA. Entre outros livros, é autor de Karl Barth and the Christian Message. Editor de History, Criticism and Faith e o responsável pela edição em inglês do Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, publicado por esta Editora [Vida Nova], ao qual também contribuiu vários artigos.” (BROWN. In: Nota 3, contracapa).
  • [2] GONZÁLEZ, Justo L.E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo: a era dos dogmas e das dúvidas – Vol. 8. São Paulo: Vida Nova, 1984 (1ª ed.), pág. 132 e 133). In:<A era dos dogmas e das dúvidas: a opção racionalista >. Acesso em: 12/07/2024.
  • [3BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 44 a 46 (Texto adaptado). 
  • [4] O puritanismo foi “… um movimento de reforma, frouxamente organizado, que se originou durante a Reforma inglesa do século XVI. O nome surgiu dos esforços para ‘purificar’ a Igreja da Inglaterra realizados por aqueles que achavam que a reforma ainda não tinha sido completada. Posteriormente, os puritanos também passaram a buscar a purificação de si mesmos e da sociedade…” (RENNIE, I. S. Puritanismo. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. III. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 208 e 209. Sobre o contexto histórico e religioso da época, na Inglaterra, veja o texto de Justo González, em A era dos dogmas e das dúvidas (IV): a revolução puritana. Acesso em: 11/07/2024.
  • [5A Revolução Gloriosa foi a última fase da Revolução Inglesa, iniciada em 1642, que ocorreu com a deposição de Jaime II e a ascensão de Guilherme de Orange ao poder na Inglaterra, e que pôs fim ao poder absolutista e dando origem à monarquia constitucional, ou seja, o rei permaneceria no trono inglês, mas com poderes reduzidos. Veja mais em: González, A revolução puritana. In: Nota 4.

10 julho 2024

Empirismo: algumas considerações filosófico-teológicas

Por: Alcides Amorim


Já escrevi alguns posts sobre o racionalismo, corrente de pensamento que se desenvolveu na Europa continental, e fiz algumas observações filosófico-teológicas sobre os principais racionalistas: Descartes, Spinoza, Leibniz e Pascal. Agora, queremos escrever um pouco também sobre o empirismo, movimento que se desenvolveu na Grã-Bretanha (Reno Unido): Locke (Inglês), Berkeley (irlandês) e Hume (escocês).

O que diferenciava racionalistas e empiristas, eram as ideias inatas, defendidas pelos primeiros. Para os racionalistas, as ideias inatas são aquelas que são os verdadeiros atributos da mente humana, que foram dadas à mente por Deus. Sendo assim essas ideias "puras” são conhecidas a prori por todos os seres humanos e, portanto, são cridas por todos. Elas eram de importância decisiva para os racionalistas, de modo que usualmente se sustinha que essas ideias eram a condição prévia para a aprendizagem de fatos adicionais. Os empiristas, ao contrário, argumentavam que o conteúdo das ideias chamadas inatas na verdade era aprendido através da experiência das pessoas, embora elas talvez tenham refletido pouco sobre isso. Dessa maneira, aprendemos vastas quantidades de conhecimento através da nossa família, educação e sociedade, que surge bem cedo na vida e que não pode ser contado como inato.

Em especial, os empiristas do século XVIII preocupavam-se principalmente com os problemas do conhecimento. Em contraste com os racionalistas que procuravam erigir sistemas filosóficos por meio de raciocinar com base em verdades alegadamente evidentes em si mesmas, os empiristas ressaltavam o papel que a experiência desempenhava no conhecimento. Argumentavam que não temos ideia alguma senão aquelas que derivam da experiência que vem a nós através dos sentidos. Declarações (a não ser aquelas da lógica pura) somente podem ser conhecidas como sendo verdadeiras ou falsas por meio de testá-las na experiência.

Teologicamente falando, podemos afirmar que os racionalistas não eram agnósticos, céticos ou ateus, embora não alinhado com o verdadeiro ensino das Escrituras. Mas dos empiristas pode-se dizer o mesmo? Vejamos:

Bem, Colin Brown [1] entende que não “… seria correto estigmatizar o movimento como sendo inflexivelmente agnóstico”. Hume era um cético, enquanto Locke era um homem de fé sincera e Berkeley era um bispo anglicano. “Mesmo assim, pensa-se geralmente que o movimento fez uma contribuição considerável ao avanço geral do agnosticismo moderno...”, Na verdade, aplicar o método experimental mesmo em matéria de fé, não necessariamente torna a pessoa um agnóstico ou ateu. Entendemos que é possível ser empirista e cristão ao mesmo tempo.

Teologicamente, porém, é necessário fazer algumas ponderações entre empirismo e fé cristã. David A. Rausch [2] afirma que o problema radical com qualquer forma de empirismo é o do relacionamento entre qualquer exposição concernente à experiência e os dados fatuais ou empíricos. Envolve o relacionamento entre experiências e os “significados” pelos quais as experiências podem ser conceptualizadas, articuladas e comunicadas. Visto poder haver uma variedade de interpretações daquilo que se constitui uma experiência, qualquer apelo à experiência como o único árbitro do significado e da relevância é problemático. Semelhante apelo depende totalmente de qual interpretação da experiência a pessoa aplica. Este problema destacou-se especialmente quando os positivistas lógicos procuravam construir uma abordagem unificada para todas as áreas do conhecimento e da ciência. Esta tentativa fracassou, porque os positivistas lógicos não conseguiram impedir que as interpretações teóricas entrassem na sua linguagem de "observação".

O empirismo tem sido aplicado à teologia de várias maneiras. Hume acreditava que se devia estudar a religião de modo científico, porque nada havia de único e sem igual na experiência religiosa. Friedrich Schleiermacher, por outro lado, acreditava que a experiência religiosa era sem igual, e cria que a teologia somente poderia fornecer símbolos para descrever a grande diversidade de experiências religiosas do homem. Cada homem, portanto, precisa ter uma descrição particular dos seus sentimentos, uma teologia individual. Algumas pessoas sugeririam que Schleiermacher é a fonte de todas as teorias da "experiência religiosa" que estão em voga hoje. Os teólogos liberais do fim do século XIX e do início do século XX aplicaram à religião o método científico, procurando reconstruir a fé cristã de acordo com as conclusões "modernas" da ciência. Por isso, um modo cristão apropriado de compreender o mundo e o seu progresso exigiria o método empírico. Este desejo de harmonizar a fé cristã com o método empírico da ciência não é meramente um fenômeno liberal moderno, mas também pode ser achado nas teologias naturais do século XVIII de escritores conservadores, tais como William Paley e Bispo Butler. Alguns conservadores modernos, tais como John Warwick Montgomery, têm continuado esta tendência.

Para concluir, deixo o vídeo (veja este link) do Pr. Anderson Porto, que refuta biblicamente o empirismo. Este nega a fé ao defender que todo o “conhecimento resulta da experiência, das sensações, dos sentidos…”. Neste sentido, Tomé, apóstolo de Cristo, era também um empirista, pois só acreditava no que via e no que suas mãos tocassem. Mas a fé vai além da experiência, daquilo que é palpável…

E oito dias depois estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja convosco. Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. E Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram (João 20.26-29).



Notas / Referências bibliográficas:

  • [1BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 44.

  • [2] RAUSCH, David A. Empirismo, Teologia Empírica. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 20 e 21.


02 julho 2024

Bispos e Papas: (8) Higino

 Por Alcides Amorim 

Bispo Higino [1]


Prosseguindo nossa série de estudos sobre os bispos romanos listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica [2], veremos resumidamente neste post, sobre o 8º bispo: Higino.

Eusébio (5, VI) afirma que depois que Telésforo, “… sofreu glorioso martírio”, veio Higino. E assim, como Telésforo, Higino é chamado de Papa e/ou Santo Higino nos escritos católicos. Quando ele exerceu seu bispado? Eusébio (4, X) afirma que o imperador romano Antonino Pio sucedeu Adriano em seu no vigésimo primeiro ano do reinado deste último. Na lista dos imperadores descrita aqui [3], Antonino Pio começou a governar em 138 e no primeiro ano de seu reinado (138 ou 139?), morreu Telésforo, sendo sucedido por Higino. Como esta fonte [4] coloca crédito no Liber Pontificalis (L.P.) [5] que fixa o tempo de governo de Higino em 4 anos e que ele morreu em 142, deduz-se que seu governo foi entre 138 e 142.

Destacamos a seguir, um breve compilado extraído destas fontes: Papa Santo Higino [6] e Papa Higino[7]:

Bispo Higino, Papa Higino ou ainda Santo Higino:

  • Era chamado filósofo de origem ateniense, portanto, de origem grega.

  • Durante seu breve pontificado, os ataques dos pagãos haviam diminuído e a Igreja se viu ameaçada pela proliferação de seitas heréticas.

  • Uma destas seitas era o gnosticismo – mistura de doutrinas e práticas religiosas com filosofia e mistérios – espalhada por Valentim e Cerdão, os quais foram excomungados por Higino, contando com a ajuda do filósofo São Justino.

O gnosticismo, uma das ameaças à unidade da igreja no segundo século, era resultado da mistura da religião helenística com o cristianismo. Os gregos cristãos, ou cristianizados, buscavam sabedoria (1Co 1.22) e nesta tentativa de conciliarem a “gnosis” com as doutrinas cristãs, pendiam-se, muitas vezes, para a heresia. No segundo século, como o gnosticismo, elementos com especulações místicas e cosmológicas sobre a doutrina da salvação, dualismo entre o mundo do espirito e o mundo material e até o ascetismo ou a libertinagem, negavam ou confundiam as principais doutrinas cristãs, como a criação, a encarnação, a ressurreição e outras. Desta forma, o gnosticismo precisava ser entendido, para ser evitado, assim como também o seu antídoto, o verdadeiro conhecimento das verdades cristãs. Estas deviam ser bem estudadas, ensinadas, cridas, aceitas e praticadas. Márciom (ou Marcião), o principal herege deste momento, procurava combinar elementos contrários ao mundo material e ao judaísmo. Pensava que este mundo era mau, e que seu criador devia ser um deus, se não mau, pelo menos ignorante. Em lugar de inventar toda uma série de seres espirituais, ao estilo dos gnósticos, o que Márcio propôs era muito mais simples. Segundo ele, o Deus do novo Testamento e Pai de Jesus Cristo não é o mesmo Jeová do Antigo Testamento. Há um Deus supremo, que é o Pai de Jesus Cristo, e um ser inferior, que é Jeová. Foi Jeová que fez este mundo (…). Mas Jeová, seja por ignorância ou por maldade, fez este mundo, e nele colocou a humanidade. (…) Jeová é um deus ciumento e arbitrário, que escolhe um povo acima dos demais, e que está constantemente conferindo a conta de quem o desobedece para tomar vingança. Em uma palavra, Jeová é um Deus de justiça [8].

  • Higino mexeu nas estruturas hierárquicas e na cerimônia do batismo; instituiu as ordens menores para melhorar o serviço da Igreja e preparação do sacerdócio.
  • Parece que se deve a ele a instituição de padrinhos no batismo.

  • Não se tem certeza de que ele tenha sofrido o martírio e que foi santo por outros méritos.


Quero, para finalizar, destacar um vídeo do Reverendo Augustus Nicodemus, sobre


Notas / Referências bibliográficas:

  • [2] Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Telésforo é o número 7 da lista...
  • [6Ver Nota 4.

26 junho 2024

Bispos e Papas: (7) Telésforo

Por  Alcides Amorim

Bispo Telésforo [1]


Até aqui, nesta série de estudos sobre os bispos romanos listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica, já vimos, os bispos Lino, Anacleto, Clemente de Roma, Evaristo, Alexandre I e Sixto. Agora, veremos resumidamente sobre o 7º bispo: Telésforo.

Depois do sexto bispo de Roma, Sixto, na lista de Eusébio (5, VI), aparece como seu sucessor o bispo “Telésforo, que também sofreu glorioso martírio”. E foi o “sétimo em sucessão desde os apóstolos”.

Quando Telésforo iniciou seu bispado? Segundo Eusébio (4, V), foi no décimo segundo ano do reinado de Adriano e quando Sixto havia cumprido seu décimo ano no seu episcopado de Roma.

Telésforo é chamado, além de Bispo, por Eusébio, também de Papa e Santo Telésforo nos escritos católicos. O que destacaremos a seguir, é um breve compilado extraído destas fontes: Ucatholic [2] e Portal São Francisco [3].

O Bispo Telésforo ou Papa Teléforo ou ainda Santo Telésforo:

  • Viveu entre 125 e 138 (site Ucatholic) ou entre 125 a 136 (site Portal São Francisco).

  • Foi, originalmente, um anacoreta (monge) grego.

  • Como bispo, enfrentou conflitos com as comunidades não cristãs.

  • Deve-se a ele as contribuições nas missas sobre:

- observância da Quaresma; 

- celebração da Missa de Natal (durante a noite): celebrações natalinas; 

- instituição de um jejum de sete semanas antes da Páscoa. 

- decreto de que o hino “Glória in Excelsis” fosse cantado exclusivamente durante a Missa de Natal.

  • Sofreu o martírio.

  • Foi substituído, após seu martírio, por São Higino (136-140), conforme afirma o Portal São Francisco.

Quero, para finalizar, destacar uma doutrina cristã, a Quaresma, que foi inicialmente instituída pelo Bispo Telésforo, em forma de pergunta: um evangélico pode participar da quaresma [4]?, respondida no vídeo, cujo link vai a seguir: https://www.youtube.com/watch?v=DSU6HuzIEAk.



Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Telésforo é o número 7 da lista...

18 junho 2024

Marxismo e Fé cristã: dialética

Por: Alcides Amorim



A palavra dialética, conforme costuma-se definir no campo da Filosofia, significa o "caminho entre as ideias" e “… consiste em um método de busca pelo conhecimento baseado na arte do diálogo. É desenvolvida a partir de ideias e conceitos distintos e que tendem a convergir para um conhecimento seguro” [1]. Este “conhecimento seguro” só será possível após diversos diálogos, incluindo os prós e os contras, discussões gerais e finalmente, a chegada a um consenso ou essência do saber do objeto ou ideia em questão. Mas longe de dar um veredito final ao resultado do objeto estudado, a dialética propõe “... um modo de pensar que, ao privilegiar as contradições da realidade, permite que o sujeito se compreenda como agente e colaborador do processo de transformação constante através do qual todas as coisas existem…” (KONDER: 1998)[2].

A dialética, que teve sua origem na Grécia Antiga, ou com Zenão de Eleia (c. 490-430 a.C.) ou com Sócrates (469-399 a.C.), tem estado a serviço da Filosofia na Antiguidade, Idade Média, Moderna e Contemporânea. Para os objetivos deste post, fixamos apenas nos pensamentos de Hegel e Marx. Com Hegel (1770-1831), segundo o qual, a filosofia veio a ser um tipo de teologia, a sua dialética também seguia por este caminho. Hegel percebe que a realidade restringe as possibilidades dos seres humanos, que se realizam como uma força da natureza capaz de transformá-la a partir do trabalho do espírito. Sua dialética compunha de três elementos: a tese, a antítese e a síntese. A tese é a afirmação inicial, a proposição que se apresenta; a antítese é a refutação ou negação da tese, considerando a contraditoriedade daquilo que foi negado; e a síntese é composta a partir da convergência lógica (lógica dialética) entre a tese e sua antítese. Essa síntese, entretanto, não assume um papel de conclusão, mas sim como uma nova tese capaz de ser refutada dando continuidade ao processo dialético…

A dialética hegeliana enquanto teoria do conhecimento é aprofundada pelo marxismo. Aqui o conhecimento é totalizante. Karl Marx (1818-1883) concorda com Hegel no aspecto do trabalho como força humanizadora. Entretanto, para ele o trabalho dentro da perspectiva capitalista, pós-revolução industrial assume um caráter alienante.

Marx defendeu que vivemos em um mundo onde tudo é material, não havendo o sobrenatural. Assim, são abolidas as noções espirituais e o transcendente. A sociedade passa a ser explicada apenas em um ciclo de classes opressoras e oprimidas. Defendendo a materialidade de tudo, os valores morais também são reduzidos à materialidade, importando apenas os bens econômicos. Não há respeito à dignidade única de cada pessoa, sua liberdade, vida e escolhas.
O comunismo seria um paraíso terrestre, uma sociedade idealizada. Em prol de um futuro idealizado, sacrifica-se o presente[3].

O marxismo procura ser científico, tentando não depender de uma filosofia. Acontece que não consegue escapar de uma escolha filosófica prévia que por sua vez informa todo seu desenvolvimento científico posterior. E esta escolha é um ato de fé que corresponde ao ato de fé daquele que se vira para Cristo, mas o dogmatismo marxista não permite outra solução a não ser aquela aventurada por Marx. Os marxistas fazem uma crítica cerrada àqueles que aceitam a Bíblia (ou a tradição eclesiástica) como ponto de partida para sua fé. No entanto, os ideólogos marxistas citam os escritos de Marx e Engels como se fossem uma revelação divina.

A critica de Marx à religião como “começo de toda crítica”, e expressa na conhecida frase “A Religião é o Ópio do Povo”, é uma orientação antirreligiosa que o torna, sim, segundo Fulton J. Sheen, o Comunismo no “ópio do povo”. Marxistas esperam que o povo troque a religião pelo marxismo através da revolução cultural.

O Comunismo engana o pobre com a esperança falaz de um paraíso terrestre…
O Comunismo é o ópio do povo porque adormece os pobres prometendo-lhes algo que nunca lhes pode dar, ou seja um paraíso terrestre. Mudando apenas uma palavra numa sentença de Lenine: ‘O Comunismo ensina aqueles que labutam toda a sua vida em pobreza a serem resignados e pacientes neste mundo, e consola-os pelo pensamento de um paraíso terrestre’. Singular espécie de paraíso esse, que é inaugurado pelo morticínio, pelo exílio e pelo confisco; estranha espécie de paraíso esse, que espera estabelecer a fraternidade pregando a luta de classes, e estabelecer a paz praticando a violência. Estranha espécie de paraíso esse que tem de recorrer ao temor e à tirania para impedir que alguém ‘escape’ dele[4].

Portanto, como vimos aqui, a ideologia e a dialética marxistas estão intimamente interligadas ao saber numa autorreflexão hegeliana, embora encaixadas dentro do esquema materialista.

Infelizmente, há uma grande quantidade de “cristãos” achando que é possível ser cristão e comunista ao mesmo tempo. Como abrimos o post acima, pode ser que o comunismo esteja neste mundo hoje porque os cristãos não foram suficientemente cristãos e as democracias não foram suficientemente democráticas”, já dizia Martin Luther King.

E para concluir, veja o vídeo a seguir:


Veja também:


Notas / Referências bibliográficas:

  • [4] dem.