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17 de novembro de 2025

O que é solipsismo: breve análise bíblica

 Por Alcides Amorim

Áudio:

...

Solipsismo e Fé Cristã: dois caminhos do eu [1]

Já vimos em alguns posts a relação (pró ou contra) entre a posição de alguns filósofos e a da Bíblia. Marx, que defendeu que vivemos em um mundo onde tudo é material, não havendo o sobrenatural, abolindo as noções espirituais e o transcendente é um exemplo de posição que faz oposição a Deus, por ser contrário a qualquer crença e/ou objeto de fé. Enquanto outros como Descartes, Berkeley, Locke, Pascal e outros, são exemplos de pensadores racionais, mas que também tinham fé.

Onde entra o solipsismo neste contexto? No ponto em que, diferentemente dos filósofos que embora racionais eram também crentes num Ser sobrenatural (Deus) o solipsismo, embora seja fruto de reflexões filosóficas, entra em choque tanto com o racionalismo quanto com a fé cristão/bíblica.

Vimos que Descartes, ao duvidar de tudo no Discurso do Método e nas Meditações, chega à certeza do próprio pensamento — “Cogito, ergo sum” (“Penso, logo existo”). Descartes, aparentemente parte do solipsismo, através de sua dúvida radical “cogito – penso”, mas ele não para aí. Ele usa essa certeza como ponto de partida para reconstruir o conhecimento e provar: a existência de Deus e a existência do mundo externo, garantida pela veracidade divina, enquanto o solipsismo fica apenas com o “Cogito. O solipsista não aceita nenhuma prova da existência de Deus nem do mundo, ficando preso apenas ao próprio pensamento.

 Bem, Ministério Got Questions [2] afirma que o solipsismo é a crença de que é incerta a existência de qualquer coisa que não seja a própria mente. Isso pode envolver desde o ceticismo em relação aos sentidos e às experiências da pessoa até a crença de que qualquer coisa fora da mente é inexistente. Como acontece com qualquer visão filosófica abstrata, ela tem milhares de variedades e aplicações diferentes. Versões variadas de solipsismo têm sido aplicadas a visões de mundo cristãs, ateístas e panteístas, e a tudo o que está entre elas.

De um ponto de vista direto, a Bíblia não sugere nada parecido com o solipsismo. Diz-se que Deus criou (Gênesis 1:1; João 1:1-3), e diz-se que essa criação mudou (Gênesis 1:2-3) e mudará novamente (Apocalipse 21:1-2). Essa realidade é descrita como tendo partes diferentes e distintas (Gênesis 1:4-7). Da mesma forma, os seres humanos são chamados a responder às nossas experiências como um meio de realizar a vontade de Deus (Romanos 1:20; Mateus 11:21-23). Uma pessoa que defende pontos de vista solipsistas precisa interpretar essas ideias de uma forma altamente metafórica, o que não é natural para o texto. Essa visão da realidade ou das Escrituras tampouco é sugerida nos escritos dos primeiros Pais da Igreja.

Além disso, o solipsismo deve ser diferenciado do ceticismo geral e da verificação de fatos. A Bíblia incentiva um ceticismo cauteloso (Atos 17:11), especialmente com relação a ideias espirituais (1 João 4:1). A simples consciência de que somos falíveis e de que precisamos verificar novamente nossas experiências não é solipsismo. O verdadeiro solipsismo, de fato, não pode ser conectado às nossas experiências de forma alguma.

O solipsismo corrói qualquer lógica ou evidência que possa apoiar a realidade da experiência. Se nossas experiências são artificiais, imaginárias ou falsas, então qualquer experiência que possa nos levar a acreditar no solipsismo pode fazer parte da ilusão e, portanto, não ser confiável. Ao mesmo tempo, qualquer experiência que possa nos levar a duvidar do solipsismo pode ser descartada pelo mesmo motivo. Como resultado, o solipsismo não é provado nem contradito por nenhuma experiência possível – o que significa que o solipsismo como filosofia é praticamente sem sentido. A ideia é tanto infalsificável quanto inverificável. Verdadeira ou falsa, não podemos conhecê-la ou refutá-la e, portanto, não podemos tomar nenhuma decisão significativa sobre ela.

Esse é um dos motivos pelos quais o solipsismo e os argumentos que o implicam são geralmente considerados becos sem saída em discussões filosóficas. Ou seja, a introdução do solipsismo torna a conversa sem sentido. Assim que alguém argumenta que nossas experiências – em um nível fundamental – não são confiáveis, ficamos incapazes de saber qualquer coisa. Isso não é apenas contrário à forma como vivenciamos a vida, mas também torna toda a razão e experiência inúteis. O solipsismo se enquadra na categoria de ideias que são interessantes, mas nas quais não vale a pena se aprofundar (Colossenses 2:8; Tito 3:9).

Para algumas pessoas, o solipsismo é preocupante porque é um conceito difícil de abandonar. Se não se pode confiar em nossos próprios sentidos e experiências, o que isso significa para nossos relacionamentos, nossa ciência ou nossa religião? A solução para essa angústia é perceber como o solipsismo é impraticável. Ou seja, a crença no solipsismo não pode ser vivida de forma significativa. Tampouco pode ser provada ou refutada por quaisquer experiências ou evidências possíveis. Para se libertar da preocupação com o solipsismo, é preciso perceber que se trata de uma abstração pura, sem aplicação prática...

Uma metáfora simples para o fato de estar preso a um pensamento solipsista é a música infantil "The Song That Never Ends" (A Canção Que Nunca Acaba), cuja letra é a seguinte:

Essa é a música que nunca termina. / Sim, ela continua e continua, meus amigos. / Algumas pessoas começaram a cantá-la sem saber o que era. / E continuarão a cantá-la para sempre, só porque...

(repetir do início ad nauseam).

Se você aceitar a afirmação da música (de que precisa continuar cantando), ficará preso no ciclo para sempre, como diz a música. Mas se alguém perguntar por que você está sempre cantando, a única razão que você pode dar é: "porque a música diz isso"! A solução é perceber que, além da música em si, não há absolutamente nenhum motivo para continuar cantando. Você não foi obrigado a começar e não é obrigado a continuar - a menos que decida arbitrariamente que deve obedecer à música por algum motivo.

O solipsismo funciona da mesma forma em nossa mente. Se quiséssemos, poderíamos considerar tudo o que vivenciamos como fruto de nossa imaginação, inclusive todos os sinais em contrário. Mas teríamos que fazer o mesmo com todos os sinais que apontassem para o solipsismo em primeiro lugar. E, de qualquer forma, não temos motivos tangíveis para pensar que isso é verdade. Como na canção infantil, é bem possível que fiquemos presos à ideia, mas não há absolutamente nada que sugira que façamos isso, a não ser a própria ideia.

Em suma, um resumo feito, via Chat Gpt [3], comparando o solipsismo com a fé cristã apresenta:

Questão                                       Solipsismo                                  Fé Cristã

è Fundamento da realidade         è O eu pensante                       è Deus criador e transcendente
è Natureza do mundo                  è Incerta ou ilusória                è Criação boa e real
è Relação com o outro                 è Possivelmente inexistente   è Amor e comunhão
è Atitude básica                           è Dúvida radical                     è Confiança e fé
è Interioridade                             è Isolamento do eu                 è Encontro com Deus no íntimo.

Portanto, diferentemente da música infantil citada acima que propõe ficarmos presos à ideia, a fé cristã supera o solipsismo ao transformar a interioridade em porta de acesso ao divino (Deus), não em prisão do sujeito. Veja, também, para concluir, este vídeo do Brendo Silva, sobre o assunto:

“Solipsismo: a crença de que só a própria mente existe — uma ilusão que, à luz da fé cristã, nega a realidade do Criador e do próximo.”

Notas / Referências bibliográficas:

  •  [1] “Solipsismo e Fé Cristã: dois caminhos do eu: À esquerda, vemos o solipsismo: um ‘eu’ fechado em si mesmo, isolado, cercado por muros invisíveis. Para o solipsista, apenas sua própria mente é real – o mundo e os outros podem ser apenas projeções da consciência. É uma solidão metafísica: o universo reduzido ao ‘eu penso’. À direita, À direita, a cristã: um ‘eu’ aberto, confiante, que se volta a Deus e ao mundo. A cruz e a Terra simbolizam a comunhão – Deus é o fundamento da realidade, e cada pessoa é chamada ao amor e à relação” (Imagem e legenda ilustrativas sugeridas e feitas pelo ChatGpt. In: https://chatgpt.com/c/69092191-8fb4-8332-95ab-2b0e60eaf2de. Acesso em: 06/11/2025. 
  •  [3O que é o solipsismo? In: https://chatgpt.com/c/69092191-8fb4-8332-95ab-2b0e60eaf2de. Acesso em: 06/11/2025.



26 de março de 2025

Cristianismo e Socialismo: como compatibilizar?

 

Bandeira do Socialismo Cristão [1]


Ouça o artigo: 000 (via Clipchamp/Dropbox)...


O socialismo é uma corrente política e um sistema socioeconômico no qual a produção e a distribuição dos produtos é planejada com vistas a atender, pelo menos na teoria, as necessidades básicas da população. O socialismo pode ser dividido em três segmentos: utópico, cujos pensadores como Charles Fourrier (1772-1837) e Robert Owen (1771-1858), foram assim chamados porque a maioria de seus planos era irrealizável (utópico); científico, atribuído a Karl Marx (1818 – 1883) e Friedrich Engels (1820 – 1895) que consideravam sua doutrina científica por terem chegado a ela através de análises críticas do desenvolvimento das sociedades humanas; e cristão, cujo precursor foi o sacerdote francês Robert Lamennais (1782 – 1854). Mas o principal personagem desta linha que queremos destacar é Henri Saint Simon, o qual destacaremos abaixo. 


1. Saint-Simon e o socialismo cristão [2]


O reformador social Henri de Saint-Simon (1760-1825) foi um pensador e teórico social francês. Também conhecido como socialista utópico, foi ele quem tentou aplicar os princípios sociais do cristianismo, criando o conceito “socialismo cristão”. Ele predisse uma era muito mais industrializada na qual os problemas sociais seriam resolvidos pela ciência e tecnologia. Foi só mais tarde que ele introduziu uma nota religiosa. Seu Nouveau Christianisme ("Novo Cristianismo") publicado no ano da sua morte, sustentava que a religião devia "guiar a comunidade em direção ao alvo sublime de melhorar tão rapidamente quanto possível as condições de vida da classe mais pobre". Tendo visto aquilo que a França sofreu, primeiramente sob a Revolução com toda a sua ferocidade, e depois sob o governo de Napoleão, conclamou todos os governantes da Europa a se unirem visando a supressão da guerra, e a voltarem para aquele cristianismo verdadeiro que se preocupa com a situação miserável dos pobres. As opiniões de Saint-Simon eram frequentemente desordenadas e imprecisas, mas passaram a influenciar uma combinação improvável de pensadores que incluíam Thomas Carlyle, John Stuart Mill, Heinrich Heine, Auguste Comte, Friedrich Engels e Walter Rauschenbusch, e posteriormente foram ecoadas nas obras dos teólogos norte-americanos mais recentes, tais como Paull Tillich e Reinhold Niebuhr.

Além de exercer um impacto na França, o socialismo cristão era uma força real em muitos outros países europeus, e fomentava a organizações de grupos, sustentando que o operário e o lavrador tinham direito à justiça social e econômica, e que estas eram áreas nas quais os cristãos deviam ser ativos. Na Alemanha, desviou-se tristemente para o antissemitismo que resultou na condenação imperial em 1894. Cinco anos antes, a Sociedade dos Socialistas Cristãos tinha sido formada nos Estados Unidos, mas a ideia estava presente desde 1849, quando Henry James, Sr. expôs princípios semelhantes.

O termo "socialismo cristão" foi popularizado na Inglaterra nos meados do século XIX quando, depois do fracasso do movimento cartista, um grupo de anglicanos procurou obter a aplicação dos princípios cristãos na organização da indústria. Seus líderes foram J. M. F. Ludlow (que fora educado na França), J. F. D. Maurice e Charles Kingsley. Eles ajudaram a financiar sociedades cooperativas, deram início a associações para vários ofícios, e em 1854 fundaram a Faculdade dos Trabalhadores em Londres, tendo Maurice como presidente. As novelas de Maurice, especialmente Yest (“Levedura”) e Alto Locke (publicadas em 1850), desempenharam um papel considerável num movimento que, no entanto, nunca cativou a igreja inglesa, e que logo entrou em declínio. Nem por isso deixou de legar à posteridade princípios e práticas que beneficiaram uma ampla gama de interesses sociais, inclusive cooperativas, institutos educacionais para operários e sindicatos trabalhistas.


2. Como um cristão deve encarar o socialismo?[3]


O socialismo é um sistema social no qual a propriedade, os recursos naturais e os meios de produção são de propriedade e controlados pelo estado, em vez de indivíduos ou empresas privadas. Uma crença básica do socialismo é que a sociedade como um todo deve compartilhar todos os bens produzidos, pois todos vivem em cooperação uns com os outros. Várias teorias do socialismo foram apresentadas desde os tempos antigos, incluindo uma forma de socialismo cristão.

O filósofo mais proeminente a argumentar a favor do socialismo foi Karl Marx, que ensinou que o fator motriz por trás de toda a história humana é a economia. Marx nasceu de pais judeus alemães em 1818 e recebeu seu doutorado aos 23 anos. Ele então embarcou em uma missão para provar que a identidade humana está ligada ao trabalho de uma pessoa e que os sistemas econômicos controlam totalmente uma pessoa. Argumentando que a humanidade sobrevive pelo trabalho, Marx acreditava que as comunidades humanas são criadas pela divisão do trabalho.

Marx viu a Revolução Industrial como uma mudança no estilo de vida básico da humanidade, porque, na mente de Marx, aqueles que trabalhavam livremente para si mesmos agora eram forçados pela economia a trabalhar em fábricas. Isso, Marx sentiu, tirou sua dignidade e identidade, e agora eles foram reduzidos a meros escravos controlados por um poderoso capataz. Essa perspectiva fez da economia do capitalismo o inimigo natural da marca de socialismo de Marx.

O socialismo busca acabar com a propriedade privada. Karl Marx supôs que o capitalismo enfatiza a propriedade privada e, portanto, reduziu a propriedade a poucos privilegiados. Duas "comunidades" separadas surgiram na mente de Marx: os empresários, ou a burguesia; e a classe trabalhadora, ou o proletariado. De acordo com Marx, a burguesia usa e explora o proletariado com o resultado de que o ganho de uma pessoa é a perda de outra. Além disso, Marx acreditava que os empresários influenciam os legisladores para garantir que seus interesses sejam defendidos em vez da perda de dignidade e direitos dos trabalhadores. Por fim, Marx sentiu que a religião é o "ópio das massas", que os ricos usam para manipular a classe trabalhadora; o proletariado recebe a promessa de recompensas no céu um dia se continuar trabalhando diligentemente onde Deus os colocou (subservientes à burguesia).

No socialismo que Marx imaginou, o povo possui tudo coletivamente, e todos trabalham para o bem comum da humanidade. O objetivo de Marx era acabar com a propriedade privada por meio da propriedade estatal de todos os meios de produção econômica. Uma vez que a propriedade privada fosse abolida, Marx sentiu que a identidade de uma pessoa seria elevada e o muro que o capitalismo supostamente construiu entre os proprietários e a classe trabalhadora seria quebrado. Todos se valorizariam e trabalhariam juntos para um propósito compartilhado. O governo não seria mais necessário, pois as pessoas se tornariam menos egoístas.

Há pelo menos quatro erros no pensamento de Marx, revelando algumas falhas no socialismo. Primeiro, sua afirmação de que o ganho de outra [uma] pessoa deve vir às custas de outra pessoa é um mito; a estrutura do capitalismo deixa muito espaço para todos elevarem seu padrão de vida por meio da inovação e da competição. É perfeitamente viável que várias partes compitam e se saiam bem em um mercado de consumidores que querem seus bens e serviços.

Segundo, Marx estava errado em sua crença socialista de que o valor de um produto é baseado na quantidade de trabalho que é colocado nele. A qualidade de um bem ou serviço simplesmente não pode ser determinada pela quantidade de esforço que um trabalhador despende. Por exemplo, um mestre carpinteiro pode fazer uma peça de mobiliário mais rápida e lindamente do que um artesão não qualificado e, portanto, seu trabalho será muito mais valorizado (e corretamente) em um sistema econômico como o capitalismo.

Terceiro, a teoria do socialismo de Marx necessita de um governo livre de corrupção e nega a possibilidade de elitismo dentro de suas fileiras. Se a história mostrou alguma coisa, é que o poder corrompe a humanidade caída, e o poder absoluto corrompe absolutamente. As pessoas não se tornam naturalmente menos egoístas. Uma nação ou governo pode matar a ideia de Deus, mas alguém tomará o lugar de Deus naquele governo. Esse alguém é, na maioria das vezes, um indivíduo ou grupo que começa a governar a população e busca manter sua posição privilegiada a todo custo. É por isso que o socialismo levou a ditaduras com tanta frequência na história mundial.

Quarto e mais importante, o socialismo está errado ao ensinar que a identidade de uma pessoa está ligada ao trabalho que ela faz. Embora a sociedade secular certamente promova essa crença, a Bíblia diz que todos têm o mesmo valor porque todos são criados à imagem do Deus eterno. O verdadeiro valor humano intrínseco está na criação de nós por Deus.

Marx estava certo ao dizer que a economia é o catalisador que impulsiona a história humana? Não, o que dirige a história humana é o Criador do universo que controla tudo, incluindo a ascensão e queda de cada nação. Deus também controla quem é colocado no comando de cada nação: “O Altíssimo governa o reino dos homens, e o concede a quem quer, e constitui sobre ele o mais humilde dos homens” (Daniel 4.17). Além disso, é Deus quem dá a uma pessoa habilidade no trabalho e a riqueza que vem dele, não o governo: “Aqui está o que vi ser bom e apropriado: comer, beber e divertir-se em todo o seu trabalho em que se esforça debaixo do sol durante os poucos anos de sua vida que Deus lhe deu; porque esta é a sua recompensa. Além disso, quanto a todo homem a quem Deus deu riquezas e bens, também lhe deu poder para comer delas, e receber a sua recompensa, e alegrar-se no seu trabalho; este é o dom de Deus” (Eclesiastes 5.18-19).

O socialismo, apesar de toda sua popularidade em alguns círculos, não é um modelo bíblico para a sociedade. Em oposição ao socialismo, a Bíblia promove a ideia de propriedade privada e emite comandos para respeitá-la: comandos como “Não furtarás” (Deuteronômio 5.19) não têm sentido sem propriedade privada. Ao contrário do que vemos em experimentos fracassados ​​no socialismo, a Bíblia honra o trabalho e ensina que os indivíduos são responsáveis ​​por se sustentarem: “Quem não quer trabalhar não coma” (2Tessalonicenses 3.10). A redistribuição de riqueza fundamental para o socialismo destrói a responsabilidade e a ética bíblica do trabalho. A parábola de Jesus em Mateus 25.14-30 ensina claramente nossa responsabilidade de servir a Deus com nossos recursos (privados).


Notas:

  •  [2] DOUGLAS, J. D. Socialismo Cristão (Texto na íntegra, adaptado). Ver R. B.
  •  [3] GOT QUESTIONS. Socialismo-Christian (Texto na íntegra, adaptado). Ver R. B.

Referências bibliográficas:

  • DOUGLAS, J. D. Socialismo Cristão. In: ELLWELL, Walter A (Editor). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. III. São Paulo: Vida Nova, 1990. Pg. 410.

29 de julho de 2024

Empirismo e fé cristã: David Hume

Por Alcides Amorim

“Se a relação de causa e efeito não é verdadeiramente racional, a prova que os deístas apresentam para mostrar a existência de Deus, no sentido de que tudo quanto existe há de ter uma causa primeira, não resulta ser tão racional como se pretende. Além disso, se a razão pura não nos permite falar de substâncias tais como Deus e alma, mas somente de experiências sem conexões, a intenção dos deístas de falar sobre Deus e alma em termos puramente racionais, cai desde sua base. Mais tarde, Kant diria que foi Hume quem o fez despertar de seu ‘sonho dogmático’…” (In: GONZÁLEZ) [1]

 

Continuando nossas reflexões sobre o empirismo e fé cristã, depois de destacarmos os filósofos John Locke George Berkeley, veremos agora um pouco sobre Hume. Dos filósofos empiristas listados por Brown (Nota 2), este é o que ocupa maior espaço em seu livro.

David Hume(1711-1776) [2] foi uma mistura estranha, Um contemporâneo pensava que parecia mais um "vereador comedor de carne de tartaruga do que um filósofo refinado". Num obituário que escreveu para si mesmo, descreveu-se como "homem de disposição branda, bem-humorado, capaz de formar afetos, mas pouco suscetível de inimizade, e de grande moderação em todas as minhas paixões. Até mesmo meu amor à fama literária, minha paixão dominante, nunca chegou a amargar minha disposição, a despeito das minhas frequentes decepções. Sem dúvida, ele tinha condições melhores para julgar do que nós no dia de hoje.

Nasceu em Edimburgo e entrou na universidade daquela cidade com doze anos de idade, e deixou-a dois ou três anos mais tarde. Desfrutou de uma carreira diversificada, que incluiu a tutela de um lunático, a posição de secretário de um general, e o cargo de bibliotecário em Edimburgo. Por algum tempo, fez parte da embaixada britânica na França, e ficou sendo figura familiar no cenário parisiense. Ao voltar para Londres, trouxe consigo Jean-Jacques Rousseau, que lhe recompensou com acusações de que estava pretendendo matá-lo.

Durante sua vida, Hume foi mais estimado como historiador do que como filósofo Segundo Bertrand Russell, a History of England de Hume, em muitos volumes, era dicada a comprovar a superioridade dos "Tories" aos "Whigs" e dos escoceses aos ingleses. O seu Treatise of Human Nature (1739-40)84 revelou-se uma grande decepção ao autor. Hume tinha esperado que despertaria controvérsia. Ao invés disto, "saiu nați-morto do prelo." Esta obra foi seguida pelas obras famosas Enquiry concerning Human Understanding (1751), An Enquiry concerning the Principles of Morals (1752), Dialogues Concerning Natural Religion (escrita antes de 1752, mas publicada postumamente 1779) e The Natural History of Religion (1757).

Talvez a chave a Hume seja seu ceticismo. Empregava a razão até aos limites para demonstrar as limitações da razão. Levou adiante a teoria representativa do conhecimento até às últimas consequências. Para ele, isto significava que você nem poderia comprovar a existência das coisas fora de si mesmo, nem sequer dentro de si mesmo. Para ele, a "ideia de uma substância... não é nada senão uma coletânea de ideias simples, que são unidas pela imaginação, e que têm um nome específico atribuído a elas, mediante o qual podemos relembrar, ou a nós mesmos ou a outros, aquela coletânea". Percebemos os dados dos nossos sentidos, mas não podemos saber que há qualquer coisa além. A ideia do próprio-eu humano era especialmente elusiva. "Da minha parte, quando entro mais intimamente naquilo que chamo de eu mesmo, sempre tropeço numa ou outra percepção específica, do calor ou do frio, da luz ou da sombra, do amor ou do ódio, da dor ou do prazer. Nunca posso em qualquer tempo apanhar a mim mesmo em flagrante sem uma percepção, e nunca observar qualquer coisa senão a percepção."

Isto talvez pareça esmagador para o leitor não-filosófico que sempre toma por certo que há uma coisa que ele mesmo é e que é mais para ele do que seu corpo. Hume, porém, tem em reserva coisas ainda mais explosivas. Seu maior paradoxo, que ele mesmo reconhece francamente que não aceitaria se não o tivesse comprovado, foi sua negação da causalidade.

Antes de nos reconciliarmos com esta doutrina, quantas vezes devemos repetir a nós mesmos, que o conceito simples de qualquer par de objetos ou ações, por mais que estejam relacionados entre si, nunca poderá nos dar qualquer ideia de poder, ou de uma conexão entre si; que esta ideia surge de uma repetição da sua união; que a repetição nem descobre nem causa qualquer coisa nos objetos, mas, sim, tem influência somente sobre a mente, por aquela transição costumária que produz; que esta transição costumária é, portanto, igual do poder e à necessidade; e são, consequentemente, qualidades de percepções, não de objetos, e são sentidas internamente pela alma, e não percebidas externamente nos corpos?

Noutras palavras, tudo aquilo que, segundo nosso hábito, pensamos em termos de causa e efeito é realmente uma questão de sequência. Não é alguma coisa que acontece entre os objetos. É realmente um hábito mental.

Hume nunca foi pessoa de se deixar sobrecarregar com uma ansiedade pela consistência. A própria razão de ser de muita coisa que estava dizendo era que a pessoa simplesmente não pode ser racionalmente consistente. Quando se voltava ao argumento cosmológico, aceitava o conceito da causalidade imposto pelo bom senso, mas depois negava que pudesse ter utilidade na prova racional da existência de Deus. Tinha dúvidas, com razão, se era possível “para uma causa ser conhecida somente pelo seu efeito”. E, conforme vimos ao discutir Aquino, Hume indicou que não temos o direito de atribuir a uma causa quaisquer capacidades senão aquelas que eram necessárias para produzir o respectivo efeito. Noutras palavras, não temos o direito de dizer que a causa ulterior de uma coisa é a mesma que a doutra coisa. Não temos o direito de dizer que ela é a mesma que o Deus dos cristãos. E não temos o direito de atribuir a uma causa prima (ainda que pudesse ser comprovada tal coisa) atributos morais. Hume estava fazendo uma consideração válida quando disse que a ideia de uma causa prima era “inútil, porque, visto que nosso conhecimento desta causa é derivado inteiramente do decurso da natureza, nunca poderemos, segundo as regras do raciocínio correto, voltar da causa com qualquer nova inferência, ou, fazendo acréscimo ao decurso comum e experimentado da natureza, estabelecer quaisquer princípios novos da conduta e do comportamento”. Mas, como também já vimos, ele estava em terreno menos firme quando ridicularizava a noção de desígnio no universo.

Hume também era cético no que dizia respeito aos milagres. Poderíamos ter pensado que a pessoa que negava a racionalidade da causalidade e, desta forma, subvertia a base da lei científica, dificilmente tivesse a presunção de invocar a lei científica como aliada. No seu ataque clássico contra milagres na Seção X da sua Enquiry, argumentava que os milagres contradiziam as leis da natureza, sendo, portanto, improváveis. A crença deve ser proporcionada pela evidência. Cem ocorrências do acontecimento contrário criavam a pressuposição de que o caso isolado estava dalguma forma errado. Concluiu: "O milagre é uma violação das leis da natureza e, já que a experiência firme e inalterável estabeleceu estas leis, a prova contra o milagre, pela própria natureza dos fatos, é tão integral quanto qualquer argumento tirado da experiência que é possível de imaginar.

Voltando-se (de modo um pouco generalizado) às evidências em prol dos milagres, Hume as pronunciou fracas. Havia uma falta geral de testemunhas discernentes e competentes com bom-senso suficiente para não serem logradas pela fraude. Além disto, devemos levar em conta a notória propensidade da natureza humana para exagerar, a qual forçosamente abala nossa confiança em muitas das histórias. Devemos perguntar, também, por que os milagres não acontecem em nossos próprios dias. Finalmente, devemos lembrar-nos de que todas as religiões alegam milagres, mas nem todos eles podem ser verdadeiros. Destarte, nunca se pode apelar a milagres como o fundamento de uma religião. Nunca podem ser usados para estabelecer a fé. Somente aqueles que já têm fé suficiente podem aceitá-los sem suspeitas.

Hume ainda não tinha acabado seu ataque contra a religião. Em The Natural History of Religion voltou a pegar em armas para atacar o ponto de vista de que a religião original da humanidade era um monoteísmo racional e moral. Hume não tinha mais conhecimento da antropologia do que seus oponentes. O que fez foi sugerir um tipo de hipótese evolucionária. Por meio de fazer uso do seu conhecimento dos clássicos, argumentava que os deuses e deusas do politeísmo (que eram simplesmente seres humanos aumentados) eram progressivamente creditados com diferentes atributos até que finalmente fossem ajuntados num só, e creditados com a infinidade. Lado a lado com este processo havia um aumento de fanatismo. Quanto mais único e sem igual Deus ficou sendo, tanto mais intolerantes ficavam Seus devotos (sejam maometanos, sejam cristãos).

Comentando Hume de modo geral, Bertrand Russell observa que "a filosofia de Hume seja verdadeira, seja falsa, representa a falência da razoabilidade do século XVIII. Subverte todo o pensamento racional, embora Hume, depois de assim ter feito, passou a empregar a razão para ridicularizar outros. De acordo com as premissas dele, ele não tem o direito de dizer que o fogo aquece, nem que a água refrigera. Talvez se trate de uma questão da crença, mas não da razão. Para quem é cético acerca da causalidade, não pode haver base racional para fazer um pronunciamento acerca de coisa alguma.

O próprio Hume tinha seus métodos particulares para tratar das suas dúvidas. Citando as palavras dele mesmo: “Muito felizmente acontece que, visto que a razão é incapaz de dissipar estas nuvens, a própria Natureza basta para este propósito, e me cura desta melancolia e delírio filosófico, ou por meio de relaxar esta tendência mental, ou por meio dalguma distração e viva impressão dos meus sentidos, que oblitera todas estas quimeras. Janto, jogo uma partida de gamão, converso, e me divirto com meus amigos e quando depois de três ou quatro horas de entretenimento, quero voltar a estas especulações, parecem tão frias, forçadas e ridículas, que não sinto no meu coração o ânimo de adentrar nelas mais profundamente.”

Sem dúvida Hume tinha razão em dizer: “Nada há entre qualquer objeto, considerado por si mesmo, que pode nos fornecer uma razão para tirar uma conclusão além dele.” Mas quando (por exemplo) temos encontrado o fogo tantas vezes, sendo que nos queima cada vez que tocamos nele, temos o direito racional de dizer mais do que simplesmente que a queimadura segue o contato com o fogo. O fogo realmente causa a queimadura.

Hume dá a impressão de ser franco ao ponto de aplacar os ânimos quando reconhece que “A natureza sempre é forte demais para o princípio.” No seu sentido literal é uma advertência salutar tanto aos edificadores de sistemas quanto aos destruidores de sistemas no sentido de não terem certeza arrogante nas suas afirmações globais nem nas suas negações globais. Mas a observação de Hume aqui é uma alegação implícita de que sua abordagem (por difícil que seja) é a única que é válida. Na realidade, o ceticismo de Hume está sujeito à suspeita em quase todos os pontos principais.

Já sugerimos que há uma alternativa melhor à teoria representativa da percepção, cuja conclusão lógica é o solipsismo. Quando Hume protestou que nunca poderia observar a si mesmo, estava pressupondo que o próprio-eu fosse um objeto que pudesse ser observado da mesma maneira que se percebe os objetos materiais. Mas, na realidade, denunciou seu segredo mediante o uso repetido da palavra "eu". O fato de que ele é um sujeito consciente, capaz da reflexão introspectiva deveria ter-lhe levado a acautelar-se contra uma negação arbitrária do próprio-eu.

No seu tratamento de milagres, Hume tinha razão em insistir que a crença deva ser proporcional à evidência. O problema não é que Hume era demasiado empírico; não era suficientemente empírico. A primeira vista, seu ensaio é muito plausível. Mas sua técnica é mais um caso de demolição através do blefe e da insinuação do que um caso de argumento exato. Certamente, deve-se prestar atenção às suas advertências contra a credulidade. Mesmo assim, devemos guardar-nos da mesma forma contra uma aceitação acrítica da linha de raciocínio de Hume. Não devemos deixar passar desapercebido que Hume habitualmente evita a discussão de qualquer caso de prova, como, por exemplo, a ressurreição de Jesus, com a qual o cristianismo fica em pé ou cai. Ao invés disto, fala em termos gerais, sempre aumentando a impressão de que nenhuma pessoa inteligente com respeito-próprio poderia levar os milagres a sério.

Ao fazer assim, Hume começou uma tendência que virtualmente se estabeleceu como ortodoxia intelectual, e assim alivia as pessoas da necessidade de pensar por si mesmas acerca dos milagres. Locke tinha argumentado que os milagres fornecem evidências para a fé. Hume inverteu o processo. Os milagres são tão prepósteros que somente aqueles que já têm fé podem aceitá-los. Esta linha de pensamento tem sido aceita não somente pelos agnósticos como também por muitos alegados defensores da fé cristã até ao dia de hoje. Mas não era o ponto de vista dos primeiros cristãos, que estariam de acordo com Locke quanto a isto. Ao tratar de um alegado milagre como a ressurreição de Jesus, o que é necessário não é generalizações mas, sim, um exame concreto das evidências históricas e das teorias alternativas. Se abordarmos o assunto com ideias preconcebidas (conforme Hume virtualmente confessa ao inculcar a lição que os milagres violam as leis da natureza), então nenhuma quantidade de evidências históricas prevalecerá. Se, porém, estivermos dispostos a levar a sério as evidências, o resultado será muito diferente.

Os milagres, no entanto, não são o único item a respeito de que muitos pensadores aceitaram as deixas de Hume. Meramente faz parte integrante da sua aversão ao sobrenatural, da sua insistência desafiadora de que nossos pensamentos não devessem desgarrar além do âmbito físico. David Hume quase ficou sendo o santo padroeiro dos filósofos agnósticos contemporâneos. Numa das suas passagens mais violentas, que veio a ser uma das prediletas entre os empiristas modernos, perguntou: “Quando passamos pelas bibliotecas, persuadidos por estes princípios, quanta devastação devemos fazer? Se tomarmos na mão qualquer volume de teologia ou de metafísica escolástica, por exemplo, perguntemos: Contém qualquer raciocínio abstrato a respeito da quantidade ou do número? Não. Contém qualquer raciocínio experimental a respeito de questões de fatos e de existência? Não. Entregue-o às chamas, portanto: pois nada mais pode conter senão sofismas e ilusões.” O jovem A.J. Ayer já via nestas palavras um esboço do programa do Positivismo Lógico… Basta dizer por enquanto que Hume é importante, não tanto por causa de quaisquer conclusões às quais tenha chegado, mas, sim, por causa da sua relevância histórica como patriarca do ceticismo moderno.

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Notas / Referências bibliográficas:

  • [2] BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 47 a51 (Texto adaptado).