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15 de julho de 2024

Empirismo e fé cristã: John Locke

Por Colin Brown [1]


Locke havia lido as obras de Descartes e estava tão convencido como o filósofo francês de que a ordem do mundo corresponde a ordem do pensamento. Mas não cria que houvesse tal cousa como ideias inatas. Segundo ele, todo conhecimento procede da experiência. Essa experiência pode ser tanto a que nos dão os sentidos como a que nos dá nossa mente ao conhecer-se a si mesma (o que ele chama ‘sentido interno’). Mas na mente não existe ideia alguma antes que a experiência nos conduza a ela…” (GONZÁLEZ) [2].

Continuando nosso estudo sobre o empirismo, queremos destacar neste post o pioneiro do movimento chamado John Locke.

John Locke (1632-1704) [3] era filho de um pequeno proprietário de terras no interior, que também era advogado. Foi para a universidade de Oxford quando o puritanismo [4] estava nos seus dias áureos, e o vice-chanceler da Universidade era o grande John Owen. Entre outras coisas, Locke estudou medicina, e acabou ganhando seu doutorado nesta matéria, John Locke também era uma figura semipública. Mas nos últimos anos da dinastia real dos Stuart, achou mais prudente morar na Holanda, e não voltou senão depois da Gloriosa Revolução de 1688 [5]. Enquanto estava na Holanda teve tempo e tranquilidade para completar seu tratado filosófico importantíssimo, An Essay Concerning Human Understanding (1690), e sua primeira Letter on Toleration (1689). Publicou subsequentemente outras cartas sobre a mesma matéria, e tratados sobre a educação e o governo civil. The Reasonableness of Christianity (1695) foi seguido pelas obras póstumas Paraphrase and Notes on the Epistles of St. Paul (1705-7) e A Discourse on Miracles (1706).

Hoje, Locke é principalmente lembrado por ser o pioneiro da abordagem empirista ao conhecimento. Em Oxford, ficou impressionado com a leitura de Descartes, mas sua própria abordagem foi seguindo uma direção bem diferente. Rejeitou a ideia racionalista de que a mente tinha carimbadas sobre ela, desde o nascimento, certas noções primárias, evidentes por si mesmas. Pelo contrário, retratava a mente como sendo uma peça em branco que recebia de fora as suas impressões. “Suponhamos, portanto,” escreveu na sua retórica característica do século XVII, que a mente é, por assim dizer, um papel branco isento de caracteres, sem quaisquer ideias, como vem a ser suprida? De onde obtém aquela vasta quantidade que a imaginação ativa e ilimitada do homem pintou sobre ela com uma variedade quase infinita? De onde todas as matérias da razão e do conhecimento? Respondo a isto com uma só palavra: da experiência; nela, todo o nosso conhecimento é fundamentado e a partir dela, em última análise, a própria menta deriva. Nossa observação empregada em questões de objetos externos e sensíveis, ou nas operações internas da nossa mente, percebidas por nós mesmos, e sobre as quais nós mesmos refletimos, é aquilo que fornece ao nosso entendimento matérias para pensar. Estes dois grupos de questões são as fontes de todo o conhecimento, de onde emanam todas as ideias que temos, ou podemos naturalmente ter. Noutras palavras, o que conhecemos são ou ideias (impressões na mente de “amarelo, branco, calor, frio, macio, duro, amargo doce, e todas aquelas qualidades que chamamos de sensíveis) ou as reflexões da própria mente sobre elas. A partir dai, Locke tirou a conclusão que a mente humana não tem outro objetivo imediato senão suas próprias ideias e de que “o conhecimento é a percepção da concordância ou discordância de duas Ideias”.

Ao argumentar assim, Locke estava adiantado naquilo que às vezes é chamada a teoria representativa do conhecimento. A própria mente não tem conhecimento direto do mundo externo, porque nunca tem a capacidade de passar por cima dos sentidos e ficar fora deles. Aquilo que a mente percebe são os dados que os sentidos transmitem a ela, para então trabalhar com eles e interpretá-los. Antes de questionarmos a validade desta abordagem e voltarmos nossa atenção ao modo segundo o qual foi desenvolvida por empiristas posteriores, vale a pena fazer uma pausa para ver como Locke defendia a cristianismo contra os céticos dos seus dias.

Locke fazia uma distinção entre a fé e a razão. Definia esta última [a razão] como sendo “a descoberta da certeza ou probabilidade das proposições ou verdades as quais a mente chega por meio da dedução feita de tais ideias, que obteve por meio das suas faculdades naturais, viz, pela sensação ou pela reflexão. A , por outro lado, é o assentimento dado a qualquer proposição não calculada assim pelas deduções da razão, mas, sim, por causa de o proponente merecer crédito, como proveniente de Deus através dalgum modo extraordinário da comunicação. A este modo de os homens descobrirem as verdades chamamos de Revelação”.

Uma ou duas páginas antes, Locke tinha feito a distinção adicional entre aquilo que é de acordo com a razão, aquilo que está acima da razão, e aquilo que é contrário à razão. De acordo com a razão, são as proposições cuja veracidade podemos descobrir, por examinarmos e seguirmos até a origem ideias que temos a partir da sensação e da reflexão; e por dedução natural acharmos verdadeiras ou prováveis. Acima da razão, estão as proposições cuja veracidade ou probabilidade não podemos derivar mediante a razão, a partir daqueles princípios. Contrárias à razão, são as proposições que são inconsistentes com, ou irreconciliáveis com, nossas ideias claras e distintas. Destarte, a existência de um Deus único está de acordo com a razão; a existência de mais de um Deus, contrária [ou contraria] à razão; a ressurreição dos mortos, acima da razão.

Os pensadores talvez discordem quanto àquilo que deve ser colocado em cada compartimento. Eu mesmo desejaria qualificar mais aquilo que quero dizer com "razão” e “ser razoável”. Uma ideia é razoável quando se pode comprovar sua veracidade de antemão. Também pode ser chamado razoável se é justificado pela experiência. Pode ser que contenha implicações que não foram sondadas ou que somos incapazes de examinar no momento. Mesmo assim, se a observação e a experiência justificarem a conclusão, pode ser dito que esta é racional. É neste sentido que eu concordaria com Locke que a existência de Deus está em conformidade com a razão. Há porém, muitos aspectos da fé cristã que, conforme indica Locke, estão acima da razão. O método de Locke era aceitar tais coisas pela autoridade daquilo em que podia acreditar mediante a razão.

A razão é a revelação natural, mediante a qual o Pai da luz, e Fonte de todo o conhecimento, comunica a humanidade aquela porção da verdade que colocou dentro do alcance das faculdades naturais; a revelação é a razão natural estendida por um novo grupo de descobertas comunicadas imediatamente por DEUS, cuja veracidade é garantida pela razão por causa do testemunho e provas que elas dão quanto a terem vindo da parte de DEUS.

Para Locke, os milagres do cristianismo não eram (conforme parecem ser para muitos que gostariam de ser apologistas do cristianismo hoje) algo pelo qual se pede desculpas. Depois de a sua credibilidade ter sido devidamente examinada os milagres são evidências em prol da fé cristã. “Onde o milagre é admitido, a doutrina não pode ser rejeitada, acompanha a certeza de uma atestação divina dada àquele que aceita o milagre, e não podemos questionar a sua veracidade”. Voltaremos a esta questão na ocasião de discutirmos Hume.

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Na verdade, John Locke foi um personagem tão importante, que podemos dizer que ele não foi apenas o pai do empirismo, mas também o pai do liberalismo político, precursor do iluminismo inglês e, ainda influenciador intelectual (jurídico) da Independência dos Estados Unidos. As ideias de Locke no campo político foram revolucionárias. Enquanto criticava o direito absolutistas dos reis, afirmava que a soberania não reside no Estado mas na população, através dos poderes Executivo, Legislativo (o mais importante deles) e Judiciário. Veja, por exemplo estas frases abaixo e o vídeo na sequência:

  • Os indivíduos têm o direito natural de possuir propriedade, e isso nunca pode ser tirado deles sem o próprio consentimento”.

  • Onde não há lei, não há liberdade”.

  • "Consideramos estas verdades como evidentes, que todos os homens são criados iguais, que seu Criador lhes concede certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade" (Declaração de Independência dos EUA, inspirada em John Locke).

  • Não se revolta um povo inteiro a não ser que a opressão seja geral”.




Notas / Referências bibliográficas:

  • [1O Dr. Colin Brown é professor de Teologia Sistemática no Fuller Theological Seminary, em Pasadena, Califórnia, USA. Entre outros livros, é autor de Karl Barth and the Christian Message. Editor de History, Criticism and Faith e o responsável pela edição em inglês do Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, publicado por esta Editora [Vida Nova], ao qual também contribuiu vários artigos.” (BROWN. In: Nota 3, contracapa).
  • [2] GONZÁLEZ, Justo L.E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo: a era dos dogmas e das dúvidas – Vol. 8. São Paulo: Vida Nova, 1984 (1ª ed.), pág. 132 e 133). In:<A era dos dogmas e das dúvidas: a opção racionalista >. Acesso em: 12/07/2024.
  • [3BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 44 a 46 (Texto adaptado). 
  • [4] O puritanismo foi “… um movimento de reforma, frouxamente organizado, que se originou durante a Reforma inglesa do século XVI. O nome surgiu dos esforços para ‘purificar’ a Igreja da Inglaterra realizados por aqueles que achavam que a reforma ainda não tinha sido completada. Posteriormente, os puritanos também passaram a buscar a purificação de si mesmos e da sociedade…” (RENNIE, I. S. Puritanismo. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. III. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 208 e 209. Sobre o contexto histórico e religioso da época, na Inglaterra, veja o texto de Justo González, em A era dos dogmas e das dúvidas (IV): a revolução puritana. Acesso em: 11/07/2024.
  • [5A Revolução Gloriosa foi a última fase da Revolução Inglesa, iniciada em 1642, que ocorreu com a deposição de Jaime II e a ascensão de Guilherme de Orange ao poder na Inglaterra, e que pôs fim ao poder absolutista e dando origem à monarquia constitucional, ou seja, o rei permaneceria no trono inglês, mas com poderes reduzidos. Veja mais em: González, A revolução puritana. In: Nota 4.

21 de fevereiro de 2024

Racionalismo: algumas considerações filosófico-teológicas

 Por Gary R. Habermas [1]

O racionalismo filosófico abrange vários aspectos do pensamento, sendo que todos eles usualmente têm em comum a convicção de que a realidade é de fato racional na sua natureza, e que fazer as deduções apropriadas é essencial para a obtenção do conhecimento. Semelhante lógica dedutiva e o emprego de processos matemáticos fornecem as ferramentas metodológicas principais. Dessa maneira, o racionalismo frequentemente tem sido considerado em contraste com o empirismo.

Formas anteriores do racionalismo encontram-se na filosofia grega, mais notavelmente em Platão, que sustentava que o uso apropriado do raciocínio e da matemática era preferível à metodologia da ciência natural. Esta última, i. é. o empirismo, não só se engana em muitas ocasiões, como também apenas consegue observar fatos neste mundo mutável. Mediante o raciocínio dedutivo, Platão acreditava ser possível Extrair o conhecimento inato que já está presente quando a pessoa nasce, conhecimento este que é derivado do mundo das formas.

O Racionalismo, no entanto, é mais frequentemente associado com os filósofos do iluminismo tais como DescartesSpinozaLeibniz e Pascal. É essa forma do racionalismo da Europa continental o assunto principal deste artigo.

1. Ideias Inatas

Descartes enumerou vários tipos de ideias, tais como aquelas que derivam da experiência, aquelas que são extraídas da própria razão e aquelas que são raras e, portanto, são criadas por Deus na mente humana. Este último grupo era um esteio principal do pensamento racionalista.

Ideias inatas são aquelas que são os verdadeiros atributos da mente humana, que foram dadas à mente por Deus. Sendo assim essas ideias "puras” são conhecidas a prori por todos os seres humanos e, portanto, são cridas por todos. Elas eram de importância decisiva para os racionalistas, de modo que usualmente se sustinha que essas ideias eram a condição prévia para a aprendizagem de fatos adicionais. Descartes acreditava que, sem ideias natas, nenhum outro dado poderia ser conhecido.

Os empiristas [2] atacavam os racionalistas neste aspecto e argumentavam que o conteúdo das ideias chamadas inatas na verdade era aprendido através da experiência das pessoas, embora elas talvez tenham refletido pouco sobre isso. Dessa maneira, aprendemos vastas quantidades de conhecimento através da nossa família, educação e sociedade, que surge bem cedo na vida e que não pode ser contado como inato.

Uma das respostas racionalistas a esse argumento empírico era indicar que havia muitos conceitos largamente usados na ciência e na matemática, que não podiam ser descobertos apenas pela experiência. Os racionalistas, portanto, concluíram que o empirismo não poderia existir sozinho, pelo contrário exigia que grandes quantidades de verdades fossem aceitas pelo uso apropriado da razão.

2. A Epistemologia

Os racionalistas tinham muito a dizer a respeito do conhecimento e de como a pessoa poderia ter certeza. Embora essa pergunta recebesse respostas algo diferentes, a maioria dos racionalistas finalmente voltou para a asserção de que Deus era a garantia definitiva do conhecimento.

Talvez o exemplo melhor dessa conclusão se encontre na filosofia de Descartes. Começando a partir da realidade da dúvida, ele resolveu não aceitar nada de que não poderia certeza. Pelo menos uma realidade, no entanto, poderia ser deduzida dessa dúvida: ele estava duvidando e, portanto, devia existir. Nas palavras do seu ditado famoso: "Penso, logo existo”.

A partir da percepção de que duvidava, Descartes concluiu que ele era um ser dependente e finito. Passou, então, para a existência de Deus através de procedimentos dos argumentos ontológico e cosmológico. Nas Meditações III-IV das suas Meditações de Filosofia Primeira, Descartes sustentou que sua ideia de Deus como infinito independente é um argumento nítido e distinto em defesa da existência de Deus.

Descartes, na realidade, concluiu que a mente humana não é capaz de conhecer nada com mais certeza do que conhece a existência de Deus. Um ser finito não será capaz de explicar a presença da ideia de um Deus infinito à parte da Sua existência necessária.

Em seguida, Descartes concluiu que, sendo perfeito, Deus não poderia enganar seres finitos. Além disso, as próprias capacidades que Descartes tinha para julgar o mundo em seu redor lhe foram dadas por Deus, e, portanto, não o enganam. O resultado é que tudo quanto ele pode deduzir mediante o pensamento claro e nítido (tal como aquele que se acha na matemática), a respeito do mundo e de outras pessoas deve, portanto, ser verdadeiro. Sendo assim, a existência necessária de Deus no somente torna possível o conhecimento, como também garante a verdade a respeito daqueles fatos que podem ser claramente delineados. A partir da realidade da dúvida Descartes passou para a sua própria existência, Deus e o mundo físico.

Spinoza também ensinava que o universo operava segundo princípios racionas que o uso apropriado da razão revelava essas verdades, e que Deus era a garantia definitiva do conhecimento. Rejeitava, no entanto, o dualismo cartesiano, e preferiu o monismo (que alguns chamam de panteísmo), em que existia uma só substância chamada Deus ou natureza. A adoração era expressada de modo racional, de acordo com a natureza da realidade. Dos muitos atributos da substância, o pensamento e a extensão eram os mais importantes.

Spinoza utilizava metodologia geométrica para deduzir verdades epistemológicas que podiam ser tidas como fatuais. Ao limitar boa parte do conhecimento a verdades auto evidentes, reveladas pela matemática, ele acabou construindo um dos melhores exemplos da sistematização racionalista da história da filosofia.

Leibniz expôs o seu conceito de realidade na sua obra importante Monadologia. Em contraste com o conceito materialista dos átomos, as mônadas são unidades metafísicas de força sem igual, que não são afetadas pelos critérios externos. Εmbora cada mônada se desenvolva individualmente, estão inter-relacionadas através de uma "harmonia preestabelecida" lógica, que envolve uma hierarquia de mônadas, disposta por Deus e que culmina nEle, que é a Mônada das mônadas.

Para Leibniz, vários argumentos revelavam a existência de Deus, estabelecido como o responsável pela organização das mônadas num universo racional, que era “o melhor de todos os mundos possíveis". Deus era também a base para o conhecimento, e esse fato explica a existência do relacionamento epistemológico entre o pensamento e a realidade. Leibniz, portanto, voltou para um conceito de um Deus transcendente muito mais próximo da posição sustentada por Descartes e em contraste com Spinoza, embora, nem ele nem Spinoza tenham começado com o eu subjetivo, como fez Descartes.

Dessa maneira, a epistemologia era caracterizada por um processo dedutivo de argumentação, sendo que atenção especial era dada à metodologia matemática, e pela fundamentação de todo o conhecimento na natureza de Deus. O sistema de geometria euclidiana desenvolvido por Spinoza reivindicava ter demonstrado que Deus ou a natureza era a única substância da realidade. Certos estudiosos de convicções cartesianas passaram a sustentar o ocasionalismo, segundo a qual os eventos mentais e físicos correspondem entre si (assim como o barulho de uma árvore que cai corresponde ao acontecimento propriamente dito), sendo que os dois são ordenados por Deus. Leibniz utilizou uma aplicação rigorosa de cálculo para derivar, por dedução, o conjunto infinito de mônadas que culminam em Deus.

Esta metodologia racionalista, e a ênfase dada à matemática em especial, foi uma influência importante sobre a ascensão da ciência moderna durante aquele período. Galileu sustentava algumas ideias essencialmente relacionadas, especialmente no seu conceito da natureza matematicamente organizada e percebida como tal através da razão.

3. A Crítica Bíblica

Das muitas áreas em que a influência do pensamento racionalista foi sentida, a alta crítica das Escrituras é certamente uma das mais relevantes para o estudo das tendências teológicas contemporâneas. Spinoza não somente rejeitava a inerrância e a natureza proposicional da revelação especial nas Escrituras, como também era um precursor de David Hume e de alguns deístas ingleses que rejeitavam os milagres. Spinoza sustentava que os milagres, caso sejam definidos como eventos que quebram as leis da natureza, não ocorrem.

Várias tendências no deísmo inglês refletem a influência do racionalismo da Europa continental e semelhanças com ele; o mesmo pode ser dito sobre a influência do empirismo britânico e as similaridades com ele. Além da aceitação do conhecimento inato disponível a todos os homens, e da dedução de proposições a partir desses conhecimentos gerais, os deístas como Matthew Tindal, Anthony Collins e Thomas Woolston procuravam rejeitar os milagres e as profecias cumpridas como evidências a favor da revelação especial. Na realidade, o deísmo como um todo era geralmente caracterizado como uma tentativa de encontrar uma religião natural à parte da revelação especial. Muitas dessas tendências tiveram efeitos marcantes na alta critica contemporânea.

Avaliação

Embora o racionalismo fosse bastante influente de muitas maneiras, também era fortemente criticado pelos estudiosos que notaram vários pontos fracos.

Em primeiro lugar, Locke, Hume e os empiristas nunca se cansavam de atacar o conceito das ideias inatas. Asseveravam que as crianças pequenas davam pouca indicação, ou até mesmo nenhuma, de alguma quantidade vital de conhecimentos Inatos, Pelo contrário, os empiristas não hesitavam em indicar a experiência dos sentidos como o principal mestre, mesmo na infância.

Em segundo lugar, os empiristas também asseveravam que a razão não poderia ser o único (e nem sequer o principal) meio de se conseguir o conhecimento considerando que uma quantidade tão grande dele é captada pelos sentidos. Embora seja verdade que boa parte do conhecimento não pode ser reduzida à experiência dos sentidos, esse fato não indica que seja o meio principal de se adquirir conhecimento.

Em terceiro lugar, tem sido frequentemente indicado que, isoladamente, a razão leva para um número por demais grande de contradições metafisicas e de outras espécies. Por exemplo, o dualismo de Descartes, o monismo de Spinoza e a monadologia de Leibniz, todos têm sido declarados absolutamente conhecíveis, em nome do racionalismo. Se uma ou mais destas opções forem incorretas, o que se deve dizer a respeito das demais?

Em quarto lugar, refutações da alta critica racionalista e deísta apareceram rapidamente, escritas por estudiosos capazes como John Locke, Thomas Sherlock Joseph Butler e William Paley. A revelação especial e os milagres foram especialmente defendidos contra os ataques. Analogy of Religion (Analogia da Religilo") de Butter em especial, era tão devastador que muitos têm concluido que a obra não é apenas uma das apologéticas mais poderosas a favor da té crista, mas também a razão principal do desfalecimento do deísmo.


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] Gary Robert Habermas “… é um estudioso e teólogo americano do Novo Testamento que frequentemente escreve e dá palestras sobre a ressurreição de Jesus. Ele se especializou em catalogar e comunicar tendências entre estudiosos no campo do Jesus histórico e dos estudos do Novo Testamento”. In: <Gary Habermas>. O artigo – Racionalismo – usado (e adaptado) aqui é uma contribuição de Habermas à Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. III. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 225 a 228.

  • [2] Sobre o empirismo: “… embora tudo isto tenha sucedido no continente europeu, na Grã-Bretanha a filosofia tomava um caminho muito distinto. Esse caminho era o do ‘empirismo’ (de uma palavra grega que significa “experiência”). Seu fundador foi o professor de Oxford, João Locke, que em 1690 publicou seu Ensaio sobre o entendimento humano. Locke havia lido as obras de Descartes e estava tão convencido como o filósofo francês de que a ordem do mundo corresponde a ordem do pensamento. Mas não cria que houvesse tal cousa como ideias inatas. Segundo ele, todo conhecimento procede da experiência. Essa experiência pode ser tanto a que nos dão os sentidos como a que nos dá nossa mente ao conhecer-se a si mesma (o que ele chama “sentido interno”). Mas na mente não existe ideia alguma antes que a experiência nos conduza a ela. Isto quer dizer ainda que o único conhecimento certo é o que se baseia na experiência. Não em qualquer experiência passada, mas unicamente na experiência atual.” (Veja aqui, pág., 8).