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09 julho 2023

Uma República Velha?

Por  Alcides Amorim [1]


Em 1922, comentando a presença de um mendigo vivendo num matagal na capital federal, Lima Barreto observa: “Não diz a notícia dos jornais que o homem se alimentasse de caça e pesca, acabando assim o quadro de uma vida humana perfeitamente selvagem, desenvolvendo-se bem perto da avenida Central que se intitula civilizada”. Nesse trecho da crônica “Variações”, podemos perceber que as transformações indicadas nos capítulos anteriores conviveram com a permanência de tempos anteriores, de tempos quase selvagens. Constatações como esta fizeram muitos estudiosos encararem o regime criado em 1889 como uma superficial reorganização de instituições políticas, sem grandes implicações econômicas ou sociais. Mais ainda: houve quem interpretasse o novo sistema político como um “salto” para trás no tempo histórico, uma ruptura com a tendência centralizadora do Império, que deu lugar ao pleno domínio dos fazendeiros no quadro político nacional.

Da mesma forma que os temas anteriormente discutidos, essas interpretações são alvo de calorosas discussões. Um dos principais aspectos questionados é o suposto enfraquecimento do Estado. A crítica, por sinal, tem sua razão de ser, pois a fragmentação federalista, inversamente ao que ocorreu na época regencial, não fez surgir movimentos separatistas. Ao contrário, o poder central, de certa maneira, se viu fortalecido, pois a Primeira República coincide com a decadência econômica dos proprietários rurais de numerosas regiões e que, por isso, se tornam dependentes das funções, dos recursos e da proteção proporcionados pelo aparelho público federal.

Outras interpretações sublinham que a novidade republicana foi o surgimento de governos estaduais fortemente controlados por grupos oligárquicos, situação que, em razão do Poder Moderador, dificilmente ocorria na época monárquica. Assim, entre o mandão de uma cidadezinha e o presidente da República, surge uma instância intermediária, que barganha favores, empregos e verbas em troca de apoio político. Esse arranjo consiste no núcleo da Política dos Governadores, que, entre 1898 e 1930, dominou a República Velha. Campos Sales, seu idealizador, é, por isso, considerado um político sagaz e de grande imaginação. Uma análise comparativa com o que ocorria em outros países da América Latina revela, porém, que a proposta não era propriamente uma novidade; na Argentina, por exemplo, ela existia desde 1880, sob a denominação de Liga dos Governadores.

Além de disporem de toda uma rede de favores de natureza econômica, os governadores também conseguem apoio político federal para se perpetuar no poder. Isso era possível graças ao fato de os candidatos eleitos estarem sujeitos, segundo as leis eleitorais, à reconfirmação de seus respectivos mandatos pelo Congresso e pelo presidente da República. Os vitoriosos não apoiados pelo grupo dominante passavam, assim, a ser alvo do que popularmente ficou conhecido como degola. No outro extremo dessa cadeia de compromissos e barganhas, o poder estadual concedia carta-branca aos chefes locais para decidirem a respeito de todos os assuntos relativos ao município, podendo, inclusive, indicar protegidos seus para ocupar cargos estaduais.

Tal sistema, aparentemente, atendia aos interesses dos mini, médios e super coronéis. Mas isso só na aparência, pois, na prática, a política republicana contrariava muitos. O problema básico consistia na falta de regras claras a respeito da sucessão de poder, dando lugar, como no caso do gaúcho Borges de Medeiros, a grupos que por décadas se perpetuam no governo. Na ausência do imperador para dar “a última palavra”, ou ao menos para agir como um mediador consensual, são criadas condições propícias para um quadro de permanente conflito armado entre as oligarquias. No plano federal, essa situação propicia o pleno domínio de paulistas e mineiros. Em 1889, além de contar com partidos republicanos organizados há mais de uma década, há fatores econômicos e demográficos que favorecem esses estados. No caso paulista, obviamente, a supremacia econômica decorria do café. Em Minas, a vantagem advinha do fato de tratar-se do mais populoso membro da federação e, portanto, o que mais poderia influenciar nas votações presidenciais. Dessa maneira, não é de se estranhar que, entre 1894 e 1930, as oligarquias paulistas e mineiras tenham elegido nove dos doze presidentes republicanos. Tal situação, vale repetir, marginaliza numerosos grupos oligárquicos, dando origem a um quadro de conflitos e de permanente denúncia – muitas delas meramente oportunistas – contra a corrupção eleitoral e o clientelismo (na época também chamado de “filhotismo”); denúncias que acabam tornando recorrente a opinião de que a monarquia havia sido superior à república.

Em várias regiões brasileiras, violentas disputas entre os grupos oligárquicos reforçam a sensação de regressão social. Um conflito registrado em Mato Grosso, no ano de 1906, leva à deposição do governador local; outro acontecido oito anos mais tarde, no Vale do Cariri, orquestrado por coronéis cearenses – dentre eles padre Cícero –, promove um ataque à capital para depor o governador Franco Rabelo. Tais conflitos acabam exigindo a interferência de tropas federais, como os do estado de Goiás, em que lutas sucessivas entre Caiados e Wolneys desestabilizam a vida política local. Foram também múltiplas as guerras travadas no sertão baiano contra os poderosos Seabras. Em outras palavras, aos olhos de muitos, a vida política republicana havia se transformado, na maioria das vezes, em um campo de tiroteios e emboscadas, e não de diálogo e negociação.

Tais lutas eram, em certo sentido, expressão máxima do que costuma ser definido como coronelismo, forma de “mandonismo local”, particularmente mais intensa no Nordeste, que se baseava na formação de exércitos particulares de jagunços. Estes atuavam criminosamente no sertão desde os tempos coloniais, sendo eventualmente contratados para servir em guerras entre famílias rivais ou, em épocas de muita penúria econômica, para proteger o gado. A novidade da República Velha foi, por um lado, o uso político desses foras da lei, como ocorreu na mencionada revolta cearense do Vale do Cariri, que chegou a reunir bandos compostos por 5 mil jagunços. De certa maneira, a decadência da economia açucareira e do algodão contribuiu para isso, pois extinguiu boa parte dos empregos que garantiam, durante determinados meses do ano, a remuneração de inúmeras famílias sertanejas. Por outro lado, o declínio da produção de borracha nas áreas amazônicas, ocorrido no início do século XX, debilita a solução migratória como uma alternativa à miséria. A combinação entre estagnação econômica, secas e diminuição da emigração fez que aumentasse muito a população sertaneja miserável e a de pequenos proprietários que enfrentam a amarga experiência de declínio social. Por isso, essas populações se tornam facilmente recrutáveis pelos grupos oligárquicos. Não sendo raro que, após o fim dos conflitos, jagunços engrossem fileiras do cangaço “autônomo” – como foi o caso do célebre bando de Lampião –, que vivia do roubo e da extorsão. Tal situação reproduzia no Brasil um quadro não muito distante de desprezadas realidades comuns às mais pobres repúblicas latino-americanas da época.

O coronelismo e o cangaço eram, dessa maneira, um lado sombrio de nossa belle époque e indicam o caráter excepcional das transformações registradas no meio urbano, que, aliás, até a década de 1920 concentra apenas 20% da população brasileira. Trata-se de fato de uma ironia da história: na maioria das regiões brasileiras, o regime nascido em 1889 inverte, em vez de acentuar, a tendência europeizante da segunda metade do século XIX. Não é, portanto, de estranhar que a República Velha, mesmo quando “nova”, tenha gerado inúmeros críticos, a começar pela instituição que lhe deu origem: o Exército.

Conforme já observamos, a partir de 1898, os militares afastam-se da vida política. Tal retraimento, em parte decorrente das desastrosas campanhas de Canudos, também foi conseguida graças à concessão de cargos públicos a oficiais; prática que criou raízes e silenciou as casernas. Em 1910, porém, é dada ao Exército a possibilidade de voltar à cena. Eclode no Rio de Janeiro um levante de marinheiros. Liderados por João Cândido Felisberto, filho de ex-escravos, os revoltosos, em 23 de novembro, apoderam-se de embarcações de guerra e bombardeiam a capital federal. O principal objetivo da revolta revela a ambiguidade republicana, ou, melhor dizendo, a incapacidade de o novo regime romper com o passado: os amotinados exigem a abolição da chibata como castigo; aliás, o uso da chibata já era, de há muito, legalmente proibido. A reclamação estava longe de ser retórica: no dia da eclosão da revolta, um marinheiro carioca havia sido condenado ao nada agradável castigo de 250 chibatadas.

Apesar de a rebelião ter chegado ao fim através de um acordo negociado, o Exército se firma como uma instituição fiadora da ordem. Nesse ano, a campanha do marechal Hermes da Fonseca relança em palanque a defesa do soldo cidadão, salvador da pátria. Uma vez eleito, o marechal não altera em muito – ou melhor, não altera em nada – o quadro republicano. Em 1915, uma revolta de sargentos do Rio de Janeiro indica que o descontentamento havia alcançado a baixa oficialidade. Na década seguinte, outros levantes revelam novas insatisfações. O movimento dos 18 do Forte de Copacabana, de 1922, foi um deles. A revolta origina-se de cartas (falsas, por sinal), atribuídas a Artur Bernardes, nas quais supostamente fazia críticas severas ao Exército. O objetivo dos revoltosos não era nada modesto: depor o presidente. Dois anos mais tarde, novo levante, agora em razão das duras punições destinadas aos amotinados de Copacabana. Conhecidas como revoltas tenentistas, tais movimentos ganham ainda maior destaque com a Coluna Prestes, que, entre 1924 e 1927, cruza o país até se dispersar na Bolívia.

Talvez bem mais importante do que seus épicos desempenhos em batalhas, tenha sido o fato de esses oficiais reformadores passarem a atuar politicamente fora das vias institucionais, recolocando na ordem do dia o golpe militar como um meio de transformar a sociedade, mudança que ajuda a compreender a eclosão da Revolução de 1930. No meio civil, por sua vez, não faltam denúncias contra o sistema político da República Velha. Em 1910, a campanha eleitoral de Rui Barbosa, embora apoiada pela máquina eleitoral da oligarquia paulista, denuncia, em praças e comícios públicos, as constantes fraudes e a corrupção do sistema eleitoral. Escritores em nada conservadores, como Euclides da Cunha e Lima Barreto, alistam-se entre esses críticos à república, o mesmo ocorrendo entre intelectuais vinculados à Semana de Arte Moderna de 1922. Até nas oligarquias dominantes, como as de São Paulo, havia dissidências, conforme ficou registrado em 1926, quando da criação do Partido Democrático.

Em outras palavras, o sistema político dos anos 1920 é um caldeirão prestes a entrar em ebulição. O que falta é um estopim, e Washington Luís o fornece. Ao contrário do que era esperado para as eleições de 1930, o então presidente não indica um mineiro para sucedê-lo, mas sim seu conterrâneo Júlio Prestes. Agindo dessa maneira, o representante da oligarquia paulista acirra os ânimos dos grupos dominantes mineiros. Esses últimos conseguem selar um acordo com segmentos políticos importantes do Rio Grande do Sul e da Paraíba para lançar um candidato próprio à sucessão presidencial, marcada para 1º de março de 1930. Na costura da então denominada Aliança Liberal, os gaúchos consagram um candidato: Getúlio Vargas.

Como se previa, tendo em vista o quadro de fraude eleitoral, os aliancistas são derrotados. Além disso, a maioria dos deputados federais eleitos, que faziam parte da coligação oposicionista, não tem seus mandatos reconhecidos pelo Congresso. Para complicar ainda mais a situação, João Pessoa, um importante membro da Aliança Liberal e governador da Paraíba, é assassinado por motivos políticos. Apoiadas em setores descontentes do Exército, as oligarquias dissidentes dão início ao movimento pela deposição do presidente. Entre 3 e 24 de outubro ocorre a Revolução de 30, que, uma vez vitoriosa, sugere uma indagação: em que o novo regime será diferente do anterior?

Lista dos presidentes deste período [2]:

  • Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891).

  • Floriano Peixoto (1891-1894).

  • Prudentes de Morais (1894-1898).

  • Campos Salles (1898-1902).

  • Rodrigues Alves (1902-1906).

  • Afonso Pena (1906-1909).

  • Hermes da Fonseca (1910-1914).

  • Venceslau Brás (1914-1918).

  • Epitácio Pessoa (1918-1922).

  • Arthur Bernardes (1922-1926)

  • Washington Luís (1926-1930).

Veja também:

Notas:

  • [1] Texto copiado na íntegra (e com adaptações) de: DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010, pp., 175 a 179, Capítulo 26. Para a lista dos presidente, veja Nota 2.

  • [2] In: BEZERRA, Juliana . República Velha. O.C..


Fonte / Referências bibliográficas:

  • BEZERRA, Juliana. República Velha. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/republica-velha/>. Acesso em: 09/07/2023.

  • DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.

20 junho 2023

A Revolução Russa de 1917

A Revolução Russa de 1917 foi uma série de eventos políticos na Rússia, que, após a eliminação da autocracia russa e depois do Governo Provisório (Duma), resultou no estabelecimento do poder soviético sob o controle do partido bolchevique. O resultado desse processo foi a criação da União Soviética, que durou até 1991.

No começo do século XX, a Rússia era um país de economia atrasada e dependente da agricultura, pois 80% de sua economia estava concentrada no campo (produção de gêneros agrícolas).


Rússia Czarista

Os trabalhadores rurais viviam em extrema miséria e pobreza, pagando altos impostos para manter a base do sistema czarista de Nicolau II. O czar governava a Rússia de forma absolutista, ou seja, concentrava poderes em suas mãos não abrindo espaço para a democracia. Mesmo os trabalhadores urbanos, que desfrutavam os poucos empregos da fraca indústria russa, viviam descontentes com o governo do czar.

No ano de 1905, Nicolau II mostra a cara violenta e repressiva de seu governo. No conhecido Domingo Sangrento, manda seu exército fuzilar milhares de manifestantes. Marinheiros do encouraçado Potenkim também foram reprimidos pelo czar.

Começava então a formação dos sovietes (organização de trabalhadores russos) sob a liderança de Lênin. Os bolcheviques começavam a preparar a revolução socialista na Rússia e a queda da monarquia.


A Revolução compreendeu duas fases distintas:

  • A Revolução de Fevereiro de 1917 (março de 1917, pelo calendário ocidental), que derrubou a autocracia do Czar Nicolau II da Rússia, o último Czar a governar, e procurou estabelecer em seu lugar uma república de cunho liberal.

Czar da Rússia Nicolau II

  • A Revolução de Outubro (novembro de 1917, pelo calendário ocidental), na qual o Partido Bolchevique, liderado por Vladimir Lênin, derrubou o governo provisório e impôs o governo socialista soviético.

1º presidente do Partido Bolchevique e líder da
 União Soviética Vladmir Ilitch Ulianov Lênin


O Governo Provisório e o Soviete de Petrogrado

O Governo Provisório iniciou de imediato diversas reformas liberalizantes, inclusive a abolição da corporação policial e sua substituição por uma milícia popular. Mas os líderes bolcheviques, entre os quais estava Lenin, formaram os Sovietes (Conselhos) em Petrogrado e outras cidades, estabelecendo o que a historiografia, posteriormente, registraria como ‘duplo poder’: o Governo Provisório e os Sovietes.

Lenin foi o primeiro dirigente da URRS. Liderou os bolcheviques quando estes tomaram o poder do governo provisório russo, após a Revolução de Outubro de 1917 (esta sublevação ocorreu em 6 e 7 de novembro, segundo o calendário adotado em 1918; em conformidade com o calendário juliano, adotado na Rússia naquela época, a revolução eclodiu em outubro). Lenin acreditava que a revolução provocaria rebeliões socialistas em outros países do Ocidente.

Ao expor as chamadas Teses de abril, Lenin declarou que os bolcheviques não apoiariam o Governo Provisório, e pediu a união dos soldados numa frente que viesse pôr fim à guerra imperialista (I Guerra Mundial) e iniciasse a revolução proletária, em escala internacional, ideia que seria fortalecida com a propaganda de Leon Trotski. Enquanto isso, Alexandr Kerenski buscava fortalecer a moral das tropas.

No Congresso de Sovietes de toda a Rússia, realizado em 16 de junho, foi criado um órgão central para a organização dos Sovietes: o Comitê Executivo Central dos Sovietes que organizou, em Petrogrado, uma enorme manifestação, como demonstração de força.


O aumento do poder dos Bolcheviques

Avisado que seria acusado pelo Governo de ser um agente a serviço da Alemanha, Lenin fugiu para a Finlândia. Em Petrogrado, os bolcheviques enfrentavam uma imprensa hostil e a opinião pública, que os acusava de traição ao exército e de organização de um golpe de Estado. A 20 de julho, o general Lavr Kornilov tentou implantar uma ditadura militar, através de um fracassado golpe de Estado.

Da Finlândia, Lenin começou a preparar uma rebelião armada. Havia chegado o momento em que o Soviete enfrentaria o poder. Foi Trotski, então presidente do Soviete de Petrogrado, quem encontrou a solução: depois de formar um Comitê Militar Revolucionário, convenceu Lenin de que a rebelião deveria coincidir com o II Congresso dos Sovietes, convocado para 7 de novembro, ocasião em que seria declarado que o poder estava sob o domínio dos Sovietes.

Na noite de 6 de novembro a Guarda Vermelha ocupou as principais praças da capital, invadiu o Palácio de Inverno, prendendo os ministros do Governo Provisório, mas Kerenski conseguiu escapar. No dia seguinte, Teotski anunciou, conforme o previsto, a transferência do poder aos Sovietes.


O novo governo

O poder supremo, na nova estrutura governamental, ficou reservado ao Congresso dos Sovietes de toda a Rússia. O cumprimento das decisões aprovadas no Congresso ficou a cargo do Soviete dos Comissários do Povo, primeiro Governo Operário e Camponês, que teria caráter temporário, até a convocação de uma Assembleia Constituinte. Lênin foi eleito presidente do Soviete, onde Trotski era comissário do povo e ministro das Relações Exteriores e, Stalin, das Nacionalidades.


Líder da União Soviética
Josef Stalin


Josef Stalin foi o dirigente máximo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) de 1929 a 1953. Governou por meio do terror, embora também tenha convertido a URSS em uma das principais potências mundiais.

A 15 de novembro, o Soviete ou Conselho dos Comissários do Povo estabeleceu o direito de autodeterminação dos povos da Rússia. Os bancos foram nacionalizados e o controle da produção entregue aos trabalhadores. A Assembleia Constituinte foi dissolvida pelo novo governo por representar a fase burguesa da revolução, já que fora convocada pelo Governo Provisório. Em seu lugar foi reunido o III Congresso de Sovietes de toda a Rússia. O Congresso aprovou a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado como introdução à Constituição, pela qual era criada a República Soviética Federativa Socialista da Rússia (RSFSR).


As ideias de Marx e Engels


As ideias que inspiraram os líderes da Revolução Russa basearam-se em grande parte nas obras do filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) e de seu colaborador Friedrich Engels(1820-1895). A obra fundamental de Marx é O capital, mas uma pequena obra publicada em 1848, em conjunto com Engels, teve grande influência nos anos seguintes: trata-se de O manifesto comunista.
Nessa obra, que teria muita influência na Revolução Russa, Marx e Engels diziam que a sociedade capitalista estava dividida basicamente em duas classes sociais: a burguesia, formada pelos proprietários de fábricas, terras, bancos etc., e o proletariado, formado pelos trabalhadores em geral, sobretudo das indústrias. Eles acreditavam que, por meio de uma revolução, o poder político passaria às mãos dos trabalhadores (a ditadura do proletariado), eliminando as enormes desigualdades sociais.
Marx passou boa parte da vida em Londres escrevendo O capital, uma análise da economia capitalista, fundamental para definir as bases da futura sociedade socialista. Em 1888, cinco anos depois da morte de Karl Marx, uma cópia de O capital chegou às mãos de um jovem russo, estudante de direito, que pouco antes havia sido expulso da Universidade de Kazan devido a suas atividades revolucionárias. O nome do rapaz era Vladimir Ilitch Ulianov, e a obra de Marx o impressionou muito. Ele passaria à história com o nome de Lenin, que usava para despistar a polícia do czar (PILETTI: 2003, Pág. 113).

A guerra civil

O novo governo pôs fim à participação da Rússia na I Guerra Mundial, através do acordo de Paz de Brest-Litovsk assinado em 3 de março de 1918. O acordo provocou novas rebeliões internas que terminariam em 1920, quando o Exército Vermelho derrotou o desorganizado e impopular Exército Branco antibolchevique.

Lenin e o Partido Comunista Russo (nome dado, em 1918, à formação política integrada pelos bolcheviques do antigo POSDR) assumiram o controle do país. A 30 de dezembro de 1922, foi oficialmente constituída a União de Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A ela se uniriam os territórios étnicos do antigo Império russo.


Significado da palavra czar

A palavra czar, que se pronuncia-se “tzar”, tem suas origens no título de césar, que era concedido aos imperadores romanos, na Idade Antiga.

Na Idade Média, o título de czar era ostentado também por soberanos búlgaros e sérvios.

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Veja também:

<Revolução Vermelha – Episódio I: Rússia – Família Te Atualizei> (Para assinantes do canal).

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Referências bibliográficas:

  • PILETTI, Nelson & Claudino. História: EJA - Ensino Fundamental - 4º Ciclo. São Paulo: Ática, 2003.

19 junho 2023

Os fazendeiros industriais

Por
DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato [1]


“No final do século XIX, foram instaladas as primeiras indústrias em São Paulo. O dinheiro que movia o café financiou máquinas mais modernas e importou mão-de-obra especializada. Durante essa fase de transição entre os dois séculos, a cidade de São Paulo iniciou seu processo de modernização e foi o principal centro industrial do Brasil, atraindo a alta sociedade advinda do café. Em um primeiro momento, os senhores do café construíram suas casas no centro da cidade, mas a cidade não parou de crescer. Com o aumento das atividades comerciais e sociais, o centro começou a desenvolver e se tornar um pólo comercial. Buscando um novo lugar onde pudessem construir suas mansões em “paz” e longe de toda a agitação das movimentadas vias do centro de São Paulo, foi construída a Avenida Paulista” [2]... 

“… Empresas aqui instaladas nos anos 1920, data, aliás, em que São Paulo desponta como principal centro industrial, relegando o Rio de Janeiro ao segundo lugar…” (O. C.).

Um dos assuntos mais polêmicos da história brasileira diz respeito à industrialização. Rios de tinta foram gastos em vários escritos a respeito do tema e verdadeiras montanhas de estatísticas digladiam-se, de um texto a outro, com o objetivo de demonstrar diferentes hipóteses. Em um aspecto, porém, a maioria dos pesquisadores parece concordar: ao contrário da evolução ocorrida no mundo europeu, a indústria brasileira não resultou de um lento e progressivo desenvolvimento do artesanato e da pequena manufatura, mas já nasceu grande, na forma de fábricas modernas.

Paradoxalmente, tal situação foi possível graças ao atraso econômico nacional. Na década de 1880, quando aqui começaram a ser implantadas as primeiras indústrias, a maquinaria fabril europeia já contava com cem anos de desenvolvimento técnico, e foi justamente com essa tecnologia importada que teve início nossa industrialização. Contudo, a aparente vantagem apresentava um gravíssimo inconveniente que deixa traços até os nossos dias: ela não estimulou o desenvolvimento de tecnologia industrial própria, muito necessária quando se quer construir máquinas que fazem máquinas ou simplesmente ajustar a produtividade aos padrões internacionais. Dessa maneira, fortes laços de dependência internacional foram gerados, seja pelo fato de as novas técnicas serem caríssimas, seja por serem alvo de monopólios zelosamente protegidos pelas grandes indústrias estrangeiras.

Além disso, a importação de tecnologia serviu de desestímulo ao desenvolvimento educacional. Aliás, não deixa de ser interessante observar que, no Brasil, o inventor, o gênio que da garagem da casa revoluciona o mundo, verdadeiro herói da era industrial, nunca foi um personagem socialmente muito importante. Não que faltasse gente talentosa e criativa, mas sim – vale repetir – pelo fato de aqui, ao contrário do mundo europeu, a industrialização não ter sido resultado de uma lenta incorporação de avanços técnicos à pequena produção manufatureira.

Qual seria então a proveniência dos capitais iniciais das indústrias brasileiras? Quem foram os nossos primeiros empresários? Ora, mais uma vez cabe sublinhar que várias pesquisas convergem para um mesmo ponto: nossa primeira industrialização, 1880-1930, grosso modo, originou-se da importação de máquinas modernas custeadas pelo mundo agrário tradicional. Quanto a isso, o caso paulista, região que se tornaria principal polo industrial do país, é exemplar.

Ao contrário do que se imagina, São Paulo nem sempre foi a região brasileira mais industrializada; até o início do século XX, a região ocupava uma situação relativamente modesta. E em 1907, por exemplo, o censo industrial indicou que a capital federal tinha duas vezes mais fábricas do que os vizinhos do Sul; Minas Gerais, por sua vez, vinha nessa listagem em segundo lugar, cabendo a São Paulo uma modesta terceira colocação, seguida então pelo Rio Grande do Sul. Em relação ao capital investido e à produção por fábrica ou ao número de operários por estabelecimento, a situação não era melhor: os paulistas perdiam em todos esses itens para os pernambucanos, que, por sua vez, ocupavam o sexto lugar na listagem de número total de indústrias brasileiras. Ainda com base nos dados de 1907, é bastante esclarecedor o fato de praticamente 85% da produção industrial nacional estar localizada fora das fronteiras paulistas. Ao contrário do que sugere o divulgado mito de “locomotiva do Brasil”, os habitantes da antiga terra dos bandeirantes não lideraram nosso primeiro processo de industrialização.

Tal qual ocorria em vários lugares, os fazendeiros paulistas investiam os recursos extras da lavoura de exportação na compra de máquinas. Muitos viam nesse investimento uma forma de complementar as atividades agrícolas. Desse modo, não era raro fazendeiros de algodão inaugurarem fábricas de fiação e tecelagem, pecuaristas fundarem fabriquetas de couro e cafeicultores voltarem-se para a produção de vagões e de máquinas que beneficiavam café. Havia ainda aqueles simplesmente interessados em diversificar os investimentos, ampliando assim as fontes de renda familiar; homens como Antônio da Silva Prado e Antônio Álvares Penteado que, entre fins do século XIX e início do XX, foram prósperos fazendeiros de café e, ao mesmo tempo, fundaram vidraria e fábrica de aniagem.

O que, porém, teria levado São Paulo a se tornar o principal polo industrial e quando isso ocorreu? Ora, uma vez mais adentramos em um campo de infindáveis polêmicas, cabendo aqui sintetizar a explicação mais recorrente. Primeiramente, cabe ressaltar que os paulistas possuíam a mais próspera atividade agrícola do país. Desde a década de 1830, o café havia se tornado o principal item da economia brasileira. No ano de 1900, o produto rendia, em exportações, dez vezes mais do que o açúcar, vinte vezes mais do que o algodão e quase trinta vezes mais do que o tabaco; somente a borracha – que estava vivendo seu período áureo – podia rivalizar com o café; mesmo assim, o fruto do extrativismo nos seringais da Amazônia contribuía, no quadro das exportações, com um quarto do que representava a matéria-prima da popular bebida matinal. 

Alimentada por férteis terras e por estradas de ferro que viabilizavam a expansão da fronteira agrícola em regiões bastante afastadas do litoral, a lavoura cafeeira paulista, entre 1886 e 1910, aumentou sua participação na produção nacional de 42% para 70%, deixando muito para trás seus vizinhos fluminenses. Números ainda mais impressionantes quando recordamos que, na última data mencionada, o Brasil controlava cerca de 75% da produção mundial, o que significava dizer que os paulistas produziam aproximadamente metade do café comercializado no mundo; produção que, em 1906, implicava a exportação de algo não muito distante de um bilhão de quilos!

Ora, tal situação garantia o ingresso de polpudas rendas para a economia local, ampliando o mercado consumidor e as fontes de renda para o investimento fabril. Além de contar com recursos abundantes que podiam ser canalizados para a indústria, os paulistas dispunham ainda de outras vantagens que os capacitavam a superar industrialmente as demais regiões brasileiras. Uma delas foi a de ter recebido milhões de imigrantes europeus, que competiam com os ex-escravos no mercado de trabalho, fazendo com que, até aproximadamente a década de 1920, os salários localmente pagos fossem inferiores aos despendidos por empresários cariocas e gaúchos; havendo casos, como o das indústrias de vestuário e de calçado, em que tais vencimentos eram até inferiores à média nacional, incluindo aí as regiões nordestinas atrasadas.

Transformações políticas também contribuíram para a prosperidade econômica paulista. Conforme mencionamos em outro capítulo, durante o Império, a província de São Paulo contribuía muito mais em impostos do que recebia em benefícios e investimentos públicos. Ora, a República, ao inaugurar o federalismo fiscal, em muito ampliou as verbas orçamentárias de prefeituras e do governo estadual, dando origem localmente ao que denominamos anteriormente de belle époque: um período de grandes obras públicas e de ampliação dos espaços urbanos. Obras e reformas que geravam milhares de empregos, incentivando o crescimento das cidades – sendo o exemplo mais impressionante o da capital paulistana, cuja população, entre 1872 e 1914, aumentou de 23 mil para 400 mil habitantes – e multiplicando o mercado consumidor de produtos industriais, como o de calçados, vestuário, bebidas, etc.

Por outro lado, São Paulo soube reagir com criatividade às crises econômicas. Como ocorria desde o período colonial, a expansão local da lavoura de exportação acabou gerando problemas de superprodução. As curiosamente denominadas safras-monstros levavam a drásticas variações de preço do café. Assim, ao compararmos os anos de 1890 e 1906, constataremos que, em libras esterlinas – moeda de referência da época –, houve uma queda pela metade no preço internacional do produto-rei da economia brasileira. Os paulistas, após amargarem por mais de uma década, reagiram à crise promovendo, em 1906, o que ficou conhecido como Convênio de Taubaté, reunião dos produtores brasileiros com o objetivo de lançar uma política de valorização do café. Tal política consistia na compra, estocagem e até destruição da mercadoria, com o objetivo de manter ou recuperar seu preço internacional. Embora produtores mineiros e fluminenses tenham sido reticentes a medidas tão radicais, elas, com o apoio do governo federal e de empréstimos internacionais, acabaram sendo implantadas. Contrariando as expectativas liberais da época, a valorização obteve êxito: entre 1907 e 1915, o preço internacional do café praticamente dobrou. O alívio foi tal que as safras-monstros de 1917 e 1921 acabaram – com sucesso, diga-se de passagem – sendo enfrentadas da mesma maneira. Em 1925, a defesa do café torna-se permanente. Essa política, se não salvou a economia paulista da crise de 1929, pelo menos em muito diminuiu seus efeitos, preparando, já no início da década de 1930, uma retomada local do crescimento econômico.

A prosperidade da economia paulista, por sua vez, abriu caminho para que muitos imigrantes ascendessem socialmente. No entanto, raros foram os casos como o do sapateiro português Antônio Pereira Ignacio, fundador das fábricas Votorantim, que, começando a trabalhar aos 11 anos de idade, criou um império. Na maioria das vezes, os imigrantes empresários já chegavam com algum recurso ou eram originários da classe média e traziam consigo um importante capital: o capital cultural, ou seja, vinham qualificados do ponto de vista da educação formal. Esses foram os casos de Alexandre Siciliano, Antônio de Camillis ou, para citar o mais famoso deles, Francisco Matarazzo. Além disso, tais imigrantes nem sempre se dedicavam imediatamente à atividade industrial. Muitos atuaram primeiramente na agricultura de exportação ou no comércio interno de alimentos, reproduzindo assim uma trajetória social típica dos fazendeiros industriais.

Porém, durante a belle époque, a expansão econômica paulista esteve longe de ser uma marcha triunfal rumo à modernidade. Havia aspectos nefastos na política de valorização. Um deles dizia respeito ao estímulo para que surgissem novos países produtores. O aumento da oferta fazia com que os mercados internacionais ficassem cada vez mais exigentes em relação ao produto, levando à progressiva marginalização das regiões com cafezais antigos. Por outro lado, a estocagem era um recurso que não podia ser utilizado indefinidamente, o que levava, em alguns períodos, à destruição do produto, conforme observou Blaise Cendrars: “De 1929 a 1934, durante os anos cruciais da crise financeira mundial o IDC [Instituto de Defesa do Café] destruiu 36 milhões de sacos de café. Cargas de café foram atiradas ao mar. Queimou-se café nas caldeiras das locomotivas. Em Santos, uma montanha de sacos de café empilhados uns sobre os outros ardeu dia e noite durante todos os anos da crise e talvez até a declaração de guerra. Digamos uns 50 milhões de sacos... Era um absurdo”.

Além de “queimar” recursos que poderiam ter sido utilizados nas indústrias, a defesa do café tinha ainda outros efeitos negativos. Ela criava fortíssimas pressões pela desvalorização da moeda da época, mil-réis, encarecendo a importação de maquinário industrial. Pressões, aliás, nada desprezíveis, pois, ao receberem o pagamento pela venda do café em libras esterlinas, os fazendeiros lucravam muito com a desvalorização da moeda nacional. Tendo em vista essa relação, ao mesmo tempo complementar e contraditória, entre lavoura exportadora e indústria, compreende-se por que não houve uma veloz revolução industrial paulista, mas sim um processo de transformação econômica lento e cheio de percalços. A mesma afirmação é, com certeza, válida para o resto do Brasil, que somente em meados da década de 1940 assistiu à indústria superar a agropecuária no conjunto das riquezas nacionais.

Outro aspecto importante para explicar nossa industrialização tardia diz respeito à oposição intelectual feita a ela. Não foram poucos os que a encaravam como uma “criação artificial” da sociedade brasileira. Posição partilhada por conservadores, opositores a todo e qualquer tipo de indústria e à própria vida urbana a ela associada, assim como por liberais ortodoxos, que defendiam o emprego dos capitais nacionais na agricultura, deixando a importação ou a produção de artigos industriais a cargo de companhias estrangeiras.

Uma vez que essa posição encontrava numerosos adeptos entre políticos e ministros, não é de se estranhar a boa acolhida dada ao capital internacional. Embora em uma escala bem menor do que a registrada na década de 1950, esses investimentos atingiram, durante a República Velha, numerosos e diversificados setores de nossa economia. Entre estes, incluíam-se ramos tradicionais, como os das estradas de ferro e de bondes, ou ramos vinculados à energia, como os investimentos da Light e da General Electric, ou à indústria farmacêutica, com os investimentos da Rhodia e da Bayer, ou ainda atividades vinculadas à fabricação de carros e pneus, com a instalação da fábrica da Ford e da Goodyear. Empresas aqui instaladas nos anos 1920, data, aliás, em que São Paulo desponta como principal centro industrial, relegando o Rio de Janeiro ao segundo lugar.


Veja também:


Notas:

  • [1] Texto copiado na íntegra (e com adaptações) de: DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010, pp., 170 a 174, Capítulo 25.

  • [2Imagem e texto (“…”) disponíveis em: <A avenida Paulista>. Acesso em: 19/06/2023.


Fonte / Referência bibliográfica: 

  • DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.

12 junho 2023

Frida Vingren: uma voz feminina no início do pentecostalismo brasileiro

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Artigo de autoria de meu antigo colega de classe, Thiago Tropardi Gonçalves, na disciplina O Papel da Mulher no Protestantismo Brasileiro, ministrada no Curso História e Teologia do Protestantismo no Brasil, pela Professora Rute Salviano Almeida, na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, em fevereiro de 2015.

O movimento evangélico brasileiro é caracterizado, assim como na América do Norte, por sua grande variedade, por suas ricas e mesmo incomuns manifestações, e por ter sido intensamente impactado, no início do século XX pelo surgimento de uma nova força no mundo Protestante, O Movimento Pentecostal contemporâneo.

Apesar de existirem questões concernentes à proporcionalidade incompatível de evangélicos no Brasil e nos Estados Unidos, o contexto do surgimento do Pentecostalismo nos dois países tem semelhanças importantes. Tanto no Brasil quanto nos Estado Unidos a grande maioria das denominações históricas já estavam seguramente instaladas quando da ocasião do surgimento do Pentecostalismo, obviamente os protestantes eram minoria em terras tupiniquins, o que não ocorria no norte da América, contudo já havia uma base protestante sólida em território nacional.

Nesse sentido, não importa em qual dos dois países, o Pentecostalismo desde seu início tem na sua origem a essência de ser uma dissidência protestante surgida a partir das Igrejas Históricas ou, dependendo da perspectiva do observador, concomitantemente à mesma. Traduzindo em rápidas palavras: O Pentecostalismo moderno é um movimento Protestante tanto na origem quanto em seu posterior desenvolvimento. Aqueles que questionam a essência do movimento e propõe total incompatibilidade entre o Protestantismo Histórico e Tradicional e o Movimento Pentecostal claramente se mostram ignorantes com relação a essência histórica, bíblica e revolucionária do protestantismo, bem como também o fazem em se tratando da natureza, doutrina e história do Movimento Pentecostal.

Pentecostalismo é Protestantismo gostem ou não os Protestantes não-pentecostais. E, no caso do Brasil, a discussão é consideravelmente mais séria e relevante que no resto do mundo. Levando-se em consideração os debates e controvérsias sobre se de fato é legítimo falar em “Protestantismo Brasileiro” ou se o termo correto a ser usado seria “Protestantismo no Brasil”, tal discussão parte da premissa de que, de fato, existe a possibilidade de um “Protestantismo Brasileiro” não existir visto que o protestantismo praticado no Brasil em poucas ocasiões foi autônomo e/ou independente de influências estrangeiras. O Protestantismo Brasileiro nunca teria saído de baixo das asas de seus irmãos europeu e norte-americano e, por essa razão, faria então muito mais sentido falar em um “Protestantismo no Brasil”, ou seja, um protestantismo estrangeiro praticado em solo brasileiro.

Tomando como ponto de partida a discussão acima, muitos especialistas defendem ser o Pentecostalismo o legítimo "Protestantismo Brasileiro". O Pentecostalismo teria sido a modalidade de protestantismo que realmente adentrou à sociedade brasileira transformando-a enquanto foi transformado por ela. O Pentecostalismo alcançou pessoas, camadas sociais e grupos que o protestantismo histórico encontrou imensas dificuldades para alcançar ou mesmo que, na prática, nunca pretendeu atingir. Pentecostais dialogaram extensivamente com cultos afros e práticas populares tradicionais presentes na sociedade brasileira enquanto dialeticamente rejeitaram ainda outro enorme número de práticas populares tradicionalmente praticadas em diversas regiões do país. Apenas para citar um exemplo, enquanto alguns grupos pentecostais usam como instrumentos musicais apenas o violão e o teclado, outros levam atabaques, bumbos e diversos instrumentos de percussão de origem africana para cultuar ao Senhor nos cultos de domingo à noite. Pentecostalismo, na prática, é Ecclesia Reformata et Semper Reformanda est [1].

Isto posto, parece salutar observar a vida e obra de uma das grandes vozes da História do Movimento Pentecostal Brasileiro. Passemos então a observar vida e obra de Frida Maria Strandberg Vingren, conhecida popularmente como Frida Vingren.

Frida, assim como a maioria das grandes mulheres da História do Cristianismo, sendo ao mesmo tempo missionária, obreira, mãe e esposa encontrou muitas dificuldades no transcorrer de sua vida de fé, e como cristã fervorosa, jamais perdeu as esperanças ou a confiança de que seu Salvador a poderia livrar de qualquer mal e auxiliá-la a superar as mais terríveis dificuldades, mesmo àquelas presentes no cotidiano do contexto missionário.

Frida nasceu em Själevad, Västernorrlands, região norte da Suécia no dia 9 de Junho de 1891, filha de Jonas Strandberg e Margareta Sundelin. Os pais de Frida construíram uma grande família e a jovem teve vários irmãos. Seus pais eram cristãos luteranos, Frida, portanto, foi criada em uma família cristã e recebeu educação luterana quando criança, estudou até o nível superior sendo formada em enfermagem. Não obstante, a jovem, apesar de luterana na origem, logo começou a participar de cultos em uma igreja pentecostal. Sobre essa fase da vida de Vingren, Araujo comenta: “Ela tornou-se membro da Igreja Filadélfia de Estocolmo, onde cooperava. Batizada em águas pelo pastor Lewi Pethrus, em 24 de Janeiro de 1917, pouco tempo depois recebeu o batismo no Espírito Santo. Posteriormente, recebeu o dom de profecia.” [2]

Jovem com talentos incomuns Frida possuía aptidões e foi, durante sua vida e ministério, missionária, enfermeira, musicista, compositora de hinos da Harpa Cristã, pregadora, redatora, escritora, pesquisadora, ensinadora, pastora, mãe, esposa, administradora do lar e por vezes da igreja. A jovem, de fato, possuía talentos extraordinários. Analisaremos alguns destes talentos com mais cuidado no decorrer do texto.

É significativo que o Primeiro líder e fundador das Assembleias de Deus no Brasil fosse a favor de um ministério feminino mais ativo na Igreja. Gunnar Vingren, esposo de Frida, sempre desejou que sua esposa e que as mulheres assembleianas tivessem mais atuação no seio da igreja. Uma controvérsia conhecida ocorreu entre Vingren e Samuel Nyström o segundo missionário na linha de liderança da denominação. Nos eventos que antecederam a Convenção Geral das Assembleias de Deus de 1930 Vingren e Nyström travaram uma batalha em função da questão da ordenação feminina e da liberdade de atuação das mulheres na pregação e ensino na igreja, sobre esse fato Gunnar escreveu em 1929: “Samuel Nyström chegou do Pará. Não se humilhou. Sustenta que a mulher não pode pregar nem ensinar, só testificar. Disse mais que, provavelmente, vai embora do Brasil.” [3]

Em outro encontro relatado por Gunnar Vingren o missionário conta que Nyström foi a São Paulo e a Santos para ter apoio dos Missionários Daniel Berg e Simon Lundgren e assim finalmente convencer Vingren a respeito do ministério feminino ser ilegítimo, sobre esse encontro Vingren aponta o seguinte desfecho:

Chegaram Samuel, Simon e Daniel. Samuel não se humilhou. Separamo-nos em paz, mas para não trabalhar mais juntos, nem com jornal ou nas escolas bíblicas, até o Senhor nos unir. Simon disse que ficava de fora e Daniel tinha convidado Samuel a trabalhar em São Paulo. Assim disse para ele: Estamos separados. [4]

Apesar da sentença declarada pelo líder das ADs eles voltariam a trabalhar juntos, Nyström na verdade chegou a trabalhar com Frida em uma das ocasiões em que, na ausência de Gunnar, eles dirigiram juntos a Assembleia de Deus em Belém do Pará. Samuel conta a respeito dessa época: “A irmã Frida Vingren e eu trabalhávamos em colaboração. Muitos foram salvos e batizados nas águas e Jesus continuava batizando no Espírito Santo [5]". Entretanto Araujo defende que esta aceitação de Samuel com relação a Frida se dá apenas por ele considerar que a jovem missionária e o evento em que ocorrera seu pastorado eram uma exceção à regra e não pelo fato de o cofundador da denominação aceitar o ministério feminino na igreja [6].

Dentre as muitas funções que Frida acumulou durante sua vida a função de Pastora e pregadora foi de fundamental importância para o posterior desenvolvimento da denominação. Frida não exerceu apenas o pastorado em Belém, anos mais tarde ela assumiria a igreja em São Cristovam no Rio de Janeiro, a maior e mais importante igreja Assembleia de Deus no país, nas ocasiões em que seu esposo estava ausente, seja por enfermidade ou por ocasião de suas muitas viagens missionárias. Frida além de dirigir os cultos em São Cristovam (uma igreja para dois mil membros) por diversas vezes foi pregadora ao ar livre, assim Wesley e Withefield na Inglaterra do século XVIII.

Quando Gunnar não podia dirigir os cultos na AD de São Cristovam, devido ás suas muitas enfermidades, quem os dirigia era sua esposa. Os cultos ao ar livre no Rio de Janeiro, promovidos no Largo da Lapa, na Praça da Bandeira, na Praça Onze e na Estação Central eram dirigidos por Frida. Era costume também que ela ministrasse estudos bíblicos. [7]

Sobre os cultos ao ar livre e a pregação ainda é importante salientar que Frida foi “… a missionária que aprendeu português mais rápido. Dois meses após sua chegada fez sua primeira pregação" [8]. Ivar Vingren, filho de Frida e Gunnar, em uma visita à CPAD, em 1985, faz a seguinte afirmação sobre sua mãe: “... tinha um dom de ensinar e pregar como ninguém, e por essa razão sofreu muita perseguição [com relação a seu ministério de ensino e pregação]” [9].

Além dos cultos ministrados ao ar livre e na Igreja em São Cristovam, Frida ainda possuía um trabalho relacionado aos cultos em presídios, fontes afirmam que Frida era a dirigente oficial de cultos realizados na Casa de Detenção aos domingos, elucidando assim alguns aspectos a respeito da ativa rotina da missionária sueca em solo carioca.

Outro aspecto de Frida é o da ensinadora e escritora. Frida foi a única mulher na história das Assembleias de Deus a escrever comentários da Revista Lições Bíblicas, a revista oficial das escolas dominicais da Assembleia de Deus no Brasil. Era Frida quem dirigia a Escola dominical na Igreja de São Cristovam e, além de ensinar, era conhecida por sua postura incansável e por sua capacidade de rapidamente resolver os mais diversos problemas que lhe desafiavam.

Frida, como ensinadora cristã, participou ativamente na direção do jornal assembleiano Som Alegre e escreveu para o Jornal Boa Semente. Ambos se fundiriam e se tornariam o jornal tradicional da denominação, o Mensageiro da Paz.

Frida escreveu diversos artigos para esses jornais, a maioria deles tratavam de questões como a vida cristã, a fé, os dons espirituais, entre outros. Dos artigos publicados de autoria da missionária se destacam: A Fé dos Santos, de Janeiro de 1930, para o jornal Som Alegre; Dons Espirituais, também de Janeiro de 1930, para o jornal Som Alegre; Cristo Ressuscitado, de Abril de 1931, pelo recém fundado Mensageiro da Paz; e Ganhando o mundo e perdendo a Alma, de Setembro de 1931 para o jornal Mensageiro da Paz. Um de seus artigos, intitulado de A Fé dos Santos, mostra bem o estilo apologético, ético, escatológico e doutrinário de seus escritos: Peleja pela fé uma vez entregue aos santos, diz o apóstolo Paulo. Se naquele tempo havia necessidade de tal advertência – ainda mais hoje que é o tempo da apostasia. Um dos maiores sinais da segunda Vinda de Cristo é a apostasia.

A fé dos santos” é  uma das doutrinas fundamentais que o apóstolo nos recomenda guardar. Sim, ele diz: “pelejai por ela” – a fé. Isto inclui tanto (a fé), o uso prático dela em nossa vida particular, como um trabalho defensivo.

Proclamemos, portanto, em primeiro lugar, a salvação completa de todos os vícios e pecados. Uma salvação que comece no coração pelo novo nascimento e depois penetre em todo seu ser – corpo, espírito e alma [10].

Frida foi uma das mais influentes ensinadoras da denominação desde sua fundação, ademais também foi a mulher a conquistar maior espaço de atuação como pastora, pregadora ensinadora, escritora e também como musicista. Sobre todas essas qualidades da jovem missionaria sueca Araujo comenta:

Frida, então, desenvolveu, junto com o marido, intensas atividades evangelísticas, abrindo frentes de trabalho em muitos lugares. Todo o trabalho social da igreja, bem como a direção dos grupos de oração, de visitadoras e de evangelização, ficou sob a responsabilidade da missionária. Dirigia também a Escola Dominical, e nos cultos, fazia a leitura bíblica inicial. Tocava órgão, violão e cantava hinos, ás vezes sozinha, as vezes em companhia do esposo. […] escreveu profundas mensagens evangelísticas, doutrinárias e de exortação, além de compor belos hinos para o louvor a Deus, e fazer traduções. Na Harpa Cristã há 24 hinos com o seu nome (16 versões e 8 autorias), todos de grande valor espiritual.

Frida foi, pode-se dizer, uma das chamas que o senhor ascendeu no mundo para iluminar o caminho de muitos pecadores, sua obra ao lado de seu esposo Gunnar mudou em definitivo a história religiosa de toda uma nação. O valor do trabalho da missionaria, seus sofrimentos e dificuldades são, certamente, incalculáveis. Sua dedicação como pastora, pregadora, ensinadora, musicista, mãe, esposa, editora e escritora são tamanhos que, quando olhamos pelos retrovisores da história a trajetória da maior denominação protestante do país, nenhuma mulher parece se destacar tanto quanto a valorosa missionária sueca e, de fato, nenhuma outra mulher parece ter sido de tamanha importância para o avanço da igreja de Cristo no Brasil. Sem o zelo missionário e o esforço evangelístico dos primeiros missionários pentecostais suecos e norte americanos no Brasil, a pouca força da igreja tradicional/história teria se feito sentir de modo muito menos intenso. Não fossem as privações e dificuldades superadas por cristãos suecos que, perseguidos em sua nação de origem, vinham ao Brasil com zelo fervoroso pelas almas, nossa nação seria outra. Uma nação muito mais católica e com uma influência protestante muito menor em termos de proporção e intensidade.

Nesse sentido, os evangelistas pentecostais anônimos e os conhecidos, como no caso de Frida, tem em suas histórias o fascinante legado de ter levado Cristo a uma nação, não apenas a nação branca de classe média e alta, mas a nação brasileira realmente carente e necessitada de um salvador em todos os sentidos. Cristo, levado pela chama pentecostal e pregado pelos lábios pentecostais, alcançou a população simples e necessitada do Brasil como nunca antes. Nasce, com os pentecostais, a religião mais negra do Brasil, a mais alegre, apaixonada e por vezes perseguida. Nasce o protestantismo brasileiro e, não apenas isso, em suas relações e trocas de informação e vitalidade com o catolicismo romano popular, nasce o Cristianismo Brasileiro, em alguns aspectos um movimento absolutamente valioso e belo, em outros por vezes problemático. Mas, diferente do protestantismo tradicional, um cristianismo que experiências, vivencias e convicção religiosa dialética e simbiótica. Não existem experiências na igreja pentecostal que sejam compradas ou rejeitadas a priori, apenas experiências adquiridas e experimentadas.

Frida morre na Suécia aos 49 anos, no dia 30 de setembro de 1940, sete anos após Gunnar (falecido em 1933). Após uma vida de trabalhos incessantes, lutas e as mais diversas dificuldades, após passar fome, noites de oração em agonia e lágrimas, além das enfermidades sofridas por ela e pelo esposo [11].

No túmulo de sua mãe Ivar escreveu a seguinte mensagem: “Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará sem dúvida com alegria, trazendo consigo os seus molhos” (Salmos 126.6).

 

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Veja também:

A missionária sueca perseguida no Brasil, internada em hospício e ‘esquecida’ pela História.


Referências bibliográficas:

  • ARAUJO, Isael de. Dicionário do Movimento Pentecostal, 1ª Edição. Rio de Janeiro. CPAD: 2007.

  • MESQUITA, Antônio Pereira de. (Editor). Mensageiro da Paz: Artigos Históricos, 1ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.


Notas:

  • [1]  “Igreja Reformada sempre em Reforma” ou “Igreja reformada sempre se reformando”.
  • [2]  ARAUJO, 2007, p. 903.
  • [3]  Idem, p. 493.
  • [4]  Idem, p. 493.
  • [5]  Idem, p. 493.
  • [6]  Araujo comenta que “… o fato de Nyström ter uma posição definida sobre o assunto não o impediu de trabalhar com uma mulher a frente da obra, quando se fez necessário. Por outro lado, ele também não mudou sua opinião. Ele entendia que aquilo se tratava de algo excepcional” (ARAUJO, 2007, p. 493,494).
  • [7]  ARAUJO, 2007, p. 492.
  • [8]  Idem, p. 905.
  • [9Idem, pp. 905, 906.
  • [10VINGREN, Frida, Mensageiro da Paz: Artigos Históricos. CPAD, 2004, p. 32.
  • [11Em carta envia dia 27 de Maio de 1932 Frida escreve: “Somente o Senhor sabe da tribulação e do sofrimento que têm sido o preço do trabalho. Têm sido dias e noites de oração, lágrimas e agonia. Mas também não foi em vão pois temos visto a glória de Deus se manifestar. Tendo [sido] completamente esgotada dos nervos e também sofrida do coração, mas o Senhor tem me ajudado e curado muitas vezes” (ARAUJO, 2007, p. 905). Seu esposo Gunnar, confidencia o seguinte: “Durante o ano passado, eu tinha uma dívida. Então, para pagá-la, fizemos um esforço especial no último trimestre, e fomos forçados a viver com quase nada. A minha família teve que andar com roupa velha e usada. Minha esposa é testemunha de como eu tratei de compra somente o mais necessário. Mas eu agradeço ao Senhor por tudo, pois poderia ter sido muito pior” (ARAUJO, 2007, p. 905).

04 junho 2023

A importância da cultura para a História


O que é cultura e qual sua relação com a História? Como um conjunto de padrões integrados de comportamento, manifestados entre os membros de uma sociedade, a cultura constitui um fenômeno de interesse e objeto de estudo por parte dos cientistas sociais. Das várias ciências que são “auxiliares” (conjugadas) da História, a Antropologia é a que dá maior contribuição para entender esse fenômeno. Por isso, historiadores sociais como os da Escola das Mentalidades, defendem uma interpretação histórica. Daí, ser a cultura um conceito antropológico e também historiográfico, uma vez que ela serve como “lente” para o entendimento da evolução humana. Os sistemas culturais – valores, crenças, religião etc – dos povos não podem ser desligados da interpretação histórica. A História, portanto, como foi proposta nesse breve trabalho, é uma ciência sociocultural que estuda o cotidiano dos indivíduos, auxiliada pelas ciências sociais...

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Veja o trabalho completo em:

<A importância da cultura para a História>.


Campo 14 – bebês mortos a pauladas, fome e execuções: a vida em um campo de concentração norte-coreano

P or J ones R ossi  [ 1 ] Uma aula no Campo 14   Os  professores do Campo 14 eram guardas uniformizados:  tratados por Shin no desenho acima...