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24 outubro 2024

Reflexões sobre textos escatológicos (3): Hora

Por: Alcides Amorim

Jesus respondeu: Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo” (Jo 11.9) [1].

Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última hora”  (1Jo 2.18).


No intuito de estudar textos bíblicos que tratam de escatologia – estudo das últimas coisas –, achei por bem ver um pouco sobre unidades de tempo (hora, dia, mês, ano etc.), desta feita iniciando pela palavra HORA. Isto é, os vários sentidos da palavra e, especialmente, a hora, no sentido escatológico.

Destaco abaixo, primeiramente a palavra hora como tempo definido (preciso) entendida nos tempos bíblicos no sentido hebraico e romano. Em seguida, a mesma palavra com o sentido escatológico.

1. Hora como divisão de tempo

Em seu sentido mais preciso, uma hora é um doze-avo (1/12) do período em que o sol aparece. Na referência acima, João 11.9, Jesus fala de um dia com luz de 12 horas, computadas do nascer até o pôr do sol. A noite, no entanto, era composta de três vigílias (judaicas) ou quatro vigílias (romanas), computadas desde o pôr do sol até o nascer do mesmo. “Visto que o nascer e o pôr do sol variavam conforme o período do ano, as horas bíblicas não podem ser traduzidas exatamente conforme as modernas horas cronométricas; e, seja como for, a ausência de cronômetros exatos significa que o tempo do dia era indicado em termos mais gerais do que entre nós”[2]. Os romanos computavam seu dia civil como período que se iniciava à meia-noite, enquanto que os judeus reputavam-no como tendo início ao pôr do sol. Considerando os dois modelos de contagem [3], temos:

a) Dia claro das 6 às 18 horas:

  • Primeira hora = 6 a 7 da manhã;
  • Segunda hora = 7 a 8 da manhã;
  • Terceira hora = 8 a 9 da manhã;
  • Quarta hora = 9 a 10 da manhã;
  • Quinta hora = 10 a 11 da manhã;
  • Sexta hora = 11 a 12 Meio dia;
  • Sétima hora = 12 (meio dia) a 1 da tarde;
  • Oitava hora = 1 a 2 da tarde;
  • Nona hora = 2 a 3 da tarde;
  • Décima hora = 3 a 4 da tarde;
  • Décima primeira hora = 4 a 5 da tarde;
  • Décima segunda hora = 5 a 6 da tarde, ou 18 horas.


a) Dia escuro (noite) das 18 ou 6 da tarde, às 6 horas (manhã do outro dia):

Em Mateus 14.25 encontramos: “Mas, à quarta vigília da noite, dirigiu-se Jesus para eles, andando por cima do mar”.

Segundo Russell Champlin: “… os romanos dividiam a noite em quatro vigílias, de três horas cada uma, costume esse que evidentemente foi adotado pelos judeus desde os tempos de Pompeu, e que se reflete nas Escrituras do N.T. Essas vigílias começavam, respectivamente, às 18:00 horas, às 21:00 horas, às 24:00 horas e às 3:00 horas” [4]. Considerando o critério romano, portanto, como sendo a noite dividida em quatro vigílias, temos:

  • Primeira vigília = das 18 às 21 horas;
  • Segunda vigília = das 21 às 24 horas;
  • Terceira vigília = das 24 (0 hora) às 3 horas;
  • Quarta vigília = das 3 às 6 horas.

Então, podemos dizer que Jesus dirigiu-se para seus discípulos, andando por cima do mar, à noite, entre três e seis horas da manhã. E para exemplificar também o dia segundo o critério romano, citando o texto de Mateus 20.1-10, encontramos ali a parábola dos obreiros da vinha ou parábola dos trabalhadores. Considerando apenas o sentido literal da parábola temos os termos: “madrugada” (v. 1), equivalente a algum momento antes das seis horas; “hora terceira” (v. 3), equivalente às nove horas; “hora sexta e nona” (v. 5), equivalentes, respectivamente, às doze e quinze horas; e, finalmente, “hora undécima” (v. 6), equivalente às dezessete horas.

Neste e em outros exemplos, podemos perceber a palavra hora com o sentido de o momento (a hora) de algum acontecimento. Outros exemplos: “… Pai, salva-me desta hora…” (Jo 12.27); “… Simão, dormes? não podes vigiar uma hora?” (Mc 14.37); “E Pedro e João subiam juntos ao templo à hora da oração, a nona” (At 3.1); “… E naquela mesma hora o seu criado sarou” (Mt 8.13) etc.


2. Hora no sentido profético/escatológico 

Nas Escrituras vemos também a palavra hora com o sentido profético, ou seja, de algum acontecimento a ser revelado no futuro. Sobre isto, queria destacar alguns versículos e buscar entender seus significados escatológicos.

a) Hora da volta de Jesus:

Sobre a hora da vinda de Jesus, encontramo-na em várias passagens dos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) e também em João. Exemplo: “Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor(Mt 24.42); “… daquele dia e hora ninguém sabe...”(Mc 13.32); “… porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais…(Lc 12.4). Também relacionada à ressurreição dos mortos encontramos em João: “… vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz…” (Jo 5.28).

b) Hora da recompensa dos que servem a Jesus:

As várias etapas (da chamada de trabalhadores para a vinha do “Pai de família”) de Mateus 20, se assemelham ao “reino dos céus”, disse Jesus. Isto significa que há trabalhadores que trabalham mais tempo no Reino, outros menos e outros, ainda, muito menos. Mas todos receberão os seus galardões do “Dono da vinha”, tantos os que foram chamados de “madrugada” (v. 1), quantos os que foram chamados na “hora terceira” (v. 3), “hora sexta e nona” (v. 5) e ainda na “hora undécima” (v. 6), todos serão recompensados. Observe que “horas”, descritas na parábola, tem o sentido literal (tempo de trabalho) e pagamento pelo mesmo, e também profético, podendo referir-se, no sentido espiritual, aos servos de Deus que serão recompensados pela sua atividade no Reino de Deus, o Senhor da Vinha. Portanto, para Deus, uns servem desde criança, outros começam à meia idade e, outros ainda, na velhice ou final da vida. Mas todos são alcançados pela graça de Deus. “Assim é a graça de Deus. A sua graça se adapta à necessidade, juntamente com o seu desígnio de transformar o trabalhador, mas não de acordo com os méritos do mesmo. Não obstante, Deus não ignora totalmente o mérito, porque a recompensa dos galardões será distribuída segundo o trabalho feito… O ‘dono’ não fizera qualquer promessa a estes últimos trabalhadores, nem mesmo um salário segundo fosse ‘justo’. Não obstante, receberam o galardão da promessa feito àqueles que haviam trabalhado longa e arduamente... Ficamos certos, por ensinos como estes, que o Todo-poderoso usa de benevolência, o que basta para dar à existência humana uma grande significação...” [5].

Quando (a que hora?) será a recompensa dos galardões? Será após a volta de Jesus: “E, eis que cedo venho, e o meu galardão está comigo, para dar a cada um segundo a sua obra” (Ap 22.12).

c) Última hora e hora da tentação

Quero destacar aqui três referências que falam da palavra hora no sentido de fim dos tempos e de juízo:

  • Porque já é tempo [hora] que comece o julgamento pela casa de Deus; e, se primeiro começa por nós, qual será o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus?” (1Pe 4.17). A expressão kairós” (o kairos tou) é traduzida na versão que estou usando (ACF), por tempo (o tempo é chegado) e em outras versões (como a NVI), por “hora” (é chegada a hora). Kairós (do qual falaremos em outro momento) tem o sentido de tempo certo ou oportuno. Percebe-se pelo texto que hora ou tempo ali expresso ou ainda não chegou apesar da expressão “já é tempo/hora”, ou o final desta hora (julgamento) ainda também não chegou. Mas o certo é que o julgamento começa pelo povo de Deus. Não era ainda o fim… [e] se o julgamento é tão rigoroso para o povo de Deus, sua severidade para os incrédulos é indescritível (17b, 18; cfr. Luc .23.31). Mas o cristão tem um segredo que o incrédulo não tem. Pode entregar-se às mãos de Deus em inteira confiança, ciente de que Ele não pode falhar” [6].

  • Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última hora(1Jo 2.18). Alguns termos são importantes ser destacados neste verso: “última hora”, “anticristo” e “anticristos” (no plural). Primeiramente, a “última hora” já chegou? João diz que sim, mas ainda não terminou. Como sabemos disto? Porque Jesus ainda não voltou! Muitos “anticristos” se referem aos inimigos de Cristo, que representa um grupo (ou parte da sociedade) com índole anticristã, isto é, que vive contrária à vontade e modo de pensar de Cristo. Como eu disse aqui “… João reconhece que era esperado um único anticristo, [mas nesta sua Carta] ele dirige a sua atenção aos muitos anticristos que já apareceram negando que Jesus é o Cristo, contrariando, assim, a verdadeira natureza do Pai e do Filho... Os docetistas contemporâneos [de João] não davam crédito à humanidade de Cristo (2Jo 7), alegando que Ele parecia ter a forma humana. Para João, eles eram a concretização do espírito do anticristo”. Anticristo, neste caso, é alguém que “… assalta a Cristo propondo-se fazer ou preservar o que Ele fez, ao passo que O nega” (Westcott) [7]. Mas, há também o anticristo, um personagem maligno especial que recebe vários nomes da Bíblia, como "filho da perdição" (2 Ts 2.3; cf. Jo 17.12); “o iníquo" (2 Ts 2.8); a “besta” (Ap 13) e outros.

  • Como guardaste a palavra da minha paciência, também eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra” (Ap 3.10). Esta palavra de promessa dita por Jesus a respeito da Igreja de Filadélfia, é muitas vezes interpretada pelos dispensacionalistas/pré-tribulacionistas como um livramento dos cristãos fiéis da Grande Tribulação que virá ao mundo. A Igreja de Filadélfia, que representa o último estágio da Igreja Cristã, segundo a interpretação dispensacionalista, é também um exemplo dos cristãos fiéis que serão arrebatados da terra antes deste momento. Este é um assunto que merece um artigo à parte. Por ora, pensando na hora a que se refere o texto, quero apenas dizer que embora se trate de um momento de um determinado acontecimento, a hora, no sentido expresso aqui ainda não chegou. Chegará de forma singular com muita provação para o mundo. Paulo fala deste momento como sendo “… a ira futura” (1Ts 1.10). A ira de Deus virá, mas o povo de Deus será livrado da (ou na?) mesma. Bem, livrado através do Arrebatamento? Veremos sobre isto em outro momento…

Concluindo, até aqui, tentei destacar neste artigo, a palavra hora em dois sentidos: como um momento mais preciso, uma divisão ou parte do dia de doze horas (dia claro) ou parte de uma vigília (dia escuro/noite). Mas também no sentido profético, futurístico, que aponta para a última hora ou a hora em que virão: a grande tribulação; o surgimento de muitos anticristos – além dos que já existiram ou existem – e o Anticristo (principal); a volta do Senhor; a ressurreição dos mortos; o fim do mundo…

Veja também o vídeo de André Sanchez a seguir, sobre a primeira parte do assunto, “como as horas eram contadas na Bíblia”.


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] As referências bíblicas utilizadas em todo o artigo são da versão A.C.F. - Almeida Corrigida Fiel. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf>.
  • [2] BRUCE, Frederick Fyvie. Hora. Apud: SHEDD, R. P. (Editor). O Novo Dicionário da Bíblia, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1979 (3ª ed.), pág. 723.
  • [3] Veja também o cronograma feito por Jesse de Barros, aqui.

  • [4] CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. São Paulo: Hagnos. 2002, Vol. I, pág. 425 (comentário sobre Mt 14.25).

  • [5] CHAMPLIN (Nota 4): Comentário de Mateus 20.9, pág. 498. 
  • [6] MCNAB, Andrew. In: SHEDD, Russel P. (Editor). O Novo Comentário da Bíblia, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1963 (1ª ed.). Comentário sobre IPe 4.17. 
  • [7] In: SHEDD (Nota 7). Comentário sobre 1João 2.18.

12 agosto 2024

Infalibilidade: católicos x protestantes

Por: Alcides Amorim

Raio atinge a basílica de São Pedro, no Vaticano [1]


Infalibilidade [2] é o estado de ser isento de erro. Em inglês, “infalível” aparece na AV (“Authorized Version”) em At 1.3 com referência à ressurreição de Cristo. Todavia, não há palavra correspondente no grego, sendo omitida nas versões posteriores.

O fato de que a revelação de Deus em Jesus Cristo é infalível, no sentido geral de fornecer à humanidade o caminho infalível da salvação, é aceito por todos os cristãos, mas o lugar exato da infalibilidade é uma questão de controvérsia. Três principais linhas de pensamento podem ser discernidas, as quais correspondem a três divisões principais da cristandade. A Igreja Ortodoxa Oriental acredita que os concílios gerais da Igreja são guiados pelo Espírito Santo, de modo que não erram; a Igreja Romana acredita que o papa é pessoalmente preservado do erro por Deus; e o pensamento protestante depende da suficiência da Escritura Sagrada como guia da auto-revelação de Deus. Podemos inter-relacionar estas três teorias da seguinte maneira: os cristãos de todas as tradições atribuem às Sagradas Escrituras um lugar sem igual na determinação do evangelho, e existe um extenso corpo de fé em comum que delas é derivado. Esta fé em comum é escrita e definida ainda mais pelos concílios realizados nos primeiros séculos, dos quais pelo menos quatro recebem aprovação universal. A Igreja Ortodoxa continua a depender de concílios, a Igreja Latina finalmente chegou a definir o papado como o lugar exato da infalibilidade, ao passo que os protestantes confiam nas Escrituras como derradeira fonte de autoridade. Atenção especial deve ser dada à doutrina da infalibilidade papal e à doutrina protestante da suficiência e supremacia das Escrituras.

1. Infalibilidade do papa

A doutrina da infalibilidade do papa foi definida pela Igreja Católica Romana no ano de 1870. Declara que o papa é capacitado por Deus a expressar infalivelmente o que a Igreja deve crer, quanto às questões de fé e moral, quando fala na sua capacidade oficial de “vigário de Cristo na terra” ou ex cathedra [3].

Por trás deste dogma estão três pressuposições discutidas por outros cristãos:

  • (1) que Cristo instituiu o cargo de “vigário” para Sua Igreja na terra;

  • (2) que este cargo é exercido pelo bispo de Roma; e

  • (3) que o vigário de Cristo é infalível nas suas declarações sobre fé e moral.

Os fundamentos nos quais a Igreja de Roma baseia estas pressuposições podem ser resumidos da seguinte maneira:
  • (1) A declaração de nosso Senhor a Pedro registrado em Mt 16.18: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”, subentende que Cristo fez de Pedro o cabeça da igreja ou o seu “vigário na terra”.

  • (2) Pedro foi bispo em Roma e, por isso, constituiu esta sé no bispado supremo sobre a terra, transmitindo aos seus sucessores a prerrogativa de ser o vigário de Cristo.

  • (3) O vigário de Cristo deve ser infalível pela própria natureza do caso.

Os três argumentos são necessários à doutrina da infalibilidade papal, e revelam uma falibilidade que torna impossível às Igrejas Ortodoxa e Protestante aceitá-los.

Recentemente, as atitudes católico-romanas diante da infalibilidade papal mudaram um pouco como resposta ao diálogo ecumênico, à investigação histórica e, mais recentemente, ao livro de Hans Küng [4]. O desafio de Küng, provocado pela regra papal sobre os anticoncepcionais, deu origem a um debate vasto e ainda sem solução dentro do catolicismo. Küng argumentou que o cargo didático do papa (magisterium), na realidade, tinha tomado muitas decisões oficiais contraditórias e errôneas no decurso dos séculos, e que os católicos devem, portanto, somente falar de uma “indefectibilidade da Igreja”, posição esta de semelhança marcante àquela de alguns protestantes, conforme têm indicado muitos católicos. O debate tem forçado todos os católicos a definirem com maior clareza exatamente aquilo que a infalibilidade papal envolve, de modo que possam cortar muitas ideias exageradas sobre ela; e muitos católicos progressistas têm procurado incluir bispos, teólogos e até mesmo a igreja inteira na sua ideia de uma tradição de fé verdadeira, infalivelmente preservada. Enquanto isso, os historiadores têm demonstrado que a indefectibilidade da igreja era o conceito reconhecido no Ocidente até cerca de 1200, quando, então, foi lentamente substituído pela infalibilidade da igreja e, finalmente, pela infalibilidade do papado, posição esta proposta pela primeira vez em cerca de 1300, mas calorosamente debatida nas escolas e nunca sancionada oficialmente senão em 1870.

2. Infalibilidade das Escrituras

Quando nos voltamos ao pensamento protestante ou evangélico no tocante a esta questão, descobrimos que, quando a palavra é usada, a infalibilidade é atribuída às Escrituras do AT e do NT, como o registro profético e apostólico. Assim acontece no quádruplo sentido:

  • (1) de que a Palavra de Deus infalivelmente atinge o seu propósito;

  • (2) de que nos dá testemunho fidedigno da revelação salvífica e da redenção divina em Cristo;

  • (3) de que ela nos fornece uma norma autorizada de fé e conduta; e

  • (4) de que através dela fala o Espírito de Deus infalível que a deu.

Em anos recentes, a concentração sobre as questões históricas e científicas, e a suspeita da infalibilidade dogmática alegada pelo papa, têm levado a críticas severas de todo o conceito, mesmo quando é aplicado à Bíblia; e deve ser concedido que o próprio termo não é bíblico e não desempenha um papel de muita importância na própria teologia da Reforma. Mesmo assim, nos sentidos indicados, está bem adaptado para ressaltar autoridade e autenticidade das Escrituras. A Igreja aceita e preserva a Palavra infalível como o verdadeiro padrão da sua apostolicidade; porque a própria Palavra, isto é, a Sagrada Escritura, deve sua infalibilidade, não a qualquer qualidade intrínseca ou independente, mas ao assunto e Autor divinos, a quem o termo “infalibilidade” pode ser apropriadamente aplicado.

Ironicamente, os ataques contra a infalibilidade bíblica, que durante mais de um século vinham principalmente dos protestantes liberais, vieram nesta última década [anos 90] da parte de conservadores, que argumentam que somente “inerrância” (outra palavra não achada nas Escrituras) protege adequadamente a total veracidade e fidedignidade da Bíblia. Os evangélicos dos grupos principais, portanto, especialmente aqueles que aceitam alguns dos métodos e conclusões do estudo moderno das Escrituras, são forçados a defender o conceito tradicional da infalibilidade da Bíblia contra os liberais [veja item 3], como base necessária para receber a revelação divina, colocando-as contra conservadores como base adequada.

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3. Infalibilidade e inerrância das Escrituras [5]

Como protestante conservador, quero destacar a resposta bíblica (neste item 3) que complementa nosso ponto de vista sobre a infalibilidade e inerrância das Escrituras...

A palavra infalível significa "incapaz de erro". Se algo é infalível, ele nunca está errado e é, portanto, absolutamente confiável. Da mesma forma, a palavra inerrante, também aplicada à Escritura, significa "livre de erro". Simplificando, a Bíblia nunca falha.

A Bíblia afirma ser infalível em 2Pedro 1.19: “Assim, temos ainda mais firme a palavra dos profetas.” Pedro continua com uma descrição de como a Escritura passou a existir: "Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo" (2Pedro 1.20-21).

Além disso, vemos a infalibilidade implícita em 2Timóteo 3.16-17: "Toda a Escritura é inspirada por Deus" e tem o efeito de produzir um servo de Deus que seja "apto e plenamente preparado para toda boa obra." O fato de que Deus “inspirou” a Escritura garante que a Bíblia é infalível, pois Deus não pode inspirar um erro. O fato de que a Bíblia equipa servos de Deus "plenamente" para o serviço mostra que ela nos guia à verdade, não ao erro.

Se Deus é infalível, então assim será a Sua Palavra. A doutrina da infalibilidade da Escritura é baseada em uma compreensão da perfeição do caráter de Deus. A Palavra de Deus é "perfeita, e revigora a alma" (Salmo 19.7), porque o próprio Deus é perfeito. Teologicamente, Deus está intimamente associado com a Sua Palavra; o Senhor Jesus é chamado de "a Palavra" (João 1.14).

É importante salientar que a doutrina da infalibilidade diz respeito apenas aos documentos originais. Erros de tradução, de impressão e de datilografia são erros humanos óbvios e são, na maioria das vezes, facilmente localizados. No entanto, o que os escritores bíblicos escreveram originalmente era completamente livre de erro ou omissão, já que o Espírito supervisionou a sua tarefa. Deus é verdadeiro e perfeitamente confiável (João 14.6; 17.3), assim como a Sua Palavra (João 17.17).

A Bíblia afirma perfeição completa (em oposição a uma parcial) no Salmo 12:6, Salmo 19.7, Provérbios 30.5 e em muitos outros lugares. É factual do início ao fim e, de fato, nos julga (em vez de vice-versa): "Pois a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes; ela penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e intenções do coração" (Hebreus 4.12).

A Bíblia é a única fonte objetiva de tudo o que Deus nos deu sobre Ele e Seu plano para a humanidade. Como a infalível Palavra de Deus, a Bíblia é inerrante, autoritária, confiável e suficiente para atender às nossas necessidades.

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A infalibilidade papal, sobretudo a de Jorge Mario Bergoglio, atual Papa Francisco, está sendo questionada? Além do raio citado acima, houve outro em Buenos Aires, terra de Bergoglio, ocorrida no dia de seu aniversário. Veja o vídeo e as explicações a seguir:




Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] O raio que atingiu a cúpula da Basílica de São Pedro, no Vaticano ocorreu em 11 de fevereiro de 2013, horas depois de o Papa Bento XVI anunciar sua renúncia em uma reunião de cardeais. No portal católico Sapientiae Christianae, o artigo sob tema Os tradicionalistas, a infalibilidade e o papa, é encabeçado com esta foto, simbolizando a quebra da infalibilidade do papa, e introduzido pela frase: “Os próprios homens que aparentam possuir autoridade na Igreja ensinam erros e impõem leis nocivas. Como reconciliar isso com a infalibilidade?”. Disponível em: <https://sapientiaechristianae.org/2022/11/21/os-tradicionalistas-a-infalibilidade-e-o-papa/>. Acesso em: 07/08/2024. Veja também o vídeo no final do artigo.

  • [2] PROCTOR, W.C.G. e ENGEN, J. Van. Infalibilidade. In: ELWELL, Walter. A. (Editor). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. II. São Paulo. Vida Nova, 1990, p. 329 a 331 (texto adaptado).

  • [3] "A expressão [e x cathedra] significa ‘do trono’ e é usada para descrever certas declarações ou pronunciamentos feitos pelo papa em suas atribuições na terra como cabeça da igreja e vigário de Cristo. Tais declarações são aceitas pelos católicos romanos como infalíveis. No entanto, não há nenhum critério infalível mediante o qual seja possível determinar quando uma declaração realmente é ex-cathedra. Nem todas as declarações papais são consideradas dentro desta categoria especifica” (TOON, P. Ex Cathedra. In: ELWELL, Walter. A. (Editor). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. II. São Paulo. Vida Nova, 1990, p.130).

  • [4] Hans Küng (1928 – 2021) foi um teólogo suíço, filósofo, professor de teologia. Muito polêmico, mesmo assim, entre 1962 e 1965, trabalhou como perito para o o Concílio Vaticano II. No final da década de 1960, Küng iniciou uma reflexão rejeitando o dogma da Infalibilidade Papal, publicada no livro Infallible? An Inquiry ("Infalibilidade? Um inquérito") em 18 de janeiro de 1970. Em consequência disso, em 18 de dezembro de 1979 foi revogada a sua licença pela Igreja Católica Apostólica Romana de oficialmente ensinar teologia em nome dela, mas permaneceu como sacerdote e professor, a partir de 1979, de teologia ecumênica, em Tubinga até a sua aposentadoria em 1996. Mais em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Hans_K%C3%BCng>. Acesso em: 07/08/2024.