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16 agosto 2023

Semitismo, Antissemitismo e Xenofobia

Semitismo, Antissemitismo e Xenofobia

Por Alcides Barbosa de Amorim


Bandeira de Israel sendo queimada

O antissemitismo é um problema gravíssimo que envolve a todos nós porque o início da verdadeira democracia não se deu em Paris ou até mesmo na Atenas clássica, como alegam os manuais de política, e sim naquilo que o teólogo Os Guinness chama em 'A Carta Magna da Liberdade' (lançado no Brasil pela Edições Vida Nova) de “a Revolução do Sinai”, quando Moisés recebeu a revelação de que há somente um único Deus e que o povo hebreu se tornou nada mais, nada menos que o representante de toda a humanidade…” (Martim V. Cunha) [1]

Neste post queremos destacar as expressões propostas no título acima, pois estão interligados entre si e têm relação com a história de Israel e sua luta no mundo atual. Também destacaremos, posteriormente, o movimento sionista, a formação e o estado atual – físico e político – de Israel.

1. Semitismo X Antissemitismo

De acordo com Gênesis 10, Noé teve três filhos: Sem, Cão e Jafé (v. 1). A partir destes, formou-se a tabela das nações, sendo Sem, o “… ancestral das nações a Leste (Oriente) da terra de Canaã” (Wikipedia). Em Gênesis 10,21 encontramos: “E a Sem nasceram filhos, e ele é o pai de todos os filhos de Éber, o irmão mais velho de Jafé [2]”. Neste e outros versículos como 11.14-17, aparece o nome de Éber do qual nasceu o termo gentílico 'ibhri ou 'hebreu', usado na Bíblia como patronímico [3] para Abraão e seus descendentes. No Antigo Testamento, a designação 'ibhri serve para ligar a revelação abraâmica à promessa do pacto estabelecido com Sem. Trata-se, então, da ligação entre Israel e o semitismo (alusivo a Sem, um dos filhos de Noé) e o pacto entre Yahweh (o Deus de Israel) e seu povo: Israel. Portanto, o termo antissemitismo tem relação com o preconceito contra os judeus, principalmente, mas também contra árabes, etíopes ou assírios.

Nos parágrafos a seguir, em relação a esta primeira parte, vejamos o que M. R. Wilson [4] diz sobre o antissemitismo:

Wilhelm Marr (1819-1904)

O termo foi introduzido em 1879 por Wilhelm Marr [5], um agitador político alemão. Naquela época, designava campanhas anti-judaicas na Europa. Em pouco tempo, antes da era cristã.

A melhor descrição da história do antissemitismo é “longa e dolorosa". Entre os judeus os fatos trágicos do antissemitismo são bem conhecidos, porque eles ocupam uma porção preponderante na história judaica. Hoje, após mais de dois mil anos, esse mal que parece estar em todos os lugares, continua a existir. Por isso, a sensibilidade diante das artimanhas dos supostos antissemitas nunca está longe da consciência coletiva do judaísmo mundial. Nos círculos cristãos, no entanto, a história do antissemitismo – frequentemente sórdida e auto acusadora – geralmente permanece sem ser contada. Aparentemente, isto acontece porque a história da igreja tem quase a mesma duração da história do antissemitismo – se não nos atos abertos dos cristãos, certamente a tem no silêncio culposo deles.

No mundo antigo, o primeiro exemplo importante do antissemitismo ocorre durante o reinado de Antíoco IV Epifânio (175-153 a.C.). A tentativa deste governante selêucida de helenizar os judeus dos seus dias recebeu forte oposição. Os judeus eram monoteístas e, portanto, na sua maior parte, separados dos seus vizinhos gentios. Os gentios consideravam o descanso sabático como preguiça congênita, e a fidelidade às leis dietéticas como superstição grosseira. O ataque de Antíoco contra a religião judaica resultou na profanação do templo. Um porco foi sacrificado no altar, e o seu sangue aspergido nos rolos judaicos. Os governantes sírios consideravam que os judeus eram errantes nômades, um povo sem residência fixa, digno de destruição. Os judeus achavam nojenta a idolatria do mundo grego e, posteriormente, debaixo do império romano, rejeitaram a adoração ao imperador. Assim sendo, os judeus eram vistos como os grandes dissidentes do mundo mediterrâneo. Para os pagãos, vieram a ser personae non gratae, vitimas da discriminação e do desprezo.

A destruição do templo em 70 d.C. marcou uma dispersão dos judeus em larga es- cala. No século II, o imperador romano Adriano (117-138) promulgou decretos que proibiam a prática do judaísmo. Cerca deste tempo, o grande Rabino Akibá foi torturado à morte pelos romanos por meio da remoção da carne do seu corpo com pentes de ferro.

Em 321, Constantino fez do cristianismo a religião oficial do estado romano. Os judeus foram proibidos de fazer convertidos, de servir no exército, e de deter qualquer cargo elevado. Vários séculos mais tarde, sob o governo de Justiniano, os judeus foram impedidos de celebrar a Páscoa judaica antes da Páscoa cristã.

As raízes do antissemitismo teológico derivam de certos ensinos que surgiram nos primeiros séculos cristãos. A revolta judaica de 66-70 d.C. resultou em morte, exílio ou escravidão de milhares de judeus. A igreja gentia, em rápida expansão, pensava que tamanha adversidade era castigo divino, prova da rejeição dos judeus por Deus. Paulatinamente, a igreja considerava que estava tomando o lugar do judaísmo, que era uma fé "morta" e "legalista". A igreja agora estava triunfante acima da sinagoga, tornando-se o novo Israel de Deus, herdeira das promessas da aliança. Mas os judeus, como povo, ainda sofriam sob o jugo romano. Não conseguiram entender a redenção messiânica em termos de um servo sofredor, recusavam-se a crer que Deus tinha rejeitado para sempre o Seu povo escolhido.

Os escritos de vários pais da igreja refletem uma denúncia teológica dirigida contra os judeus. João Crisóstomo, o "boca de ouro", é um exemplo notável Ensinava que “a sinagoga é um prostíbulo e um teatro, … um covil de animais impuros... Nunca um judeu orou a Deus. São todos possessos pelo diabo".

Na Idade Média, os judeus, em grande medida, eram excluídos da cultura cristã medieval. Procuravam evitar as pressões sociais, econômicas e eclesiásticas, habitando por trás de muros de guetos. Era-lhes permitido, no entanto, a prática da usura. Isto levou os cristãos a acusá-los de serem um povo de párias. Os judeus foram obrigados a usar um chapéu distintivo ou uma emenda costurada nas suas roupas. Eram acusados de ter um cheiro distintivo, em contraste com o "odor de santidade". Os judeus também eram caluniados como sendo os assassinos de Cristo; os que profanavam a hóstia, responsáveis pela morte de criancinhas cristãs, causadores da disseminação da peste negra, envenenadores de poços, que mamavam em porcas. A Primeira Cruzada (1096) resultou em numerosos suicídios em massa pelos judeus que procuravam evitar o batismo forçado. Perto do fim da Idade Média, os judeus se tornaram errantes, sem lar. Foram expulsos da Inglaterra em 1290, da França em 1306, e de cidades da Espanha, Alemanha e Áustria, nos anos seguintes.

A inquisição espanhola e a expulsão de 1492 resultou na tortura de milhares de pessoas, queimadas à estaca, ou convertidas à força. Na Alemanha, uma geração mais tarde, Lutero publicou uma série de panfletos vitriólicos, atacando os judeus. A respeito dos judeus, escreveu: "Expulsemo-los do país para todo o sempre".

Por volta do início da era moderna, ocorreu uma revolta sangrenta contra os cossacos na Polônia (1648-58). Apanhados no meio do conflito, cerca de meio milhão de judeus foram mortos. Em outros países europeus naquele tempo, os judeus continuavam a ser perseguidos ou, na melhor das hipóteses, vistos com suspeita ou desprezo.

Na última parte do século XIX, a maior população judaica no mundo (seis milhões de pessoas) estava na Rússia czarista. Ali, os judeus passaram por uma série de massacres ferozes que deixaram um saldo de milhares de mortos. Outros, reunindo-se com judeus de vários países europeus, fugiram para a América do Norte. Lá esperavam achar um lugar que, segundo uma descrição anterior feita por George Washington, oferecia "nenhuma sanção ao preconceito, nenhuma assistência à perseguição". Entre 1880 e 1910 mais de dois milhões de judeus imigraram para os Estados Unidos, passando pela cidade de Nova Iorque. Durante este período, o famoso Escândalo Dreyfus [6], na França (1894), chamou a atenção do mundo para o problema do antissemitismo.

Arraigado no solo da Alemanha, o holocausto do século XX destaca-se como um evento sem paralelo. A propaganda nazista declarava que a raça humana devia ser "puri- ficada" e livrada dos judeus. A "solução final" ao "problema" judaico consistia em campos de concentração, câmaras de gás e crematórios. Entre 1933, quando Hitler subiu ao poder, e o fim da Segunda Guerra Mundial, cerca de seis milhões de vidas foram destruídas. Hoje, em Jerusalém, a Yad Vashem (o nome é tirado de Is 56.5) existe como memorial às vítimas do holocausto e como instituição para pesquisas e documentação.

No presente, o antissemitismo persiste em todos os lugares onde se acham judeus. Os judeus da Rússia e da França têm sido especialmente oprimidos. Nos países europeus e nos Estados Unidos, incidentes antissemíticos recentes têm incluído profanação de sinagogas, inclusive com bombas, de pedras tumulares, dizeres malévolos nas paredes, panfletos nazistas e estereótipos grotescos de judeus, na imprensa. Em outras ocasiões, encontra-se a chamada variedade "distinta" do antissemitismo, isto é, a discriminação e/ou a antipatia revelada contra os judeus nos campos social, educacional e econômico. A Liga de Antidifamação e outras agências judaicas continuam a fazer progresso lento, porém firme, na busca de entendimento entre povos de raças e religiões diferentes.

2. Xenofobia: o mundo contra Israel

Vimos no item acima que os judeus foram vítimas do ódio e preconceito em várias ocasiões desde o Período Inter-bíblico – entre o Antigo e o Novo Testamentos –, durante o domínio romano, na Idade Média, Moderna e até entre cristãos. Depois do texto do autor Wilson (Op. Cit.), anos 80 até hoje, muitos outros exemplos de casos de antissemitismo poderiam ser citados. Por exemplo, o relatório da CONIB (Confederação Israelita do Brasil), de março de 2023, “... apurou casos de antissemitismo classificados em três frentes: antissemitismo entendido como racismo; nazismo e, por fim, negação/banalização do Holocausto” [7]. Os resultados da apuração são alarmantes e demonstram como o antissemitismo continua muito forte e atuante no Brasil.

Por que será que o mundo tem tanto ódio dos judeus (Israel)? Podemos considerar [8], como resumo, as razões a seguir:

  • Teoria Racial – os judeus são odiados porque são uma raça inferior.

  • Teoria Econômica – os judeus são odiados porque possuem muita riqueza e poder.

  • Teoria dos Estrangeiros – os judeus são odiados porque são diferentes de todos os outros.

  • Teoria do Bode Expiatório – os judeus são odiados porque são a causa de todos os problemas do mundo.

  • Teoria do Deicídio – os judeus são odiados porque mataram Jesus Cristo.

  • Teoria do Povo Escolhido – os judeus são odiados porque arrogantemente declaram que são os “escolhidos de Deus”.

Existe alguma verdade nessas teorias?

  • Em relação à teoria racial, a verdade é que os judeus não são uma raça. Qualquer pessoa no mundo de qualquer credo, cor ou raça pode se tornar um judeu.

  • A teoria econômica que cita que os judeus são ricos não é confiável. A história tem mostrado que, durante os séculos 17 – 20, especialmente na Polônia e na Rússia, os judeus eram desesperadamente pobres e tinham pouca, se alguma, influência em sistemas empresariais ou políticos.

  • Quanto à teoria dos estrangeiros, durante o século 18, os judeus tentaram desesperadamente se assimilar com o resto da Europa. Eles esperavam que a assimilação causaria o desaparecimento do antissemitismo. No entanto, foram odiados ainda mais por aqueles que afirmavam que os judeus contaminariam a sua raça com genes inferiores. Isso foi verdade especialmente na Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial.

  • Quanto à teoria do bode expiatório, o fato é que os judeus têm sempre sido odiados, o que os torna um alvo muito conveniente.

  • Quanto à ideia de deicídio, a Bíblia deixa claro que os romanos foram os que realmente mataram Jesus, embora os judeus tenham sido cúmplices. Não foi até algumas centenas de anos depois que os judeus foram citados como os assassinos de Jesus. É de se perguntar por que os romanos não são os odiados. O próprio Jesus perdoou os judeus (Lucas 23:34). Até o Vaticano absolveu os judeus da morte de Jesus em 1963. No entanto, nenhuma declaração tem diminuído o antissemitismo.

  • Quanto à sua pretensão de serem o "povo escolhido de Deus", os judeus na Alemanha rejeitaram a sua posição de "escolhidos" durante a última parte do século 19 para melhor assimilarem a cultura alemã. No entanto, sofreram o Holocausto. Hoje, alguns cristãos e muçulmanos afirmam ser o "povo escolhido" de Deus, no entanto, em grande parte, o mundo os tolera e ainda odeia os judeus.

Isso nos leva à verdadeira razão pela qual o mundo odeia os judeus. O apóstolo Paulo nos diz: "Porque eu mesmo desejaria ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne; os quais são israelitas, de quem é a adoção, e a glória, e os pactos, e a promulgação da lei, e o culto, e as promessas; de quem são os patriarcas; e de quem descende o Cristo segundo a carne, o qual é sobre todas as coisas, Deus bendito eternamente. Amém" (Romanos 9:3-5). A verdade é que o mundo odeia os judeus porque o mundo odeia a Deus. Os judeus eram o primogênito de Deus, o Seu povo escolhido (Deuteronômio 14:2). Através dos patriarcas judeus, dos profetas e do templo, Deus usou os judeus para trazer a Sua Palavra, a lei e a moral para um mundo de pecado. Ele enviou o Seu filho, Jesus, o Cristo, em um corpo judeu para redimir o mundo do pecado. Satanás, o príncipe da terra (João 14:30, Efésios 2:2), envenenou as mentes dos homens com o seu ódio pelos judeus. Veja Apocalipse 12 para uma representação alegórica do ódio de Satanás (o dragão) pela nação judaica (a mulher).

Satanás tem tentado exterminar os judeus através dos babilônios, persas, assírios, egípcios, hititas e os nazistas. Entretanto, ele tem falhado toda vez. Deus ainda tem um plano para Israel. Romanos 11:26 nos diz que um dia todo o Israel será salvo, e isso não pode acontecer se Israel não existir mais. Portanto, Deus vai preservar os judeus para o futuro, assim como Ele tem preservado a sua remanescente ao longo da história, até que Seu plano final venha a acontecer. Nada pode frustrar o plano de Deus para Israel e para o povo judeu.

Quero sugerir também o vídeo a seguir:


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] CUNHA, Martim Vasques. Como começou a relação sombria entre a esquerda e o antissemitismo. Imagem e texto – disponíveis em <Gazeta do Povo, 30/01/2023>.

  • [3Patronímico “… (do grego πατρωνυμικός, πατήρ "pai" e ὄνομα, "nome") é um nome ou apelido de família (sobrenome) cuja origem encontra-se no nome do pai ou de um ascendente masculino. O uso do patronímico foi um procedimento muito comum em todas as comunidades humanas para distinguir um indivíduo dentro de seu grupo, no qual havia inúmeras pessoas com o mesmo prenome ("nome de batismo" ou "nome próprio")…” (Wikipedia).
  • [4] Marvin R. Wilson: Professor de Estudos Bíblicos. Gordon College, Wheaton, Illinois, EUA. O texto a seguir – Parte I: Antissemitismo –, na íntegra e com adaptações0 –, é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Apud. WILSON, M. R. Antissemitismo. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. I. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 86 a 88.
  • [5Wilhelm Marr: “Conhecido como o pai do anti-semitismo moderno, Wilhelm Marr liderou a luta para derrubar a emancipação judaica na Alemanha… Era luterano (não judeu, como às vezes se afirmava), filho de uma famosa personalidade do teatro. Ele entrou na política como um revolucionário democrático que favoreceu a emancipação de todos os grupos oprimidos, incluindo os judeus. Envolveu-se com exilados de esquerda na Suíça, mas foi expulso do país em 1843… Voltou para a Alemanha, juntando-se à revolução de 1848 em Hamburgo. Ele ficou amargurado com o fracasso da revolução em democratizar a Alemanha e com sua própria sorte política em rápido declínio. Ele partiu por uma década para viver na América do Norte e Central. Quando ele voltou para Hamburgo, seus pontos de vista haviam mudado radicalmente e ele voltou seu veneno contra os judeus…”. Veja mais em: <https://www.jewishvirtuallibrary.org/wilhelm-marr>. Acesso em 15/08/2023.
  • [6] “O caso Dreyfus foi um equívoco do judiciário francês culminando em um escândalo político, ocorrido na última década do século XIX. O oficial de artilharia do exército francês, de origem judaica, Alfred Dreyfus, foi acusado de vender segredos militares a um adido alemão, já que o pano de fundo se trata da Guerra Francos-Prussiana. Sua condenação pautou-se em documentos falsos e o escritor Emile Zola, redigiu uma carta aberta ao presidente francês, publicada no jornal parisiense L’Aurore, acusando o exército de ter condenado um inocente de maneira falsa e deliberada… Sete anos depois, em 12 de julho de 1906, as três câmaras da Alta Corte de Apelação, novamente reunidas, anularam o veredito de Rennes. Opinou que não existia prova alguma contra o condenado e que, na verdade, ele fora condenado ‘por engano e injustamente’...” (SILVA, Cintia Rufino Franco. O caso Dreyfus, Émile Zola e a imprensa. Disponível em: <https://revistacontemporaneos.com.br/n11/dossie/Dossie4-dreifus.pdf>. Acesso em: 16/08/2023.

05 setembro 2022

Religiosidades na Colônia

Por DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato [1]

 

Os jesuítas no Brasil [2]

O Brasil nasceu à sombra da cruz. Não apenas da que foi plantada na praia do litoral baiano, para atestar o domínio português, ou da que lhe deu nome – Terra de Santa Cruz –, mas da que unia Igreja e Império, religião e poder. Mais. Essa era uma época em que parecia impensável viver fora do seio de uma religião. A religião era uma forma de identidade, de inserção num grupo social – numa irmandade ou confraria, por exemplo – ou no mundo. A colonização das almas indígenas não se deu apenas porque o nativo era potencial força de trabalho a ser explorada, mas também porque não tinha “conhecimento algum do seu Criador, nem de cousa do Céu”. Isso foi fundamental para dar uma característica de missão à presença de homens da Igreja na América portuguesa. D. João III não deixou dúvidas quanto a isso ao escrever a Mem de Sá: “A principal causa que me levou a povoar o Brasil foi que a gente do Brasil se convertesse à nossa santa fé católica1”. A crença de que o apóstolo São Tomé teria saído pregando o evangelho de Cristo mundo afora estimulava os religiosos europeus a seguir seu modelo, suas pegadas. Para empurrá-los, o próprio infante d. Henrique criara, com o aval da Santa Sé, conventos no Norte da África. Os padrões, ou marcos, plantados na costa da África e da Ásia, traziam as armas reais entrelaçadas à cruz, pois missão evangelizadora e colonização se sobrepunham.

o zelo fanático em extirpar idolatrias e heresias, num momento delicado em que católicos e protestantes se digladiavam pela hegemonia religiosa no Velho Mundo, somou-se à necessidade de pregar a palavra de Deus, evangelizando, catequizando e impondo ideais. “Todos temem e todos obedecem e se fazem adeptos para receber a fé”, registrava, no século XVI, o jesuíta Antônio Blásquez. Mas como se deu tal evangelização? Quem foram os primeiros a difundir o cristianismo no ultramar?

Os primeiros religiosos a desembarcar entre nós foram oito franciscanos, membros de importante ordem estabelecida, há tempos, em Portugal. Sua presença como capelães de bordo na navegação portuguesa era comum, mas sua participação na evangelização do gentio ou nas práticas religiosas de colonos só ganhou envergadura a partir da década de 1580, com a conquista da Paraíba. A eles juntaram-se beneditinos e carmelitas. Papel bem mais relevante, contudo, teriam os jesuítas. Vindo com Mem de Sá em 1549, o primeiro grupo era composto por seis missionários da recém-fundada Companhia de Jesus, entre os quais estava Manuel da Nóbrega (1517-70). Sua primeira providência? A organização de uma escola que, como outras que se seguiriam, consistia na base da missão. Um ano mais tarde, chegaram mais padres acompanhados de “órfãos de Lisboa, moços perdidos, ladrões e maus”, que teriam papel relevante, embora anônimo, nos projetos da Companhia. Chamados meninos língua, cabia-lhes aprender o tupi-guarani, tendo como tarefa a conversão das crianças nativas. Em 1550, Leonardo Nunes instalou-se em São Vicente, litoral paulista, onde, em registro admirativo de Nóbrega, ergueu “uma grande casa e muito boa igreja”. Bahia e Rio de Janeiro tornavam-se polos de irradiação da atividade de catequese. Em 1575, inaugurou-se, em Olinda, o quarto grande colégio, onde eram ministradas aulas de “ler, escrever e algarismos” para os filhos de colonos.

As cartas escritas pelos padres jesuítas a seus superiores na Europa revelam como transcorria o cotidiano nas missões onde se juntavam padres e indígenas: “Se ouvem tanger missa”, conta um inaciano, “já acodem e tudo que nos veem fazer, tudo fazem. Assentam-se de joelhos, batem nos peitos, levantam as mãos para o céu”. A clientela era feita de filhos de índios e mestiços, acrescida, de tempos em tempos, de um principal, ou seja, um chefe. As primeiras atividades religiosas consistiam em recitar, nas igrejas, ladainhas ou a Salve-Rainha. Nas sextas-feiras, disciplinavam-se em cerimônias de autoflagelação e, com o corpo coberto de sangue, saíam em procissão. Cantavam hinos como o Dominus et Creator e revezavam-se entre aulas de flauta e canto. A Gramática, feita de perguntas e respostas, era o livro básico para a instrução, além de aprenderem a escrever. Confessavam-se de oito em oito dias e saíam para caçar e pescar todas as tardes, pois não havia qualquer forma regular de aprovisionamento. A alimentação baseava-se na farinha de pau, nome dado à farinha de mandioca, e caça, “como sejam os macacos, as corças, certos animais semelhantes a lagartos, pardais e outras feras”, explicava o padre Anchieta. O pescado era considerado gostoso e o cardápio engrossado por legumes, favas, folhas de mostarda e abóbora, e “em lugar de vinho [...] milho cozido em água a que se ajunta mel”. As meninas indígenas eram ensinadas a tecer e fiar algodão, capaz de vestir os jovens nus. O tempo livre das crianças ficava por conta do banho de rio ou no “ver correr as argolinhas”, brinquedo, segundo Nóbrega, importado de Portugal: “Ensinamos-lhes jogos que usam lá os meninos do Reino. Tomam-nos tão bem e folgam tanto com eles que parece que toda a sua vida se criou nisso”, anotava o padre Rui Pereira em 1560. As atividades físicas mais simples impregnavam-se de cantos e danças nos quais a cultura indígena se impunha. Em festas nos aldeamentos, os meninos levantavam-se à noite para a seu modo cantar e dançar “com taquaras que são canos grossos que dão no chão e com o som que fazem cantam e com as maracas que são umas frutas, umas cascas como cocos furados por onde deitam pedrinhas dentro”. A sensibilidade musical do indígena fazia crer aos jesuítas que, “tocando e cantando entre eles, os ganharíamos” e que “se cá viesse um gaiteiro”, anotava Nóbrega, não haveria cacique que recusasse seus filhos à escola jesuítica. Nos batismos em grupo, os meninos índios eram vestidos com “roupas brancas, flores na cabeça e palmas na mão”, sinal da vitória que teriam alcançado contra o Demônio.

Até 1580, os jesuítas procediam como uma espécie de missionários oficiais da Coroa. A anexação de Portugal à Espanha, no período da União Ibérica (1580–1640), mudou, contudo, essa hegemonia – estimulando-se o ingresso de outras ordens religiosas ao Brasil. Os franciscanos destacaram-se por seguir a ocupação do litoral nordestino, do Rio Grande do Norte a Alagoas. Unidos aos senhores do açúcar, desenvolviam sua ação dentro das capelas de engenhos, rezando missas, realizando batismos e casamentos comunitários, abençoando as moendas e os animais. Acompanharam os bandeirantes em suas expedições de apresamento de índios e, ao contrário dos jesuítas, situaram-se mais do lado do branco do que do índio. Nas expedições oficiais para a conquista da Paraíba, por exemplo, jamais apoiaram tabajaras e potiguares e, entre 1588 e 1591, começaram a estabelecer-se em conventos, lado a lado com beneditinos e carmelitas.

Instalados ao final do século XVI em Olinda, os carmelitas ensinavam teologia e língua brasílica, ou seja, o tupi simplificado, e daí enviavam seus missionários Brasil afora. Foram vigorosos defensores dos interesses portugueses na Amazônia, logo deixando de importar-se com o caráter missionário e investindo nas relações com as populações de vilas interessadas no comércio de especiarias, como o cacau. Mais dedicados à vida contemplativa do que a qualquer outra atividade, os beneditinos pertenciam, por sua vez, a uma ordem rica, possuidora de inúmeros imóveis e fazendas sustentadas por escravos. Na Amazônia, cartas régias fixaram a atuação de cada ordem: franciscanos de Santo Antônio, as missões do cabo do Norte, Marajó e norte do rio Amazonas; Companhia de Jesus, as dos rios Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira; Carmo, as dos rios Negro, Branco e Solimões; franciscanos da Piedade, as do Baixo Amazonas; mercedários, as do Urubu, Uatumã e trechos do Baixo Amazonas. Já no Sudeste, os franciscanos organizavam-se em missões volantes, nas quais grupos visitavam de tempos em tempos as vilas e povoados do interior para pregar, confessar, rezar missas, apoiando com socorro espiritual os colonos.

À medida que a colonização, a fome e as guerras dizimavam os índios do litoral e que os negros africanos eram trazidos em massa para trabalhar nos engenhos como escravos – sem que autoridades religiosas argumentassem contra sua escravização –, os movimentos missionários se deslocavam para o interior da Colônia à procura de novas almas. Nos sertões do rio São Francisco, capuchinhos franceses, aliados das reformas propostas pelo Concílio de Trento, e oratorianos italianos, muito voltados para as práticas piedosas de orações e devoções, tiveram destacada atuação. Os laços que os ligavam diretamente à Santa Sé, em Roma, sem passar por vínculos com o governo português, lhes davam grande liberdade de ação. Suas missões lhes permitiam estar mais próximos do povo humilde que habitava, disperso e sem auxílio, as ermas vastidões do interior.

Mas havia muitos espinhos nos caminhos da evangelização. Os conflitos entre leigos e o clero se sucediam. Os mais importantes deram-se em torno da escravização dos indígenas, verdadeira pedra no sapato – ou melhor, nas alpargatas – dos padres que desejavam a catequese e a conversão do gentio. Desde o século XVI, a Companhia de Jesus conseguiu que o governo proibisse tal prática. Todavia, grupos importantes de plantadores de cana, donos de engenhos e, posteriormente, bandeirantes que obtinham grandes lucros com a escravização dos negros da terra consideravam sua proteção uma ruína para a Colônia. Eles não apenas insistiam com as autoridades do Reino para que estas lhes concedessem liberdade para usar o trabalho compulsório dos índios, como também, por meio de pressões e ameaças, retardaram o quanto puderam a supressão da escravatura dos nativos. Para fazer frente às dificuldades criadas pelos colonos, uma lei de 1639, baseada em bula papal, reafirmou a liberdade dos indígenas. A resposta não tardou: colonos revoltaram-se em São Paulo, Santos e Rio de Janeiro, apontando suas armas contra os portões das escolas da Companhia de Jesus. Das janelas, terços na mão, os padres os excomungavam sob uma chuva de balas. Em Belém, os colonos acusavam os jesuítas por libelos enviados diretamente a procuradores na Corte. O ódio entre um e outro grupo era tal que os jesuítas foram expulsos dessas localidades, só regressando anos depois.

Em meio a essa crise, chegou ao Brasil, em 1652, o padre Antônio Vieira, que logo no ano seguinte foi nomeado visitador das missões do Maranhão e Grão-Pará. Familiarizado com a Colônia, pois tinha morado com os pais na Bahia até entrar para o seminário, Vieira vinha com a função de evangelizar, erguer igrejas e realizar missões entre os índios do Maranhão, além de contar com o apoio do rei, que ameaçara com severas punições os que atravessassem seu caminho. Alguns de seus textos são contundentes críticas à escravidão indígena, como a Informação sobre o modo que foram tomados e sentenciados por cativos os índios no ano de 1655. Nele, Vieira afirma: “Para acudir às injustiças que em todo o estado do Brasil se usavam no cativeiro dos índios naturais da terra, tomaram por último remédio os senhores reis destes reinos declarar a todos por forros e livres”. Exceção seria feita no caso de guerra justa, ou seja, quando os nativos se recusassem à catequese, praticassem a antropofogia, cometessem latrocínio em terra ou no mar, se negassem a pagar tributos e a defender o rei ou a trabalhar para ele. Em outras palavras: quando de alguma forma resistissem à colonização.

Levados do sertão para o litoral pelos jesuítas, muitos índios eram agrupados em aldeamentos onde recebiam instrução e educação religiosa. A orientação de Vieira era, contudo, de que permanecessem no interior, evitando o confronto com os colonos gananciosos ou com outras ordens religiosas, mais incomodadas com o prestígio da Companhia do que com o destino dos índios. A pressão sobre Vieira foi tão grande que ele se viu obrigado a sair do Maranhão em 1654, retornando a Portugal. Havia tempos, na verdade, delineava-se esse quadro incendiário: entre 1632 e 1648, as populações guaranis aldeadas pelos jesuítas entre o Paraguai, o Paraná e o Rio Grande do Sul (Guairá, Itatim e Tape) haviam sido arrasadas por bandeirantes paulistas. Por essa época, numerosos grupos indígenas deslocaram-se para a margem oriental do rio Uruguai para estabelecerem-se junto dos jesuítas nos Sete Povos das Missões. Organizados para abrigar até mil famílias em moradias de terra socada, tais aldeamentos eram alvos constantes de ataques organizados por bandeirantes paulistas.

Em relação às demais populações católicas, um importante espaço de práticas religiosas para homens e mulheres coloniais eram as irmandades ou confrarias. Associações de caráter local, tais instituições auxiliavam a ação da Igreja e promoviam a vida social, desempenhando tarefas que, muitas vezes, deveriam caber ao ausente governo português: fundação e manutenção de abrigos de meninos pobres, recolhimento de meninas órfãs e hospitais, denominados Santas Casas da Misericórdia. Sua finalidade específica era promover a devoção a um santo. Em torno de festas, do culto e da capela do santo, um grupo de pessoas, fossem brancas, mulatas ou negras, se organizava. O que caracterizava a irmandade era justamente a participação de leigos no culto católico, participação que não implicava necessariamente a constante presença de padres e religiosos. Confrarias e irmandades demonstravam toda a força por ocasião da festa do padroeiro: ruas e igrejas eram decoradas com ervas perfumadas e tapetes e iluminadas por tigelinhas de barro contendo óleo de baleia. Irmãos vestidos de capa vermelha, tocheiros à mão, abriam a procissão, que era seguida de carros alegóricos ricamente enfeitados, atrás dos quais volteavam músicos e bailarinos. A diversidade de instrumentos musicais não ficava atrás da pompa coreográfica dos cortejos. Ritmos profanos e peças sacras se mesclavam à sonoridade dos batuques africanos. Músicos negros vestidos de seda e cobertos de plumas, tocando címbalos, pífaros e trombetas misturavam-se a brancos, tocadores de clarins e charamelas. Uma imensa variedade de sons rasgava o ar, enquanto fiéis, piedosamente, desfilavam estandartes e as imagens religiosas.

Seguindo o costume português, a vida doméstica também consistia em importante espaço espiritual. Nas paredes das moradias era comum encontrarem-se cruzes de madeira, gravuras do anjo da guarda ou do santo com nome do dono da casa. Nas zonas rurais, um mastro com a bandeira do santo indicava a preferência da devoção familiar. Ao levantar-se, pela manhã, o cristão benzia-se murmurando o “Pelo sinal”. Oratórios, ou quartos de santos, eram iluminados por velas de cera que queimavam constantemente e onde as imagens eram vestidas e adornadas pelas mulheres. Flores naturais ou de papel, palhas bentas no Domingo de Ramos, medalhas milagrosas, escapulários e livros de oração compunham o arsenal do devoto na luta contra Satã. Em propriedades abastadas era comum a presença de capelas ou ermidas onde se celebravam casamentos, comunhões e batismos de senhores e escravos, homens livres e homens forros. Santos de estimação como, por exemplo, Santo Antônio, eram invocados para interceder em favor do fiel em caso de escravos fugidos, cavalos extraviados ou roubos. As solteiras costumavam invocá-lo para arranjar maridos; as casadas, em caso de desavenças conjugais. Não atendidas, penduravam-no, de cabeça para baixo, nos poços de água ou tiravam-lhe o menino Jesus do colo até terem seus desejos concedidos. Orações em que se nomeavam os santos, Jesus ou Maria eram usadas por benzedeiras e curandeiras para aliviar as dores, feridas e maleitas dos fiéis: “Deus eterno, por cujo amor Santa Apolônia sofreu que lhe tirassem os dentes [...] dai-me socorro saudável contra o incêndio dos vícios, e dai-me socorro saudável contra a dor dos dentes, por intercessão. Amém, Jesus”.

Além do catolicismo, a Colônia foi palco de outros credos, crenças e práticas religiosas. Descendentes de judeus, por exemplo, buscaram refúgio nessas terras, que lhes pareciam de promissão. O movimento migratório começara em inícios do século XVI em função de perseguições que lhes eram movidas na península Ibérica. Instalados sobretudo na Bahia, em Pernambuco e no Maranhão, os recém-chegados integraram-se rapidamente à língua, aos costumes e à economia local, misturando-se aos cristãos, com quem dividiam cargos administrativos e comerciais. Os cristãos-novos detinham engenhos, escravos e terras. Para manter vivos os laços comunitários e de identificação, realizavam clandestinamente práticas e atos religiosos do judaísmo, ainda que sob a ameaça da Inquisição. Mas como é que esta se fazia presente na Colônia?

A Colônia nunca possuiu tribunal inquisitorial, ficando subordinada ao existente em Lisboa. Bispos e até leigos – sob o título de Familiares do Santo Ofício – podiam encaminhar denúncias contra suspeitos de heresia. Essas acusações também ocorriam por ocasião de visitações. Espécie de justiça ambulante, as visitas de inquisidores – realizadas entre 1591 e 1595, 1618 e 1621 e 1627 ao Nordeste, assim como entre 1763 e 1769 ao Grão-Pará – tinham por objetivo combater as heresias e zelar pela fé e boa moral dos católicos. Nesse quadro, ritos, preceitos ou cerimônias judaicas eram alvo dos monitórios gerais, ou seja, um documento eclesiástico com aviso aos fiéis, que descrevia minuciosamente tais ritos e era afixado às portas das igrejas. Pequenos atos do cotidiano serviam para indicar judaísmo. Guardar os sábados, por exemplo, revelava-se através do hábito de vestir roupas limpas e arrumar a casa na véspera – limpar e cozer alimentos, acender candeeiros, etc. – para que não houvesse necessidade de trabalhar nesse dia. Conscientes do interesse do Santo Ofício por pessoas que cometiam essas infrações, os cristãos-novos costumavam apresentar-se às autoridades confessando seus atos. Fernando Salazar, por exemplo, compareceu perante o inquisidor Marcos Teixeira, em 1618, e declarou “vestir camisa lavada aos sábados”, justificando-se a seguir: “Por ser homem que ganha a sua vida em tratar as galinhas e papagaios e em outras cousas da terra e vir muito suado quando vem de fora”. Os jejuns eram outra prática constante daqueles que seguiam às escondidas a lei de Moisés. Havia um grande jejum em setembro, o da rainha Ester e o das segundas e quintas-feiras da semana. Nesses dias, os israelitas evitavam alimentos durante o dia e ingeriam, só à noite, carnes e sopas; passavam, ainda, o dia descalços, pedindo perdão uns aos outros. Na celebração da Páscoa judaica, comiam pães ázimos e recitavam orações judaicas, baixando e levantando a cabeça diante da parede, adornada com cordões e fitas rituais, os trancelins. Enterravam os mortos em mortalha nova e terra virgem, colocando-lhes na boca um grão de aljôfar ou uma moeda de prata para que pagassem a primeira pousada. Os meninos eram circuncidados. Mesmo não seguindo as práticas judaicas de modo inteiramente consciente, os cristãos-novos conservavam a essência de sua cultura original. Repudiavam as imagens dos santos que enfeitavam os oratórios, consideravam a religião católica uma idolatria, esquivavam-se do sacramento da confissão, alegando que: “Era melhor confessar a um pau ou a uma pedra do que a um outro pecador”.

Diferentemente dos cristãos-novos, os judeus que iriam se instalar em Pernambuco quando da invasão holandesa, de 1630 a 1654, encontraram melhores condições para exercer sua religiosidade. Concentrados numa rua de Recife, a Jodenstraat (rua dos Judeus), onde construíram a sinagoga da comunidade Kahal Zur Israel: uma casa de muitas janelas, com o térreo ocupado por duas lojas, tendo no andar de cima uma ampla sala mobiliada para utilização religiosa. Ao rabino, ou haham, Isaac Aboab da Fonseca devem-se as primeiras páginas literárias, em hebraico, escritas no Brasil: um poema que descreve os sofrimentos suportados pelos judeus em 1646, quando Recife ficou sitiado pelos luso-brasileiros.

O protestantismo teve, no Brasil colonial, dois períodos marcantes. O primeiro vai de 1555 a 1560, quando chega à baía de Guanabara o vice-almirante francês Nicolau Durand de Villegaignon para fundar no hemisfério sul uma colônia, a França Antártica, com calvinistas (huguenotes) franceses, hostilizados em sua terra. O segundo foi o da colonização holandesa no Nordeste. Com o auxílio de Gaspar de Coligny, nobre protetor dos huguenotes, Villegaignon estabeleceu-se na Guanabara com quatrocentos homens atraídos pela promessa de liberdade religiosa. Suspeitas e insegurança, porém, logo perturbariam o governo da França Antártica. Villegaignon desconfiava de seus próprios homens e dos índios tamoios, seus aliados. Os problemas ficaram maiores quando aqui chegou um contigente de 280 religiosos calvinistas vindos de Genebra, onde haviam sido ordenados. Ao que parece, os missionários recém-chegados traziam cartas de recomendação de importantes líderes religiosos e nobres, que fizeram Villegaignon temer por seu prestígio na França. Na chegada, o líder os recebeu com gestos de obediência, passando, logo depois, a criticá-los por não usarem pão comum e vinho não misturado com água na celebração da Santa Ceia.

As polêmicas se multiplicaram. Villegaignon questionava as posições calvinistas sobre a transubstanciação, ou seja, a mudança da hóstia em corpo de Deus, a invocação dos santos, o Purgatório. Por fim, proibiu Pierre Richier, um dos pastores credenciados por Calvino, de pregar. Diante de tantos conflitos, Richier partiu para a Europa com seus auxiliares. Devido às más condições da travessia marítima, alguns resolveram voltar. Foram recebidos por um desconfiado Villegaignon que rejeitara publicamente o calvinismo. Obrigados a redigir uma declaração sobre alguns pontos doutrinários – intitulada Confessio Fluminensis –, caíram numa armadilha; acusados de traição, foram condenados e executados. Tornaram-se os primeiros mártires do credo protestante na América.

Enfraquecido e já sem a proteção de Coligny, Villegaignon retornou à França em 1558, pouco antes de os portugueses recuperarem a Guanabara. Por tensões político-religiosas, fracassava a tentativa de implantar uma colônia calvinista no Centro-Sul do Brasil colonial. Ela seria repetida, igualmente sem sucesso, no começo do século XVII, em São Luís do Maranhão, com a França Equinocial.

Conforme mencionamos, outro período de significativa atividade protestante foi o da colonização holandesa no Nordeste. Sob a regência de Maurício de Nassau, o domínio holandês estendeu-se temporariamente do Maranhão até abaixo do rio São Francisco. Nesse governo, a liberdade religiosa era para todos. Católicos eram livres para exercer seu culto e manter relações com a sede episcopal da Bahia. Sinagogas e escolas hebraicas funcionavam no Recife e foram as primeiras da América. O protestantismo, considerado a verdadeira religião, lutava para instalar-se no Brasil. A chave para sua compreensão era a subordinação de todos os aspectos da vida aos sagrados mandamentos. A formação de paróquias protestantes estendeu-se pelas conquistas territoriais, com a catequese e o ensino ocupando muitos pregadores.

Os africanos também trouxeram seus credos para a América portuguesa. Com eles, cerimônias religiosas como o acotundá e o calundu, além de cultos envolvendo os mortos, que eram corriqueiramente praticados. Em casas humildes, cobertas de capim, de paredes de barro, preferencialmente à beira de um córrego ou fonte, celebrava-se a dança de tunda, ou acotundá. Altares com banquetas de ferro onde se misturavam ordenadamente cabaças, panelas e recipientes variados de barro e imagens antropomorfas sinalizavam o espaço sagrado. O som de tambores e atabaques, cantos no dialeto courá, da Costa da Mina, enchiam a noite. Vindas das camarinhas, mulheres vestidas com panos brancos, que com frequência lhes cobriam a cabeça, dançavam e cantavam, por vezes misturando palavras extraídas de textos católicos e africanos. Muitos dos elementos rituais que se encontram hoje no candomblé baiano e xangôs do Nordeste já estavam presentes nesses rituais: o emprego de galos e galinhas nos sacrifícios de animais, a predominância feminina, o destaque de uma das dançantes identificada ao líder cerimonial, a possessão e o transe ao som de atabaques.

Havia ainda outras formas de religiosidade africana na Colônia. Vindas do Daomé, atual Benin, na costa ocidental da África, rituais de origem jeje conhecidos como calundus eram conduzidos por um vodunô, líder espiritual, com o auxílio de vodúnsis, membros do culto; o ritual consistia em danças e cantos na língua jeje, ao som de ferrinhos (agogôs e gans) e atabaques. O centro do cerimonial abrigava ervas, búzios e aguardente. Folhas de diversas plantas serviam na preparação de alimentos oferecidos às divindades, os ebós, mas também em ritos de iniciação e limpeza do corpo. Um sentido para a vida, segurança e proteção contra um mundo hostil, espaço para sociabilidades e solidariedades eram as funções desses rituais religiosos. Dessa maneira, a Colônia crescia à sombra da cruz e de vários credos que ainda hoje hidratam nossa cultura.


Fonte / Referência bibliográfica:

DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.


Notas:

[1] Texto copiado na íntegra de: DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010, pp., 19 a 27. 

[2] Foto meramente ilustrativa. Disponível em: <https://www.estudokids.com.br/jesuitas-no-brasil-colonia/>. Acesso em 05/09/2022.

[3] Veja mais sobre este assunto no capítulo 4 de minha monografia “Fundamentalismo protestante: dificuldades de interação e diálogo com a cultura brasileira”. In: <https://monografias.brasilescola.uol.com.br/historia/fundamentalismo-protestante-dificuldades-interacao-dialogo-com-cultura-brasileira.htm>. Acesso em 05/09/2022.

19 julho 2022

Teorias sobre a origem do Homem (2): Criacionismo

"A Criação de Adão", obra de Michelangelo1

Como já vimos, a História, como ciência, estuda o passado das diferentes sociedades humanas... com base num estudo criterioso, investigativo e sistemático sobre a humanidade através dos tempos. E, para melhor identificar os fatos, historiadores costumam dividir o passado da humanidade em fases ou eras como Pré-história, Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. As teorias sobre a origem do homem, por exemplo, são estudadas na primeira fase: pré-história.
Duas teorias sobre a origem do homem são: evolucionismo e criacionismo. Já vimos sobre a primeira - o Evolucionismo – e neste post, veremos algumas considerações sobre o Criacionismo.
Obviamente, o que chamamos de "teoria" (no título do artigo) pode ter um significado maior do que simplesmente um "conhecimento especulativo, metódico e organizado de caráter hipotético e sintético". Entendemos que o Criacionismo pode receber o status de teoria científica, assim como já o fazem com o Evolucionismo na maioria ou (quase) todas as instituições de ensino do mundo. Ou seja, entendemos que embora o assunto seja polêmico, ele pode ser recebido como sendo parte das contribuições da ciência para o estudo da origem do homem.
Mas sabemos que o conceito de um conjunto de conhecimento reconhecido com o status de ciência pode mudar com o tempo. Por exemplo, até o século XVI o Geocentrismo – que afirmava ser a Terra o centro do Universo – era tido como ciência, e que foi deixada de lado a partir de Nicolau Copérnico, o qual sistematizou uma teoria – que ficou chamada de Heliocentrismo – que contrapunha àquele modelo, afirmando que "... a Terra e os demais planetas se moviam ao redor de um ponto vizinho ao Sol, sendo, este, o verdadeiro centro do Sistema Solar2". O Criacionismo também, até meados do século XIX3, era aceito quase que de forma universal no mundo alcançado pelo Cristianismo. Por causa da influência da teologia, considerada a "rainha" das ciências, os cristãos eram criacionistas e jamais ousavam por em dúvida as Escrituras. Foi a partir de Charles Darwin que o Evolucionismo foi pouco a pouco substituindo o Criacionismo de modo que hoje ele é apresentado em escolas e universidades não como uma hipótese, mas sim como um fato “cientificamente” comprovado, impenetrável a qualquer outra forma de pensamento, enquanto cristãos procuravam ficar com o Criacionismo apenas justificando suas bases religiosas e dogmáticas.
Mas muitos estudiosos hoje procuram entender o Criacionismo não apenas pelo lado religioso e dogmático mas também científico. “Tais homens de ciência afirmam não estar longe o dia em que a evolução será ensinada nas escolas, não como um fato, mas como a grande falácia dos séculos XIX e XX” 4. Na verdade, embora o Criacionismo, em linhas gerais, segue o modelo da criação, baseado nas Escrituras, em que “… todos os sistemas básicos da natureza foram trazidos à existência completos, prontos para pleno desempenho de suas funções”5 e que os seres vivos vieram à existência através de atos distintos de criação – “conforme sua especie” –, seguindo a ciência observacional, os criacionistas entendem que há vários processos da natureza que podem provocar mutações capazes de introduzir novidades genéticas em uma dada espécie, embora não ao ponto desta ou daquela espécie mudarem sua criação ou aspecto original. Também não creem que a vida possa ter se originado a partir da matéria sem vida, de um modo inteiramente ao sabor do acaso. Pelo contrário, há um Criador que do NADA fez todas as coisas e que “… findo o período de criação, cessaram os processos criativos, substituídos por processos de conservação, com o fim de preservar tudo que havia sido feito. Nesse contexto, tudo teria sido criado perfeito. Do infinitesimal protozoário aos grandes mamíferos; do minúsculo átomo às gigantescas galáxias, o universo foi criado em perfeita ordem e todos os seres vivos, inclusive o homem, estavam presentes desde o início”6.
As modificações que existem na criação, segundo os criacionistas, são processos normais e naturais e esses processos ocorrem de forma providencial, mas não implicam num processo de criação em si. “Podemos dizer que o mundo é o mesmo desde que foi criado, no sentido de que nada mais está se criando, mas não no sentido de fixismo. Isso significa que as espécies se adaptam para sobreviverem em seus ecossistemas, e as atividades sísmicas alteram aspectos geológicos. O importante é compreender que essa verdade é muito diferente de uma teoria de macro-evolução”7.
A terra e a criação são muito antigos como afirmam os evolucionistas? Algumas correntes criacionistas defendem que a Terra não é tão antiga assim. Uma destas correntes é o chamado Criacionismo da Terra-Jovem (CTJ), cujos princípios de interpretação se baseiam principalmente nos escritos de Henry Morris8, que defendem evidências científicas relacionadas à ‘Creation science’ que significa as evidências científicas como9:
- Repentina criação do universo, energia e vida, a partir do nada.
- A insuficiência da mutação e da seleção natural em suscitar o desenvolvimento de todas as formas de vida a partir de um único organismo.
- Mudanças apenas em limites fixos nos tipos originalmente criados de plantas e animais.
- Ancestralidade separada de humanos e primatas.
- Explicação da geologia da Terra por catastrofismo, incluindo a ocorrência de um dilúvio global.
- Uma origem relativamente recente da Terra e dos seres vivos.
Há outras correntes criacionistas, como por exemplo a da Terra-Antiga e a da teoria da Lacuna. Esta última, também chamada de “criacionismo de ruína-restauração”, se aproxima da teoria evolucionista de que a Terra é muito antiga (mas apenas neste aspecto), uma vez que “… esta posição apoia-se numa leitura alternativa dos primeiros versos da Bíblia, admitindo que há uma lacuna de tempo (Gap) indeterminado entre os versos 1 e 2 de Gênesis 1. O verbo hebraico normalmente traduzido como era em ‘E a terra era sem forma e vazia’ pode ser traduzido como ‘tornou-se’, o que resultaria no seguinte: Gn 1:1 – No princípio criou Deus os céus e a terra. Lacuna (GAP) – possíveis milhões de anos Gn 1:2 - E a terra se tornou sem forma e vazia10...”. Ou seja, houve uma recriação da Terra (tempo recente e em seis dias da criação) para consertar o caos em que ela se tornou (tempo antigo).
Bem, entendemos que o criacionismo é compatível com a abordagem científica referente a qualquer assunto. E também que a verdadeira ciência não entra em choque com a Bíblia, base de sua interpretação. Se não houver consenso em dado resultado de algum objeto estudado é porque a falha não está na Bíblia mas sim na sua interpretação. “Há fatos científicos estabelecidos que são consistentes com o criacionismo, e a forma pela qual esses fatos se relacionam entre si combinam com a interpretação criacionista. Da mesma forma que ideias científicas gerais são usadas para dar coerência a uma série de fatos, assim também ocorre com o criacionismo”11.
O evolucionismo defende os processos naturais de desenvolvimento das espécies, enquanto o criacionismo é definido como a crença de que o universo e organismos vivos se originaram de atos específicos da criação divina. Mas o naturalismo, assim como o criacionismo, requer uma série de pressuposições que não são geradas por experimentos. E assim, tanto o naturalismo como o criacionismo são fortemente influenciados por pressuposições que não podem ser testadas ou provadas, as quais entram nas discussões antes de quaisquer fatos: uma teoria, que pode se tornar científica. Seguindo então a lógica da teoria – conhecimento especulativo, metódico e organizado de caráter hipotético e sintético –, é justo dizer que o criacionismo é tão cientifico quanto o naturalismo e tão compatível com o método científico de descobrimento. Esses dois conceitos não são, no entanto, ciências em si mesmos, pois ambas as opiniões incluem aspectos que não são considerados “científicos” no seu sentido normal, mas teorias. Portanto, nem o criacionismo nem o naturalismo podem ser rejeitados ou negados; quer dizer, não há qualquer experimento que possa conclusivamente refutar um ou o outro. “Apenas tomando esses dois pontos como base – naturalismo x criacionismo – podemos ver que não há nenhuma razão lógica pela qual devemos considerar um como sendo mais científico que o outro (idem, Nota 11). Mais uma observação entre naturalismo e criacionismo é que o primeiro rejeita as crenças em milagres descritas na Bíblia. Nesse caso, “… o criacionismo, na verdade, como teoria propriamente dita, é melhor do que o naturalismo, pois ela possui evidências de declarações de milagres, já que as Escrituras nos fornecem narrativas documentadas de acontecimentos milagrosos. A caracterização do criacionismo como um conceito não científico por causa de milagres exige uma caracterização semelhante para o naturalismo” (Idem, Nota 11). Especificamente no que diz respeito ao debate entre a evolução e a criação, o próprio Charles Darwin defendeu esse argumento.
A base para a afirmação do resultado científico precisa ser a verdade. E “nem todos os cientistas concordam sobre qual é a verdade, mas quase todos concordam que um ou o outro tem que ser verdade” (Idem, Nota 11). E no caminho para além da teoria o criacionismo segue uma abordagem racional e científica à aprendizagem, como os conceitos de probabilidade realística, falta de evidência que sustente a macroevolução, a evidência da experiência etc. A suposta “crença” na criação não é uma barreira ao descobrimento científico, haja vista as grandes realizações de homens como Newton, Pasteur, Mendel, Pascal, Kelvin, Linnaeus e Maxwell, todos declaradamente criacionistas. Criacionismo não é uma “ciência”, assim como naturalismo não é uma “ciência”. Criacionismo é, no entanto, completamente compatível com a ciência propriamente dita.
A Bíblia faz referência a um dilúvio universal e depois disto, todos os homens no mundo de hoje, segundo Gênesis 9.1,19, descendem dos três filhos de Noé. Ou seja, todos os continentes foram, no decorrer dos tempos, ocupados pelos descendentes dos filhos de Noé: Sem, Cam e Jafet.
Mais sobre este assunto, sugiro os textos abaixo:

Veja ainda o vídeo a seguir:


Notas:

  • 1 Nesta obra, o pintor italiano Michelangelo executou a criação do afresco “A criação de Adão”, que retrata o exato momento em que Deus estabeleceu a criação do homem. In: <O Deus de Michelangelo>. Acesso em: 19/07/2022.
  • 5 Idem (Nota 3).
  • 6 Idem (Nota 3).

  • 8 Henry Madison Morris, “… criacionista da Terra Jovem, apologético cristão e engenheiro estadunidense. Foi um dos fundadores da Creation Research Society e do Institute for Creation Research, sendo considerado por muitos como ‘o pai da moderna ciência da criação’. In: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Henry_Madison_Morris>. Acesso em: 12/07/2022.
  • 10 GARROS, Tiago Valentim (Veja Nota 8. Pág. 27.

01 junho 2022

O Cristianismo no Império Romano: de sua origem ao Edito de Milão (Resumo)

O Cristianismo, estudado no contexto da história de Roma, é um dos elementos importantes de sua cultura e que representa um dos maiores legados para a humanidade.

Jesus, o “Cordeiro que tira o pecado do mundo” e
morreu na cruz como malfeitor. [1]


O Cristianismo foi fundado por Jesus de Nazaré, que ficou conhecido como Jesus Cristo, nascido na Palestina, uma das províncias romanas, e durante o governo de Otávio Augusto.

Origem

Na Palestina, os judeus viviam a expectativa da chegada – à terra – de um Messias ou Cristo, que os salvaria, principalmente, do jugo romano. Esta salvação, porém, enquanto para muitos judeus, estava restrita ao aspecto puramente material, para outros, porém, significava a redenção dos seus pecados (desobediência do homem a Deus) e promessa de uma vida eterna com Deus.

Nascido de uma família pobre e filho “adotivo” de José, o Carpinteiro, Jesus é batizado por João Batista – que segundo as Escrituras Judaicas viera preparar o povo para sua chegada –, com quase trinta anos, quando então inicia seu ministério.
Logo no início de sua missão, Jesus escolhe alguns homens para serem seus seguidores ou discípulos. Depois, ele consagra doze destes discípulos, que se tornam apóstolos, os quais lhe acompanham até sua crucificação, morte e ressurreição, exceto um deles, Judas Iscariotes, que o traiu e se suicidou antes.

“A morte por crucificação foi inventada pelos persas entre 539 e 533 a.C. Os romanos, porém, a popularizaram. Ela era utilizada para punir escravos rebeldes, criminosos violentos e subversivos políticos... As pessoas crucificadas não eram enterradas. Seus corpos eram deixados para serem consumidos pelos urubus. Jesus Cristo foi uma exceção. Seu sepultamento ocorreu graças à influência de José de Arimateia, um rico judeu simpatizante que negociou com Pilatos, o governador" [2].

Veja que Jesus Cristo foi condenado como um malfeitor. Mas, apesar de sua morte horrenda, o fato mais importante para todos os cristãos é que Ele foi ressuscitado. E, segundo informa os registros sagrados, um dos requisitos para ser, por exemplo, sucessor de Judas Iscariotes, isto é, um apóstolo em seu lugar, era: ter sido testemunha da morte e ressurreição de Jesus.


Livro Sagrado

Jesus não deixou registros escritos. Seus atos, milagres e ensinamentos foram registrados, posteriormente, por seus discípulos. Desta forma, surgiu a Bíblia Sagrada Cristã, composta:

  • Do Antigo Testamento ou Torá (Livro Sagrados dos hebreus) [3].

  • Evangelhos (4), que são Mateus, Marcos, Lucas e João que tratam da vida e obra de Jesus.

  • Atos dos Apóstolos (1), que trata dos primeiros anos da Igreja Cristã.

  • Epístolas (21), que foram escritas por apóstolos (a maioria de Paulo) e outros discípulos, e que formalizam as doutrinas cristãs.

  • Apocalipse (1), livro que trata de profecias relativas, em sua maior parte, aos assuntos dos últimos tempos.

Perseguições

Conforme o Cristianismo foi crescendo e ganhando adeptos entre as classes pobres de Roma, sobrevieram as perseguições, promovidas, principalmente, pelos imperadores. Os motivos destas perseguições foram, entre outras:

  • os cristãos não aceitavam a divindade dos imperadores: jamais os cristãos colocariam César acima de Cristo. Por isto, foram considerados “ateus” pelo Estado romano.

  • os cristãos foram considerados perigosos e desleais ao Estado romano:

  • reuniões secretas dos cristãos (a portas fechadas);

  • o repúdio dos cristãos de “cultuar” o Estado tornava-os “traidores” e passíveis de perseguições;

  • os imperadores achavam que os cristãos formavam uma sociedade secreta que tramavam ações políticas contra o Estado;

  • a sociedade cristã foi vista como anarquista e sacrílega por Roma;

  • O crescimento do número de adeptos, principalmente entre os plebeus e escravos:

  • a despeito da repressão, o Cristianismo aumentava cada vez mais;

  • os cristãos foram vistos como a pior classe de revolucionários, destruidores dos fundamentos da civilização.

"O primeiro caso documentado de perseguição aos cristãos pelo Império Romano direciona-se a Nero. Em 64, houve o grande incêndio de Roma, destruindo grandes partes da cidade e devastando economicamente a população romana. Nero, cuja sanidade já há muito tempo havia sido posta em questão, era o suspeito de ter intencionalmente ateado fogo. (...) Ao associar os cristãos ao terrível incêndio, Nero aumentou ainda mais a suspeita pública já existente e, pode-se dizer, exacerbou as hostilidades contra eles por todo o Império Romano. As formas de execução utilizadas pelos romanos incluíam crucificação e lançamento de cristãos para serem devorados por leões e outras feras selvagens"

Cristãos sendo usados como tochas humanas, na perseguição
sob Nero. Obra de Henryk Siemiradzki (1843-1902) [4].


O Edito de Milão e o fim das perseguições

Na verdade, quando falamos de “fim” das perseguições aos cristãos, queremos nos referir apenas às perseguições formais e legais (institucionais), previstas nas leis romanas. Mas, de fato, os cristãos nunca deixaram de ser perseguidos, senão, de forma física, com torturas, corpos incendiados, crucificações, corpos jogados às feras etc., mas no aspecto moral, espiritual, processos de toda ordem, calúnias e outros meios. No decorrer da história cristã, encontramos diversos momentos de perseguições e até guerras, contra os cristãos e, em diversos momentos, até grupos cristãos contra outros grupos cristãos e estes contra muçulmanos e assim por diante.

A perseguição aos cristãos continuou durante os séculos II e III e só terminou com o imperador Constantino, que governou Roma no século IV. Neste momento, o Império já estava em decadência e o poder imperial enfraquecido. Além disso, as perseguições tiveram efeito contrário ao esperado pelos imperadores, pois quanto o Cristianismo era perseguido, mais pessoas se convertiam, buscando alívio para seus sofrimentos e esperança de vida eterna, nas pregações cristãs.

Constantino percebeu que não adiantava perseguir cristãos, mesmo porque – segundo reconheceu – o Deus deles era bastante forte e que ouvia suas orações. “Sem dúvida percebeu também que se o Cristianismo fosse ajudado e se tornasse bastante forte, seria um poderoso elemento para a unificação de todos os povos do império. (Constantino) teve simpatia pessoal pelo Cristianismo, mas nunca demonstrou em sua conduta qualquer influência da moral cristã.” [5].

Em 313, Constantino baixou o Edito de Milão, que punha fim às perseguições religiosas e dava liberdade de culto aos cristãos. A partir de então, O Cristianismo ganhou um impulso ainda maior no território romano. Depois veremos como o Cristianismo tornou Religião Oficial do Império, através do imperador Teodósio, em 390…

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Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] O Cordeiro e a Cruz, símbolos do Cristianismo. Imagem disponivel em: <http://somentedeusgloria.blogspot.com.br/2011/12/jesus-o-cordeiro-maravilhoso_18.html>. Acesso em  17/08/2013.
  • [2] Guia dos Curiosos. Disponível em: <http://www.guiadoscuriosos.com.br/categorias/1301/1/crucificacao.html>. Acesso em 17/08/2013.  Veja também um documento interessante, sobre a crucificação, produzido pelo Discovery Channel, em: <http://www.youtube.com/watch?v=uB9MqLl4yws>. Acesso em 17/08/2013.
  • [3] O Antigo Testamento da Bíblia Sagrada Cristã: Há duas versões do Antigo Testamento na Bíblia Sagrada. Uma versão utilizada pelos católicos e uma parte dos protestantes, que contém 46 livros e acréscimos no livro de Daniel e Ester, e um versão utilizada pela maioria dos protestantes, que contém 39 livros. O Novo Testamento é igual para ambos: católicos e protestantes.
  • [4] Perseguição aos cristãos: texto e imagem. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Persegui%C3%A7%C3%A3o_aos_crist%C3%A3os#Persegui.C3.A7.C3.A3o_sob_o_Imp.C3.A9rio_Romano>. Acesso em 17/08/2013.
  • [5] NICHOLS, Robert Hastings. História da Igreja Cristã, 6ª ed. São Paulo: Casa Ed. Presbite-riana, 1985. p. 42/43.