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22 julho 2024

Empirismo e fé cristã: Berkeley

Por Alcides Amorim


A doutrina básica de Berkeley é que para alguma coisa existir, ela deve ser percebida. Se algo for um odor, deve ser cheirado: ser for uma cor, precisa ser vista, etc. Além disso, as informações dos sentidos são a única base para o conhecimento. Não há maneira de alegar que há algum objeto material cuja existência postulamos, porque não podemos ir além dos nossos sentidos para verificar o caso...” (DEVRIES, P. H.) [1].


Já vimos um pouco, no nosso estudo sobre o empirismo e fé cristã, acerca do filósofo John Locke. E neste post, quero destacar outro filósofo: Berkeley.

George Berkeley (1685-1753) [2] nasceu na Irlanda. Tornou-se membro do Trinity College, Dublin, com vinte e dois anos de idade, e Deão de Derry em 1724. Quatro anos mais tarde, fez uma tentativa fracassada de estabelecer um colégio missionário nas Bermudas para a evangelização das Américas. Subsequentemente veio a ser Bispo de Cloyne. Quase toda sua obra filosófica foi completada até à idade de vinte e oito anos. Suas obras principais incluem An Essay towards a New Theory of Vision (1709), A Treatise concerning the Principles of Human Knowledge (1710), Three Dialogues between Hylas and Philonous (1713), e Alciphron or the Minute Philosopher (1732).

É o destino de Berkeley ser lembrado principalmente por levar adiante a abordagem de Locke. Aceitou a teoria representativa da percepção, mas deu-lhe um jeito novo. Concordou que aquilo que realmente percebemos não é o mundo externo das coisas materiais mas, sim, ideias ou percepções. A partir daí, passou a argumentar que as coisas existem à medida em que são percebidas. Mas isto não significa que os objetos simplesmente cessam de existir quando não há ninguém por perto para percebê-los. Pois sempre são percebidos pela mente infinita, Deus.

A posição de Berkeley é caricaturizada pelos famosos versos no estilo folclórico Ronald Knox:

Havia um jovem que dizia, "Deus:

Deves achar deveras estranho

Se alguém achar que esta árvore

Continua a existir

Quando não há ninguém no quintal."


RESPOSTA

Prezado Jovem:

Estranho a sua estranheza:

Eu sempre estou presente no quintal.

E por isso a árvore

Continuará a existir

Pois é observada por mim.

DEUS

O próprio Berkeley colocou o caso em linguagem mais sóbria “A mesa em que escrevo, digo eu, existe, ou seja: eu a vejo e toco nela; e se eu estivesse fora do meu escritório, diria que existia, e com isto quereria dizer que se eu estivesse no meu escritório, poderia percebê-la, ou que algum outro espírito realmente a percebe”. Para Berkeley, existir significava ou ser percebido (no caso de objetos) ou perceber (no caso de pessoas, inclusive Deus).

Assim, com um só ousado golpe de mestre, Berkeley engenhosamente negara a existência da matéria e comprovara a existência de Deus. Era uma novidade, e brilhante. Mas era uma tese carregada de dificuldades. Berkeley não deixou claro (nem poderia deixar claro) se os objetos percebidos por nossas mentes finitas eram os mesmos que aqueles que a Mente Infinita percebia. Tornou ocos os objetos da nossa percepção. Nada havia por detrás deles. Nem ficou claro como vieram a estar ali já de começo. Violava as pressuposições do nosso comportamento quotidiano, que dalguma maneira ou outra a matéria existe e que a realidade não é imaterial. A conclusão lógica do conceito representativo do conhecimento é o solipsismo [3]; que o único conhecimento possível é aquele acerca de si mesmo e das suas percepções. Não podemos, pois, ficar fora de nós mesmos e dos dados fornecidos por nossos sentidos. Não temos meios de demonstrar que objetos ou pessoas têm qualquer existência fora das nossas próprias mentes.

A esta altura teria sido mais sábio, conforme sugeriu E.L. Mascall [4], se os filósofos tivessem parado para indagarem a si mesmos se este conceito do conhecimento estava no caminho certo. É realmente verdade que o que percebemos não são objetos mas, sim, meramente sensações dentro de nós que nos fizeram tirar apressadamente a conclusão de que os objetos realmente existem fora de nós? Não seria mais razoável tratar os dados dos nossos sentidos, não como tipo de fim em si mesmo mas, sim, um tipo de meio mediante o qual a mente capta uma realidade inteligível? Contrastando sua abordagem com a dos empiristas, Mascall escreve: "Ora, contra esta pressuposição quero adiantar o ponto de vista, que tem antecedentes muito reputáveis embora sua existência tenha sido passada por cima pela maioria dos filósofos modernos, que o elemento intelectual não-sensório na percepção não consiste simplesmente de inferência, mas, sim, de apreensão. De acordo com este ponto de vista, não há (normalmente, de qualquer maneira, pois não estamos nos ocupando neste momento com a experiência mística) nenhuma percepção sem sensação, mas o objeto sensível (o objeto dos sentidos ou o dado dos sentidos, ou, conforme diriam os escolásticos, a espécie sensível) não é o término da perceção, não o objectum quod, para empregar outra frase escolástica, mas, sim, o objectum quo, através do qual o intelecto capta, numa atividade direta porém mediana, a realidade inteligivel extra-mental, que é a coisa verdadeira”. Mas, segundo parece, nem Berkeley desenvolveu seu empirismo na direção do imaterialismo e do idealismo. David Hume foi levado por ele ao ceticismo radical.

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Sugiro o vídeo a seguir, do portal Saber em foco, que faz um excelente comentário sobre George Berkeley. Este

“… rejeitou a noção de ideias abstratas e afirmou que todas as ideias eram de coisas particulares. Ele propôs a ideia de que ‘ser é perceber e ser percebido’, defendendo a imaterialidade do mundo e a garantia divina do conhecimento. Berkeley inaugurou o fenomenismo, uma corrente filosófica que estuda a realidade tal como se apresenta à consciência, focando nos fenômenos percebidos pelos sentidos. Ele representou uma importante contribuição à história da filosofia, mesmo que sua concepção da existência de Deus não tenha sido justificada de forma convincente…”.

Mais em:


Notas /  Referências bibliográficas:

  • [1] GONZÁLEZ, Justo L. E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo: a era dos dogmas e das dúvidas – Vol. 8. São Paulo: Vida Nova, 1984 (1ª ed.), pág. 132 e 133). In:<A era dos dogmas e das dúvidas: a opção racionalista>. Acesso em: 12/07/2024.

  • [2BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 46 a 47 (Texto adaptado).

  • [3] Solipsismo “… é a concepção filosófica de que, além de nós, só existem as nossas experiências. O solipsismo é a consequência extrema de se acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores e pessoais, não se conseguindo estabelecer uma relação direta entre esses estados e o conhecimento objetivo de algo para além deles. O ‘solipsismo do momento presente’ estende este ceticismo aos nossos próprios estados passados, de tal modo que tudo o que resta é o eu presente…” (In: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Solipsismo>. Acesso em: 16/07/2024.

  • [4Eric Lionel Mascall, “… um importante teólogo e sacerdote na tradição anglo-católica da Igreja da Inglaterra. Ele foi um expoente filosófico da tradição tomista e foi professor de Teologia Histórica no King's College London…” (In: https://en.wikipedia.org/wiki/Eric_Lionel_Mascall, Acesso em: 16/07/2024).


15 julho 2024

Empirismo e fé cristã: John Locke

Por Colin Brown [1]


Locke havia lido as obras de Descartes e estava tão convencido como o filósofo francês de que a ordem do mundo corresponde a ordem do pensamento. Mas não cria que houvesse tal cousa como ideias inatas. Segundo ele, todo conhecimento procede da experiência. Essa experiência pode ser tanto a que nos dão os sentidos como a que nos dá nossa mente ao conhecer-se a si mesma (o que ele chama ‘sentido interno’). Mas na mente não existe ideia alguma antes que a experiência nos conduza a ela…” (GONZÁLEZ) [2].

Continuando nosso estudo sobre o empirismo, queremos destacar neste post o pioneiro do movimento chamado John Locke.

John Locke (1632-1704) [3] era filho de um pequeno proprietário de terras no interior, que também era advogado. Foi para a universidade de Oxford quando o puritanismo [4] estava nos seus dias áureos, e o vice-chanceler da Universidade era o grande John Owen. Entre outras coisas, Locke estudou medicina, e acabou ganhando seu doutorado nesta matéria, John Locke também era uma figura semipública. Mas nos últimos anos da dinastia real dos Stuart, achou mais prudente morar na Holanda, e não voltou senão depois da Gloriosa Revolução de 1688 [5]. Enquanto estava na Holanda teve tempo e tranquilidade para completar seu tratado filosófico importantíssimo, An Essay Concerning Human Understanding (1690), e sua primeira Letter on Toleration (1689). Publicou subsequentemente outras cartas sobre a mesma matéria, e tratados sobre a educação e o governo civil. The Reasonableness of Christianity (1695) foi seguido pelas obras póstumas Paraphrase and Notes on the Epistles of St. Paul (1705-7) e A Discourse on Miracles (1706).

Hoje, Locke é principalmente lembrado por ser o pioneiro da abordagem empirista ao conhecimento. Em Oxford, ficou impressionado com a leitura de Descartes, mas sua própria abordagem foi seguindo uma direção bem diferente. Rejeitou a ideia racionalista de que a mente tinha carimbadas sobre ela, desde o nascimento, certas noções primárias, evidentes por si mesmas. Pelo contrário, retratava a mente como sendo uma peça em branco que recebia de fora as suas impressões. “Suponhamos, portanto,” escreveu na sua retórica característica do século XVII, que a mente é, por assim dizer, um papel branco isento de caracteres, sem quaisquer ideias, como vem a ser suprida? De onde obtém aquela vasta quantidade que a imaginação ativa e ilimitada do homem pintou sobre ela com uma variedade quase infinita? De onde todas as matérias da razão e do conhecimento? Respondo a isto com uma só palavra: da experiência; nela, todo o nosso conhecimento é fundamentado e a partir dela, em última análise, a própria menta deriva. Nossa observação empregada em questões de objetos externos e sensíveis, ou nas operações internas da nossa mente, percebidas por nós mesmos, e sobre as quais nós mesmos refletimos, é aquilo que fornece ao nosso entendimento matérias para pensar. Estes dois grupos de questões são as fontes de todo o conhecimento, de onde emanam todas as ideias que temos, ou podemos naturalmente ter. Noutras palavras, o que conhecemos são ou ideias (impressões na mente de “amarelo, branco, calor, frio, macio, duro, amargo doce, e todas aquelas qualidades que chamamos de sensíveis) ou as reflexões da própria mente sobre elas. A partir dai, Locke tirou a conclusão que a mente humana não tem outro objetivo imediato senão suas próprias ideias e de que “o conhecimento é a percepção da concordância ou discordância de duas Ideias”.

Ao argumentar assim, Locke estava adiantado naquilo que às vezes é chamada a teoria representativa do conhecimento. A própria mente não tem conhecimento direto do mundo externo, porque nunca tem a capacidade de passar por cima dos sentidos e ficar fora deles. Aquilo que a mente percebe são os dados que os sentidos transmitem a ela, para então trabalhar com eles e interpretá-los. Antes de questionarmos a validade desta abordagem e voltarmos nossa atenção ao modo segundo o qual foi desenvolvida por empiristas posteriores, vale a pena fazer uma pausa para ver como Locke defendia a cristianismo contra os céticos dos seus dias.

Locke fazia uma distinção entre a fé e a razão. Definia esta última [a razão] como sendo “a descoberta da certeza ou probabilidade das proposições ou verdades as quais a mente chega por meio da dedução feita de tais ideias, que obteve por meio das suas faculdades naturais, viz, pela sensação ou pela reflexão. A , por outro lado, é o assentimento dado a qualquer proposição não calculada assim pelas deduções da razão, mas, sim, por causa de o proponente merecer crédito, como proveniente de Deus através dalgum modo extraordinário da comunicação. A este modo de os homens descobrirem as verdades chamamos de Revelação”.

Uma ou duas páginas antes, Locke tinha feito a distinção adicional entre aquilo que é de acordo com a razão, aquilo que está acima da razão, e aquilo que é contrário à razão. De acordo com a razão, são as proposições cuja veracidade podemos descobrir, por examinarmos e seguirmos até a origem ideias que temos a partir da sensação e da reflexão; e por dedução natural acharmos verdadeiras ou prováveis. Acima da razão, estão as proposições cuja veracidade ou probabilidade não podemos derivar mediante a razão, a partir daqueles princípios. Contrárias à razão, são as proposições que são inconsistentes com, ou irreconciliáveis com, nossas ideias claras e distintas. Destarte, a existência de um Deus único está de acordo com a razão; a existência de mais de um Deus, contrária [ou contraria] à razão; a ressurreição dos mortos, acima da razão.

Os pensadores talvez discordem quanto àquilo que deve ser colocado em cada compartimento. Eu mesmo desejaria qualificar mais aquilo que quero dizer com "razão” e “ser razoável”. Uma ideia é razoável quando se pode comprovar sua veracidade de antemão. Também pode ser chamado razoável se é justificado pela experiência. Pode ser que contenha implicações que não foram sondadas ou que somos incapazes de examinar no momento. Mesmo assim, se a observação e a experiência justificarem a conclusão, pode ser dito que esta é racional. É neste sentido que eu concordaria com Locke que a existência de Deus está em conformidade com a razão. Há porém, muitos aspectos da fé cristã que, conforme indica Locke, estão acima da razão. O método de Locke era aceitar tais coisas pela autoridade daquilo em que podia acreditar mediante a razão.

A razão é a revelação natural, mediante a qual o Pai da luz, e Fonte de todo o conhecimento, comunica a humanidade aquela porção da verdade que colocou dentro do alcance das faculdades naturais; a revelação é a razão natural estendida por um novo grupo de descobertas comunicadas imediatamente por DEUS, cuja veracidade é garantida pela razão por causa do testemunho e provas que elas dão quanto a terem vindo da parte de DEUS.

Para Locke, os milagres do cristianismo não eram (conforme parecem ser para muitos que gostariam de ser apologistas do cristianismo hoje) algo pelo qual se pede desculpas. Depois de a sua credibilidade ter sido devidamente examinada os milagres são evidências em prol da fé cristã. “Onde o milagre é admitido, a doutrina não pode ser rejeitada, acompanha a certeza de uma atestação divina dada àquele que aceita o milagre, e não podemos questionar a sua veracidade”. Voltaremos a esta questão na ocasião de discutirmos Hume.

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Na verdade, John Locke foi um personagem tão importante, que podemos dizer que ele não foi apenas o pai do empirismo, mas também o pai do liberalismo político, precursor do iluminismo inglês e, ainda influenciador intelectual (jurídico) da Independência dos Estados Unidos. As ideias de Locke no campo político foram revolucionárias. Enquanto criticava o direito absolutistas dos reis, afirmava que a soberania não reside no Estado mas na população, através dos poderes Executivo, Legislativo (o mais importante deles) e Judiciário. Veja, por exemplo estas frases abaixo e o vídeo na sequência:

  • Os indivíduos têm o direito natural de possuir propriedade, e isso nunca pode ser tirado deles sem o próprio consentimento”.

  • Onde não há lei, não há liberdade”.

  • "Consideramos estas verdades como evidentes, que todos os homens são criados iguais, que seu Criador lhes concede certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade" (Declaração de Independência dos EUA, inspirada em John Locke).

  • Não se revolta um povo inteiro a não ser que a opressão seja geral”.




Notas / Referências bibliográficas:

  • [1O Dr. Colin Brown é professor de Teologia Sistemática no Fuller Theological Seminary, em Pasadena, Califórnia, USA. Entre outros livros, é autor de Karl Barth and the Christian Message. Editor de History, Criticism and Faith e o responsável pela edição em inglês do Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, publicado por esta Editora [Vida Nova], ao qual também contribuiu vários artigos.” (BROWN. In: Nota 3, contracapa).
  • [2] GONZÁLEZ, Justo L.E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo: a era dos dogmas e das dúvidas – Vol. 8. São Paulo: Vida Nova, 1984 (1ª ed.), pág. 132 e 133). In:<A era dos dogmas e das dúvidas: a opção racionalista >. Acesso em: 12/07/2024.
  • [3BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 44 a 46 (Texto adaptado). 
  • [4] O puritanismo foi “… um movimento de reforma, frouxamente organizado, que se originou durante a Reforma inglesa do século XVI. O nome surgiu dos esforços para ‘purificar’ a Igreja da Inglaterra realizados por aqueles que achavam que a reforma ainda não tinha sido completada. Posteriormente, os puritanos também passaram a buscar a purificação de si mesmos e da sociedade…” (RENNIE, I. S. Puritanismo. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. III. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 208 e 209. Sobre o contexto histórico e religioso da época, na Inglaterra, veja o texto de Justo González, em A era dos dogmas e das dúvidas (IV): a revolução puritana. Acesso em: 11/07/2024.
  • [5A Revolução Gloriosa foi a última fase da Revolução Inglesa, iniciada em 1642, que ocorreu com a deposição de Jaime II e a ascensão de Guilherme de Orange ao poder na Inglaterra, e que pôs fim ao poder absolutista e dando origem à monarquia constitucional, ou seja, o rei permaneceria no trono inglês, mas com poderes reduzidos. Veja mais em: González, A revolução puritana. In: Nota 4.

10 julho 2024

Empirismo: algumas considerações filosófico-teológicas

Por: Alcides Amorim


Já escrevi alguns posts sobre o racionalismo, corrente de pensamento que se desenvolveu na Europa continental, e fiz algumas observações filosófico-teológicas sobre os principais racionalistas: Descartes, Spinoza, Leibniz e Pascal. Agora, queremos escrever um pouco também sobre o empirismo, movimento que se desenvolveu na Grã-Bretanha (Reno Unido): Locke (Inglês), Berkeley (irlandês) e Hume (escocês).

O que diferenciava racionalistas e empiristas, eram as ideias inatas, defendidas pelos primeiros. Para os racionalistas, as ideias inatas são aquelas que são os verdadeiros atributos da mente humana, que foram dadas à mente por Deus. Sendo assim essas ideias "puras” são conhecidas a prori por todos os seres humanos e, portanto, são cridas por todos. Elas eram de importância decisiva para os racionalistas, de modo que usualmente se sustinha que essas ideias eram a condição prévia para a aprendizagem de fatos adicionais. Os empiristas, ao contrário, argumentavam que o conteúdo das ideias chamadas inatas na verdade era aprendido através da experiência das pessoas, embora elas talvez tenham refletido pouco sobre isso. Dessa maneira, aprendemos vastas quantidades de conhecimento através da nossa família, educação e sociedade, que surge bem cedo na vida e que não pode ser contado como inato.

Em especial, os empiristas do século XVIII preocupavam-se principalmente com os problemas do conhecimento. Em contraste com os racionalistas que procuravam erigir sistemas filosóficos por meio de raciocinar com base em verdades alegadamente evidentes em si mesmas, os empiristas ressaltavam o papel que a experiência desempenhava no conhecimento. Argumentavam que não temos ideia alguma senão aquelas que derivam da experiência que vem a nós através dos sentidos. Declarações (a não ser aquelas da lógica pura) somente podem ser conhecidas como sendo verdadeiras ou falsas por meio de testá-las na experiência.

Teologicamente falando, podemos afirmar que os racionalistas não eram agnósticos, céticos ou ateus, embora não alinhado com o verdadeiro ensino das Escrituras. Mas dos empiristas pode-se dizer o mesmo? Vejamos:

Bem, Colin Brown [1] entende que não “… seria correto estigmatizar o movimento como sendo inflexivelmente agnóstico”. Hume era um cético, enquanto Locke era um homem de fé sincera e Berkeley era um bispo anglicano. “Mesmo assim, pensa-se geralmente que o movimento fez uma contribuição considerável ao avanço geral do agnosticismo moderno...”, Na verdade, aplicar o método experimental mesmo em matéria de fé, não necessariamente torna a pessoa um agnóstico ou ateu. Entendemos que é possível ser empirista e cristão ao mesmo tempo.

Teologicamente, porém, é necessário fazer algumas ponderações entre empirismo e fé cristã. David A. Rausch [2] afirma que o problema radical com qualquer forma de empirismo é o do relacionamento entre qualquer exposição concernente à experiência e os dados fatuais ou empíricos. Envolve o relacionamento entre experiências e os “significados” pelos quais as experiências podem ser conceptualizadas, articuladas e comunicadas. Visto poder haver uma variedade de interpretações daquilo que se constitui uma experiência, qualquer apelo à experiência como o único árbitro do significado e da relevância é problemático. Semelhante apelo depende totalmente de qual interpretação da experiência a pessoa aplica. Este problema destacou-se especialmente quando os positivistas lógicos procuravam construir uma abordagem unificada para todas as áreas do conhecimento e da ciência. Esta tentativa fracassou, porque os positivistas lógicos não conseguiram impedir que as interpretações teóricas entrassem na sua linguagem de "observação".

O empirismo tem sido aplicado à teologia de várias maneiras. Hume acreditava que se devia estudar a religião de modo científico, porque nada havia de único e sem igual na experiência religiosa. Friedrich Schleiermacher, por outro lado, acreditava que a experiência religiosa era sem igual, e cria que a teologia somente poderia fornecer símbolos para descrever a grande diversidade de experiências religiosas do homem. Cada homem, portanto, precisa ter uma descrição particular dos seus sentimentos, uma teologia individual. Algumas pessoas sugeririam que Schleiermacher é a fonte de todas as teorias da "experiência religiosa" que estão em voga hoje. Os teólogos liberais do fim do século XIX e do início do século XX aplicaram à religião o método científico, procurando reconstruir a fé cristã de acordo com as conclusões "modernas" da ciência. Por isso, um modo cristão apropriado de compreender o mundo e o seu progresso exigiria o método empírico. Este desejo de harmonizar a fé cristã com o método empírico da ciência não é meramente um fenômeno liberal moderno, mas também pode ser achado nas teologias naturais do século XVIII de escritores conservadores, tais como William Paley e Bispo Butler. Alguns conservadores modernos, tais como John Warwick Montgomery, têm continuado esta tendência.

Para concluir, deixo o vídeo (veja este link) do Pr. Anderson Porto, que refuta biblicamente o empirismo. Este nega a fé ao defender que todo o “conhecimento resulta da experiência, das sensações, dos sentidos…”. Neste sentido, Tomé, apóstolo de Cristo, era também um empirista, pois só acreditava no que via e no que suas mãos tocassem. Mas a fé vai além da experiência, daquilo que é palpável…

E oito dias depois estavam outra vez os seus discípulos dentro, e com eles Tomé. Chegou Jesus, estando as portas fechadas, e apresentou-se no meio, e disse: Paz seja convosco. Depois disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos; e chega a tua mão, e põe-na no meu lado; e não sejas incrédulo, mas crente. E Tomé respondeu, e disse-lhe: Senhor meu, e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, Tomé, creste; bem-aventurados os que não viram e creram (João 20.26-29).



Notas / Referências bibliográficas:

  • [1BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 44.

  • [2] RAUSCH, David A. Empirismo, Teologia Empírica. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 20 e 21.


02 julho 2024

Bispos e Papas: (8) Higino

 Por Alcides Amorim 

Bispo Higino [1]


Prosseguindo nossa série de estudos sobre os bispos romanos listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica [2], veremos resumidamente neste post, sobre o 8º bispo: Higino.

Eusébio (5, VI) afirma que depois que Telésforo, “… sofreu glorioso martírio”, veio Higino. E assim, como Telésforo, Higino é chamado de Papa e/ou Santo Higino nos escritos católicos. Quando ele exerceu seu bispado? Eusébio (4, X) afirma que o imperador romano Antonino Pio sucedeu Adriano em seu no vigésimo primeiro ano do reinado deste último. Na lista dos imperadores descrita aqui [3], Antonino Pio começou a governar em 138 e no primeiro ano de seu reinado (138 ou 139?), morreu Telésforo, sendo sucedido por Higino. Como esta fonte [4] coloca crédito no Liber Pontificalis (L.P.) [5] que fixa o tempo de governo de Higino em 4 anos e que ele morreu em 142, deduz-se que seu governo foi entre 138 e 142.

Destacamos a seguir, um breve compilado extraído destas fontes: Papa Santo Higino [6] e Papa Higino[7]:

Bispo Higino, Papa Higino ou ainda Santo Higino:

  • Era chamado filósofo de origem ateniense, portanto, de origem grega.

  • Durante seu breve pontificado, os ataques dos pagãos haviam diminuído e a Igreja se viu ameaçada pela proliferação de seitas heréticas.

  • Uma destas seitas era o gnosticismo – mistura de doutrinas e práticas religiosas com filosofia e mistérios – espalhada por Valentim e Cerdão, os quais foram excomungados por Higino, contando com a ajuda do filósofo São Justino.

O gnosticismo, uma das ameaças à unidade da igreja no segundo século, era resultado da mistura da religião helenística com o cristianismo. Os gregos cristãos, ou cristianizados, buscavam sabedoria (1Co 1.22) e nesta tentativa de conciliarem a “gnosis” com as doutrinas cristãs, pendiam-se, muitas vezes, para a heresia. No segundo século, como o gnosticismo, elementos com especulações místicas e cosmológicas sobre a doutrina da salvação, dualismo entre o mundo do espirito e o mundo material e até o ascetismo ou a libertinagem, negavam ou confundiam as principais doutrinas cristãs, como a criação, a encarnação, a ressurreição e outras. Desta forma, o gnosticismo precisava ser entendido, para ser evitado, assim como também o seu antídoto, o verdadeiro conhecimento das verdades cristãs. Estas deviam ser bem estudadas, ensinadas, cridas, aceitas e praticadas. Márciom (ou Marcião), o principal herege deste momento, procurava combinar elementos contrários ao mundo material e ao judaísmo. Pensava que este mundo era mau, e que seu criador devia ser um deus, se não mau, pelo menos ignorante. Em lugar de inventar toda uma série de seres espirituais, ao estilo dos gnósticos, o que Márcio propôs era muito mais simples. Segundo ele, o Deus do novo Testamento e Pai de Jesus Cristo não é o mesmo Jeová do Antigo Testamento. Há um Deus supremo, que é o Pai de Jesus Cristo, e um ser inferior, que é Jeová. Foi Jeová que fez este mundo (…). Mas Jeová, seja por ignorância ou por maldade, fez este mundo, e nele colocou a humanidade. (…) Jeová é um deus ciumento e arbitrário, que escolhe um povo acima dos demais, e que está constantemente conferindo a conta de quem o desobedece para tomar vingança. Em uma palavra, Jeová é um Deus de justiça [8].

  • Higino mexeu nas estruturas hierárquicas e na cerimônia do batismo; instituiu as ordens menores para melhorar o serviço da Igreja e preparação do sacerdócio.
  • Parece que se deve a ele a instituição de padrinhos no batismo.

  • Não se tem certeza de que ele tenha sofrido o martírio e que foi santo por outros méritos.


Quero, para finalizar, destacar um vídeo do Reverendo Augustus Nicodemus, sobre


Notas / Referências bibliográficas:

  • [2] Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Telésforo é o número 7 da lista...
  • [6Ver Nota 4.