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30 maio 2024

Marxismo e fé cristã: ideologia

Por Alcides Amorim


Em seu trabalho o marxismo e a fé cristã, o escritor J. Sturz divide o seu estudo em três partes importantes: os conceitos marxistas (ideologia, dialética, a história e o homem); Marx e a religião (a irreligião marxista, evangelho segundo Marx e diálogo marxista-cristão) e marxismo e teologia. Nosso propósito aqui, e em outros posts (esperamos poder publicar) é refletir sobre os sub-temas do referido trabalho escrito no início dos anos 80 e que ainda julgamos relevantes para nossos dias, obviamente com outros ingredientes complementares. O primeiro deles é a ideologia.

Como definição de ideologia podemos citar o que é dito aqui, como sendo ela “… um termo que possui diferentes significados e duas concepções: a neutraum… conjunto de ideias, de pensamentos, de doutrinas ou de visões de mundo de um indivíduo ou de um grupoe a críticaque… pode ser considerado um instrumento de dominação que age por meio de convencimento (persuasão ou dissuasão, mas não por meio da força física) de forma prescritiva, alienando a consciência humana”.

Sturz diz que os conceitos marxistas ideologia e dialética estão inter-relacionados e estão ligados ao saber baseados numa auto-reflexão hegeliana. Mas sobre este último queremos falar num outro momento. Como fazia com outros conceitos relacionadas ao saber, Marx tentava encaixar suas ideias dentro do esquema materislista, ou seja, tentava separar as ideias da realidade histórico-social. Para Marx, “… a classe dominante impõe suas ideias através da escola, da religião, dos costumes ao ponto de que são consideradas verdadeiras, universais quanto à humanidade. Esta classe desenvolveu-se junto com suas ideias dentro de um modo de produção" [1]. Para desfazer a ideologia da classe dominante, Marx propõe uma revolução da classe oprimida contra a classe opressora. E a nova classe emergente, depois de sistematizar suas ideias, diferentes da existente e de acordo com seus interesses, precisam ganhar o apoio de toda sociedade. Sturz cita Marilena Chauí e destaca que a ideologia marxista não está encarregada de “tomar o lugar” da prática, nem de “guiar” a prática e nem tampouco de se “inutilizar enquanto teoria” para valorizar apenas a prática (Idem, pág. 210). Segundo esta linha de raciocínio marxista, as “… ideologias podem não ser consideradas visões de mundo… porque grande parte dos ideólogos propõe transformações sociais ao invés de uma teoria que tente explicar a realidade”. Ou seja, Karl Marx entende que ‘Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo’” [2].

Mas será que o marxismo escapa de ser ou ter uma ideologia?, pergunta Sturz. Na verdade, “… o marxismo, longe de ser apenas uma análise de fatos concretos, torna-se bandeira de ideias para fazer a realidade depender delas. De símbolos estas ideias se tornaram verdadeiros ídolos…” [3].

Ampliando este raciocínio, vejamos o estudo da Brasil Paralelo sobre o assunto: “Marx acreditava que a burguesia criava ideias ilusórias, como a religião, para enganar as outras classes e conseguir dominá-las mais facilmente. Ele chamava as supostas ideias falsas da burguesia de ideologia. Contudo, as características das teorias de Marx são semelhantes às da ideologia de Destutt [4], especialmente devido as influências iluministas nas obras de ambos"A Brasil Paralelo destaca ainda as características de uma ideologia:

  • Reducionismo da realidade: os ideólogos observam a realidade a partir do que pensam, fechando-se a tudo o que a realidade apresenta e que está fora da sua linha de pensamento.

  • Formação de um governo extremista: “Uma vez que a sociedade perfeita pode ser formada, o governo ideológico se vê no direito de eliminar aqueles que atrapalhem tamanho bem aparente, já que não existe uma punição além da terrena”.

  • Rechaço contra religiões transcendentais: os ideólogos (marxistas) acreditam que conseguem gerar uma civilização perfeita na Terra com seus próprios esforços, ao contrário da maioria das que religiões acreditam que a vida perfeita está para além deste mundo.

  • Formação de uma religião imanentista: para os comunistas, após viver a doutrina marxista e conseguir a conversão de um número de pessoas adequado, a revolução seria feita e o paraíso seria atingido.

Ao analisarmos as características acima, podemos dizer que os conservadores (não conservadoristas, pois assim se tornariam também ideólogos) pensam o contrário disso. Entender o oposto do que é ideologia pode auxiliar na melhor compreensão de seu conceito através da observação da realidade. Essa observação gera a construção de teorias e a descoberta de postulados, mas que não esgotam toda a existência. De forma coerente, a BP propõe os pensamentos de Tomás de Aquino e de Aristóteles como exemplos de ideias antagonistas das ideologias. Assim, os conservadores procuram entender o conceito mas rejeitam a qualificação de conservadorismo como bandeira ideológica, evitando assim, que seu pensamento venha a tornar-se num código rígido e dogmático de pensamento politizado.

E por que devemos rejeitar o marxismo? Por conta do enfoque idolátrico que aparece quando procura tornar um elemento apenas natural em absoluto. Neste afã, Marx desenvolve “três teorias”[5] que se tornam ídolos:

  • o materialismo dialético (a evolução humana, relações sociais determinadas pelas classes e os pensamentos humanos representam apenas estas classes);

  • um otimismo que vê solução de todos os problemas na marcha histórica; e

  • um humanismo religioso que encarrega o homem de sua própria salvação.

Como os ídolos são espécies de deuses que ocupam o lugar do verdadeiro Deus, as teorias marxistas tornam seus adeptos em verdadeiros “crentes” em Marx e suas ideias. Se a ideologia, segundo Marx “mascara a realidade social”, e toma o “falso por verdadeiro e o injusto por justo[6]", podemos interpretar, à luz Bíblia e da teologia cristã, de forma invertida estas palavras, isto é, afirmarmos o contrário: chamarmos de “treva” o que o marxismo chama de “luz”; de “falso” o que é entendido como “verdadeiro”, de “injusto” ao invés de “justo” e assim por diante.

Embora o marxismo não crê em nenhum elemento sobrenatural (metafísico), seu sistema tornou-se um verdadeiro dogma no sentido de que suas ideias (teorias, argumentações…) estejam colocadas acima de qualquer outro modo de pensar. E entendido sua ideias como verdades, os comunistas/marxistas tornam-se exclusivistas e não aceitam ser contraditados. É por isso que Marx defendia a implantação violenta do comunismo, inclusive a destruição do Cristianismo, esta ou qualquer outra religião é o “ópio do povo”. Veja o vídeo sugerido abaixo.

Um paralelo entre Comunismo e Cristianismo [7] sobre as várias situações da vida caracterizam bem as diferenças entre ambos:


    Comunismo: para o comunista...

    Cristianismo: para o cristão...

  • O homem não é livre, porque a sua iniciativa vem de fora, isto é, do Partido, que dita não somente o que ele deverá fazer, mas também o que deverá pensar. Ele é como o leme de um navio, que vai para onde quer que o dirija o comandante, que é o ditador do Partido.

  • O homem é livre, porque a sua iniciativa vem de dentro, a saber, da sua alma. Ele pode ser comparado a um capitão de navio, que é livre de traçar o seu próprio curso e de escolher o seu próprio porto.

  • O homem é um objeto. Um objeto não pode agir, mas é acionado como um autômato social, e torna-se como o cinzel na mão de um escultor.

  • O homem é um sujeito. Um sujeito pode determinar suas ações, como o artista pode livremente pintar quaisquer pinturas que escolher.

  • Só há uma espécie de unidade — a unidade político-econômica, que é realizada não de dentro, por laços espirituais, mas de fora, pela força, pelo terror e pela propaganda.

  • Há duas espécies de unidade: unidade político-econômica, e unidade orgânico-espiritual, pela qual nós somos membros uns dos outros no Corpo Místico de Cristo.

  • O homem é cidadão de um só mundo, e, desde que o Estado é tudo, daí se segue que o homem não tem direitos salvo aqueles que o Estado lhe deu. Por conseguinte, quando o entender, pode o Estado tirar-lhe esses direitos.

  • O homem é um cidadão de dois mundos8, e, em virtude do segundo, ele possui certos direitos inalienáveis, tais como a vida, a liberdade e a propriedade, dos quais nenhum Estado pode privá-lo.

  • A personalidade é relacionada ao tempo. O homem é alienado da sua humanidade no presente, para atingir uma humanidade duvidosa num paraíso terrestre no futuro. Tal como o expõe Lenine: “Durante o período da ditadura em que não haveria liberdade, o povo acostumar-se-ia às novas condições e sentir-se-ia livre numa sociedade comunista" (O Estado e a Revolução).

  • O homem existe não somente no presente, mas também no futuro. A personalidade é independente do tempo, porque tem um valor intrínseco em todos os tempos.

  • O homem é determinado pela sociedade… e nela perde a sua identidade como uma gota de água perde a sua identidade num copo de vinho...

  • O homem deve determinar a natureza da sociedade e ser o senhor desta.

Portando, quem estuda a Bíblia e à luz desta analisa o marxismo, torna-se (espera-se) anti-comunista ou evita ser comunista. E mesmo sem a Bíblia, na opinião de Reagan, como mencionamos na imagem acima, "Os comunistas são as pessoas que leram Marx e Engels, os anti-comunistas são aqueles que entenderam."

Veja mais:

Sobre os dogmas marxistas, que fazem desta ideologia “quase” uma verdadeira religião, veja o vídeo a seguir:



Notas:

  • [1] In: BROWN, Colin. Filosofia e fé cristã. São Paulo: Vida Nova: 1985, pág. 209.
  • [2] 000 O que é ideologia. Disponível em: <https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/o-que-e-ideologia>. Acesso em: 23/05/2024.
  • [3BROWN: 1985, pág. 210.
  • [4Antoine Destutt de Tracy (1754-1836), considerado o “pai” do termo ideologiaFilósofo iluminista francês, cunhou o termo no final do século XVIII para designar aquilo que ele acreditava ser a “ciência das ideias”. Disponível em: <https://www.cafehistoria.com.br/o-pai-do-termo-ideologia/>. Acesso em 24/05/2024.
  • [5Idem, pág. 210.
  • [6In: Nota 2. 
  • [8] Sugiro a leitura e o vídeo sobre A aposta de Pascal...aqui.

21 maio 2024

Marxismo e fé cristã: considerações gerais

 

O estudo sobre o marxismo e a fé cristã é um pós-escrito acrescido ao livro Filosofia e fé cristã, de Colin Brown (*). Embora escrito em 1983 e reimpresso em 1985, resolvi rever este assunto e destacar em alguns posts, os principais temas extraídos da ideias de Karl Marx, acrescentando aos mesmos outras observações...

O estudo-base está gravado em PDF, disponível em:  

O marxismo e a fé cristã, por Richard J. Sturz

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(*) BROWN, Colin. Filosofia e fé cristã. São Paulo: Vida Nova: 1985, pág. 207 a 221 (Texto adaptado por Alcides Amorim).

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Já falamos em alguns posts, além do referido acima, sobre a relação do marxismo com o cristianismo, por exemplo:

16 maio 2024

Campo 14 – bebês mortos a pauladas, fome e execuções: a vida em um campo de concentração norte-coreano

Por Jones Rossi [1]

Uma aula no Campo 14
 

Os professores do Campo 14 eram guardas uniformizados: tratados por Shin no desenho acima, um deles bateu em uma aluna até a morte [2].


Shin In-geun é o único prisioneiro a ter escapado do Campo 14, conhecido como o mais cruel campo de concentração da Coreia do Norte. Ele viu o irmão ser fuzilado e a mãe ser enforcada.


Com o fim do Terceiro Reich, o suicídio de Hitler e a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial, era de se esperar que o mundo nunca mais tolerasse as cenas chocantes e crueldades cometidas nos campos de concentração de Auschwitz ou Buchenwald. Porém faz mais de 50 anos que as mesmas atrocidades continuam acontecendo com o conhecimento do mundo inteiro e que não é exagero comparar com o pior da Alemanha nazista: os campos de prisioneiros da Coreia do Norte, para onde são enviados os inimigos políticos da ditadura comunista.

Ao contrário do que seria de se esperar, a pressão mundial para fechar esses centros de torturas e assassinatos é praticamente nula. Pouco se fala sobre o assunto, porque são poucos os prisioneiros que conseguem escapar dos campos de concentração. Do pior deles, o Campo 14, somente uma pessoa conseguiu escapar: Shin In-geun, de 37 anos, que foi concebido, criado e viveu até o início da vida adulta neste teatro dos horrores, com breves períodos em outros campos menos severos.

Shin In-geun, depois de fugir para a China, foi para a Coreia do Sul e atualmente vive na Califórnia. Mudou seu nome para Shin Dong-hyuk e hoje é um ativista dos direitos humanos. Ele contou sua história ao jornalista americano Blaine Harden, que trabalhava como correspondente em Seul para o jornal The Washington Post e publicou tudo no livro ‘Fuga do Campo 14’, publicado no Brasil pela Editora Intrínseca. Shin mudou detalhes de sua história várias vezes, o que muitos apoiadores do cruel regime comunista da Coreia do Norte usaram para tentar desacreditar todo o seu relato.

A principal das mudanças é especialmente compreensível. Na primeira versão de sua história, Shin omitiu o fato de que ele foi o responsável pela morte de sua mãe e de seu irmão mais velho. Eles pretendiam fugir. Shin ouviu a conversa e contou a um guarda do campo. Seu irmão foi fuzilado e sua mãe enforcada.

Criado em um ambiente de brutalidade e desconfiança, Shin nunca desenvolveu laços de amor com sua família. Estimulado pelo Estado a delatar os outros desde pequeno, lhe pareceu que a coisa certa a fazer era denunciar os planos da mãe e do irmão. Somente anos depois, já livre, tomou consciência da maldade de seus próprios atos. Então, em seus primeiros relatos, omitiu os fatos que o retratariam como um monstro. Um monstro criado pelo Estado norte-coreano, ainda assim um monstro.

No livro, Harden deixa claro que, apesar dos desertores serem a única fonte de informações sobre os campos, “suas motivações e seu grau de credibilidade não são imaculados. Na Coreia do Sul e em outros lugares, eles se encontram muitas vezes desesperados para ganhar a vida, dispostos a confirmar as ideias preconcebidas dos ativistas dos direitos humanos, dos missionários anticomunistas e dos ideólogos de direita. Alguns sobreviventes de campos recusam-se a falar sem receber dinheiro vivo antecipadamente. Outros repetem episódios impressionantes de que ouviram falar, mas que não testemunharam em primeira mão.”

Essas incongruências foram exaustivamente usadas pelos apologistas do regime norte-coreano e pelo próprio governo, que levou o pai de Shin à TV estatal para desmentir o filho. Mas desertores, incluindo ex-guardas que trabalharam nos campos, confirmam os fatos. Imagens de satélite não deixam dúvidas sobre a existência desses lugares funestos.

Infelizmente as atrocidades do Campo 14 não fazem parte do passado. Neste momento, milhares de pessoas estão passando por isso ali e em outras instalações do regime norte-coreano: um mundo de fome, maus tratos e execuções. A história de Shin Dong-hyuk é escabrosa. A fome nos campos é tamanha que Shin cresceu vendo a mãe e o irmão não como familiares, mas sim competidores pela escassa comida disponível. As únicas refeições dadas aos prisioneiros eram sopa de repolho, repolho na salmoura ou mingau de milho. Quando conseguia, Shin furtava a comida de sua mãe, que o surrava com uma enxada ou uma pá. A única carne disponível era a dos ratos, muitas vezes capturados nas latrinas do campo. Os prisioneiros que cometiam alguma falta aos olhos dos guardas eram punidos recebendo ainda menos alimento. A estes restava vasculhar até o estrume das vacas para tentar encontrar algum grão comestível.

A população que vive fora dos campos também passa fome. Dois terços das crianças norte-coreanas foram consideradas abaixo do peso por um levantamento feito pelo Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas, que só foi permitido em troca da doação de alimentos ao país. Esse número é o dobro do que o registrado na época em Angola, que estava saindo de uma guerra civil.

Homens e mulheres não viviam juntos no Campo 14 e o contato físico era proibido sem autorização prévia. Prisioneiros que fossem obedientes e cumprissem com sucesso sua cota de trabalho forçado às vezes recebiam autorização para se casar. O mesmo valia caso delatassem alguém. Mesmo assim, só podiam casar com outros prisioneiros que fossem escolhidos pelo Estado. Era possível recusar parceiros muito velhos ou muito feios, mas perdiam a chance de se casar para sempre. Foi assim que os pais de Shin se conheceram. Seu pai recebeu Jang Hye-gyung como “presente” por seu trabalho na oficina mecânica.

Fora desses casamentos arranjados, a gravidez era terminantemente proibida. Isso não quer dizer que elas não ocorressem. Os guardas abusavam das prisioneiras, que se submetiam em troca de apanhar menos nas fábricas ou receber mais comida. Mas se engravidassem, tanto elas como os filhos eram mortos. De acordo com o relato de An Myeong Chul, que trabalhou como guarda de vários campos (não do Campo 14), os guardas eram ensinados a tratar os prisioneiros sem qualquer humanidade, pensando neles como se fossem “cães ou porcos”. Ele viu mais de uma vez recém-nascidos serem mortos a golpes de pesadas barras de ferros.

As aulas dentro do campo eram apenas uma maneira de doutrinar as crianças desde cedo. Shin lembra de uma vez que uma colega de classe foi pega, durante uma revista surpresa feita pelo professor, com cinco grãos de milho no bolso. A xingou, mandou que ela se ajoelhasse e começou a bater em sua cabeça várias vezes. Harden escreve: “Enquanto Shin e os colegas observavam em silêncio, protuberâncias brotaram-lhe no crânio. Sangue escorria-lhe do nariz. Ela tombou no piso de concreto. Shin e vários outros colegas a levantaram e a levaram para casa, uma fazenda de porcos que não ficava longe da escola. Mais tarde naquela noite, a menina morreu.” Mais “sorte” teve outro aluno que desobedeceu o professor. Foi amarrado a uma árvore e uma fila de estudantes se formou para lhe dar murros no rosto.

Com dez anos de idade, as crianças eram encaminhadas para trabalhos insalubres, como empurrar minério em gôndolas sobre trilhos. Uma amiga de Shin se desequilibrou e teve o pé esmagado pela roda de aço de uma gôndola. Levada ao hospital do campo, teve o dedo amputado sem anestesia e tratado apenas com água salgada. Em outra ocasião, durante a construção de uma represa, um muro de concreto caiu perto de Shin, matando oito trabalhadores, cinco deles crianças de 15 anos de idade. Foram esmagados a ponto de ficarem irreconhecíveis. Todos continuaram trabalhando como se nada tivesse acontecido.

Neste ambiente de absoluto desespero, o suicídio era muitas vezes a única saída que alguns prisioneiros enxergavam. Mas os governantes viam o suicídio como uma tentativa de escapar ao domínio do partido. Como escreveu Kang Cholhwan no livro sobre seu período como prisioneiro do Campo 15, “se o indivíduo que tentara o ardil não estava por perto para pagar por isso, alguém mais precisava pagar no lugar dele.” Todos os prisioneiros são avisados de que, caso optem por esse caminho, seus familiares serão punidos com sentenças e punições ainda maiores.

A situação nos campos, porém, era mais difícil de ser suportada por aqueles que tinham uma vida pregressa. A diferença entre a vida levada antes de serem presos era um fardo pesado demais. Para pessoas como Shin, no entanto, que não conheciam outra vida, o desespero, por incrível que pareça, era menor.


Veja também:


Notas:

  • [1ROSSI, Jones “... é editor de Ideias na Gazeta do Povo e co-autor do livro Guia Politicamente Incorreto do Futebol (Ed. Leya), com Leonardo Mendes Júnior. Foi editor de ciência e saúde do site de VEJA, editor da revista Galileu e repórter do G1 e do extinto Jornal da Tarde” In:<https://www.gazetadopovo.com.br/autor/jones-rossi/>. Acesso em: 02/08/2022.


Referência bibliográfica:

  • ROSSI, Jones. Campo 14 – Bebês mortos a pauladas, fome e execuções: a vida em um campo de concentração norte-coreano. In: As atrocidades do comunismo que você não aprendeu na escola – Ebook, pp. 60-67. Gazeta do Povo. Acesso em: 02/08/2022.

10 maio 2024

Bispos e Papas: (6) Sixto

 Por: Alcides Barbosa de Amorim

Bispo Sixto I [1]


Seguindo nossa proposta de estudo dos bispos romanos listados por Eusébio de Cesareia, no seu livro História Eclesiástica [2], já vimos, até aqui os bispos Lino, Anacleto, Clemente de Roma, Evaristo e Alexandre I.

Conforme escreve Eusébio (4, IV) [3], no terceiro ano do reinado de Adriano – “sob o mesmo imperador, conforme capítulo III, morreu Alexandre, bispo de Roma, depois de cumpridos dez anos de governo, e foi sucedido por Sixto. Em que ano? Na versão da H. E. de Eusébio, publicada pela CPAD e usada aqui (Nota 2), há uma tabela cronológica e o início do bispado de Xisto aparece no ano 117.

Sobre o sucessor de Alexandre I, o Bispo Xisto ou Sixto I, não há muito o que dizer. Mas baseado nestas fontes católicas, aqui[4], e também aqui[5], podemos destacar:

  • Xisto ou Sisto I, foi um dos cinco papas na história da Igreja com o nome de Xisto. Seu nome verdadeiro, "Xystus", provavelmente de origem grega, pode ter sido confundido com sexto, erroneamente avaliado, também porque foi o sétimo Papa, ou seja, o sexto depois de São Pedro.

  • Era romano, filho de certo Pastore (ou um casal de pastores).

  • Proibiu aos leigos tocarem nos vasos sagrados, mas convidou os fiéis a cantarem ou rezarem o sanctus junto com o celebrante. Ao que parece, também a fórmula final do "Ite Missa est", embora não seja confirmada historicamente.

  • Não se sabe precisamente se foi mártir.

  • Foram-lhe atribuídas duas Cartas de cunho doutrinário: uma, sobre a Santíssima Trindade; a outra, sobre a Primazia do Bispo de Roma, que alguns, todavia, consideram apócrifa.

  • Durante seu pontificado, tiveram início, provavelmente, as primeiras divergências com as Igrejas Orientais, enquanto parece ter sido ele a enviar os primeiros missionários para evangelizar a Gália, entre os quais São Peregrino.

  • Faleceu, por volta do ano 125, provavelmente decapitado.

Bem, esta fonte afirma que provavelmente, São Sixto I exerceu seu pontificado entre 115-129, enquanto esta afirma que ele faleceu por volta do ano 125. Eusébio (4, V) diz que ele foi sucedido por Telésforo, “… no décimo segundo reinado de Adriano… e… no ano que completara o décimo ano de seu episcopado”. Se Adriano, segundo esta fonte[6], exerceu seu reinado entre 117 e 138, deduzimos que Sixto terminou seu episcopado em 127.


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1Imagem meramente ilustrativa, adaptada e disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Sisto_I>. Acesso em 08/05/2024.

  • [2Na versão publicada pela CPAD em 1995, nas páginas 409/410, a editora fez uma lista de 29 bispos de Roma citados por Eusébio, e Xisto ou Sisto é o número 6 da lista... 

  • [3]  Isto é, Livro 4, Capítulo IV da História Eclesiástica de Eusébio (Nota 2).

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