Por: Alcides Amorim
Continuando nosso estudo sobre Racionalismo e fé cristã, Já vimos um pouco sobre dois filosófos racionalistas: René Descartes (1596-1650) e Blaise Pascal (1623-1662). Desta feita, queremos descatar a vida e pensamento de Benedito (ou Baruque) de Spinoza (1632-1677).
1. Spinoza: vida e obras [1]
Spinoza nasceu em Amsterdã (Países Baixos), filho de pais judeus – expulsos da Espanha –, numa época e lugar de liberdade do pensamento, um refúgio para quem buscava os direitos de opiniões. Ainda jovem Spinoza fez pleno uso destes direitos. Embora fosse criado como judeu, seu livre pensamento resultou na sua expulsão da sinagoga. E foi, segundo registros, um pioneiro na crítica biblica. Em 1663 publicou uma exposição de Descartes disposta de forma geométrica, Renati des Cartes principiorum Philosophiae Pars I et II. More Geometrico Demonstratae per Benedictum de Spinoza. Foi o único livro seu, publicado durante sua vida, que haveria de conter seu nome no frontispicio. Foi seguido em 1670 por um tratado da política e da religião, Tractatus Theologico-Politicus. Mas a obra principal da sua vida, que foi publicada postumamente e secretamente no ano da sua morte foi sua Ética, ou Ethica Ordine Geometrico Demonstrata. Esta também foi escrita (conforme sugere o título em Latim) numa forma quase geométrica, com definições, axiomas, proposições e provas...
Spinoza tem sido descrito, de vários modos, como um ateu pavoroso e como pessoa inebriada por Deus. Na realidade, era um panteísta. Mas não era o tipo de panteísta da imaginação romântica e poética. O dele era um panteísmo racional, sobriamente calculado a partir de premissas semelhantes àquelas de Descartes. Como este último, começa com ideias claras e distintas, noções que, segundo pensa ele, são evidentemente verdadeiras em si mesmas. A veracidade delas pode ser percebida meramente ao declará-las corretamente. Sua ideia básica é a da Substância que define como "aquilo que existe por si mesmo, e que é concebido por si mesmo; ou seja, algo cuja concepção não exige qualquer outra coisa para sua formação" Diz-se que esta ideia é verdadeira pela sua evidência interna. "Se alguém disser, portanto, que tem uma ideia clara e distinta, ou seja, verdadeira, da Substância, e mesmo assim, duvida que semelhante Substância existe, é como aquele que diz que tem uma ideia verdadeira e que, mesmo assim, pensa que ela talvez seja falsa." A partir daqui, passa a argumentar que há uma só Substância, e que esta Substância pode ser considerada ou como sendo Deus ou como sendo a natureza. Pois, “Tudo quanto existe, está em Deus, e sem Deus nada pode existir, nem se pode conceber dele”.
No seu sentido literal, esta última proposição poderia ser entendida num sentido teístico cristão. Mas Spinoza logo deixa claro que ele não pensa assim. Deus, pois, não existe fora da natureza, mas, sim, dentro dela. "Deus é a causa imanente e não transiente de todas as coisas." Quer digamos "Deus", quer digamos "natureza", estamos realmente falando acerca da mesma coisa. A diferença realmente é de ênfase. Falar em Deus chama a atenção à causa, falar na natureza indica o produto acabado, por assim dizer.
O ensino de Spinoza foi desenvolvido com detalhes consideráveis. No decurso do seu argumento negava a totalidade do livre arbítrio, e também negava que Deus pudesse amar aos homens de modo pessoal. O sistema inteiro é tão impessoal e mecânico quanto um teorema. Mas, a despeito da sua forma que parece rigorosa, o argumento está longe de ser estanque. A parte das falhas no seu desenvolvimento, o sistema inteiro falha porque Spinoza não conseguiu estabelecer a validade das suas definições e procedimentos.
Apesar disto, Spinoza continuou a fascinar os pensadores da Europa continental até mesmo quando romperam com sua filosofia específica. A ideia de um sistema que abrangia a tudo, juntando Deus e o homem, e explicando tudo em termos de uma única realidade espiritual, deslumbrava os idealistas do século XIX, assim como a Lorelei fascinava com bruxarias os navegantes no baixo Reno. Enfeitiçados pela perspectiva, precipitavam-se para a frente sem prestar atenção às rochas mal escondidas debaixo da torrente de ideias. Pouco importava se o sistema podia ser harmonizado com o cristianismo histórico e com a religião, conforme realmente eram experimentados e praticados. Tanto pior para o cristianismo histórico. Onde os fatos podiam ser encaixados, tanto melhor. Mas, senão, o sistema podia dispensar os fatos. Até hoje, a brilhante perspectiva não perdeu totalmente seus encantos. Em Honest to God, John Robinson ecoou de novo o louvor melancólico que Tillich dirigiu à ideia de Spinoza, de que Deus existe, não sobre e acima das coisas, mas dentro delas como "o fundamento criador de todos os objetos naturais".
2. O Deus de Spinoza [2]
A doutrina defendida por Spinoza era conhecida como “monismo” (do grego monos, que quer dizer “um”). Inspirando-se em Descartes, Spinoza se propôs a oferecer uma interpretação da realidade baseada nos princípios do raciocínio matemático. Isto pode ver-se no próprio título de sua principal obra, Ética demonstrada segundo a ordem da geometria, que foi publicada postumamente porque seu autor sabia que as opiniões expressadas nela seriam condenadas. Com efeito, o modo como Spinoza resolve o problema da comunicação das substâncias é negando que haja na realidade mais que uma substância. A realidade é somente uma (daí o nome de “monismo”). O pensamento e a extensão não são atributos de uma substância única, como a redondeza e a cor são atributos da mesma maçã. E o mesmo pode-se dizer de Deus e o mundo, que são apenas atributos dessa mesma realidade única...
Como afirmamos em outro momento, os racionalistas não eram homens sem religião, mas obviamente, escorregavam-se no modo como interpretavam os textos bíblicos e/ou a fé cristã. E como era de se esperar, as doutrinas do racionalista Spinoza não foram bem acolhidas nos círculos religiosos, pois, de fato, negavam que existira um Deus à parte e por cima da natureza física ou que esse Deus fora criador do mundo. Tendo uma visão monista ou panteísta, o certo é que a ideia de Spinoza sobre Deus fugia muito do que os teólogos cristãos afirmam sobre o conceito de Deus nas Escrituras. Aliás, ele pregava a antiteologia.
Entendemos como falsa a ideia panteísta de Spinoza de que “Deus é tudo, e tudo é Deus”. A Bíblia fala claramente de Deus como algo separado da Sua criação. Deus é Criador do mundo e tudo o que nele existe, mas o que existe, e que foi criado por Deus são coisas separadas de Deus. Veja:
“O panteísmo declara que somente Deus existe; tudo é Deus. Isso contradiz descaradamente muitos conceitos centrais apresentados na Bíblia. Deus diz explicitamente que Ele não é a mesma coisa que o homem (Números 23:19), o universo é uma coisa criada (Gênesis 1:1), o homem é feito à Sua imagem (Gênesis 1:27) e assim por diante. As Escrituras descrevem o homem e Deus falando um com o outro (Gênesis 3:9-10; Êxodo 3:4-5), Deus julgando o homem (Isaías 2:4; 33:22) e Deus separando-se de certos seres (Apocalipse 20: 12-15). Todo o conceito de oração implica que há um ‘outro’ para ouvir a oração (Mateus 6:9). É por isso que os verdadeiros panteístas não oram; eles meditam, pois o panteísmo nega que haja um ‘outro’ com quem se comunicar. (…) A Escritura é clara: Deus não é o mesmo que a Sua criação. Ele certamente não é o mesmo que o homem. Obscuro ou não, o panteísmo cristão é, em última análise, outro exemplo de má interpretação da Bíblia e de uma lógica ainda pior...” [3]
Bem, como filósofo racionalista Spinoza tentava compreender os atos humanos. Mas também tinha fé, porém acreditava num Deus panteísta do qual certamente não o compreendia verdadeiramente. De qualquer forma, sua maneira de crer em Deus serviu de referência para o grande cientista Albert Einstein. Ao ser perguntado se ele cria em Deus, Einstein disse “sim”, creio no “Deus de Spinoza” [4]. E sobre isto veja também o vídeo abaixo...
Notas / Referências bibliográficas:
- [1] BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 37 a 40 (texto adaptado).
- [2] GONZÁLEZ, Justo L. E até aos confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo: a era dos dogmas e das dúvidas – Vol. 8. São Paulo: Vida Nova, 1984, pág. 131 a 132 (texto adaptado).
- [3] O que é o panteísmo cristão?In: <https://www.gotquestions.org/Portugues/panteismo-cristao.html>. Acesso em: 01/03/2024.
- [4] A resposta mais ampla de Einstein diz: “Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe, e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos homens”. In: <https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/colunistas/francisco-borba/o-deus-de-spinoza-e-o-outro-deus-bavfh3x679vlh1dk7hl99l5bv/?#success=true>. Acesso em: 01/03/2024.
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