Por
DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato [1]
“No final do século XIX, foram instaladas as primeiras indústrias em São Paulo. O dinheiro que movia o café financiou máquinas mais modernas e importou mão-de-obra especializada. Durante essa fase de transição entre os dois séculos, a cidade de São Paulo iniciou seu processo de modernização e foi o principal centro industrial do Brasil, atraindo a alta sociedade advinda do café. Em um primeiro momento, os senhores do café construíram suas casas no centro da cidade, mas a cidade não parou de crescer. Com o aumento das atividades comerciais e sociais, o centro começou a desenvolver e se tornar um pólo comercial. Buscando um novo lugar onde pudessem construir suas mansões em “paz” e longe de toda a agitação das movimentadas vias do centro de São Paulo, foi construída a Avenida Paulista” [2]...
“… Empresas aqui instaladas nos anos 1920, data, aliás, em que São Paulo desponta como principal centro industrial, relegando o Rio de Janeiro ao segundo lugar…” (O. C.).
Um dos assuntos mais polêmicos da história brasileira diz respeito à industrialização. Rios de tinta foram gastos em vários escritos a respeito do tema e verdadeiras montanhas de estatísticas digladiam-se, de um texto a outro, com o objetivo de demonstrar diferentes hipóteses. Em um aspecto, porém, a maioria dos pesquisadores parece concordar: ao contrário da evolução ocorrida no mundo europeu, a indústria brasileira não resultou de um lento e progressivo desenvolvimento do artesanato e da pequena manufatura, mas já nasceu grande, na forma de fábricas modernas.
Paradoxalmente,
tal situação foi possível graças ao atraso econômico nacional.
Na década de 1880, quando aqui começaram a ser implantadas as
primeiras indústrias, a maquinaria fabril europeia já contava com
cem anos de desenvolvimento técnico, e foi justamente com essa
tecnologia importada que teve início nossa industrialização.
Contudo, a aparente vantagem apresentava um gravíssimo inconveniente
que deixa traços até os nossos dias: ela não estimulou o
desenvolvimento de tecnologia industrial própria, muito necessária
quando se quer construir máquinas que fazem máquinas ou
simplesmente ajustar a produtividade aos padrões internacionais.
Dessa maneira, fortes laços de dependência internacional foram
gerados, seja pelo fato de as novas técnicas serem caríssimas, seja
por serem alvo de monopólios zelosamente protegidos pelas grandes
indústrias estrangeiras.
Além
disso, a importação de tecnologia serviu de desestímulo ao
desenvolvimento educacional. Aliás, não deixa de ser interessante
observar que, no Brasil, o inventor, o gênio que da garagem da casa
revoluciona o mundo, verdadeiro herói da era industrial, nunca foi
um personagem socialmente muito importante. Não que faltasse gente
talentosa e criativa, mas sim – vale repetir – pelo fato de aqui,
ao contrário do mundo europeu, a industrialização não ter sido
resultado de uma lenta incorporação de avanços técnicos à
pequena produção manufatureira.
Qual
seria então a proveniência dos capitais iniciais das indústrias
brasileiras? Quem foram os nossos primeiros empresários? Ora, mais
uma vez cabe sublinhar que várias pesquisas convergem para um mesmo
ponto: nossa primeira industrialização, 1880-1930, grosso modo,
originou-se da importação de máquinas modernas custeadas pelo
mundo agrário tradicional. Quanto a isso, o caso paulista, região
que se tornaria principal polo industrial do país, é exemplar.
Ao
contrário
do que se imagina, São Paulo nem sempre foi a região brasileira
mais industrializada; até o início do século XX, a região ocupava
uma situação relativamente modesta. E em 1907, por exemplo, o censo
industrial indicou que a capital federal tinha duas vezes mais
fábricas do que os vizinhos do Sul; Minas Gerais, por sua vez, vinha
nessa listagem em segundo lugar, cabendo a São Paulo uma modesta
terceira colocação, seguida então pelo Rio Grande do Sul. Em
relação ao capital investido e à produção por fábrica ou ao
número de operários por estabelecimento, a situação não era
melhor: os paulistas perdiam em todos esses itens para os
pernambucanos, que, por sua vez, ocupavam o sexto lugar na listagem
de número total de indústrias brasileiras. Ainda com base nos dados
de 1907, é bastante esclarecedor o fato de praticamente 85% da
produção industrial nacional estar localizada fora das fronteiras
paulistas. Ao contrário do que sugere o divulgado mito de
“locomotiva do Brasil”, os habitantes da antiga terra dos
bandeirantes não lideraram nosso primeiro processo de
industrialização.
Tal
qual ocorria em vários lugares, os fazendeiros paulistas investiam
os recursos extras da lavoura de exportação na compra de máquinas.
Muitos viam nesse investimento uma forma de complementar as
atividades agrícolas. Desse modo, não
era raro fazendeiros de algodão inaugurarem fábricas de fiação e
tecelagem, pecuaristas fundarem fabriquetas de couro e cafeicultores
voltarem-se para a produção de vagões e de máquinas que
beneficiavam café.
Havia ainda aqueles simplesmente interessados em diversificar os
investimentos, ampliando assim as fontes de renda familiar; homens
como Antônio da Silva Prado e Antônio Álvares Penteado que, entre
fins do século XIX e início do XX, foram prósperos fazendeiros de
café e, ao mesmo tempo, fundaram vidraria e fábrica de aniagem.
O
que, porém, teria levado São Paulo a se tornar o principal polo
industrial e quando isso ocorreu? Ora, uma vez mais adentramos em um
campo de infindáveis polêmicas, cabendo aqui sintetizar a
explicação mais recorrente. Primeiramente, cabe ressaltar que os
paulistas possuíam a mais próspera atividade agrícola do país.
Desde a década de 1830, o café havia se tornado o principal item da
economia brasileira. No ano de 1900, o produto rendia, em
exportações, dez vezes mais do que o açúcar, vinte vezes mais do
que o algodão e quase trinta vezes mais do que o tabaco; somente a
borracha – que estava vivendo seu período áureo – podia
rivalizar com o café; mesmo assim, o fruto do extrativismo nos
seringais da Amazônia contribuía, no quadro das exportações, com
um quarto do que representava a matéria-prima da popular bebida
matinal.
Alimentada
por férteis terras e por estradas de ferro que viabilizavam a
expansão da fronteira agrícola em regiões bastante afastadas do
litoral, a lavoura cafeeira paulista, entre 1886 e 1910, aumentou sua
participação na produção nacional de 42% para 70%, deixando muito
para trás seus vizinhos fluminenses. Números ainda mais
impressionantes quando recordamos que, na última data mencionada, o
Brasil controlava cerca de 75% da produção mundial, o que
significava dizer que os paulistas produziam aproximadamente metade
do café comercializado no mundo; produção que, em 1906, implicava a exportação de algo não muito distante de
um bilhão de quilos!
Ora,
tal situação garantia o ingresso de polpudas rendas para a economia
local, ampliando o mercado consumidor e as fontes de renda para o
investimento fabril. Além de contar com recursos abundantes que
podiam ser canalizados para a indústria, os paulistas dispunham
ainda de outras vantagens que os capacitavam a superar
industrialmente as demais regiões brasileiras. Uma delas foi a de
ter recebido milhões de imigrantes europeus, que competiam com os
ex-escravos no mercado de trabalho, fazendo com que, até
aproximadamente a década de 1920, os salários localmente pagos
fossem inferiores aos despendidos por empresários cariocas e
gaúchos; havendo casos, como o das indústrias de vestuário e de
calçado, em que tais vencimentos eram até inferiores à média
nacional, incluindo aí as regiões nordestinas atrasadas.
Transformações
políticas também contribuíram para a prosperidade econômica
paulista. Conforme mencionamos em outro capítulo, durante o Império,
a província de São Paulo contribuía muito mais em impostos do que
recebia em benefícios e investimentos públicos. Ora, a República,
ao inaugurar o federalismo fiscal, em muito ampliou as verbas
orçamentárias de prefeituras e do governo estadual, dando origem
localmente ao que denominamos anteriormente de belle époque: um
período de grandes obras públicas e de ampliação dos espaços
urbanos. Obras e reformas que geravam milhares de empregos,
incentivando o crescimento das cidades – sendo o exemplo mais
impressionante o da capital paulistana, cuja população, entre 1872
e 1914, aumentou de 23 mil para 400 mil habitantes – e
multiplicando o mercado consumidor de produtos industriais, como o de
calçados, vestuário, bebidas, etc.
Por
outro lado, São Paulo soube reagir com criatividade às crises
econômicas. Como ocorria desde o período colonial, a expansão
local da lavoura de exportação acabou gerando problemas de
superprodução. As curiosamente denominadas safras-monstros levavam
a drásticas variações de preço do café. Assim, ao compararmos os
anos de 1890 e 1906, constataremos que, em libras esterlinas –
moeda de referência da época –, houve uma queda pela metade no
preço internacional do produto-rei da economia brasileira. Os
paulistas, após amargarem por mais de uma década, reagiram à crise
promovendo, em 1906, o que ficou conhecido como Convênio de Taubaté,
reunião dos produtores brasileiros com o objetivo de lançar uma
política de valorização do café. Tal política consistia na
compra, estocagem e até destruição da mercadoria, com o objetivo
de manter ou recuperar seu preço internacional. Embora produtores
mineiros e fluminenses tenham sido reticentes a medidas tão
radicais, elas, com o apoio do governo federal e de empréstimos
internacionais, acabaram sendo implantadas. Contrariando as
expectativas liberais da época, a valorização obteve êxito: entre
1907 e 1915, o preço internacional do café praticamente dobrou. O
alívio foi tal que as safras-monstros de 1917 e 1921 acabaram –
com sucesso, diga-se de passagem – sendo enfrentadas da mesma maneira. Em 1925, a defesa do café
torna-se permanente. Essa política, se não salvou a economia
paulista da crise de 1929, pelo menos em muito diminuiu seus efeitos,
preparando, já no início da década de 1930, uma retomada local do
crescimento econômico.
A
prosperidade da economia paulista, por sua vez, abriu caminho para
que muitos imigrantes ascendessem socialmente. No entanto, raros
foram os casos como o do sapateiro português Antônio Pereira
Ignacio, fundador das fábricas Votorantim, que, começando a
trabalhar aos 11 anos de idade, criou um império. Na maioria das
vezes, os imigrantes empresários já chegavam com algum recurso ou
eram originários da classe média e traziam consigo um importante
capital: o capital cultural, ou seja, vinham qualificados do ponto de
vista da educação formal. Esses foram os casos de Alexandre
Siciliano, Antônio de Camillis ou, para citar o mais famoso deles,
Francisco Matarazzo. Além disso, tais imigrantes nem sempre se
dedicavam imediatamente à atividade industrial. Muitos atuaram
primeiramente na agricultura de exportação ou no comércio interno
de alimentos, reproduzindo assim uma trajetória social típica dos
fazendeiros industriais.
Porém,
durante a belle époque, a expansão econômica paulista esteve longe
de ser uma marcha triunfal rumo à modernidade. Havia aspectos
nefastos na política de valorização. Um deles dizia respeito ao
estímulo para que surgissem novos países produtores. O aumento da
oferta fazia com que os mercados internacionais ficassem cada vez
mais exigentes em relação ao produto, levando à progressiva
marginalização das regiões com cafezais antigos. Por outro lado, a
estocagem era um recurso que não podia ser utilizado
indefinidamente, o que levava, em alguns períodos, à destruição
do produto, conforme observou Blaise Cendrars: “De 1929 a 1934,
durante os anos cruciais da crise financeira mundial o IDC [Instituto
de Defesa do Café] destruiu 36 milhões de sacos de café. Cargas de
café foram atiradas ao mar. Queimou-se café nas caldeiras das
locomotivas. Em Santos, uma montanha de sacos de café empilhados uns
sobre os outros ardeu dia e noite durante todos os anos da crise e
talvez até a declaração de guerra. Digamos uns 50 milhões de
sacos... Era um absurdo”.
Além
de “queimar” recursos que poderiam ter sido utilizados nas
indústrias, a defesa do café tinha ainda outros efeitos negativos.
Ela criava fortíssimas pressões pela desvalorização da moeda da
época, mil-réis, encarecendo a importação de maquinário
industrial. Pressões, aliás, nada desprezíveis, pois, ao receberem
o pagamento pela venda do café em libras esterlinas, os fazendeiros
lucravam muito com a desvalorização da moeda nacional. Tendo em
vista essa relação, ao mesmo tempo complementar e contraditória,
entre lavoura exportadora e indústria, compreende-se por que não
houve uma veloz revolução industrial paulista, mas sim um processo
de transformação econômica lento e cheio de percalços. A mesma
afirmação é, com certeza, válida para o resto do Brasil, que
somente em meados da década de 1940 assistiu à indústria superar a
agropecuária no conjunto das riquezas nacionais.
Outro aspecto importante para explicar nossa industrialização tardia diz respeito à oposição intelectual feita a ela. Não foram
poucos os que a encaravam como uma “criação artificial” da
sociedade brasileira. Posição partilhada por conservadores,
opositores a todo e qualquer tipo de indústria e à própria vida
urbana a ela associada, assim como por liberais ortodoxos, que
defendiam o emprego dos capitais nacionais na agricultura, deixando a
importação ou a produção de artigos industriais a cargo de
companhias estrangeiras.
Uma
vez que essa posição encontrava numerosos adeptos entre políticos
e ministros, não é de se estranhar a boa acolhida dada ao capital
internacional. Embora em uma escala bem menor do que a registrada na
década de 1950, esses investimentos atingiram, durante a República
Velha, numerosos e diversificados setores de nossa economia. Entre
estes, incluíam-se ramos tradicionais, como os das estradas de ferro
e de bondes, ou ramos vinculados à energia, como os investimentos da
Light e da General Electric, ou à indústria farmacêutica, com os
investimentos da Rhodia e da Bayer, ou ainda atividades vinculadas à
fabricação de carros e pneus, com a instalação da fábrica da
Ford e da Goodyear. Empresas
aqui instaladas nos anos 1920, data, aliás, em que São Paulo
desponta como principal centro industrial, relegando o Rio de Janeiro
ao segundo lugar.
Veja
também:
Notas:
- [1] Texto copiado na íntegra (e com adaptações) de: DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010, pp., 170 a 174, Capítulo 25.
Fonte / Referência bibliográfica:
- DEL
PRIORI,
Mary e
VENANCIO, Renato.
Uma
breve história do Brasil.
São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010.