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19 janeiro 2024

A Segunda Guerra Mundial e o Contexto Cristão

Por: Alcides Amorim


Já destacamos, em relação ao estudo sobre a Primeira Guerra Mundial, os seus aspectos políticos, sociais e econômicos, e também a posição teológico-cristã, sobretudo da pessoa de Karl Barth, considerado o maior teólogo do século XX. Na época, diversos promotores da paz, cristãos como o papa Bento_XV, os protestantes Söderblom, Harnack e o próprio Barth, apelaram para a obtenção da paz através da comunhão cristã. Mas apesar de seus esforços e os de muitos outros, a paz durou apenas cerca de 20 anos, surgindo a Segunda Guerra Mundial, com resultados terríveis sobretudo para os judeus. Como vimos aqui, cerca de 46 milhões de pessoas foram mortas das quais cerca de 6 milhões apenas de judeus. Queremos, portanto, falar um pouco, neste post, sobre os aspectos teológico-cristãos no contexto da segunda grande guerra.

Sobre a posição da Igreja Católica (ou papal?) da época, importante ver algumas informações sobre o italiano Eugenio María Giuseppe Giovanni Pacelli, o Pio XII, que foi papa entre 1939 e 1958, e, portanto, liderou a Igreja por todo o período da Segunda Guerra. Sob o título “'Papa de Hitler' ou 'salvador dos judeus'?”, o jornalista Juan Francisco Alonso da BBC News Brasil, descreve Pio XII como um líder religioso omisso, polêmico e ambíguo, a despeito de afirmar ser “… o nazismo um movimento político pagão que destratava os católicos, [mas] o papa não foi particularmente incômodo para o Terceiro Reich” (Idem). Seu silêncio frente às atrocidades cometidas contra os judeus durante o holocausto, favoreceu muito mais o atroz Hitler do que suas vítimas. Inclusive uma carta de 1942, escrita por um padre jesuíta alemão ao secretário de Pio XII na época, e descoberta recentemente, traz à tona esta polêmica. Na carta, com o título “Pio XII Sabia”, o padre jesuíta Lother Koenig relatava o que estava acontecendo em três campos de concentração (Belzec, Auschwitz e Dachau) e, apesar disso, não o denunciaram publicamente. “Esse silêncio é a razão pela qual muitos historiadores e setores da comunidade judaica consideram o falecido pontífice, que desde 2009 é um aspirante a santo, um cúmplice do Holocausto” (Idem).

Embora textos como este, por exemplo, afirmem que Pio XII se esforçou muito para salvar os judeus, outros, como o referido acima, não concordam que Eugenio María Giuseppe Giovanni Pacelli tenha se esforçado o suficiente para salvar o povo judeu. Inclusive o pesquisador britânico John Cornwell afirma: "Não há dúvida de que muitos católicos — padres, freiras e fiéis — em toda a Europa ocupada salvaram muitos judeus, mas acho escandaloso que o Vaticano afirme que isso aconteceu graças às instruções do papa" (Idem). Em síntese, enquanto alguns padres, freiras e outros fiéis, incluindo leigos católicos lutaram pela paz no mundo, o papel do papa falhou muito nesta missão. De modo que neste período “… embora a reação do papa à perseguição dos judeus na Alemanha e nas áreas ocupadas da Europa deixasse muito a desejar, havia outros católicos arriscando a vida e a liberdade por causa dos irmãos judeus” (Veja aqui). Na verdade, certas decisões da Igreja Católica durante sua história têm sido terríveis para os judeus, não só durante a Segunda Grande Guerra. Por exemplo, em seu artigo, Inédito: conheça todo o ódio, intolerância e perseguição da Igreja Católica aos judeus na história, que é parte de seu livro sobre a Reforma, Lucas Banzoli, depois de fazer um histórico sobre o antissemitismo da Igreja Católica através da história da Igreja, afirma que

“ … o nazismo não foi um mal que surgiu ‘do nada’, mas é antes de tudo o fruto de toda uma mentalidade antissemita que se desenvolveu por séculos, tendo no papado, na Inquisição e na pessoa dos reis católicos o seu pontapé inicial. As ideias de ‘pureza de sangue’ e seus estatutos contra os judeus e seus descendentes serviram de inspiração a Hitler, que não tardou em implementá-los também em seu país. Toda a ideologia nazista era baseada na política de discriminação racial predominante na Idade Média e que já massacrava judeus muito antes de um führer chegar ao poder no século XX. Como um pavio fumegante de uma bomba prestes a estourar, era mera questão de tempo até que o antissemitismo eclesial tomasse a forma de antissemitismo de Estado e resultasse no extermínio de milhões de judeus, não apenas na Alemanha, mas ao redor de todo o mundo” (Idem).


E a posição protestante?

Bem, também no meio protestante havia até a Igreja do Reich, liderada por Ludwig Müller, um pastor luterano antissemita, associado ao nazismo, que defendia o “cristianismo positivo” e considerava Jesus Cristo como sendo ariano.

Mas vale destacar especificamente o papel de Karl_Barth, sobre o qual já falamos, e também o de Dietrich Bonhoeffer (1906–1945) e de um grupo minoritário de cristãos que veio a formar a chamada Igreja Confessante e liderada por Martin Niemöller.

Barth, além de suas contribuições teológicas – interpretações sobre A carta aos romanos –, visando dar uma resposta espiritual aos problemas da Europa, também assumiu posição de resistência frente ao regime nazista, participando da Igreja Confessante, ao lado de Bonhoeffer e Niemöller.

De Niemöller, também sabemos, além de sua sua luta antinazista, de um texto muito conhecido, chamado "Eu me calei", muitas vezes adaptado (parafraseado) conforme as diferentes situações em que o mesmo é lembrado e citado:

Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado – porque não era socialista.
Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado – porque não era sindicalista.
Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado – porque não era judeu.
Foi então que eles vieram me buscar, e já não havia mais ninguém para me defender” (In: Enciclopédia do Holocausto - Martin Niemöller).

Na década de 1920, Niemöller simpatizava com muitas das ideias nazistas, mas após Adolf Hitler chegar ao poder em 1933, Niemöller tornou-se um crítico ferrenho da interferência de Hitler nas igrejas protestantes. Por isso, passou os últimos oito anos do governo nazista, de 1937 a 1945, em prisões e campos de concentração, mas conseguiu sobreviver até 1984. O mesmo não aconteceu com Dietrich Bonhoeffer. Este morreu ainda durante a guerra. E como? Interessante que este artigo de autoria católica afirma que “… antes do fim do primeiro século, o termo ‘santo’ era reservado exclusivamente ao mártir, e o martírio é, ainda hoje, o caminho mais certo para a canonização”. Mas este princípio não se aplicou ao protestante Dietrich Bonhoeffer, que foi morto pelos nazistas! Pois é, “… na madrugada de 9 de abril de 1945, Dietrich Bonhoeffer ‘foi levado nu até o pátio de execuções’ da prisão de Flossenbürg, na Alemanha. ‘Os guardas o ridicularizaram e desprezaram. Aos pés do cadafalso’, Bonhoeffer ajoelhou e orou. ‘Então, subiu os degraus até a forca’, onde morreu cerca de trinta minutos depois, asfixiado por um nó de corda de piano (Bonhoefferblog)”.

O historiador Justo L.González, no último volume de sua obra A era inconclusa (IV): o Protestantismo na Europa, afirma sobre o que Barth declarava "... que a religião é um esforço humano pelo qual nos tentamos esconder de Deus" e baseado nesta afirmação, Bonhoeffer enfatizava um “cristianismo sem religião”, princípio que ficou marcado para o futuro do cristianismo. Em nossas igrejas evangélicas (quase todas), hoje, entendemos que a salvação não está numa religião, mas numa pessoa: Jesus Cristo. Viver para e em Cristo é viver um cristianismo sem religião. E o preço desta escolha foi muito alto para Bonhoeffer. Como ele tornou-se um ferrenho inimigo do regime, a gestapo não o perdoou. González, assim descreve em seu texto sobre Bonhoeffer: 

"... À medida que o exército americano avançava e a derrota se tornava inevitável, o Terceiro Reich passou a eliminar os que considerava seus piores inimigos. Bonhoeffer estava entre eles. Após uma rápida corte marcial, ele foi condenado à morte. Posteriormente, o médico da prisão disse tê-lo visto ajoelhado em sua cela, orando em preparação para a morte. Em 9 de abril de 1945, dois anos e quatro dias após sua prisão, Dietrich Bonhoeffer foi enforcado. Alguns dias depois, a prisão onde ele havia sido executado foi tomada pelo exército americano" (Idem), pág. 71).


Leia também:

Um pouco mais sobre a história de Dietrich Bonhoeffer e o papel na resistência cristã pode ser visto no vídeo a seguir, de Teologia Missional.











16 agosto 2023

Semitismo, Antissemitismo e Xenofobia

Semitismo, Antissemitismo e Xenofobia

Por Alcides Barbosa de Amorim


Bandeira de Israel sendo queimada

O antissemitismo é um problema gravíssimo que envolve a todos nós porque o início da verdadeira democracia não se deu em Paris ou até mesmo na Atenas clássica, como alegam os manuais de política, e sim naquilo que o teólogo Os Guinness chama em 'A Carta Magna da Liberdade' (lançado no Brasil pela Edições Vida Nova) de “a Revolução do Sinai”, quando Moisés recebeu a revelação de que há somente um único Deus e que o povo hebreu se tornou nada mais, nada menos que o representante de toda a humanidade…” (Martim V. Cunha) [1]

Neste post queremos destacar as expressões propostas no título acima, pois estão interligados entre si e têm relação com a história de Israel e sua luta no mundo atual. Também destacaremos, posteriormente, o movimento sionista, a formação e o estado atual – físico e político – de Israel.

1. Semitismo X Antissemitismo

De acordo com Gênesis 10, Noé teve três filhos: Sem, Cão e Jafé (v. 1). A partir destes, formou-se a tabela das nações, sendo Sem, o “… ancestral das nações a Leste (Oriente) da terra de Canaã” (Wikipedia). Em Gênesis 10,21 encontramos: “E a Sem nasceram filhos, e ele é o pai de todos os filhos de Éber, o irmão mais velho de Jafé [2]”. Neste e outros versículos como 11.14-17, aparece o nome de Éber do qual nasceu o termo gentílico 'ibhri ou 'hebreu', usado na Bíblia como patronímico [3] para Abraão e seus descendentes. No Antigo Testamento, a designação 'ibhri serve para ligar a revelação abraâmica à promessa do pacto estabelecido com Sem. Trata-se, então, da ligação entre Israel e o semitismo (alusivo a Sem, um dos filhos de Noé) e o pacto entre Yahweh (o Deus de Israel) e seu povo: Israel. Portanto, o termo antissemitismo tem relação com o preconceito contra os judeus, principalmente, mas também contra árabes, etíopes ou assírios.

Nos parágrafos a seguir, em relação a esta primeira parte, vejamos o que M. R. Wilson [4] diz sobre o antissemitismo:

Wilhelm Marr (1819-1904)

O termo foi introduzido em 1879 por Wilhelm Marr [5], um agitador político alemão. Naquela época, designava campanhas anti-judaicas na Europa. Em pouco tempo, antes da era cristã.

A melhor descrição da história do antissemitismo é “longa e dolorosa". Entre os judeus os fatos trágicos do antissemitismo são bem conhecidos, porque eles ocupam uma porção preponderante na história judaica. Hoje, após mais de dois mil anos, esse mal que parece estar em todos os lugares, continua a existir. Por isso, a sensibilidade diante das artimanhas dos supostos antissemitas nunca está longe da consciência coletiva do judaísmo mundial. Nos círculos cristãos, no entanto, a história do antissemitismo – frequentemente sórdida e auto acusadora – geralmente permanece sem ser contada. Aparentemente, isto acontece porque a história da igreja tem quase a mesma duração da história do antissemitismo – se não nos atos abertos dos cristãos, certamente a tem no silêncio culposo deles.

No mundo antigo, o primeiro exemplo importante do antissemitismo ocorre durante o reinado de Antíoco IV Epifânio (175-153 a.C.). A tentativa deste governante selêucida de helenizar os judeus dos seus dias recebeu forte oposição. Os judeus eram monoteístas e, portanto, na sua maior parte, separados dos seus vizinhos gentios. Os gentios consideravam o descanso sabático como preguiça congênita, e a fidelidade às leis dietéticas como superstição grosseira. O ataque de Antíoco contra a religião judaica resultou na profanação do templo. Um porco foi sacrificado no altar, e o seu sangue aspergido nos rolos judaicos. Os governantes sírios consideravam que os judeus eram errantes nômades, um povo sem residência fixa, digno de destruição. Os judeus achavam nojenta a idolatria do mundo grego e, posteriormente, debaixo do império romano, rejeitaram a adoração ao imperador. Assim sendo, os judeus eram vistos como os grandes dissidentes do mundo mediterrâneo. Para os pagãos, vieram a ser personae non gratae, vitimas da discriminação e do desprezo.

A destruição do templo em 70 d.C. marcou uma dispersão dos judeus em larga es- cala. No século II, o imperador romano Adriano (117-138) promulgou decretos que proibiam a prática do judaísmo. Cerca deste tempo, o grande Rabino Akibá foi torturado à morte pelos romanos por meio da remoção da carne do seu corpo com pentes de ferro.

Em 321, Constantino fez do cristianismo a religião oficial do estado romano. Os judeus foram proibidos de fazer convertidos, de servir no exército, e de deter qualquer cargo elevado. Vários séculos mais tarde, sob o governo de Justiniano, os judeus foram impedidos de celebrar a Páscoa judaica antes da Páscoa cristã.

As raízes do antissemitismo teológico derivam de certos ensinos que surgiram nos primeiros séculos cristãos. A revolta judaica de 66-70 d.C. resultou em morte, exílio ou escravidão de milhares de judeus. A igreja gentia, em rápida expansão, pensava que tamanha adversidade era castigo divino, prova da rejeição dos judeus por Deus. Paulatinamente, a igreja considerava que estava tomando o lugar do judaísmo, que era uma fé "morta" e "legalista". A igreja agora estava triunfante acima da sinagoga, tornando-se o novo Israel de Deus, herdeira das promessas da aliança. Mas os judeus, como povo, ainda sofriam sob o jugo romano. Não conseguiram entender a redenção messiânica em termos de um servo sofredor, recusavam-se a crer que Deus tinha rejeitado para sempre o Seu povo escolhido.

Os escritos de vários pais da igreja refletem uma denúncia teológica dirigida contra os judeus. João Crisóstomo, o "boca de ouro", é um exemplo notável Ensinava que “a sinagoga é um prostíbulo e um teatro, … um covil de animais impuros... Nunca um judeu orou a Deus. São todos possessos pelo diabo".

Na Idade Média, os judeus, em grande medida, eram excluídos da cultura cristã medieval. Procuravam evitar as pressões sociais, econômicas e eclesiásticas, habitando por trás de muros de guetos. Era-lhes permitido, no entanto, a prática da usura. Isto levou os cristãos a acusá-los de serem um povo de párias. Os judeus foram obrigados a usar um chapéu distintivo ou uma emenda costurada nas suas roupas. Eram acusados de ter um cheiro distintivo, em contraste com o "odor de santidade". Os judeus também eram caluniados como sendo os assassinos de Cristo; os que profanavam a hóstia, responsáveis pela morte de criancinhas cristãs, causadores da disseminação da peste negra, envenenadores de poços, que mamavam em porcas. A Primeira Cruzada (1096) resultou em numerosos suicídios em massa pelos judeus que procuravam evitar o batismo forçado. Perto do fim da Idade Média, os judeus se tornaram errantes, sem lar. Foram expulsos da Inglaterra em 1290, da França em 1306, e de cidades da Espanha, Alemanha e Áustria, nos anos seguintes.

A inquisição espanhola e a expulsão de 1492 resultou na tortura de milhares de pessoas, queimadas à estaca, ou convertidas à força. Na Alemanha, uma geração mais tarde, Lutero publicou uma série de panfletos vitriólicos, atacando os judeus. A respeito dos judeus, escreveu: "Expulsemo-los do país para todo o sempre".

Por volta do início da era moderna, ocorreu uma revolta sangrenta contra os cossacos na Polônia (1648-58). Apanhados no meio do conflito, cerca de meio milhão de judeus foram mortos. Em outros países europeus naquele tempo, os judeus continuavam a ser perseguidos ou, na melhor das hipóteses, vistos com suspeita ou desprezo.

Na última parte do século XIX, a maior população judaica no mundo (seis milhões de pessoas) estava na Rússia czarista. Ali, os judeus passaram por uma série de massacres ferozes que deixaram um saldo de milhares de mortos. Outros, reunindo-se com judeus de vários países europeus, fugiram para a América do Norte. Lá esperavam achar um lugar que, segundo uma descrição anterior feita por George Washington, oferecia "nenhuma sanção ao preconceito, nenhuma assistência à perseguição". Entre 1880 e 1910 mais de dois milhões de judeus imigraram para os Estados Unidos, passando pela cidade de Nova Iorque. Durante este período, o famoso Escândalo Dreyfus [6], na França (1894), chamou a atenção do mundo para o problema do antissemitismo.

Arraigado no solo da Alemanha, o holocausto do século XX destaca-se como um evento sem paralelo. A propaganda nazista declarava que a raça humana devia ser "puri- ficada" e livrada dos judeus. A "solução final" ao "problema" judaico consistia em campos de concentração, câmaras de gás e crematórios. Entre 1933, quando Hitler subiu ao poder, e o fim da Segunda Guerra Mundial, cerca de seis milhões de vidas foram destruídas. Hoje, em Jerusalém, a Yad Vashem (o nome é tirado de Is 56.5) existe como memorial às vítimas do holocausto e como instituição para pesquisas e documentação.

No presente, o antissemitismo persiste em todos os lugares onde se acham judeus. Os judeus da Rússia e da França têm sido especialmente oprimidos. Nos países europeus e nos Estados Unidos, incidentes antissemíticos recentes têm incluído profanação de sinagogas, inclusive com bombas, de pedras tumulares, dizeres malévolos nas paredes, panfletos nazistas e estereótipos grotescos de judeus, na imprensa. Em outras ocasiões, encontra-se a chamada variedade "distinta" do antissemitismo, isto é, a discriminação e/ou a antipatia revelada contra os judeus nos campos social, educacional e econômico. A Liga de Antidifamação e outras agências judaicas continuam a fazer progresso lento, porém firme, na busca de entendimento entre povos de raças e religiões diferentes.

2. Xenofobia: o mundo contra Israel

Vimos no item acima que os judeus foram vítimas do ódio e preconceito em várias ocasiões desde o Período Inter-bíblico – entre o Antigo e o Novo Testamentos –, durante o domínio romano, na Idade Média, Moderna e até entre cristãos. Depois do texto do autor Wilson (Op. Cit.), anos 80 até hoje, muitos outros exemplos de casos de antissemitismo poderiam ser citados. Por exemplo, o relatório da CONIB (Confederação Israelita do Brasil), de março de 2023, “... apurou casos de antissemitismo classificados em três frentes: antissemitismo entendido como racismo; nazismo e, por fim, negação/banalização do Holocausto” [7]. Os resultados da apuração são alarmantes e demonstram como o antissemitismo continua muito forte e atuante no Brasil.

Por que será que o mundo tem tanto ódio dos judeus (Israel)? Podemos considerar [8], como resumo, as razões a seguir:

  • Teoria Racial – os judeus são odiados porque são uma raça inferior.

  • Teoria Econômica – os judeus são odiados porque possuem muita riqueza e poder.

  • Teoria dos Estrangeiros – os judeus são odiados porque são diferentes de todos os outros.

  • Teoria do Bode Expiatório – os judeus são odiados porque são a causa de todos os problemas do mundo.

  • Teoria do Deicídio – os judeus são odiados porque mataram Jesus Cristo.

  • Teoria do Povo Escolhido – os judeus são odiados porque arrogantemente declaram que são os “escolhidos de Deus”.

Existe alguma verdade nessas teorias?

  • Em relação à teoria racial, a verdade é que os judeus não são uma raça. Qualquer pessoa no mundo de qualquer credo, cor ou raça pode se tornar um judeu.

  • A teoria econômica que cita que os judeus são ricos não é confiável. A história tem mostrado que, durante os séculos 17 – 20, especialmente na Polônia e na Rússia, os judeus eram desesperadamente pobres e tinham pouca, se alguma, influência em sistemas empresariais ou políticos.

  • Quanto à teoria dos estrangeiros, durante o século 18, os judeus tentaram desesperadamente se assimilar com o resto da Europa. Eles esperavam que a assimilação causaria o desaparecimento do antissemitismo. No entanto, foram odiados ainda mais por aqueles que afirmavam que os judeus contaminariam a sua raça com genes inferiores. Isso foi verdade especialmente na Alemanha antes da Segunda Guerra Mundial.

  • Quanto à teoria do bode expiatório, o fato é que os judeus têm sempre sido odiados, o que os torna um alvo muito conveniente.

  • Quanto à ideia de deicídio, a Bíblia deixa claro que os romanos foram os que realmente mataram Jesus, embora os judeus tenham sido cúmplices. Não foi até algumas centenas de anos depois que os judeus foram citados como os assassinos de Jesus. É de se perguntar por que os romanos não são os odiados. O próprio Jesus perdoou os judeus (Lucas 23:34). Até o Vaticano absolveu os judeus da morte de Jesus em 1963. No entanto, nenhuma declaração tem diminuído o antissemitismo.

  • Quanto à sua pretensão de serem o "povo escolhido de Deus", os judeus na Alemanha rejeitaram a sua posição de "escolhidos" durante a última parte do século 19 para melhor assimilarem a cultura alemã. No entanto, sofreram o Holocausto. Hoje, alguns cristãos e muçulmanos afirmam ser o "povo escolhido" de Deus, no entanto, em grande parte, o mundo os tolera e ainda odeia os judeus.

Isso nos leva à verdadeira razão pela qual o mundo odeia os judeus. O apóstolo Paulo nos diz: "Porque eu mesmo desejaria ser separado de Cristo, por amor de meus irmãos, que são meus parentes segundo a carne; os quais são israelitas, de quem é a adoção, e a glória, e os pactos, e a promulgação da lei, e o culto, e as promessas; de quem são os patriarcas; e de quem descende o Cristo segundo a carne, o qual é sobre todas as coisas, Deus bendito eternamente. Amém" (Romanos 9:3-5). A verdade é que o mundo odeia os judeus porque o mundo odeia a Deus. Os judeus eram o primogênito de Deus, o Seu povo escolhido (Deuteronômio 14:2). Através dos patriarcas judeus, dos profetas e do templo, Deus usou os judeus para trazer a Sua Palavra, a lei e a moral para um mundo de pecado. Ele enviou o Seu filho, Jesus, o Cristo, em um corpo judeu para redimir o mundo do pecado. Satanás, o príncipe da terra (João 14:30, Efésios 2:2), envenenou as mentes dos homens com o seu ódio pelos judeus. Veja Apocalipse 12 para uma representação alegórica do ódio de Satanás (o dragão) pela nação judaica (a mulher).

Satanás tem tentado exterminar os judeus através dos babilônios, persas, assírios, egípcios, hititas e os nazistas. Entretanto, ele tem falhado toda vez. Deus ainda tem um plano para Israel. Romanos 11:26 nos diz que um dia todo o Israel será salvo, e isso não pode acontecer se Israel não existir mais. Portanto, Deus vai preservar os judeus para o futuro, assim como Ele tem preservado a sua remanescente ao longo da história, até que Seu plano final venha a acontecer. Nada pode frustrar o plano de Deus para Israel e para o povo judeu.

Quero sugerir também o vídeo a seguir:


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] CUNHA, Martim Vasques. Como começou a relação sombria entre a esquerda e o antissemitismo. Imagem e texto – disponíveis em <Gazeta do Povo, 30/01/2023>.

  • [3Patronímico “… (do grego πατρωνυμικός, πατήρ "pai" e ὄνομα, "nome") é um nome ou apelido de família (sobrenome) cuja origem encontra-se no nome do pai ou de um ascendente masculino. O uso do patronímico foi um procedimento muito comum em todas as comunidades humanas para distinguir um indivíduo dentro de seu grupo, no qual havia inúmeras pessoas com o mesmo prenome ("nome de batismo" ou "nome próprio")…” (Wikipedia).
  • [4] Marvin R. Wilson: Professor de Estudos Bíblicos. Gordon College, Wheaton, Illinois, EUA. O texto a seguir – Parte I: Antissemitismo –, na íntegra e com adaptações0 –, é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã. Apud. WILSON, M. R. Antissemitismo. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. I. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 86 a 88.
  • [5Wilhelm Marr: “Conhecido como o pai do anti-semitismo moderno, Wilhelm Marr liderou a luta para derrubar a emancipação judaica na Alemanha… Era luterano (não judeu, como às vezes se afirmava), filho de uma famosa personalidade do teatro. Ele entrou na política como um revolucionário democrático que favoreceu a emancipação de todos os grupos oprimidos, incluindo os judeus. Envolveu-se com exilados de esquerda na Suíça, mas foi expulso do país em 1843… Voltou para a Alemanha, juntando-se à revolução de 1848 em Hamburgo. Ele ficou amargurado com o fracasso da revolução em democratizar a Alemanha e com sua própria sorte política em rápido declínio. Ele partiu por uma década para viver na América do Norte e Central. Quando ele voltou para Hamburgo, seus pontos de vista haviam mudado radicalmente e ele voltou seu veneno contra os judeus…”. Veja mais em: <https://www.jewishvirtuallibrary.org/wilhelm-marr>. Acesso em 15/08/2023.
  • [6] “O caso Dreyfus foi um equívoco do judiciário francês culminando em um escândalo político, ocorrido na última década do século XIX. O oficial de artilharia do exército francês, de origem judaica, Alfred Dreyfus, foi acusado de vender segredos militares a um adido alemão, já que o pano de fundo se trata da Guerra Francos-Prussiana. Sua condenação pautou-se em documentos falsos e o escritor Emile Zola, redigiu uma carta aberta ao presidente francês, publicada no jornal parisiense L’Aurore, acusando o exército de ter condenado um inocente de maneira falsa e deliberada… Sete anos depois, em 12 de julho de 1906, as três câmaras da Alta Corte de Apelação, novamente reunidas, anularam o veredito de Rennes. Opinou que não existia prova alguma contra o condenado e que, na verdade, ele fora condenado ‘por engano e injustamente’...” (SILVA, Cintia Rufino Franco. O caso Dreyfus, Émile Zola e a imprensa. Disponível em: <https://revistacontemporaneos.com.br/n11/dossie/Dossie4-dreifus.pdf>. Acesso em: 16/08/2023.

07 maio 2022

A grande Fome de Mao: como o comunismo na China matou mais que o holocausto

Por Editora de Ideias, Gazeta do Povo [1]



A Grande Fome na China Comunista (1958-1962 [2]


A ideologia insana de Mao Tsé-tung fez com que 45 milhões de chineses morressem de fome em apenas quatro anos.

Nunca se viu nada parecido na história da humanidade. Na tentativa de implantar à força o comunismo em todos os estratos da população, o líder comunista Mao Tsé-Tung [3] colocou em ação políticas que levaram os chineses a níveis extremos de fome: registros apontam que 45 milhões de pessoas morreram entre 1958 e 1962.

Para o historiador Frank Dikotter, as mortes elevam Mao à posição de maior assassino em massa da história mundial. Dikotter teve acesso a arquivos históricos sobre o regime maoísta logo após serem abertos, em 2006. Os dados encontrados foram a base para o seu livro “A Grande Fome de Mao”, lançado em 2010.

Segundo ele, a tortura, brutalidade e o assassinato sistemático de camponeses chineses é comparável à Segunda Guerra Mundial. Pelo menos 45 milhões de pessoas morreram de fome, espancamentos ou trabalho excessivo na China entre 1958 e 1962 — o número mundial de mortes na Segunda Guerra Mundial é de 55 milhões. “Ele se classifica ao lado dos gulags e do Holocausto como um dos três maiores eventos do século 20”, diz Frank.

Em seu livro, Dikotter conta que houve um “grau impressionante de violência”, catalogado em relatórios do Bureau de Segurança Pública. Os arquivos revelam que os agricultores das comunidades rurais eram vistos pelo Partido Comunista apenas como números para compor a força de trabalho; eram pessoas completamente desumanizadas.

Para aqueles que cometiam qualquer ato de desobediência, por menor que fosse, as punições eram drásticas.

Pessoas que cometessem infrações pequenas, como furtar alguns vegetais, inclusive crianças, eram amarradas e jogadas em uma lagoa. Pais foram obrigados a enterrar seus filhos vivos ou seriam afogados em excrementos e urina, outros foram imolados, ou tiveram o nariz ou a orelha cortados. As pessoas eram forçadas a trabalhar nuas durante o inverno. Em uma aldeia, 80% das pessoas (cerca de 200 mil) foram banidas da cantina oficial porque estavam muito velhos ou doentes para trabalhar.

Uma das medidas do governo maoísta foi a instituição, em 1958, de cantinas comunitárias e proibição de cozinhas individuais nas residências. A justificativa foi que as cozinhas residenciais seriam “símbolos de egoísmo”. Para o regime maoísta, a coletivização agrícola seria um passo fundamental para a construção de uma consciência socialista na China.

A “Comuna do Povo” foi um ponto central para esse objetivo, um sistema que consolidou os agricultores em comunas com uma média de 23.000 membros. Em outubro de 1958, 99,1% dos agricultores chineses foram colocados em comunas.

“Mao acreditava que o campo poderia se erguer se fosse devidamente motivado de forma ideológica e transformado em um centro de produção agrícola e industrial. Então o campo foi reorganizado em grandes comunas populares; propriedades privadas foram apreendidas e as famílias foram separadas para serem mais produtivas. As pessoas trabalharam o tempo todo, até a exaustão”, diz o professor de Estudos Chineses da Universidade Harvard, William C. Kirby.

As já citadas cantinas comunitárias, que ofereciam refeições gratuitas para a população, foram um eixo central das comunas. Um slogan popular ordenava que os chineses “abram os estômagos, comam quanto quiserem e trabalhem duro pelo socialismo”. A cozinha das cantinas era abastecida com os alimentos cultivados pelos agricultores da comuna, que eram obrigados a entregar toda a colheita.

Sem possibilidade de administrar os próprios estoques de comida e sujeitos a uma sucessão de erros e a corrupção dos planejadores centrais do regime, os chineses rapidamente começaram a sofrer com escassez nas cantinas e se encontraram sem alternativas para alimentação.

Em uma cidade na província de Henan, mais de um milhão de pessoas (um oitavo da população) foi morta pela fome em três anos. Em outra comuna próxima, um terço da população (mais de 12 mil pessoas) morreu em nove meses. Em todo o país, oficiais do governo obrigavam agricultores a declararem safras maiores que as reais, torturando ou executando quem indicasse safras realistas.

“As pessoas morriam e a família não enterrava porque ainda podiam receber suas cotas de comida; mantinham os corpos na cama e os cobriam e os cadáveres eram comidos por ratos. As pessoas comiam cadáveres e lutavam pelos corpos. Em Gansu, eles mataram pessoas de fora. As pessoas me disseram que estranhos passavam e os matavam e comiam. E eles comiam seus próprios filhos. Era terrível”, relata Yang Jisheng, autor do livro “Tombstone”, que reconta a história da Grande Fome Chinesa.

“Eu tinha 18 anos na época e só sabia o que o Partido Comunista me dizia. Todos fomos enganados. Eu era muito vermelho, estava em uma equipe de propaganda e acreditava que a morte de meu pai era uma desgraça pessoal. Nunca pensei que fosse problema do governo”, acrescenta.

A promessa de Mao Tsé-Tung para a China era a construção de um paraíso comunista por meio da revolução, coletivização de terras agrícolas e criação de comunas gigantescas rapidamente. Em 1958, ele lançou o “Grande Salto Para Frente”: um plano ambicioso para modernizar a economia chinesa que, assim como acontece com os grandes planos socialistas, se transformou em desastre.

Execução desastrosa, combinada a uma ambição de grandeza do ditador, levaram a China para a ruína: a economia do país não se recuperou até a década de 1970, e a agricultura chinesa nunca se recuperou da destruição daquela época. Antes de Mao, a agricultura chinesa era uma das mais produtivas do mundo, mas as políticas maoístas fizeram os agricultores perderem suas terras para o estado. “Foi em suma, não apenas má política, mas uma política criminosa. Foi um crime contra a humanidade”, afirma Kirby.

O objetivo de Mao era se tornar o imperador mais poderoso da história da China, mas também ficar à frente do movimento comunista internacional — ideia que foi comprada pelo país de forma generalizada. “É um processo histórico muito complicado, porque a China acreditava no maoísmo e adotou esse caminho. Não foi um erro de uma pessoa, mas de muitas pessoas”, diz Yang Jisheng.

Segundo Yang, a fome não foi um desastre como qualquer outro, mas sim resultado de totalitarismo. A análise do autor é contrária à narrativa oficial do governo chinês, que até hoje trata a Grande Fome como um desastre natural e nega o verdadeiro número de mortes. “O problema básico está no sistema. Eles não se atrevem a admitir os problemas do sistema. Isso pode influenciar a legitimidade do Partido Comunista”, conclui.

Mas a fome não foi apenas uma consequência de um regime cruel: ela foi usada como arma para fazer as pessoas trabalharem para o Partido Comunista. E tanto opositores quanto os inaptos ao trabalho foram empurrados para a morte.

Uma pesquisa de Felix Wemheuer, professor de Estudos Modernos da China na Universidade de Colônia, na Alemanha, aponta que no período socialista a fome delineou as relações entre o Estado e a população.

A crise do final da década de 1950 foi diferente de qualquer outra fome anterior que assolou a China: foi maior em extensão, em número de mortes, e consequência direta de políticas do governo maoísta. “Foi resultado de políticas verdadeiramente bizarras destinadas a fazer com que a China ‘saltasse’ para o comunismo de uma só vez”, explica Kirby.

Um estudo do Centro de Pesquisa de Política Econômica (EUA) corrobora a afirmação de Kirby: o levantamento indica que a produção de alimentos na China em 1959 foi quase três vezes maior do que o necessário para evitar a mortalidade por fome. Segundo a pesquisa, as regiões rurais que produziram mais alimentos per capita em 1959 sofreram maior mortalidade por fome, efeito inverso que normalmente acontece durante episódios semelhantes.

Notas:

[1] Texto copiado na íntegra de: As atrocidades do comunismo que você não aprendeu na escola. In: Gazeta do Povo. E-Book, publicado em abril de 2021, pp. 71 a 77.

[2] Imagem disponível em: <https://www.institutoliberal.org.br/blog/grande-fome-na-china-comunista-1958-1962/>. Acesso em: 07/05/2022.

[3] Mao Tsé-Tung (1893 – 1976) era um estadista; filho de fazendeiro; professor na universidade de Beijing, onde toma contato com o marxismo; participou, em 1921, da fundação do Partido Comunista (PCCh), em Xangai, e criou o Exército Popular de Libertação (EPL), braço armado do partido. Em 1935, com a derrota do EPL para o Partido Nacionalista (Kuomintang) de Chiang Kai-shek, lidera a Longa Marchacontra o governo… Em outubro de 1949, Mao proclama a República Popular da China e reorganiza o país nos moldes comunistas. Em 1958 adota o Grande Salto para a Frente, plano de desenvolvimento em tempo recorde, cujo fracasso o faz ser afastado do poder pelo Partido Comunista. Em 1966 recupera o poder ao lançar a Revolução Cultural, política de doutrinação ideológica da população. Com 20 milhões de jovens, forma as Guardas Vermelhas, grupo paramilitar que desencadeia perseguições políticas em escala colossal.ao reata relações diplomáticas com os Estados Unidos (EUA) e promove o ingresso do país na ONU (Organização das Nações Unidas) em 1971. Cinco anos mais tarde, morre em Pequim (Fonte: <https://www.sohistoria.com.br/biografias/tung/ >).

31 julho 2023

Breve análise teológica sobre o Anticristo

Por Alcides Barbosa de Amorim


Os futuristas [posição atual da maioria dos evangélicos conservadores]creem que o anticristo introduzirá um período de grande tribulação no fim da história mundial, em conexão com um império poderoso tal qual uma Roma rediviva, e que dominará a política, a religião e o comércio até à vinda de Cristo(HUBBARD). Op. Cit.) [1]

A pregação do Anticristo [2]


Embora o termo "anticristo" ocorra somente nas cartas joaninas, o conceito de um arqui-oponente de Deus e de Seu Messias acha-se nos dois testamentos e nos escritos intertestamentários. A oposição é refletida em anti, que aqui provavelmente significa "contra", e não "em lugar de" embora as duas ideias possam estar presentes: apresentando-se como o Cristo, o anticristo se opõe a Ele.

1. Pano de Fundo Veterotestamentário

Pelo fato de que Cristo ainda não tinha sido plenamente revelado, o AT não oferece nenhum retrato completo do anticristo, mas fornece material para o quadro, nas descrições da oposição a Deus, pessoal ou nacional.

Belial. Certos indivíduos, infames pela sua maldade, são chamados "filhos de [ou homens de] Belial (beliya'al, provavelmente "sem valor", "inútil"), Idolatria (Dt 13.13), sodomia e estupro (Jz 19.22; 20.13), embriaguez (1 Sm 1.16), desconsideração a Deus (1 Sm 2.12), sacrilégio (1 Sm 2.17, 22), desrespeito à autoridade (1 Sm 10.27; 2 Cr 13.7), falta de hospitalidade (1 Sm 25.17, 25), perjúrio (1 Rs 2.10, 13) e maledicência (Pv 6.12: 1627) estão incluídos entre os pecados destes "homens vadios" (2 Cr 13.7), que são evitados pelos bons (SI 101.3).

Inimigos Estrangeiros. A oposição ao reino de Deus é oposição a Ele. A vã conspiração das nações contra o rei ungido por Deus, no Sl 2, pode ser uma prefiguração da ideia do anticristo. De modo semelhante, os cânticos de zombaria contra os soberanos da Babilônia (Is 14) e de Tiro (Ez 28) descrevem de modo vivo a queda calamitosa de monarcas que exercem as prerrogativas divinas. A derrota de Gogue (Ez 39.1-20; Ap 20.7-10) parece ser o clímax da luta infrutífera das nações, no sentido de frustrarem os propósitos de Deus ao atingirem o Seu povo.

O Chifre Pequeno. Esta rebelião é simbolizada pelo chifre pequeno, no livro de Daniel. O capitulo 7, o mais escatológico, parece retratar a derrota do último inimigo de Deus, ao passo que o capitulo 8 descreve Antíoco Epifânio (175-163 a. C.), o soberano estrangeiro mais odiado pelos judeus por causa da sua iniquidade pessoal e da sua perseguição implacável à religião deles.

O retrato deste "rei do norte" (Dn 11), a personificação do mal, tem ajudado de modo significante a formar a figura neotestamentária do anticristo:

  • (1) ele aboliu o holocausto contínuo e estabeleceu no templo a abominação desoladora (Dn 11.31; Mt 24.15; Mc 13.14; Ap 13.14-15);

  • (2) exaltou-se à posição de divindade (Dn 11.36-39; 2 Ts 2.3-4);

  • (3) sua morte irremediavelmente certa prevê a morte do "homem da iniquidade" às mãos de Cristo (Dn 11.45; 2 Ts 2.8; Ap 19.20).

Sejam quais forem os antecedentes dos animais em Daniel (W. Bousset: Antichrist Legend – "Lenda do Anticristo", sustenta que a batalha entre o anticristo e Deus tem sua origem na lenda babilônica da luta entre Marduque e Tiamate), claramente são nações que se opõem a Deus e ao Seu povo. A besta que sobe do mar em Ap 13.1 relembra Dn 7.3,7 e reforça o elo entre a profecia de Daniel e a descrição do anticristo no NT.

2. Desenvolvimento Intertestamentário

Duas ênfases aparecem nos apócrifos e nos pseudepígrafos:

  • (1) Roma toma o lugar da Síria como inimiga nacional, e Pompeu substitui Antíoco IV como epítome da oposição a Deus;
  • (2) Belial (Beliar) é personificado como espírito satânico.

O "iníquo" (2 Ts 2.8) tem sido ligado a Beliar, que a tradição rabínica interpretava como "sem jugo" (beliol), ou seja, aquele que recusa o jugo da lei. Esta associação parece ser reforçada pela tradução feita na LXX de belial por paranomos, "violador da lei" (Dt 13.13 etc.). Apesar disso, embora a descrição de Paulo possa refletir parcialmente a tradição de Beliar, ele faz uma distinção entre Beliar e o iníquo: Beliar é um sinônimo de Satanás (2 Co 6.15), ao passo que há diferenciação entre Satanás e o iníquo (2 Ts 2.9).

3. Desenvolvimento Neotestamentário

Os Evangelhos. As referências ao oponente de Cristo não são numerosas nem especificas. Os discípulos são advertidos de que falsos Cristos procurarão enganar até mesmo os próprios eleitos (Mt 24.24; Mc 13.22). De modo semelhante, Cristo fala daquele que vem no seu próprio nome, a quem os judeus recebem (Jo 5.43). Esta pode ser uma referência sutil ao anticristo ou a quaisquer falsos Messias que se apresentassem ao judaísmo. Até mesmo a menção do abominável da desolação (Mt 24.15; Mc 13.14), que relembra vividamente a profecia de Daniel, é feita com notável reserva. Talvez uma única personalidade esteja em vista, mas seu retrato nem sequer é esboçado.

2 Tessalonicenses. Paulo oferece um quadro mais claro do arqui-inimigo de Cristo, cuja característica mais destacada é o desprezo à lei. Dois homens – "o homem da iniquidade" (preferível a "homem do pecado") e "o iníquo" (2 Ts 2.3, 8-9) – ressaltam esta atitude de anarquia, que relembra Dn 7.25, onde o chifre pequeno procura mudar os tempos e a lei, Além disso, o anticristo faz uma reivindicação exclusiva à divindade (2 Ts 24) em termos que relembram Dn 7.25; 11.36. Paulo não retrata um pseudo-Messias que finge ser o mensageiro de Deus, mas um falso Deus que se opõe de modo malévolo a qualquer outro tipo de religião. Seu modelo pode ter sido o imperador blasfemo, Gaio 037-41 d.C.).

Ele engana a muitos com os seus sinais (2 Ts 2.9-10). Cristo operava milagres pelo poder de Deus, e os judeus os atribuíam a Satanás (Mt 12.24ss.); o anticristo operará milagres pelo poder satânico, e muitos o adorarão como Deus. Um dos nomes do anticristo – "filho da perdição" (2 Ts 2.3; cf. Jo 17.12) – revela o seu destino: Cristo o matará com o sopro da Sua boca e com o brilho da Sua vinda (2 Ts 2,8; Ap 19.15, 20; cf. Is 11.4).

O anticristo é o clímax pessoal de um principio de rebeldia que já está operando secretamente "o mistério da iniquidade" (2 Ts 2.7). Quando for retirada a mão refreadora de Deus, que preserva a lei e a ordem, este espírito de iniquidade satânica será encarnado no "iníquo".

As Cartas Joaninas. Embora João reconhecesse que era esperado um único anticristo, ele dirige a sua atenção aos muitos anticristos que já apareceram negando que Jesus é o Cristo, contrariando, assim, a verdadeira natureza do Pai e do Filho (1 João 2.8, 22:43). Os docetistas contemporâneos não davam crédito à humanidade de Cristo (2 Jo 7), alegando que Ele parecia ter a forma humana. Para João, eles eram a concretização do espírito do anticristo. O modo de ver deles ensinava que o homem era divino à parte de Deus em Cristo, e assim deixaram Deus e o mundo sem união entre si.

Ao invés de contrariar, a explicação de João complementa a de Paulo. Seguindo o exemplo de Daniel, Paulo retrata um único arqui-inimigo, que reivindica o direito exclusivo de receber adoração pessoal. João ressalta os elementos espirituais nestas reivindicações e a mentira espiritual que torna o anticristo aparentemente forte.

O Apocalipse. A besta do Apocalipse (Ap 13), que, quanto ao espírito e aos pormenores, depende de Daniel, combina em si as características de todas as quatro bestas do AT. Além disso, a besta no NT tem uma autoridade que pertence somente ao chifre pequeno da besta de Daniel. Parece que João dá a subentender que a impiedade selvagem da Antíoco será incorporada num reino; a besta, embora tenha algumas características pessoais, é mais do que uma pessoa; suas sete cabeças são sete reis (Ap 17.10-12). A própria besta é um oitavo rei, que vem de um dentre os sete. Este quadro complicado sugere que a besta simboliza o poder mundano, o espirito contrário a Deus, de uma ambição nacionalista (personificada, na profecia de Daniel, em Antíoco, e, nos dias de João, em Roma) que se encarnará num só grande demagogo – o anticristo.

À explicação de Paulo, João acrescenta pelo menos um elemento importante – o falso profeta, uma segunda besta que opera sob a autoridade do anticristo, assim como este obtém a autoridade dele do dragão, Satanás (Ap 13.2, 11-12). Depois de dirigir os empreendimentos políticos e religiosos do anticristo, o falso profeta compartilha da condenação deste na ocasião da vinda de Cristo (Ap 19.20).

4. Interpretação Cristã

Os pais da igreja geralmente acreditavam na existência de um anticristo pessoal. Sua identidade dependia de se o "mistério da iniquidade" era interpretado de modo politico ou religioso. Politicamente, o candidato mais provável era Nero, que, segundo dizia a lenda, reaparecia na forma ressurreta (redivivus) para continuar seu reinado terrível. Esta interpretação, proposta por Crisóstomo e outros, obteve uma posição de destaque neste século, através dos intérpretes preteristas do Apocalipse tais como R. H. Charles e C. A, Scott. Irineu e outros, que afirmavam que o anticristo surgiria de um contexto religioso, fizeram-no remontar à tribo de Dã, com base em Gn 49.17:0 33.22; Jr 8.16 (cf. a omissão de Dã em Ap 7.5ss.).

Os reformadores comparavam o anticristo ao papado, assim como tinham feito alguns teólogos medievais – Gregório I (que ensinava que quem assumisse o titulo de “sacerdote universal" seria precursor do anticristo), Joaquim de Floris e Wycliffe. Lutero Calvino, os tradutores da AV (versão do Rei Tiago) e os autores da Confissão de Fé de Westminster concordavam nesta identificação. Os estudiosos católicos romanos retaliaram, taxando de anticristo os opositores de Roma.

No conceito ideal ou simbólico, o anticristo é uma personificação não temporal do mal, que não se pode identificar com uma só nação, instituição ou individuo. Esta ideia obtém apoio nas cartas de João, e tem valor no fato de enfatizar a natureza constante da guerra entre as múltiplas forças de Satanás e as de Cristo.

Os futuristas (e.g., Zahn, Seiss, Scofield) sustentam que os idealistas deixam de ressaltar suficientemente o clímax desta hostilidade num adversário pessoal. Creem que o anticristo introduzirá um período de grande tribulação no fim da história mundial, em conexão com um império poderoso tal qual uma Roma rediviva, e que dominará a política, a religião e o comércio até à vinda de Cristo.


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Veja também:


Notas:

  • [1David A. Hubbard (1928-1996) "Foi Presidente Emérito e Professor Emérito de Antigo Testamento no Seminário Teológico Fuller. Autor de Joel e Amós - Introdução e Comentário, igualmente publicado pela Vida Nova<https://www.vidanova.com.br/livros/autores/david-a-hubbard>. O texto a seguir é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (O. C.).


Referência bibliográfica:

  • HUBBARD, David A. Anticristo. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. I. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 81 a 84.



11 outubro 2023

Igreja e Israel: a controvérsia

Igreja e Israel: a controvérsia

Por Dr. Cornelis P. Venema

VENEMA, Dr. Cornelis P [1]. Igreja e Israel: a controvérsia [2].  São José dos Campos: Editora Fiel, 2015.


Ao longo da história da Igreja cristã, a questão do lugar de Israel nos propósitos redentivos de Deus tem sido de especial importância. Na história moderna, com a emergência do dispensacionalismo como uma perspectiva escatológica popular e o estabelecimento do estado de Israel em 1948, a questão teológica acerca da intenção de Deus para Israel se tornou ainda mais premente. Depois do holocausto, com o esforço nazista para exterminar os judeus por toda a Europa durante a Segunda Guerra Mundial, o problema da relação entre a e Israel foi novamente afetado pela triste realidade do antissemitismo, que muitos alegam pertencer a qualquer teologia cristã que insista em um único caminho de salvação pela fé em Jesus Cristo, seja para judeus ou gentios.
A teologia dos “dois pactos”
Teologia da substituição radical
Conclusão

A fim de orientar a discussão dessa crucial controvérsia, precisamos começar com um entendimento claro das principais visões deste assunto que estão atualmente representadas na igreja. Essas visões ilustram não apenas a importância da questão, mas também a ampla diversidade de posições.

Dispensacionalismo pré-milenarista: o propósito especial de Deus para Israel

Embora o dispensacionalismo pré-milenarista seja uma perspectiva relativamente nova na história da teologia cristã, a sua posição acerca do propósito especial de Deus para Israel tem moldado, até mesmo dominado, os debates recentes entre os cristãos evangélicos acerca do relacionamento entre a Igreja e Israel.

No dispensacionalismo clássico, Deus tem dois povos distintos: um povo terreno, Israel, e um povo celestial, a Igreja. Segundo o dispensacionalismo, Deus administra o curso da história da redenção por meio de sete dispensações (ou economias da redenção) sucessivas. Durante cada dispensação, Deus prova os seres humanos por uma revelação distinta da sua vontade. Entre essas sete dispensações, as três mais importantes são a dispensação da lei, a dispensação do evangelho e a dispensação do reino. Embora não seja possível, num pequeno ensaio como este, descrever todas as diferenças dessas três dispensações, o que importa é a insistência do dispensacionalismo de que Deus tem um propósito separado e um modo distinto de lidar com o seu povo terreno, Israel. Durante a presente era, a dispensação da Igreja, Deus “suspendeu” seus propósitos especiais para Israel e voltou sua atenção, por assim dizer, para o ajuntamento dos povos gentios mediante a proclamação do evangelho de Jesus Cristo para todas as nações. Contudo, quando Cristo retornar a qualquer momento para “arrebatar” a Igreja antes de um período de sete anos de grande tribulação, ele retomará o programa especial de Deus para Israel. Esse período de tribulação será um prelúdio à inauguração da futura dispensação do reino de mil anos sobre a terra. Para o dispensacionalismo, o milênio marca o período durante o qual as promessas de Deus a Israel, seu povo terreno, terão um cumprimento distinto e literal. Apenas ao final da dispensação do reino milenar é que Cristo finalmente vencerá todos os seus inimigos e introduzirá o estado final.

Embora o dispensacionalismo reconheça que todos, judeus ou gentios, são salvos pela fé no único Mediador, Jesus Cristo, ele mantém uma clara e permanente distinção entre Israel e a Igreja nos propósitos de Deus. As promessas do Antigo Testamento não se cumprem mediante o ajuntamento da Igreja de Jesus Cristo de entre todos os povos da terra. Essas promessas são dadas a um povo terreno e etnicamente distinto, Israel, e serão cumpridas de modo literal apenas durante a dispensação do reino que segue a presente dispensação do evangelho.

A visão reformada tradicional: um único povo de Deus

Ao contrário da rígida distinção do dispensacionalismo entre os dois povos de Deus, Israel e a Igreja, a teologia reformada histórica insiste na unidade do programa redentivo de Deus ao longo da história. Quando Adão, o cabeça pactual e representante da raça humana, caiu no pecado, todos os seres humanos enquanto sua posteridade se sujeitaram à condenação e à morte (Romanos 5.12-21). Em virtude do pecado de Adão e de suas implicações para toda a raça humana, todos se sujeitaram à maldição da lei e se tornaram herdeiros de uma natureza pecaminosa e corrupta.

Segundo a interpretação reformada tradicional da Escritura, Deus introduziu o pacto da graça, após a queda, a fim de restaurar o seu povo eleito à comunhão e intimidade consigo mesmo. Embora o pacto da graça seja administrado de maneiras diversas ao longo da história da redenção, ela permanece uma em substância, desde o tempo de sua ratificação formal com Abraão até a vinda de Cristo na plenitude do tempo. Em todas as várias administrações do pacto da graça, Deus redime o seu povo mediante a fé em Jesus Cristo, o único Mediador do pacto da graça, por meio de quem os crentes recebem o dom da vida eterna e a comunhão restaurada com o Deus vivo [vide Louis Berkhof, Teologia sistemática (São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2013).

No entendimento reformado da história da redenção, portanto, não há nenhuma separação radical entre Israel e a Igreja. A promessa que Deus fez a Abraão na ratificação formal do pacto da graça (Gênesis 12, 15, 17), a saber, que ele seria o pai de muitas nações e quem em seu “descendente” todas as famílias da terra seriam abençoadas, encontra seu cumprimento em Jesus Cristo. O descendente prometido a Abraão no pacto da graça é Jesus Cristo, o verdadeiro Israel, e todos aqueles que mediante a fé são unidos a ele e, assim, são feitos herdeiros das promessas do pacto (Gálatas 3.16, 29). Na visão reformada, o evangelho de Jesus Cristo cumpre diretamente as promessas do pacto da graça para todos os crentes, sejam judeus ou gentios. Israel e a Igreja não são dois povos distintos; em vez disso, a Igreja é o verdadeiro Israel de Deus, “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus” (1 Pedro 2.9).

Na história recente da reflexão sobre Israel e a Igreja, surgiu uma posição nova e mais radical. Frequentemente ligada ao nome de Franz Rosenzweig, o autor judeu de uma obra escrita logo após a Primeira Guerra Mundial e intitulada The Star of Redemption, a teologia dos dois pactos ensina que há dois pactos separados, um entre Deus e Israel e outro entre Deus e a Igreja de Jesus Cristo. Em vez de haver um único caminho de redenção mediante a fé em Jesus Cristo para crentes judeus e gentios indistintamente, o relacionamento pactual original de Deus com o seu povo ancestral, Israel, permanece separado do seu novo relacionamento pactual com as nações gentias por meio do Senhor Jesus Cristo.

No cenário do segundo pós-guerra, com sua preocupação quanto ao legado de antissemitismo na Igreja cristã, a posição da teologia dos dois pactos se tornou cada vez mais popular entre muitas importantes igrejas protestantes. Mesmo dentro da Igreja Católica Romana, alguns teólogos apelaram aos pronunciamentos do Concílio Vaticano II e à encíclica Redemptoris Missio do Papa João Paulo II (1991), os quais defendem o diálogo entre cristãos e judeus, a fim de se oporem aos contínuos esforços de evangelização dos judeus. Na perspectiva dos dois pactos, a confissão cristã acerca da pessoa e obra de Cristo como o único Mediador ou Redentor permanece verdadeira dentro da moldura do pacto de Deus com a Igreja. Contudo, uma vez que o pacto de Deus com Israel é um pacto separado, que não se cumpre na vinda de Jesus Cristo na plenitude do tempo, os cristãos não podem impor a Israel os termos do pacto de Deus com a Igreja.

A última posição na controvérsia sobre Israel e a Igreja que precisa ser mencionada é a que podemos denominar “teologia da substituição radical”. Embora os dispensacionalistas frequentemente insistam que a afirmação reformada tradicional de um único povo de Deus, constituído de judeus e gentios que creem em Cristo, seja uma forma de “teologia da substituição”, a visão reformada não considera que o evangelho “substitui” a antiga economia pactual com Israel, antes, que a “cumpre”. A teologia da substituição radical é o ensino de que, porquanto muitos dos judeus não reconheceram Jesus Cristo como o Messias prometido, Deus substituiu Israel pela Igreja gentílica. O evangelho de Jesus Cristo chama todas as nações e povos à fé e ao arrependimento, mas não deixa nenhum espaço para qualquer ênfase particular sobre o propósito redentivo de Deus para o seu povo ancestral, Israel. Uma vez que a Igreja é o verdadeiro Israel, o espiritual, qualquer ênfase peculiar sobre a questão do intento salvador de Deus para Israel não é mais permitida.

A teologia da substituição radical representa no espectro o extremo oposto da posição dos dois pactos. Em vez de falar de um distinto relacionamento pactual entre Deus e Israel que continua mesmo depois da vinda de Cristo e da proclamação do evangelho às nações, a teologia da substituição sustenta que o programa e o interesse de Deus em Israel cessaram.

A diversidade entre essas várias posições na questão de Israel e da Igreja testifica a importância da controvérsia. Tem Deus um propósito e um programa redentivo separado para Israel e a Igreja? Ou será que o evangelho de Jesus Cristo cumpre o propósito de Deus de ajuntar um povo de toda tribo, língua e nação, judeus e gentios indistintamente, em uma única família universal? Quando o apóstolo Paulo declara em Romanos 1 que o evangelho é “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego” (Romanos 1.16), ele declara que há um único caminho de salvação para todos os que creem em Jesus Cristo, Ainda assim, ele ao mesmo tempo afirma que essa salvação não remove nem suplanta o propósito redentivo de Deus para os judeus, mas, em vez disso, o cumpre. O contínuo debate acerca de Israel e da Igreja precisa manter o equilíbrio apostólico, não separando Israel da Igreja nem substituindo Israel pela Igreja.


Notas:

  • [1Dr. Cornelis P. Venema: presidente e professor de estudos doutrinários no Mid-America Reformed Seminary e pastor associado da Redeemer United Reformed Church em Dyer, Indiana.