Por Alcides Barbosa de Amorim
“Os futuristas [posição atual da maioria dos evangélicos conservadores]… creem que o anticristo introduzirá um período de grande tribulação no fim da história mundial, em conexão com um império poderoso tal qual uma Roma rediviva, e que dominará a política, a religião e o comércio até à vinda de Cristo” (HUBBARD). Op. Cit.) [1]
A pregação do Anticristo [2]
Embora o termo "anticristo" ocorra somente nas cartas joaninas, o conceito de um arqui-oponente de Deus e de Seu Messias acha-se nos dois testamentos e nos escritos intertestamentários. A oposição é refletida em anti, que aqui provavelmente significa "contra", e não "em lugar de" embora as duas ideias possam estar presentes: apresentando-se como o Cristo, o anticristo se opõe a Ele.
1. Pano de Fundo Veterotestamentário
Pelo fato de que Cristo ainda não tinha sido plenamente revelado, o AT não oferece nenhum retrato completo do anticristo, mas fornece material para o quadro, nas descrições da oposição a Deus, pessoal ou nacional.
Belial. Certos indivíduos, infames pela sua maldade, são chamados "filhos de [ou homens de] Belial (beliya'al, provavelmente "sem valor", "inútil"), Idolatria (Dt 13.13), sodomia e estupro (Jz 19.22; 20.13), embriaguez (1 Sm 1.16), desconsideração a Deus (1 Sm 2.12), sacrilégio (1 Sm 2.17, 22), desrespeito à autoridade (1 Sm 10.27; 2 Cr 13.7), falta de hospitalidade (1 Sm 25.17, 25), perjúrio (1 Rs 2.10, 13) e maledicência (Pv 6.12: 1627) estão incluídos entre os pecados destes "homens vadios" (2 Cr 13.7), que são evitados pelos bons (SI 101.3).
Inimigos Estrangeiros. A oposição ao reino de Deus é oposição a Ele. A vã conspiração das nações contra o rei ungido por Deus, no Sl 2, pode ser uma prefiguração da ideia do anticristo. De modo semelhante, os cânticos de zombaria contra os soberanos da Babilônia (Is 14) e de Tiro (Ez 28) descrevem de modo vivo a queda calamitosa de monarcas que exercem as prerrogativas divinas. A derrota de Gogue (Ez 39.1-20; Ap 20.7-10) parece ser o clímax da luta infrutífera das nações, no sentido de frustrarem os propósitos de Deus ao atingirem o Seu povo.
O Chifre Pequeno. Esta rebelião é simbolizada pelo chifre pequeno, no livro de Daniel. O capitulo 7, o mais escatológico, parece retratar a derrota do último inimigo de Deus, ao passo que o capitulo 8 descreve Antíoco Epifânio (175-163 a. C.), o soberano estrangeiro mais odiado pelos judeus por causa da sua iniquidade pessoal e da sua perseguição implacável à religião deles.
O retrato deste "rei do norte" (Dn 11), a personificação do mal, tem ajudado de modo significante a formar a figura neotestamentária do anticristo:
- (1) ele aboliu o holocausto contínuo e estabeleceu no templo a abominação desoladora (Dn 11.31; Mt 24.15; Mc 13.14; Ap 13.14-15);
- (2) exaltou-se à posição de divindade (Dn 11.36-39; 2 Ts 2.3-4);
- (3) sua morte irremediavelmente certa prevê a morte do "homem da iniquidade" às mãos de Cristo (Dn 11.45; 2 Ts 2.8; Ap 19.20).
Sejam quais forem os antecedentes dos animais em Daniel (W. Bousset: Antichrist Legend – "Lenda do Anticristo", sustenta que a batalha entre o anticristo e Deus tem sua origem na lenda babilônica da luta entre Marduque e Tiamate), claramente são nações que se opõem a Deus e ao Seu povo. A besta que sobe do mar em Ap 13.1 relembra Dn 7.3,7 e reforça o elo entre a profecia de Daniel e a descrição do anticristo no NT.
Duas ênfases aparecem nos apócrifos e nos pseudepígrafos:
- (1) Roma toma o lugar da Síria como inimiga nacional, e Pompeu substitui Antíoco IV como epítome da oposição a Deus;
- (2) Belial (Beliar) é personificado como espírito satânico.
O "iníquo" (2 Ts 2.8) tem sido ligado a Beliar, que a tradição rabínica interpretava como "sem jugo" (beliol), ou seja, aquele que recusa o jugo da lei. Esta associação parece ser reforçada pela tradução feita na LXX de belial por paranomos, "violador da lei" (Dt 13.13 etc.). Apesar disso, embora a descrição de Paulo possa refletir parcialmente a tradição de Beliar, ele faz uma distinção entre Beliar e o iníquo: Beliar é um sinônimo de Satanás (2 Co 6.15), ao passo que há diferenciação entre Satanás e o iníquo (2 Ts 2.9).
3. Desenvolvimento Neotestamentário
Os Evangelhos. As referências ao oponente de Cristo não são numerosas nem especificas. Os discípulos são advertidos de que falsos Cristos procurarão enganar até mesmo os próprios eleitos (Mt 24.24; Mc 13.22). De modo semelhante, Cristo fala daquele que vem no seu próprio nome, a quem os judeus recebem (Jo 5.43). Esta pode ser uma referência sutil ao anticristo ou a quaisquer falsos Messias que se apresentassem ao judaísmo. Até mesmo a menção do abominável da desolação (Mt 24.15; Mc 13.14), que relembra vividamente a profecia de Daniel, é feita com notável reserva. Talvez uma única personalidade esteja em vista, mas seu retrato nem sequer é esboçado.
2 Tessalonicenses. Paulo oferece um quadro mais claro do arqui-inimigo de Cristo, cuja característica mais destacada é o desprezo à lei. Dois homens – "o homem da iniquidade" (preferível a "homem do pecado") e "o iníquo" (2 Ts 2.3, 8-9) – ressaltam esta atitude de anarquia, que relembra Dn 7.25, onde o chifre pequeno procura mudar os tempos e a lei, Além disso, o anticristo faz uma reivindicação exclusiva à divindade (2 Ts 24) em termos que relembram Dn 7.25; 11.36. Paulo não retrata um pseudo-Messias que finge ser o mensageiro de Deus, mas um falso Deus que se opõe de modo malévolo a qualquer outro tipo de religião. Seu modelo pode ter sido o imperador blasfemo, Gaio 037-41 d.C.).
Ele engana a muitos com os seus sinais (2 Ts 2.9-10). Cristo operava milagres pelo poder de Deus, e os judeus os atribuíam a Satanás (Mt 12.24ss.); o anticristo operará milagres pelo poder satânico, e muitos o adorarão como Deus. Um dos nomes do anticristo – "filho da perdição" (2 Ts 2.3; cf. Jo 17.12) – revela o seu destino: Cristo o matará com o sopro da Sua boca e com o brilho da Sua vinda (2 Ts 2,8; Ap 19.15, 20; cf. Is 11.4).
O anticristo é o clímax pessoal de um principio de rebeldia que já está operando secretamente "o mistério da iniquidade" (2 Ts 2.7). Quando for retirada a mão refreadora de Deus, que preserva a lei e a ordem, este espírito de iniquidade satânica será encarnado no "iníquo".
As Cartas Joaninas. Embora João reconhecesse que era esperado um único anticristo, ele dirige a sua atenção aos muitos anticristos que já apareceram negando que Jesus é o Cristo, contrariando, assim, a verdadeira natureza do Pai e do Filho (1 João 2.8, 22:43). Os docetistas contemporâneos não davam crédito à humanidade de Cristo (2 Jo 7), alegando que Ele parecia ter a forma humana. Para João, eles eram a concretização do espírito do anticristo. O modo de ver deles ensinava que o homem era divino à parte de Deus em Cristo, e assim deixaram Deus e o mundo sem união entre si.
Ao invés de contrariar, a explicação de João complementa a de Paulo. Seguindo o exemplo de Daniel, Paulo retrata um único arqui-inimigo, que reivindica o direito exclusivo de receber adoração pessoal. João ressalta os elementos espirituais nestas reivindicações e a mentira espiritual que torna o anticristo aparentemente forte.
O Apocalipse. A besta do Apocalipse (Ap 13), que, quanto ao espírito e aos pormenores, depende de Daniel, combina em si as características de todas as quatro bestas do AT. Além disso, a besta no NT tem uma autoridade que pertence somente ao chifre pequeno da besta de Daniel. Parece que João dá a subentender que a impiedade selvagem da Antíoco será incorporada num reino; a besta, embora tenha algumas características pessoais, é mais do que uma pessoa; suas sete cabeças são sete reis (Ap 17.10-12). A própria besta é um oitavo rei, que vem de um dentre os sete. Este quadro complicado sugere que a besta simboliza o poder mundano, o espirito contrário a Deus, de uma ambição nacionalista (personificada, na profecia de Daniel, em Antíoco, e, nos dias de João, em Roma) que se encarnará num só grande demagogo – o anticristo.
À explicação de Paulo, João acrescenta pelo menos um elemento importante – o falso profeta, uma segunda besta que opera sob a autoridade do anticristo, assim como este obtém a autoridade dele do dragão, Satanás (Ap 13.2, 11-12). Depois de dirigir os empreendimentos políticos e religiosos do anticristo, o falso profeta compartilha da condenação deste na ocasião da vinda de Cristo (Ap 19.20).
4. Interpretação Cristã
Os pais da igreja geralmente acreditavam na existência de um anticristo pessoal. Sua identidade dependia de se o "mistério da iniquidade" era interpretado de modo politico ou religioso. Politicamente, o candidato mais provável era Nero, que, segundo dizia a lenda, reaparecia na forma ressurreta (redivivus) para continuar seu reinado terrível. Esta interpretação, proposta por Crisóstomo e outros, obteve uma posição de destaque neste século, através dos intérpretes preteristas do Apocalipse tais como R. H. Charles e C. A, Scott. Irineu e outros, que afirmavam que o anticristo surgiria de um contexto religioso, fizeram-no remontar à tribo de Dã, com base em Gn 49.17:0 33.22; Jr 8.16 (cf. a omissão de Dã em Ap 7.5ss.).
Os reformadores comparavam o anticristo ao papado, assim como tinham feito alguns teólogos medievais – Gregório I (que ensinava que quem assumisse o titulo de “sacerdote universal" seria precursor do anticristo), Joaquim de Floris e Wycliffe. Lutero Calvino, os tradutores da AV (versão do Rei Tiago) e os autores da Confissão de Fé de Westminster concordavam nesta identificação. Os estudiosos católicos romanos retaliaram, taxando de anticristo os opositores de Roma.
No conceito ideal ou simbólico, o anticristo é uma personificação não temporal do mal, que não se pode identificar com uma só nação, instituição ou individuo. Esta ideia obtém apoio nas cartas de João, e tem valor no fato de enfatizar a natureza constante da guerra entre as múltiplas forças de Satanás e as de Cristo.
Os futuristas (e.g., Zahn, Seiss, Scofield) sustentam que os idealistas deixam de ressaltar suficientemente o clímax desta hostilidade num adversário pessoal. Creem que o anticristo introduzirá um período de grande tribulação no fim da história mundial, em conexão com um império poderoso tal qual uma Roma rediviva, e que dominará a política, a religião e o comércio até à vinda de Cristo.
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Veja também:
- Os cristãos progressistas, por Franklin Ferreira.
- A Verdade Sobre Quem é o Anticristo, por Logos Conservador.
- Quero sugerir também o vídeo a seguir: Como será o império do Anticristo?, por Lamartine Posella.
Notas:
- [1] David A. Hubbard (1928-1996) "Foi Presidente Emérito e Professor Emérito de Antigo Testamento no Seminário Teológico Fuller. Autor de Joel e Amós - Introdução e Comentário, igualmente publicado pela Vida Nova” <https://www.vidanova.com.br/livros/autores/david-a-hubbard>. O texto a seguir é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (O. C.).
- [2] Imagem disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/franklin-ferreira/os-cristaos-progressistas-a-violencia-revolucionaria-e-o-anticristo/?#success=true>. Acesso em: 31/07/2023.
Referência bibliográfica:
- HUBBARD, David A. Anticristo. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. I. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 81 a 84.