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26 fevereiro 2022

Irineu de Leão

Irineu de Leão1

Irineu de Leão escreveu toda a sua teologia desde uma perspectiva bíblica e pastoral. Através dele podemos descobrir muito do que foi o pensamento teológico de seus mestres, porque Irineu não trata de inovar, mas de expor a fé que recebeu de Policarpo e de seus outros mestres”2.

Irineu era natural da Ásia Menor – provavelmente de Esmirna – onde nasceu por volta do ano de 130 e onde foi também discípulo do bispo Policarpo, acerca de cujo martírio falamos em um capítulo anterior. Durante toda sua vida, Irineu foi um admirador fervente de seu mestre Policarpo, e em seus escritos se refere repetidamente aos ensinos de um "ancião" – o presbítero – cujo nome não menciona, mas que parece ser Policarpo. Em todo caso, por razões que desconhecemos, Irineu se transladou a Leão, no que hoje é França. Ali chegou a ser presbítero da igreja, que o enviou a Roma com uma carta para o bispo dessa cidade. Irineu estava em Roma quando houve uma perseguição em Leão e Viena que já discutimos anteriormente. Nessa perseguição, o bispo Fotino [ou Potínio] entregou sua vida como mártir e, portanto, quando Irineu regressou a Leão ficou encarregado da direção espiritual da igreja, que o elegeu para que fosse seu bispo.
Irineu era antes de tudo um pastor. Seu interesse não estava na especulação filosófica, nem em descobrir recônditos secretos, até então desconhecidos, mas em dirigir a sua grei na sã doutrina e na vida correta. Portanto, seus escritos não intentam elevar-se em altos voos especulativos, mas pretendem simplesmente refutar os hereges e instruir os crentes. Ainda que Irineu compusesse outros escritos, são duas as obras dele que seconservam: "A demonstração da fé apostólica" e "A refutação da falsa gnosis", esta última melhor conhecida como "Contra as Heresias". Na primeira destas obras, Irineu está tratando de instruir sua grei sobre alguns pontos da fé cristã. Na segunda refuta aos gnósticos. Em ambas, Irineu se limita a expor a fé que recebeu de seus mestres, sem tratar de adorná-la com especulações de sua própria lavra. Portanto, muito mais do que qualquer dos outros teólogos que estudaremos aqui, Irineu nos mostra qual era a doutrina comum da igreja até os fins do século segundo.

Irineu é antes de mais nada pastor, desse modo ele mesmo concebe a Deus como um pastor. Deus é um ser amante que cria o mundo e a humanidade, não por necessidade nem por erro – como pretendiam os gnósticos – mas por causa de seu próprio desejo de ter uma criação a qual amar e a qual dirigir, como o pastor dirige o seu rebanho ao redil. À luz desta perspectiva, toda a história aparece como o processo mediante o qual o divino pastor vai dirigindo sua criação em direção à consumação final.

A coroa da criação de Deus é a criatura humana. O ser humano foi criado desde o princípio como um ser livre e, portanto, responsável. Essa liberdade é tal, que mediante ela podemos conformar-nos mais e mais à vontade e à natureza divina, e gozar de uma comunhão sempre crescente com nosso criador. Mas, por outra parte, a criatura humana não foi criada desde um princípio em toda sua perfeição. Como pastor que é, Deus colocou o primeiro casal no paraíso, não em um estado de perfeição, mas "como meninos" (ou "como crianças"). O que isto quer dizer é que Deus tinha o propósito de que o ser humano crescesse de tal modo em comunhão com ele que com o tempo chegasse a estar ainda acima dos anjos.

Os anjos são seres superiores a nós somente provisoriamente. Quando se cumprir na humanidade o propósito divino, os seres humanos estarão acima dos anjos, pois gozaremos de uma comunhão com Deus mais estreita que a deles. A função dos anjos é semelhante à do tutor que dirige os primeiros passos de um príncipe. Ainda por um momento o tutor está acima do príncipe, mas com o tempo será subordinado a ele.

Deus criou então a humanidade "como crianças", para que fossem crescendo e se acostumando à comunhão com ele. Além dos anjos, Deus contava com suas duas "mãos" – o Verbo e o Espírito Santo – para dirigir e instruir a humanidade. Guiados por essas mãos, os seres humanos receberão instrução e crescimento, preparando-se cada vez mais para uma comunhão mais e mais íntima com Deus. Isto é o que Irineu chama de "divinização". O propósito último de Deus é fazer-nos cada vez mais semelhantes a ele. Isto não quer dizer que de algum modo nos dissolveremos na divindade, nem que chegaremos a ser iguais a Deus. Ao contrário, Deus se encontra tão acima de nós que por mais que cresçamos em nossa semelhança a Ele, sempre haverá caminho por andar.

Mas um dos anjos, Satanás, sentiu ciúmes do destino tão elevado que Deus reservava à criatura humana e, portanto, tentou e fez pecarem Adão e Eva Como resultado do pecado, a criatura humana foi expulsa do paraíso, e seu crescimento ficou torcido. Portanto, a história tal como se desenvolveu é resultado do pecado.
Mas, se bem que o conteúdo concreto da história da humanidade é resultado do pecado, o fato de que haja história não o é. Deus sempre teve o propósito de que houvesse história. O paraíso não era senão o ponto de partida nos propósitos de Deus para com a humanidade.

O mesmo se pode dizer com respeito à encarnação de Deus em Jesus Cristo. A encarnação não é o resultado do pecado humano. Ao contrário, desde o princípio Deus tinha o propósito de se unir à humanidade como o fez em Jesus Cristo. De fato, o Verbo encarnado foi o modelo que Deus utilizou ao criar o ser humano segundo sua "imagem e semelhança". Adão e Eva foram criados para que, depois de um processo de crescimento e instrução, chegassem a ser como o Verbo que havia de encarnar. Por causa do pecado, o que sucedeu é que a encarnação tomou outro propósito, e veio a ser também remédio contra o pecado e meio para a derrota de Satanás.

Ainda antes da encarnação, e desde o momento do primeiro pecado, Deus esteve dirigindo a humanidade em direção à uma comunhão mais íntima com ele. Por isso é que Deus "maldiz" à serpente e à terra, enquanto só "castiga" ao homem e à mulher. No momento das maldições, Deus continua levando a cabo seus propósitos redentores.

Nesses propósitos, o povo de Israel cumpre um papel importantíssimo, pois é na história do povo escolhido que as mãos de Deus têm continuado a preparar a humanidade para a comunhão com Deus. Portanto, o Antigo Testamento não é a revelação de um Deus estranho à fé cristã, mas é a história de como Deus continuou os seus propósitos redentores mesmo depois do pecado de Adão e Eva.
Por fim, ao chegar o momento adequado, quando a humanidade tivesse recebido a preparação necessária, o Verbo se encarnou em Jesus Cristo. Jesus é o "segundo Adão" porque em sua vida, morte e ressurreição foi criada uma nova humanidade, e em todas suas ações, Jesus foi corrigindo o mal que fora feito no primeiro pecado. Mas, além disso, Jesus derrotou o maligno, e nos fez possível viver uma nova liberdade. Quem está unido a ele mediante o batismo, a fé e a comunhão participa de sua vitória. Jesus Cristo é literalmente a cabeça da igreja, que é seu corpo. O corpo se nutre mediante a adoração – particularmente a eucaristia – e de tal modo está unido à cabeça que já vai recebendo os benefícios da vitória de Cristo. Em sua ressurreição começou a ressurreição final, da qual todos os que formam parte de seu corpo serão participantes.

Quando chegar a consumação final, e o Reino de Deus se estabelecer, isto não vai querer dizer que a tarefa de Deus como pastor terá terminado. Ao contrário, a humanidade redimida continuará crescendo em comunhão com Deus, e o processo de divinização continuará por toda a eternidade, levando-nos sempre mais perto de Deus.

Em resumo, a teologia de Irineu consiste em uma grandiosa e amplíssima visão da história, de tal modo que os propósitos de Deus vão se cumprindo através dela. Nessa história, o ponto central é a encarnação de Jesus Cristo, não simplesmente porque Ele tenha vindo corrigir a carreira torcida da humanidade, mas também e, sobretudo, porque desde o próprio momento da criação Deus já projetava a encarnação como o ponto culminante de sua obra. O propósito de Deus é unir-se ao ser humano, e isto ocorreu em Jesus Cristo de um modo inigualável.

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Quando e quando Irineu morreu? González não comenta. Ao que parece ele foi martirizado, provavelmente no ano 202, conforme o vídeo abaixo. Segundo nos informa FERREIRA: “A notícia de que ele sofreu martírio surgiu, pela primeira vez, nas obras de Jerônimo e Gregório de Tours, provavelmente na época em que, após a cidade de Lião ter apoiado o usurpador Clódio Albino e seus partidários na sucessão imperial, o vencedor desta, Sétimo Severo, mandou matar muitos moradores da cidade, nessa situação, a morte de Irineu pode muito bem ter passado despercebida3.

Veja também o vídeo de Edgar de Oliveira, in:



Notas / Referências bibliográficas:


1 Irineu de Leão, Lião ou Lyon. Imagem meramente ilustrativa, disponível em: GONZÁLEZ, Justo L. A Era dos mártires. Op. Cit., Nota 2, p. 111.

2 GONZÁLEZ, Justo L. Uma história ilustrada do cristianismo: a era dos mártires – Vol. 1. São Paulo: Vida Nova, 1995, pp. 110 a 115.

3 FERREIRA, Franklin. Servos de Deus: espiritualidade e teologia na história da igreja. São José dos Campos/SP. Fiel, 2014. p. 42.



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