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24 fevereiro 2020

Blandina de Lion

Blandina de Lion


Blandina de Lion [2]

Blandina foi torturada em público de diversas maneiras. Primeiro a acoitaram; depois a fizeram ser mordida por feras; em seguida fizeram-na assentar-se em um assento de ferro quente; e ainda a encerram em uma rede e fizeram com que um touro bravio a chifrasse. Como em meio de tais tormentos Blandina seguia firme em sua fé, finalmente as autoridades ordenaram que fosse degolada”. [1]

Blandina [3], uma escrava, se distinguiu do resto dos mártires pela variedade de torturas que suportou. Sua senhora, que também sofreu o martírio, temia que a fé de sua serva pudesse ser deixada de lado sob tais provações. Mas isto não aconteceu, que o Senhor seja louvado! Firme como rocha, mas pacífica e despretensiosa, ela suportou os mais excruciantes sofrimentos. Seus carrascos lhe pressionavam a negar a Cristo e a confessar que as reuniões privadas dos cristãos serviam apenas para suas práticas perversas, e que então eles deixariam de torturá-la. Mas não! Sua única resposta foi: "Sou uma cristã, e não há perversidade entre nós." O flagelo, a roda, a cadeira de ferro quente e as feras selvagens tinham perdido seu terror para ela. Seu coração estava fixado em Cristo, e Ele a manteve em espírito perto de Si. Seu caráter foi completamente formado, não por sua condição social, é claro – que era a mais degradada naqueles tempos – mas por sua fé no Senhor Jesus Cristo, através do poder do Espírito Santo que habitava em si.

Dia após dia ela era levada como um espetáculo público de sofrimento. Sendo uma mulher e uma escrava, os pagãos esperavam forçá-la a negar a Cristo, e a confessar que os cristãos eram culpados dos crimes denunciados contra eles. Mas foi tudo em vão. "Eu sou uma cristã, e não há perversidade entre nós", era sua resposta calma e invariável. Sua constância exauriu a inventiva crueldade de seus algozes. Eles estavam surpresos por vê-la viver através da temível sucessão de seus sofrimentos. Mas em suas maiores agonias, ela encontrou força e alívio ao olhar para Jesus e testemunhar por Ele. "Blandina foi dotada de tanta coragem", diz a carta da igreja de Lion, escrita a mil e setecentos anos atrás, "que aqueles que sucessivamente a torturavam de dia e de noite ficaram muito desgastados de cansaço, e se deram por vencidos e exaustos de todos os seus aparatos de tortura, e se espantaram de vê-la ainda respirando enquanto seu corpo estava dilacerado e exposto." 

Antes de narrarmos as cenas finais de seus sofrimentos, devemos notar o que parece para nós ser o segredo de sua grande força e constância. Sem dúvidas o Senhor a estava sustendo de maneira marcante como uma testemunha para Ele, e como um testemunho para todas as eras do poder do cristianismo sobre a mente humana, comparado a todas as religiões que já existiram sobre a terra. Ainda assim, poderíamos dizer, particularmente, que sua humildade e temor piedoso eram as claras indicações do seu poder contra o inimigo, e de sua inabalável fidelidade a Cristo. Ela estava desenvolvendo sua própria salvação – libertação das dificuldades do caminho – por um profundo senso de sua própria fraqueza consciente, indicada por "medo e tremor".

Em seu caminho de volta do anfiteatro para a prisão, em companhia de seus companheiros de sofrimento, eles foram rodeados por seus amigos entristecidos quando tiveram uma oportunidade, e em simpatia e amor se dirigiram a eles como "mártires por Cristo". Mas a isso eles instantaneamente responderam, dizendo: "Não somos dignos de tal honra. A luta ainda não acabou, e o digno nome de Mártir pertence apropriadamente a Ele somente, que é verdadeira e fiel testemunha, o primogênito dentre os mortos, o Príncipe da vida, ou, ao menos, apenas àqueles cujo testemunho Cristo selou pela sua constância até o fim. Somos apenas pobres e humildes confessores." Em lágrimas eles rogaram para que seus irmãos orassem por eles para que pudessem ser firmes e verdadeiros até o fim. Assim a fraqueza deles era sua força, pois os levava a apoiarem-se no Poderoso. E é assim sempre, e sempre foi, tanto em pequenas quanto em grandes provações. Mas uma nova tristeza os aguardava em seu retorno à prisão. Eles encontraram alguns que tinham desistido pelo medo natural, e que tinham negado que eram cristãos. Todavia, nada ganharam por causa disso, pois Satanás jamais os iria libertar. Sob uma acusação de outros crimes, eles foram mantidos na prisão. Com esses fracos, Blandina e os outros oravam com muitas lágrimas, para que pudessem ser restaurados e fortalecidos. O Senhor respondeu suas orações, de modo que, quando levados novamente para uma examinação mais profunda, eles firmemente confessaram sua fé em Cristo, e assim foram condenados à morte e receberam a coroa do martírio.

Segundo os homens, nomes mais nobres do que o de Blandina desapareceram na cena ensanguentada, e nomes honrados também tinham testemunhado com grande coragem, como foi o caso de Vétio, Potino, Santus, Naturus e Atálius. Mas o último dia de sua provação tinha chegado, e a última dor que ela sentiria, e a última lágrima que ela derramaria. Ela foi levada para seu exame final com um jovem de quinze anos, chamado Pôntico. Eles foram obrigados a jurar pelos deuses; eles firmemente recusaram, mas estavam calmos e imóveis. A multidão estava irritada com a magnânima paciência deles. Todo o repertório de barbaridades lhes foi infligido. Pôntico, embora animado e fortalecido pelas orações de sua irmã em Cristo, logo sucumbiu sob as torturas, e adormeceu em Jesus.

E agora vinha a nobre e abençoada Blandina, como a igreja a intitulara. Como uma mãe que precisava confortar e encorajar seus filhos, ela foi mantida até o último dia dos jogos. Seus filhos haviam partido antes dela, e ela estava agora ansiando por seguir após eles. Eles tinham aderido ao nobre exército de mártires acima, e estavam descansando em Jesus, como descansam guerreiros cansados, no pacífico paraíso de Deus. Após ter suportado açoites, sentaram-na em uma cadeira de ferro quente, e então ela foi amarrada em uma rede e jogada a um touro; e tendo sido atingida algumas vezes pelo animal, um soldado mergulhou uma lança em seu lado. Sem dúvida ela já estava morta muito antes da lança tê-la atingido, mas nisto ela teve a honra de ser como seu Senhor e Mestre. Brilhante certamente será a coroa, em meio às muitas coroas no céu, da constante, humilde, paciente e perseverante Blandina.

Mas a raiva feroz e selvagem dos pagãos, instigados por Satanás, ainda não tinha alcançado seu limite. Eles começaram uma nova guerra contra os corpos mortos dos santos. O sangue deles ainda não os tinha saciado. Eles queriam suas cinzas. Assim os corpos mutilados dos mártires foram coletados e queimados, e lançados no rio Ródano com o fogo que os consumia, para que nenhuma partícula fosse deixada para poluir a terra. Mas a raiva, embora feroz, finalmente se esgotaria: e a natureza, embora selvagem, ficaria cansada de derramamento de sangue, e assim muitos cristãos sobreviveram a essa terrível perseguição.

Temos, portanto, entrado em detalhes, mais do que o usual, ao falar das perseguições sob o reinado de Marco Aurélio. Até então elas são um cumprimento, cremos, dos solenes e proféticos avisos da carta à Esmirna, e também, de modo marcante, da graça do Senhor prometida. Os sofredores foram cheios e animados por Seu próprio Espírito. "Até mesmo seus perseguidores", diz Neander, "nunca foram mencionados por eles com ressentimento; mas eles oravam a Deus para que fossem perdoados aqueles que os tinham sujeitado a tais cruéis sofrimentos. Eles deixaram um legado para seus irmãos, não de conflito e guerra, mas de paz e alegria, unanimidade e amor."

Estás em casa finalmente, cada poste do caminho passado,

Tendes apressado alcançar ao alvo antes de mim;
E ó, as minhas lágrimas caem grossas e rápido
Como as esperanças que tinham florescido sobre ti.
Os meus lábios recusam dizer, Adeus,
Porque nada pode separar nossa vida interligada;
Bem cedo tendes ido com Cristo habitar,
Onde ambos para sempre estaremos...

Fonte:

MILLER, Andrew. “Church History" (História da Igreja). Tradução de Helio Henrique L. C. Monte-Alto. Páginas 197 a 201.Disponível em: <file:///C:/Users/Sr%20Alcides/Documents/Alcides%20-%202016/História%20&%20Teologia%20da%20Igreja%20Cristã/Historia%20da%20Igreja%20-%20Andrew%20Miller.pdf>. Acesso em 16/12/2016.

Notas:


  • [1] GONZÁLEZ, Justo. Uma história ilustrada do cristianismo. Vol. 1, a era dos mártires. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 76.
  • [2] Imagem disponível em: <http://catholicsaints.info/saint-blandina-the-slave/>. Acesso em 16/12/2016.
  • [3] MILLER, Andrew. Op. Cit. Texto copiado na íntegra.

Martírio de Felicidade e seus sete filhos

Martírio de Felicidade e seus sete filhos

Felicitas e seus filhos [2]
‘No meio dos cadáveres mutilados e sangrentos daquelas ofertas queridas, passava mais alegre do que antigamente ao lado dos seus 
berços, porque via com os olhos da fé uma palma em cada ferida, em cada suplício uma recompensa e sobre cada vítima uma coroa’ (Pedro Crisólogo) [1].


Felicidade e seus sete filhos – Roma – ano 161...

Durante os primeiros anos do governo do imperador Marco Aurélio (161-180), uma série de invasões, inundações, epidemias e outros desastres ocorreram no Império Romano. Mas o imperador, embora fosse um homem muito “culto” e “refinado”, autor de Meditações – uma coletânea de escritos pessoais –, acreditava, como a maioria, que a culpa de tudo aquilo era dos cristãos que tinham atraído a ira dos deuses sobre o império. Por isso, ele apoiou uma onda de perseguição.
Sob tal imperador, podia se supor que os cristãos gozassem de um período de relativa paz. Marco Aurélio não era um Nero nem um Domiciano. E entretanto, o mesmo imperador que se expressava em termos tão elevados acerca dos seus deveres do governante, desatou também uma forte perseguição contra os cristãos (GONZÁLEZ: Op. Cit. 73)
Muitos cristãos foram vitimas da perseguição de Marco Aurélio, mas quero destacar o martírio de Felicidade (ou Felicitas) e seus sete filhos (Junuarius, Felix, Felipus, Silvanus, Alexandre, Vitalus e Martialis), um caso passado de seu antecessor Antonino Pio para ele. Foram martirizados em 161 [3].
Felicidade era uma mulher viúva que tinha consagrado sua vida e a de seus filhos inteiramente ao Senhor e sua obra era tal que os sacerdotes pagãos decidiram impedi-la e acusa-la perante as autoridades.
O caso foi tratado pelo prefeito da cidade de Roma, Publius, que interrogou Felicitas, tentando primeiro convencê-la com promessas e ameaças, mas ela respondeu: ‘… viva, eu te vencerei; e se me matas, em minha própria morte vencer-te-ei ainda mais’ (Apud GONZÁZEZ: OP. Cit. p. 74).
No momento do julgamento, diante do tribunal, Publius declarou:
“– Muito bem, Felicitas. Se você quer morrer, que morra sozinha, mas tenha compaixão de seus filhos e aconselhe–os a salvar a vida, sacrifican­do aos deuses.
Ela disse–,
– Sua compaixão é pura maldade e seu conselho é pura crueldade, pois, se meus filhos sacrificarem aos deuses, entregarão a vida aos demônios do inferno, que são seus deuses! Eles ficariam acorrentados na escuridão e no fogo eterno (Julgamento de Felicitas e seus filhos)” [4].
Felicitas morreu por último, pois primeiro fora as execuções de seus filhos:
Januarius, o mais velho, foi açoitado na frente dos outros. Na ponta do chicote, havia uma pequena bola que dilacerou quase todo o seu corpo, até que ele já não se movia mais. Felix e Felipus foram os próximos. Os soldados espancaram–nos com paus até a morte. Silvanus foi jogado de uma grande altura. Os três mais novos, Alexandre, Vitalus e Martialis, foram trazidos um a um diante de sua mãe e decapitados. Por fim, em meio a lágrimas, depois de presenciar a morte de seus filhos, (BESSA: Op. Cit.).
Depois da morte de seus sete filhos, Felicidade, já ansiosa para se apresentar diante de Cristo com seus filhos, foi decapitada com uma espada, por ordem do imperador, como uma lição a este (e outros) obstinados cristãos. Mas morreu alegre por ter conseguido educar seus filhos na fé cristã, os quais, assim como ela, também foram fiéis até à morte…
Veja mais em:

Referências bibliográficas:
  • BESSA, Josemar. In: <http://www.josemarbessa.com/2009/09/felicitas-e-seus-sete-filhos-roma-ano.html>. Acesso em: 19/12/2016.
  • GONZÁLEZ… GONZALEZ, Justo L. Uma história ilustrada do cristianismo, Vol. 1 – A era dos mártires. São Paulo: Vida Nova, 1995.

Notas:
  • [1] In: <http://evangelhoquotidiano.org/main.php?language=PT&module=saintfeast&id=11542&fd=0>. Acesso em: 19/12/2016.
  • [2] Disponível em: <http://evangelhoquotidiano.org/zoom_img.php?frame=48095&language=PT&img=&sz=full>. Acesso em: 19/12/2016.
  • [3] No estudo feito por Josemar BESSA, este afirma ter sido o martírio de Felicitas e seus filhos, em 161 (in: <http://www.josemarbessa.com/2009/09/felicitas-e-seus-sete-filhos-roma-ano.html>. Acesso em: 19/12/2016), enquanto o site WIKIPEDIA afirma que isto ocorreu em 165, e que ela tinha 64 anos, tendo nascido, então em 101. (in: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Felicidade_de_Roma>. Acesso em: 19/12/2016).
  • [4] Disponível em: <http://www.josemarbessa.com/2009/09/felicitas-e-seus-sete-filhos-roma-ano.html>. Acesso em: 19/12/2016.

Martírio de Policarpo de Esmirna

Martírio de Policarpo de Esmirna


Policarpo de Esmirna (ca. 65 a 155)


Senhor Deus Soberano (…) dou-te graças, porque me consideraste digno deste momento, para que, junto a teus mártires, eu possa ser parte no cálice de Cristo. (…) Por isso te bendigo e te glorifico” (Última oração de Policarpo) [1].

O Império Romano estava sendo governado pelo imperador Trajano, em 155, ano em que Policarpo, bispo de Esmirna, tornou-se mártir por amor a Jesus. Era tempo de muita perseguição aos cristãos, motivada principalmente pelo fato de estes não cultuarem os deuses e os imperadores romanos.

Um pouco antes de Policarpo, vários cristãos foram delatados pelos inimigos dos cristãos e mortos sem se queixar, pois ‘… tinham em pouca conta as dores do mundo’ (Apud GONZÁLEZ: 1995, p. 70). E depois destes, um jovem em especial, conhecido como o Germânico[2], também foi morto, trucidado pelas feras, aos gritos da multidão que dizia: ‘Que morram os ateus! (…) e que tragam Policarpo!’ (Apud GONZÁLEZ, Op. Cit., p 70).
Como bispo, certamente a morte de Policarpo de Esmirna [3] traria um grande “prejuízo”, principalmente, à igreja cristã, e maior delírio à multidão ávida por sua morte. Por isso, as autoridades ordenaram que buscassem Policarpo.
Segundo Alcebíades Vasconcelos, Policarpo tinha ido à Roma,
… a fim de dirimir uma questão existente entre a igreja oriental e ocidental, no tocante à celebração da Ceia do Senhor. Ao regressar dessa viagem, estava sendo celebrada em Esmirna a temporada de jogos esportivos, que sempre se revestia de feição religiosa. Então, tais jogos estavam sendo assistidos pelo procônsul Statius Quadratus e presididos pelo Asiarca Filipe de Tralles, quando, por causa de sua fidelidade a Cristo, morreram martirizados membros das igrejas de Filadélfia e Esmirna, entre os quais Policarpo (VASCONCELOS: 1980, p. 24).
Ao saber que era procurado, Policarpo fugiu da cidade para uma fazenda próxima, e desta, para outra. Neste primeiro paradeiro, uma pessoa foi torturada para que pudesse informar o local para onde Policarpo tinha ido. E quando soube disto, “… o bispo ancião decidiu deixar de fugir e aguardar os que o perseguiam” (GONZÁLEZ: Op. Cit., p. 70). Quando os oficiais públicos, seus perseguidores, vão à sua casa, são alimentos, enquanto ele perde autorização para orar. Isto ele faz por cerca de duas horas e em seguida os acompanha.
Ao que parece, Policarpo tinha mais de “noventa anos de idade” (MILLHER, Op. Cit., p. 194), neste caso, teria se convertido quando ainda era criança, uma vez que ele mesmo afirma no momento de sua morte, ter servido a Cristo por 86 anos.
O procônsul procurava livrar Policarpo da morte, movido de certa compaixão pela sua idade avançada, por isso tenta persuadi-lo a negar a Cristo, aos gritos da turba que dizia: ‘abaixo os ateus. Mas dada a insistência do juiz para que maldissesse a Cristo para ficar livre, ele responde: “vivi oitenta e seis anos servindo-lhe, e nenhum mal me fez. Como poderia eu maldizer ao meu rei, que me salvou?” (GONZÁLEZ: Op. Cit. pp. 70-71). Como os pedidos para negar seu Senhor e as ameaças eram vãs, foi informado a decisão de Policarpo ao público do anfiteatro: “‘Policarpo se declarou cristão’, [enquanto a população, enfurecida afirmava], ‘este é o mestre do ateísmo, o pai dos cristãos, o inimigo de nossos deuses,  [e] por culpa dele tantos têm deixado de oferecer os sacrifícios…” (MILLHER,  Op. Cit. p. 194).
Ainda na tentativa de fazer Policarpo mudar de opinião, foi-lhe pedido para que convencesse a multidão, mas ele afirma que ela (a turba) era indigna de escutar sua defesa. Por isso, foi ameaçado de ser lançado às feras e depois de ser queimado vivo.
Policarpo respondeu que o fogo que o juiz podia acender duraria somente um momento, e logo se apagaria, mas que o castigo eterno nunca se apagaria. Ante a firmeza do ancião, o juiz ordenou que Policarpo fosse queimado vivo e toda a população saiu a apanhar ramos para preparar a fogueira. Atado já no meio da fogueira, e quando estavam a ponto de acender o fogo, Policarpo elevou os olhos ao céu e orou em voz alta: Senhor Deus Soberano (…) dou-te graças, porque me consideraste digno deste momento, para que, junto a teus mártires, eu possa ser parte no cálice de Cristo. (…) Por isso te bendigo… Amém. (GONZÁLEZ, Op. Cit., p 72).
Segundo Miller (p. 165), no meio da multidão havia judeus. Considerando o que Alcebíades (acima) fala acerca do festejo que estava sendo oferecido à deusa Cibele, é muito estranho a posição deles, que conheciam tão bem o monoteísmo pregado e crido em sua cultura, se colocarem contra alguém que defendia o seu próprio Deus e o deles também – embora não aceitassem o Cristo dos cristãos – e se colocarem a favor de um ídolo ou ídolos/deuses! Será que estes judeus faziam parte da “sinagoga de Satanás”, de que fala Jesus, em Apocalipse 2.9, em sua carta dirigida à igreja daquela cidade?
Dentro da fogueira, cujas chamas não quiseram (ou demoraram) consumi-lo, Policarpo foi alvejado por uma “lança” que o matou e deixou o povo satisfeito com a vingança do homem que pregava contra seus deuses e por terem a oportunidade de ver sangue derramado. Este tão cruento martírio deixou o procônsul cansado e decidido a não aceitar mais o julgamento de cristãos perante o tribunal de sua cidade.
Jesus disse em uma das sete cartas do Apocalipse, dirigida ao anjo da igreja de Esmirna: “Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida” (Ap 2.10).  Vejamos que a perseguição era obra do “diabo” e que para enfrentá-la era exigida fidelidade dos servos de Jesus. A recompensa era e é o recebimento da “coroa da vida”. Assim como Policarpo, Germânico e muitos outros que foram fiéis “até à morte” na perseguição em Esmirna, a mesma solicitação é feita a todos os cristãos em todo o tempo e lugar. Que o Espírito Santo nos ajude a fazermos nossa parte: “ser fiel até à morte”…

Referências bibliográficas:
  • GONZALEZ, Justo L. Uma história ilustrada do cristianismo, Vol. 1 – A era dos mártires. São Paulo: Vida Nova, 1995.
  • HISTÓRIA e Bíblia. O martírio de Policarpo, bispo de Esmirna. Disponível em: <http://historiaebiblia.blogspot.com.br/2010/05/normal-0-21-false-false-false_24.html>. Acesso em 15/12/2016.
  • MILLER, Andrew. A História da Igreja – pp. 44-46. Disponível em: <file:///C:/Users/Sr%20Alcides/Documents/Alcides%20-%202016/História%20&%20Teologia%20da%20Igreja%20Cristã/Historia%20da%20Igreja%20-%20Andrew%20Miller.pdf>. Acesso em 27/11/2016.
  • VASCONCELOS, Alcebíades Pereira de. Cartas às 7 Igrejas da Ásia. Rio de Janeiro: Casa Publicadora  das Assembleias de Deus, 1980.

Notas:
  • [1] Apud GONZÁLEZ, Op. Cit., p.72.
  • [2] González (Op. Cit., p. 70) faz referência a Germânico como um “ancião”, ao qual foi dito “… que tivesse misericórdia de sua idade e abandonasse a fé cristã”. No entanto, em outros textos, este Germânico aparece como um “jovem”, ainda de tenra idade. No texto a seguir, por exemplo, encontramos: “E contam que distinguiu-se especialmente o nobilíssimo Germânico, que com a ajuda da graça divina sobrepôs-se à covardia natural ante a morte do corpo. O Procônsul queria persuadi-lo e alegava como pretexto sua idade, e suplicava-lhe que, já que estava na flor da juventude[Grifos e negritos meus] ,tivesse compaixão de si mesmo; mas ele não vacilou, mas valentemente atraiu para si as feras, quase forçando-as e atiçando-as, para poder afastar-se mais rapidamente da vida injusta e criminosa daqueles.” (Da obra História Eclesiástica, Livro IV, XV, Eusébio de Cesareia apud <http://historiaebiblia.blogspot.com.br/2010/05/normal-0-21-false-false-false_24.html>. Acesso em 14/12/2016.
  • [3] Imagem disponível em: <http://foraheresia.blogspot.com.br/2014/07/policarpo-de-esmirna-biografia-obras.html>. Acesso em: 15/12/2016.
Veja também:


Inácio de Antioquia, o portador de Deus

Inácio de Antioquia

“Sou trigo de Deus, e os dentes das feras hão de me moer, para que possa ser oferecido como pão limpo de Cristo” (Inácio de Antioquia) [1].

Inácio de Antioquia, nasceu por volta do ano 30 ou 35 e passou para a história com o codinome  “portador de Deus”, com base em informações da tradição de que ele fora aquele menino posto por Jesus no meio dos discípulos que o rodeavam, querendo saber quem era maior no Reino dos céus, conforme registrado em Mateus 18.1-3 e Lucas 18.15-17 ).  Inácio tornou-se o segundo bispo de Antioquia quando foi preso e martirizado no ano 107, em Roma, que era governada na época, pelo imperador Trajano (98-117). E esta cidade se encontrava em festejos por causa da vitória do imperador sobre os dácios [2], e como parte das comemorações havia uma ordem para se oferecer um grande sacrifício aos deuses. Este ritual foi imposto por um decreto imperial que incluía também os cristãos. O preço da desobediência era a morte.
Inácio já estava bem idoso naquele ano (107), com cerca de 72 a 77 anos. Mesmo assim, “… foi enviado à capital para que sua morte contribuísse com os espetáculos projetados. (GONZÁLEZ: 1995. p. 68).
Durante sua longa viagem para Roma, o bispo de Antioquia escreveu 7 cartas. São elas, cartas: aos Efésios (InEf), Magnésia (InMag), de Trales (InTral), Romanos (InRom), Filadélfia (InFld), Esmirna (InEsm) e Policarpo (InPol). Provavelmente, estas cartas tenham sido escritas por um amanuense, também cristão, em Esmirna, onde Inácio esteve durante uma pausa da viagem. No entanto, segundo González, de algum modo, Inácio havia recebido notícias de que alguns cristãos de Roma planejavam fazer gestões para livrá-lo da morte. Mas Inácio não vê tal projeto com bons olhos. Ele já estava pronto para selar seu testemunho com seu sangue, e qualquer gestão que os romanos pudessem fazer seria, para ele, um empecilho […] e portanto a única coisa que quer que os romanos peçam para ele é, não a liberdade, mas força para enfrentar a toda prova, ‘para não somente me chamarem cristão, mas que também me comporte como tal’” (Ibidem: p. 68).
Nesta mesma linha de raciocínio segue o historiador Andrew MILLER. Segundo ele, Inácio estava preocupado com a igreja em Antioquia e por isso desejou falar pessoalmente com Trajano. “Seu grande objetivo era prevenir, se possível, a perseguição ameaçada. Com este objetivo em vista, ele apresentou ao imperador o verdadeiro caráter e condição dos cristãos, e se ofereceu a si mesmo para sofrer no lugar deles” (MILLER: 2016, p 181).Inácio foi sentenciado e lançado às feras selvagens para diversão do povo no último dia do festival romano e “… logo levado ao anfiteatro, onde sofreu, de acordo com sua sentença, à vista dos espectadores reunidos. E então, o cansado peregrino encontrou o descanso das fadigas de sua longa viagem no bendito repouso do paraíso de Deus.” (Ibidem: p. 181). Se a tradição acerca daquela criança de Mateus 18 estiver certa, Inácio tornou-se um símbolo perfeito de um cidadão do Reino de Deus, dentre os “… quais o mundo não era digno…” (Hb 11.38).O martírio de Inácio de Antioquia serviu de inspiração para muitos cristãos, muitos dos quais também desejaram receber “uma coroa de mártir”, por amor ao evangelho.

A importância do bispo para a igreja, segundo Inácio

Nosso objetivo, aqui, é apenas fazer uma reflexão acerca da fé de Inácio em Jesus, que se tornou, como ele mesmo queria, o “trigo de Deus”, através de sua morte como mártir. Porém suas preocupações com as várias (ao que parece) facções que havia na igreja de Antioquia levou-o a escrever suas 7 cartas (e possivelmente outras) para exortar os cristãos acerca da verdadeira fé. Mas o conteúdo destas cartas tem servido para muita discussão e (aparente embasamento) para a sucessão apostólica, defendida pela Igreja Católica. O certo é que, segundo ele, “… nada [se pode] realizar sem o bispo, mas também submeter-vos ao presbitério, como aos apóstolos de Jesus Cristo, nossa esperança, no qual nos encontramos em toda a nossa conduta” (InTral. In: As cartas de Inácio de Antioquia).
O cargo eclesiástico de bispo (ancião, presbítero) que aparece na Bíblia em Tito 1.7, Filipenses 1.1 e em outros textos, no começo do segundo século passa a ganhar muito destaque a partir de documentos como as cartas de Inácio, Clemente e outros. Mas sobre isto falaremos em outro momento. Por ora, acho importante destacar, as últimas palavras de Inácio de Antioquia que demonstravam sua convicção de que como “trigo de Deus”, a ser moído pelas feras, estava sendo “oferecido como pão limpo de Cristo”.


Referências bibliográficas:
  • COMUNIDADE WESLEYANA. As cartas de Inácio de Antioquia. Artigo publicado em 29/11/2010. Disponível em: <http://comunidadewesleyana.blogspot.com.br/2010/11/as-cartas-de-inacio-de-antioquia.html>. Acesso em 30/11/2016.
  • § GONZALEZ, Justo L. E até os confins da Terra: uma história ilustrada do Cristianismo, Vol. 1, A era dos mártires. São Paulo: Vida Nova, 1995.
  • MILLER, Andrew. História da Igreja, vol.1, 2016. Disponível em PDF: <file:///C:/Users/Sr%20Alcides/Documents/Alcides%20-%202016/História%20&%20Teologia%20da%20Igreja%20Cristã/Historia%20da%20Igreja%20-%20Andrew%20Miller.pdf>. Acesso em 29/11/2016.

Notas:

  • [1] Apud GONZÁLEZ, Justo. Op. Cit., p. 68.
  • [2] “Dácia era o nome dado à região habitada pelos dácios (ou getas, como eram conhecidos pelos antigos gregos), um ramo dos trácios que vivia a norte dos Bálcãs. [Na época de Trajano], os romanos “… acabaram por conquistá-los [os dácios], e assimilá-los, linguística e culturalmente.” In: <https://pt.wikipedia.org/wiki/D%C3%A1cia#A_conquista_romana>. Acesso em: 27/11/2016.
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Veja também:


23 fevereiro 2020

Tiago, irmão do Senhor


Tiago, irmão do Senhor, foto adaptada,
disponível no youtube
O Novo Testamento cita quatro pessoas com o nome de Tiago. Dois deles, pouco conhecidos, são o Tiago, pai de Judas[1] (não o Iscariotes), conforme citações como Lucas 6.16 e Atos 1.13, e Tiago, filho de Alfeu, um dos apóstolos de Cristo, conhecido como “o menor” (cf. Mateus 10.3; Atos 1.13; Marcos 15.40).
Queremos enfatizar em dois artigos, os outros dois Tiago, sendo um deles, neste artigo, o Tiago, irmão do Senhor, e em outro momento, o Tiago Maior, irmão de João, o outro apóstolo. Este último Tiago e o apóstolo João eram filhos de Zebedeu.

1.  Tiago: irmão ou primo de Jesus?
O Novo Testamento registra textualmente algumas pessoas como sendo irmãos de Jesus. Por exemplo, em Mateus 13.55-56 lemos: “Não é este [Jesus] o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E não estão entre nós todas as suas irmãs? De onde lhe veio, pois, tudo isto?” Portanto, é sobre um destes irmãos de Jesus chamado Tiago que estamos falando.
Há pelo menos três explicações para a expressão “irmãos de Jesus”:
a)  Os “irmãos de Jesus” eram filhos mais novos de José e Maria, posição defendida pela maioria protestante e defendida neste artigo. Sua base de sustentação teológica são inferências de expressões como “primogênito” (primeiro) em relação a Jesus em textos como, por exemplo, Lucas 2.7: “Ela [Maria] deu à luz o seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria[2] e “até que...” em Mateus 1.25, indicando que após o nascimento de Jesus, Maria e José tiveram relações maritais normais de um casal. Veja: “E não a conheceu até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs –lhe o nome de Jesus”. (Grifos meus)[3]. Ou seja, esta posição defende que após o nascimento de Jesus, seus pais terrenos, José e Maria, tiveram vida sexual ativa (como qualquer outro casal) e estes “irmãos de Jesus” foram frutos desta união. Esta posição “... foi fortemente advogada por Helvidius, no século IV, mas veio a ser repudiada herética à luz da doutrina, cada vez mais atrativa conforme o movimento ascético se foi desenvolvendo, de que Maria sempre foi virgem” (DOUGLAS (Org.), Vol. II, p. 754).
b)  Os “irmãos de Jesus” eram filhos de José com outra esposa anterior à Maria, posição defendida pelo clero da Igreja Ortodoxa Oriental. Neste caso, estes (meio) irmãos de Jesus eram mais velhos do que ele.
c)  Os “irmãos de Jesus” eram, na verdade, “primos” dele, posição defendida pela Igreja Católica Romana. Sua base teológica está fundamentada em argumentos como:
-     em João 19.25 (no momento da crucificação de Cristo havia não quatro, mas três mulheres de pé, perto da cruz, “... a saber, Maria, a mãe de Jesus, sua irmã, identificada com ‘Maria de Clopas’, e Maria de Magdala” (Ibidem: p. 754)...
-     a segunda Maria – Maria de Clopas – é idêntica à Maria da passagem de Marcos 15.40 (E também ali estavam algumas mulheres, olhando de longe, entre as quais também Maria Madalena, e Maria, mãe de Tiago, o menor, e de José, e Salomé)...
-     esse Tiago, o menor, é o apóstolo chamado de “filho de Alfeu”, em Marcos 3.18.
-     a segunda Maria em João 19.25 era casada com Alfeu...
A questão é, se a Maria, descrita como ‘de Clopas’, que presumivelmente significa ‘esposa de Clopas’, não poderia ser esposa de Alfeu que subtende, na lógica, ser esposa de Alfeu. Este (Alfeu) e Clopas eram a mesma pessoa? Jerônimo, o grande defensor desta doutrina “... admitiu sua ignorância. Tal teoria exigiria que Clopas é outro nome de Alfeu, ou que essa Maria foi casada por duas vezes. Por essa exegese engenhosa mas não-convincente, Jerônimo reduziu o número de homens chamados Tiago, no Novo Testamento, a dois – o filho de Zebedeu, e Tiago, irmão do Senhor, o qual seria também um apóstolo e conhecido como ‘o menor’. (Ibidem: p. 754/755).
Bem, não queremos transformar estas questões – dos irmãos de Jesus e entre eles, a pessoa de Tiago – em um cavalo de batalha, uma vez que qualquer que seja, correta, a explicação ou defesa acima não diminui em nada o plano de salvação e a doutrina acerca de Jesus, pois esta é quase unânime entre os cristãos em geral. Mas, como protestante ficarei com a primeira questão: Tiago era irmão mais novo de Jesus, por parte de Maria e José seus pais.

2.  Tiago: líder da Igreja Judaica
No evangelho de João (7.5) está escrito sobre Jesus, que “... nem mesmo os seus irmãos acreditavam nele”. Muitos estudiosos protestantes são de opinião de que era este o motivo de Jesus entregar sua mãe aos cuidados do apóstolo João antes de sua morte (João 19.26). Porém, após sua ressurreição e na reunião de preparação para o Pentecostes, já encontramos entre os presentes, Maria, sua mãe, e também seus irmãos (Atos 1.14). Ao que muitos supõem que após a morte de Jesus, seus irmãos entenderam que de fato Jesus era o Messias.
Porém a Tiago, especificamente, encontramos uma referência em 1Coríntios (15.7): “Depois [de ser visto por mais de quinhentos irmãos], foi visto por Tiago, depois, por todos os apóstolos”. Observe que este Tiago que aparece aqui não é contado entre os apóstolos, portanto, deduz-se que não era nem o Tiago, filho de Zebedeu nem o Tiago, filho de Alfeu. Um outro irmão de Jesus, chamado Judas, também deve ter tido uma chamada especial dele, pois tornou-se também autor de uma epístola, a que leva o seu nome, onde ele se identifica como sendo “irmão de Tiago” (Judas 1), porém com estilo literário bem diferente de seu irmão.
Este Tiago, após a visita ou encontro especial com Jesus (1Coríntios 15.7) tornou-se um dos líderes atuantes da Igreja Cristã judaica.
Nosso Senhor apareceu a um Tiago, depois da ressurreição (1Cor. 15:7) e, se bem que não esteja declarado, parece seguro admitir que se trata do Tiago seu irmão. À luz de Mat. 13:55 e João 7:5 podemos concluir que, fossem os últimos acontecimentos da vida de nosso Senhor, fosse Sua morte, ou essa aparição depois de ressurreto, algum desses fatos contribuiu para a conversão dele (SHEDD, Vol. II: 1983, p.1387).
O apóstolo Paulo que se converteu algum tempo depois, diz que atendendo ao chamado de Deus, foi a Jerusalém, onde viu a Pedro e a “Tiago, irmão do Senhor” (Gálatas 1.19). Depois de conhecer a liderança da igreja judaica, Paulo afirma que Tiago era uma de suas “colunas”, juntamente com Cefas (Pedro) e João (Gálatas 2.9).
O historiador e teólogo Justo L. GONZÁLEZ destaca a perseguição dos judeus contra os cristãos em Jerusalém (Atos 12) e Tiago, irmão de João e filho de Zebedeu, é morto à espada, por ordem de Herodes Agripa, no ano 44.  Depois disto Pedro também é preso, mas milagrosamente solto da prisão (Atos 12.11) e, na casa de Maria, mãe de João Marcos, onde estava havendo uma reunião de oração por ele, Pedro conta o fato e pede que o informa “... a Tiago e aos irmãos” (Atos 12.17). Portanto, nesta época, Tiago, irmão do Senhor, apesar de não ser um dos doze apóstolos, “... havia se unido ao número dos discípulos, onde logo gozou de grande prestigio e autoridade” (GONZÁLEZ: 1995, p. 35). E com o tempo, ele torna-se o primeiro “bispo” de Jerusalém. Mas González diz que esta é uma tradição “... errônea, porquanto atribui a Tiago o título de bispo, [porém] parece estar correta em afirmar que ele foi o primeiro chefe da igreja de Jerusalém” (Ibidem: p. 35).
Pela referência de Atos 21.18 parece que nenhum dos antigos apóstolos residia quando Paulo se preparava para ir à Roma, mas antes, em Jerusalém, foi com um grupo de discípulos à casa de Tiago. Depois, em 62, Tiago é morto por apedrejamento “... às mãos do sumo sacerdote Anano durante o interregno após a morte do procurador Festo em 61 D.C.” (Josefo, Antiguidades xx.9. In: DOUGLAS, org. Vol. III, Op. Cit., p. 1609).
Ao que parece, este interregno registrado por Flávio Josefo ocorreu em 61 e logo depois foi a morte de Tiago, em 62. Lucas cita este Festo, como sucessor de Félix, afirmando que “... passados dois anos [depois do encontro de Paulo com o mesmo], Félix teve por sucessor a Pórcio Festo; e, querendo Félix comprazer aos judeus, deixou a Paulo preso” (Atos 24.27). Na sequência, Lucas registra que Paulo apelou para César, usando sua condição de cidadão romano para fugir dos judeus (Atos 25.1-17).
Quanto ao governo da igreja de Jerusalém, após a morte de Tiago, González afirma que “... aquela antiga igreja continuou sendo dirigida pelos parentes de Jesus, e a chefia passou a Simeão, que pertencia à mesma linhagem” (GONZÁLEZ: 1995, p. 36).

3.  Notas sobre a epístola de Tiago
Sobre a epístola de Tiago e seu autor, queremos apenas destacar:
§  O nome Jesus aparece em apenas dois versículos de sua epístola (Tg 1.1 e 2.1).
§  O documento não recebeu reconhecimento geral senão no quarto século.
§  Enquanto Lutero achava que esta epístola contradiz o ensino de Paulo sobre a justificação (Tg 2.17), chamando-a de “... ‘epístola de palha’ ela tem um valor teológico incontestável. Reencontramos nela certos acentos do Sermão do Monte (Mat. 5.1-7; Luc. 6.20-49), e sobretudo uma preocupação real pelos pobres. Por si só, não nos daria uma ideia da mensagem cristã, mas ela tem seu lugar ao lado dos outros escritos do Novo Testamento” (destaque, negrito no original) (CULMANN, 1984: p. 94).
§  A epístola foi escrita num estilo judaico (escrita por um judeu) de ensino moral.  Estilo “parênese”, ensino em exortação moral e de sabedoria popular.
§  Mas Tiago demonstra conhecer muito bem, além do hebraico, também o grego. Vejamos um pouco das semelhanças, no grego, entre sua epístola e o seu discurso feito por ocasião do Concílio de Jerusalém:
ð  Tiago 1.1 comparado com Atos 15.23: referência às tribos dispersas em ambos os textos;
ð  Tiago 1.27 comparado com Atos 15.14: deixar a corrupção do mundo / Deus olhou para as nações para tirar delas um povo...
ð  Tiago 2.5 comparado com Atos 15.13: “Ouçam, meus amados irmãos” / “Irmãos, ouvi-me”. Saudações idênticas.
ð  Tiago 2.7 comparado com Atos 15.17: a expressão “invocar” o nome de Deus em ambos os textos...
§  Tiago é considerado um segundo Amós ao denunciar os ricos (5.1-6). Além disso, emprega vários outros exemplos e personagens do Antigo Testamento e poucos exemplos de Jesus em seu texto. Mas isto era natural na época em que o A.T. era a Bíblia dos crentes primitivos.
Em suma, conforme salientou Calvino, a epístola de Tiago “... apresenta instruções sobre numerosos assuntos, todos os quais são importantes para a vida cristã, tais como ‘paciência, oração a Deus, a excelência e o fruto da verdade celeste, a humildade, os deveres santos, a restrição da língua, o cultivo da paz, a repressão das concupiscências, o desprezo pelo mundo, e coisas semelhantes’” (In: DOUGLAS, Op. Cit., p. 1610). O certo é que Tiago nos conclamam a fortalecermos o nosso coração e aguardarmos a vinda Senhor” que está próxima (5.7-8), como todo cristão tem que fazer.

Considerações finais
Procurei falar, em poucas palavras sobre Tiago, irmão do Senhor, como sendo de fato “irmão” consanguíneo de Jesus e mais novo do que ele, por parte de José e Maria. No entanto, como já enfatizei, mesmo que estas informações, defendidas por uma grande galeria de teólogos e historiadores não sejam (ou não fossem) realidade, a verdade “maior” que é a mensagem de sua epístola e o plano de salvação em Cristo não são alteradas. Também acreditamos que não há nenhum demérito à Maria, mulher judia, ter tido outros filhos além de Jesus (virginitas ante partum), assim como não há problema algum para a história do Cristianismo a questão de Tiago, que acreditamos ter sido “irmão do Senhor”, ter sido, pelo contrário, um parente de Jesus. Porém, asseguramos que houve um grande esforço para defender a “virgindade perpétua” de Maria (virginitas post partum), como Jerônimo, por exemplo, o fez, interferindo, com isto, nas interpretações dos fatos.
Em relação à liderança de Tiago da igreja de Jerusalém, o que a tradição o coloca como “bispo” da mesma, demonstra a grande influência de Tiago na cristandade e até certo ponto, entra em choque com a Igreja Católica ao defender a primazia de Pedro. E sobre sua epístola, destaco o fato de seus ensinamentos sobre as “obras”, ao invés de contradizerem a Paulo em relação à justificação pela fé ela reforça, na verdade, o fato de o cristão exteriorizar sua fé através de suas ações.

Referências bibliográficas:

CULMANN, Oscar. A formação do Novo Testamento. São Leopoldo: Sinodal (RS), 1984.
OUGLAS, J.D. (Org.). O Novo Dicionário Bíblia, Vol. I, II e III. São Paulo: Vida Nova, 1979.
GONZÁLEZ, Justo L. E até os confins da Terra: uma história ilustrada do cristianismo, Vol. 1 – A Era dos mártires. São Paulo: Vida Nova: 1995.
SHEDD, Dr. Russel P. (Editor). O novo Comentário da Bíblia, Vol. I e II, São Paulo: Vida Nova, 1983 (reimpressão).

Notas:




[1] Há divergências entre uma versão bíblica e outra a respeito deste Tiago, no texto de Lucas 6.16. A Bíblia Católica da Editora Ave Maria, por exemplo, cita-o como sendo o Tiago, “irmão de Judas”, enquanto algumas versões protestantes (Cf. a Bíblia com anotações de Dr. C. I. Scofield, por eexemplo) refere-se a ele como “pai de Judas” e outras ainda colocam como “irmão” ou “pai” de Judas. Não confundir este Judas com o Iscariotes. Havia dois Judas, um que era o Iscariotes, o traidor, e o outro, também apóstolo, conhecido como Tadeu (Cf. Mt 10.3; Mc 3.18 e Jo 14.22). A referência de Atos 1.13 cita “... Judas, filho de Tiago”. Mas, aqui também a Bíblia Católica coloca o Tiago como “irmão” e não “pai” de Judas...   
[2] BÍBLIA Católica Online CNBB. Disponível em: <http://www.pr.gonet.biz/biblia.php?submit=Ler&ATNT=1&Book=48&Chapter=2&versao=1&simples=1&biblia2=0&head=1>. Acesso em 09/02/2016.
[3] BÍBLIA online (versão protestante). Esta posição fica ainda mais clara na versão católica, destacada anteriormente – Nota 2, vejamos: “E não teve relações com ela até o dia em que deu à luz o filho, ao qual ele pôs o nome de Jesus.” (Grifo meu). Disponível em: <http://www.pr.gonet.biz/biblia.php>. Acesso em 09/02/2016.

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Veja também:

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