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11 fevereiro 2024

A Aposta de Pascal: da razão à fé em Deus

Por: Alcides Amorim


O Racionalismo, corrente filosófica que argumenta ser a razão a única forma para se chegar ao verdadeiro conhecimento é normalmente atribuído ao filósofo francês René Descartes (1596-1650), que é considerado também o fundador da filosofia moderna. Mas esta ideia de chegar ao verdadeiro conhecimento choca-se muitas vezes com a teologia e a fé. Foi na tentativa de aliar a razão com a fé que outro filósofo – também francês –, chamado Blaise Pascal (1623-1662) [1], desenvolve a apologética famosa exposta em sua principal obra Pensées (Pensamentos sobre a Religião e Alguns Outros Assuntos).

Segundo Richard V. Pierard, Pascal foi uma das maiores figuras na história intelectual do Ocidente, embora tenha vivido muito pouco: 39 anos. Foi criado por seu pai viúvo, um brilhante advogado e oficial cívico; tornou-se pensador, cientista e matemático; usando o método experimental, criou o primeiro calculador mecânico, pesquisas básicas sobre vácuos e hidráulica, a formulação da teoria da probabilidade e a formação dos alicerces para o cálculo diferencial e integral, entre outras contribuições.

Em 1646 Pascal passou por uma "conversão" para um ensino austero de renúncia do mundo e de submissão a Deus, conforme propunham os discípulos de Jean du Vergier. O resultado foi uma cessação temporária das suas labutas intelectuais, mas logo deixou o grupo. Em 1654 experimentou uma "segunda conversão", muito mais significativa, à doutrina Jansenista [2] em Port Royal, e aceitou fervorosamente a fé cristă, como se vê em suas obras posteriores, as Cartas Provinciais (1657) e sua obra publicada postumamente Pensées.

Nos seus escritos religiosos, Pascal era mais um apologista do que um pensador sistemático. Ao argumentar a favor da existência de Deus, não era um fideísta completo, pois achava possível demonstrar aos descrentes que a religião não era contrária à razão, mas rejeitava provas metafísicas como as de Descartes por serem insuficientes para levar alguém ao Deus vivo. Na verdade, argumentava psicologicamente [3], acreditando que o coração era a chave. Deus podia ser percebido pela intuição do coração, mas não pela razão. Tratava-se de combinar o conhecimento, o sentimento e a vontade, e de estabelecer um relacionamento místico vivificante com Cristo. Quando Pascal apresenta seu argumento da aposta, a probabilidade nos obriga a correr o risco da fé em Deus. Além disso, ele via a condição humana como de "grandeza e miséria". Rejeitando o pelagianismo jesuíta, Pascal aceitou a reafirmação jansenista do conceito agostiniano do pecado original. Disse que o homem possui uma condição moral e religiosa especial que o eleva muito acima dos animais, mas ele é controlado pelo pecado e necessita desesperadamente da graça especial de Deus a fim de ser salvo. Embora ele achasse que "o coração tem razões que a própria razão desconhece", não deixou de sustentar que as Escrituras, que se validam a si mesmas, as profecias, a existência dos judeus, os milagres e o testemunho da história, todos servem para autenticar o cristianismo.

Sobre a Aposta de Pascal deve ser considerado, conforme Rodrigo Silva, que pelo fato de sua doença que o levou à morte ainda muito jovem, este deixou muitos trabalhos ainda rascunhados, tanto que a Pensées foi uma obra póstuma e, possivelmente em elaboração, sem a conclusão do próprio autor. Em seu estudo, Rodrigo Silva mostra como as percepções de Pascal era parte de uma conclusão matemática daquele filósofo, um dos mais célebres da história. Portanto, embora Pascal é visto como controverso teologicamente – veja, por exemplo aqui –, é inegável que ele era um homem de fé, além de um filósofo. Fé e razão andando juntas.

Para Pascal, continua Pierard, ‘Ou Deus existe, ou Ele não existe’, e propõe que apostemos no assunto. Apostar que Ele existe importa numa modesta entrega da nossa razão, mas optar pela não-existência divina è arriscar a perda da vida e felicidade eternas. O valor da aposta (a nossa razão) é mínimo comparado ao prêmio que pode ser ganho. Se aquele que apostou em Deus tiver razão, ganhará tudo, mas nada perderá se sua escolha se revelar errada. Ja que foi demonstrado que esta aposta é razoável, pode-se avançar, agora, do ámbito do provável para a ação prática de se colocar a fé em Deus.

Deus existe ou Deus não existe [4]


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1R. V. PIERARD, Doutor da Universidade de Iowa. Professor de História na Universidade Estadual de Indiana, Terre Haute, Indiana, EUA… (E mais aqui). Dois breves estudos, “A Aposta de Pascal” e “Blaise Pascal”, utilizados como fontes aqui, são contribuições de Pierard à Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. I (Pág. 101 e 102) e Vol. III (Pág. 100) respectivamente. São Paulo: Vida Nova: 1988. (Texto adaptado).

  • [2O Jansenismo foi um movimento de muito rigor moral e dogmático, além de disciplinar e que assumiu também contornos políticos, ocorrido no seio da Igreja Católica nos séculos XVII e XVIII e cujas teorias foram consideradas controversas pela própria igreja. O Jansenismo foi fundado Na Bélgica por Cornélio Jansénio e difundido na França por Jean du Vergier. Foi neste meio de ensino austero de renúncia do mundo e submissão a Deus, que Pascal conviveu num primeiro momento e que provocou uma cessação temporária das suas labutas intelectuais, passando depois (em 1654) por outra experiência que ficou conhecida como uma ‘segunda conversão’. 

  • [3] … e principalmente matematicamente, na opinião de Rodrigo Silva, confrme o  vídeo abaixo.

  • [4Esquema ilustrativo anexo ao estudo de Rodrigo Silva, Aposta de Pascal. Acesso em: 09/02/2024.



Se o link não abrir, acesse: A Aposta de Pascal, com Rodrigo Silva..


25 outubro 2023

Humanismo Secular

Humanismo Secular

Por David W. Gill

Secularismo [1]


Na epístola de 2Coríntios (4.4) encontramos a expressão “deus deste século”, uma referência que sabemos, pelo contexto, tratar-se de um deus (com “d” minúsculo) capaz de cegar o entendimento das pessoas neste momento ou nesta forma de existência atual. Em Tito, Paulo afirma também que este “presente século” é cercado de impiedade, concupiscências mundanas etc., vícios que devemos renunciá-los(2.12). É neste sentido que gostaria de refletir sobre dois termos “secularização” e “laicização”, palavras similares que destacaremos em duas postagens.

Nesta, quero fazer uso quase na íntegra e com algumas notas adicionais, do texto de David W. Gill [2], e, no final, insiro para nossa reflexão o vídeo "Desafios para o Jovem Cristão em uma sociedade secularizada".

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Humanismo secular é o modo de vida e de pensamento que é seguido sem referência a Deus ou à religião. A raiz latina saeculum referia-se a uma geração ou a uma era. "Secular" velo a significar "pertencente a esta era, mundana" [3]. Em termos gerais, o secularismo envolve uma afirmação das realidades imanentes deste mundo, lado a lado com uma negação ou exclusão das realidades transcendentes do outro mundo. É uma cosmovisão e um estilo de vida que se inclina para o profano mais do que para o sagrado, o natural mais do que o sobrenatural. O secularismo é uma abordagem não-religiosa da vida individual e social.

Historicamente, "secularização" referia-se primeiramente ao processo de transferir os bens da jurisdição eclesiástica para o estado ou outra autoridade não-eclesiástica. Nesse sentido institucional, "secularização ainda significa a redução da autoridade religiosa formal (e.g., na educação). A secularização institucional tem sido alimentada pelo colapso de um cristianismo unificado desde a reforma [4], por um lado, e pela racionalização [5] cada vez maior da sociedade e da cultura desde o Iluminismo até à sociedade tecnológica moderna, por outro. Alguns analistas preferem o termo “laicização” [assunto que abordaremos num outro momento] para descrever essa secularização institucional da sociedade, ou seja, a substituição do controle religioso oficial pela autoridade não-eclesiástica.

Uma segunda maneira de se entender "secularização está ligada a uma mudança nos modos de pensar e viver, para longe de Deus e em direção a este mundo. O humanismo renascentista [6], o racionalismo iluminista [7], o poder e a influência cada vez maiores da ciência, o colapso das estruturas tradicionais (e.g., da família, da igreja, da vizinhança), a teorização da sociedade e a competição oferecida pelo nacionalismo, o evolucionismo e o marxismo, todos têm contribuído para aquilo que Max Weber chamou de “desencantamento” do mundo moderno.

Embora as secularizações institucional e ideológica tenham avançado simultaneamente no decurso destes últimos séculos, o relacionamento entre as duas não é causalmente exato nem necessário. Sendo assim, até mesmo num ambiente medieval, constantiniano, formalmente religioso no seu caráter, os homens e mulheres não estavam imunes a terem sua vida, seu pensamento e sua obra moldados por considerações seculares deste mundo. Da mesma forma, numa sociedade institucionalmente secularizada (laicizada) é possível aos indivíduos e grupos viverem, pensarem e trabalharem de modos que são motivados e orientados por Deus e por considerações religiosas.

A secularização, portanto, é um fato histórico, e tem seus prós e contras. O secularismo, no entanto, como uma filosofia abrangente da vida, expressa um entusiasmo sem reservas pelo processo da secularização em todas as esferas da vida. O secularismo carrega uma falha fatal pelo seu conceito reducionista da realidade, que nega e exclui Deus e o sobrenatural numa fixação míope naquilo que é imanente e natural. Na discussão contemporânea, o secularismo e o humanismo são frequentemente vistos como uma só dupla que forma o humanismo secular – uma abordagem da vida e da sociedade que glorifica a criatura e rejeita o Criador. O secularismo, como tal, constitui-se num rival do cristianismo.

Os teólogos e filósofos cristãos têm se engalfinhado com o significado e o impacto da secularização. Friedrich Schleiermacher [8] foi o primeiro teólogo que procurou fazer uma formulação radical do cristianismo em termos dos temas humanistas e racionalistas da Renascença e do Iluminismo. Embora seus esforços tenham sido brilhantes e extremamente influentes no desenvolvimento da teologia, os seus críticos fizeram a acusação de que Schleiermacher, ao invés de salvar o cristianismo, traiu aspectos cruciais da fé ao redefinir a religião em termos de sentimentos de dependência humana.

Nenhuma discussão contemporânea do cristianismo e do secularismo pode deixar de lidar com as Cartas e Papéis da Prisão escritas por Dietrich Bonhoeffer. Primeiramente pelo fato de a obra ser fragmentária e incompleta, os conceitos de Bonhoeffer tais como o “mundanismo cristão”, o “homem que ficou maior de idade”, e a necessidade de uma “interpretação não-religiosa da terminologia bíblica” têm sido sujeitados a debates calorosos quanto ao seu significado e às suas implicações. Friedrich Gogatten (The Reality of Faith – “A Realidade da Fé” – 1959), Paul van Buren (The Secular Meaning of the Gospel – “O significado Secular do Evangelho” – 1963), Harvey Cox (A Cidade do Homem – 1965), Ronald Gregor Smith (Secular Christianity – "O Cristianismo Secular – 1966), e os teólogos da “morte de Deus" são exemplos daqueles que seguiram o único rumo possível ao reformular o cristianismo em termos de um mundo secular, Kenneth Hamilton (Life in One's Stride – "Levando a Vida – 1968) nega que esta seja a melhor maneira de interpretar Bonhoeffer, e argumenta que aquele teólogo alemão nunca vacilou na sua convicção básica e ortodoxa.

Embora as discussões entre os teólogos durante as décadas de 1950 e de 1960 tendessem a focalizar a adaptação da teologia cristã à secularização, as décadas de 1970 e de 1980 testemunharam uma nova resistência vigorosa ao secularismo em muitos ambientes. Jacques Ellul (The New Demons – "Os Novos Demônios – 1975 foi uma das muitas vozes que argumentaram que o secularismo por si só era uma forma de religião, e que era antagonista tanto do cristianismo quanto do humanismo cristão verdadeiro. Francis A. Schaeffer (How Should We Then Live? – "Como, pois, Devemos Viver? – 1976) e outros fundamentalistas e evangélicos conservadores atacaram o humanismo secular como o grande inimigo contemporâneo da fé cristã.

Da perspectiva da teologia bíblica cristã, o secularismo é culpado porque "mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a criatura, em lugar do Criador” (Rm 1.25). Tendo excluído o Deus transcendente como o absoluto e o objeto da adoração, o secularista inexoravelmente torna o mundo do homem e da natura absoluto, e objeto da adoração. Em termos bíblicos, o Deus sobrenatural criou o mundo e sustenta a sua existência. Este mundo (o saeculum) tem valor porque Deus o criou, continua a preservá-lo, e age para redimi-lo. Embora Deus seja Senhor da história e do universo, Ele não pode ser identificado com um ou outro (o panteísmo). Homens e mulheres existem em liberdade e responsabilidade diante de Deus e para o mundo. Mordomia e parceria definem o relacionamento que o homem tem com Deus e o mundo.

O caráter sacro e teocrático do Israel antigo é modificado com a vinda de Cristo. Com a obra de Cristo, a cidade e a nação são secularizadas (dessacralizadas), e a Igreja, como templo do Espirito Santo, agora é sacralizada. O relacionamento entre a Igreja e a sociedade ao redor não é definido em termos de uma missão no sentido de dessacralizar a sociedade pela imposição de um governo eclesiástico sobre ela. O relacionamento é de serviço e testemunho, de proclamação e cura, tudo com amor. Nesse sentido, pois, a secularização da sociedade é uma vocação cristã. Isto quer que a sociedade não deve ser considerada divina ou absoluta, mas uma coisa histórica e relativa. Somente Deus é sagrado e absoluto de modo final. Reestabelecer a natureza sagrada de Deus, no entanto, importará em atribuir a este mundo seu valor correto e relativo.

É claro que a distinção entre o sagrado e o secular não é um abismo que não possa ser ligado. Da mesma maneira que Deus fala e age no saeculum, os cristãos devem falar e agir de modo criador e redentor. Isto importa em não abandonar o mundo secular ao secularismo. Em todas as circunstâncias, a vida cristã no mundo secular deve ser vivida sob o senhorio de Jesus Cristo e em obediência à vontade de Deus e não à vontade do mundo. E em situações tais como as que existem nos Estador Unidos onde o povo em geral pode votar e é convidado a dar sua opinião na política, na educação pública, nos serviços sociais e assim por diante, os cristãos podem ser operantes para garantir que a Palavra de Deus seja ouvida e tenha seu devido lugar entre as muitas outras vozes que constituirão a totalidade heterogênea. Insistir que a Palavra de Deus deva ser imposta a todos sem exceção é cair de novo no autoritarismo antibíblico. Deixar de articular a Palavra de Deus no saeculum, no entanto, é ceder diante de um secularismo que, ao excluir o Criador, somente poderá levar à morte.

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Notas / Destaques:

  • [2David W. Gill: “PhD na Universidade do Sul da Califórnia. Deão e Professor Adjunto de Ética Cristã, New College Berkeley, Califórnia, EUA”. O texto Secular, Humanismo Secular, a seguir, é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, (Vide Referência bibliográfica).

  • [3Século ou geração (cf 2Co 4.4) estão relacionados à este geração mundana e a frase "deus deste mundo" (ou "deus deste século") “… indica que Satanás é a maior influência sobre os ideais, opiniões, metas, desejos e pontos de vista da maioria das pessoas. Sua influência também abrange filosofias, educação e comércio mundiais. Os pensamentos, ideias, especulações e falsas religiões do mundo estão sob o seu controle e surgiram a partir de suas mentiras e enganos…” (in: <Como Satanás é o deus deste mundo…?>. Acesso em: 24/10/2023.

  • [4Um dos pontos doutrinários por Lutero, o principal reformador protestante é o livre exma de Bíblia. Este princípio trouxe pontos positivos, mas também o risco de uma série de interpretações errôneas acerca de alguns dogmas ou doutrinas do cristianismo. O sola scriptura, por exemplo, foi e é motivo de críticas por parte da Igreja Católica aos protestantes, além da sociedade intelectual secularizada.

  • [5O pai do racionalismo é René Descartes, que com seu slogan “penso, logo existo” tentou incutir na mente das pessoas a ideia de tudo analisar pela busca da razão. A Igreja Católica chega até proibir alguns de seus livros, em especial Meditações metafísicas, por adentrar em assuntos teológicos que contrariavam os ensinamentos da Igreja. Parte de um texto que li há mais de 40 anos atrás, de Colin Brown, diz: “… Num dos seus momentos mais especulativos, o Arcebispo William Temple certa vez foi tentado a perguntar a si mesmo qual foi o momento mais desastroso na história da Europa. A resposta que lhe ocorreu foi: o dia em que Descartes se encerrou na sua estufa [quando escreveu sua principal obra ‘Discurso do método’]. Ao dizer isto, Temple não estava pensando tanto no conceito que Descartes tinha de Deus, mas, sim, na tendência à qual deu início no pensamento europeu…” (BROWN, Colin. São Paulo: Vida Nova, 1985, pág. 39/40.

  • [6] Ênfase no papel do homem como personagem central da arte, literatura, ciência etc., que o racionalismo, mais à frente, dá continuidade...

  • [7] “Embora a descrença na existência de Deus seja percebida no mundo em todas as épocas, o ateísmo se tornou mais evidente a partir do nascimento do iluminismo, movimento que contribui para a elevação da ciência e consequente enfraquecimento da religião.” (In: <Ateísmo moderno>. Acesso em:25/10/2023.

  • [8Nos campos Filosófico-Teológicos, Schleiermacher é chamado de “pai do liberalismo”. “À luz de seus pressupostos filosóficos fundamentais, bem como dos reflexos desses mesmos pressupostos sobre sua teologia, pode-se vislumbrar as bases do liberalismo que, desenvolvendo-se desde os tempos do Iluminismo, passou a representar uma forte ameaça contra a ortodoxia até os nossos dias…”.In: <O Tríplice Fundamento Filosófico da Teologia de Schleiermacher/>. Acesso em: 25/10/2023.


Fonte:

  • GILL, David. W. Secular, Humanismo Secular. São Paulo. In: In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. III. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 364 a 366 (Texto adaptado).
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Veja também o vídeo a seguir:


17 julho 2023

Breve análise teológica sobre Karl Marx

Por Luiz A. T. Sayão [1]

“… o marxismo é uma miscelânea de evolucionismo, hegelianismo com iluminismo humanista impregnado de fortes influências da cosmovisão judaico-cristã...”

 


O pensamento de Karl Marx, bem como o sistema filosófico conhecido como marxismo, tem sido amplamente discutido como uma teoria sociopolítico-econômica [2]. Parece difícil comprovar a eficácia das promessas marxistas na história, Quando executadas, seus resultados são poucos satisfatórios. Apesar disso, o marxismo tem sido visto, de modo geral, como um sistema filosófico e "cientifico". Nestas poucas linhas gostaríamos de comentar alguns aspectos religiosos e teológicos do marxismo que têm sido pouco enfatizados, mas que, talvez, possam explicar o relativo sucesso e popularidade das ideias do renomado filósofo judeu-alemão.

É quase universalmente conhecida a visão negativa que o pensamento de Marx sustenta com respeito à religião. A religião é o ópio do povo. Ela aliena o homem de si mesmo, proporcionando-lhe uma fuga de sua atitude transformadora da história. Assim, o marxismo é caracterizado como ateu e antirreligioso. O fato, porém, é que Marx, sendo judeu e tendo vivido na Europa Ocidental do século XIX, aproveitou muito de sua herança judaico-cristã para a elaboração de seu sistema filosófico. Invertendo o idealismo de Hegel [3], Marx considera a matéria como realidade única e entende o desenvolvimento da história de modo similar à visão cristã. A história caminha para um alvo final que é a remissão do homem de todas suas injustiças, mazelas desigualdades. O comunismo marxista implantará esta condição sem par. A visão é escatológica. Deus é substituído pelo homem, que se torna o personagem principal do cenário. As profecias bíblicas e aspirações de uma idade de ouro (recuperada ou não) são aproveitadas, mas somente se cumprirão mediante a ação humana e a execução dos princípios dos escritos de Marx e Engels, substitutos da Bíblia. Nessa estrutura Humanista também não falta um povo escolhido ou predestinado, que executará a brilhante tarefa: o proletariado. Este tem os mais ricos como gentios e deverão triunfar sobre eles. Há, então, um aspecto messiânico e soteriológico no pensamento marxista que, certamente, tem suas origens no pensamento judaico-cristão, tão fortemente criticado pelo mesmo.

Devido a estes aspectos, o marxismo já tem sido considerado até mesmo uma espécie de heresia do cristianismo. Enquanto as ideias de Marx parecem ignorar as necessidades transcendentais ou religiosas do ser humano, quando postas em prática seu sucesso parece depender diretamente destas mesmas necessidades! Parece sensato afirmar que o marxismo é uma miscelânea de evolucionismo, hegelianismo com iluminismo humanista impregnado de fortes influências da cosmovisão judaico-cristã. Ele tenta unir o agradável e desejável do pensamento cristão (promessas de um futuro perfeito, propósito específico para a história e para o homem) com as inovações da modernidade que procuraram suavizar ao homem as exigências do cristianismo histórico (humanismo; o homem é Deus, a ciência humana trará felicidade final ao homem etc.). Com esta estrutura, aliada às injustiças sociais e fracassos de diversos sistemas políticos, o marxismo tem encontrado grande espaço no século XX, visto que está mais bem elaborado para atingir e se comunicar com a grande parte dos homens este século que não quer Deus, mas que deseja seus benefícios. Além deste aspecto, deve ser lembrado que o marxismo permanece como um dos poucos sistemas filosóficos da atualidade que possui propósitos e promessas, visto que as filosofias europeias do século XX têm tentado focalizar o absurdo, o desespero e a falta de significado do ser humano (existencialismo). Tal fato deixa o marxismo com poucos concorrentes! Talvez seja possível entender as razões do crescimento do marxismo ateu neste século, cujo sucesso relativo ocorre devido às suas características transcendentais e religiosas, as quais ele tanto condena no cristianismo. Talvez isso aconteça por temor ao seu concorrente que já tem séculos de permanência e vida, enquanto o marxismo declina principalmente por contar com uma visão antropológica otimista, confiando na bondade e esforços humanos, enquanto os cristãos confiam no Deus criador e na redenção que há em Cristo Jesus.



Notas:

  • [1] Luiz Alberto Teixeira Sayão é um pastor batista, teólogo, linguista, tradutor bíblico e hebraísta brasileiro…. Atualmente apresenta alguns programas na Rádio Trans Mundial que são: Rota 66, A Verdadeira Espiritualidade, Conversando com Luiz Sayão e No Ponto (Wikipedia). Veja mais em: <https://luizsayao.com.br/about-us/>. O texto a seguir é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (R. B.).

  • [2] Já destacamos brevemente suas ideias (econômicas e políticas) quando falamos sobre a Revolução Russa de 1917. Veja o link: <A Revolução Russa de 1917>.


Referência bibliográfica:

  • SAYÃO, Luiz Alberto Teixeira. Karl Max. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 483 e 484.

15 julho 2023

Breve análise teológica sobre Hegel

Por Alcides Barbosa de Amorim

 

“Se Deus se revela ao homem, ele faz essencialmente ao homem como ser pensante... os animais não têm religião..."

 

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831) [1], Filósofo alemão. Filho de um funcionário público em Stuttgart. Nada na sua juventude nem na sua escolaridade indicava a grande influência que viria a ter. Quando se formou na Universidade de Tübingen, em 1793, seu certificado recomendava seu bom caráter e conhecimento razoável de teologia e filologia, bem como seu domínio inadequado de filosofia. Depois de ter sido um tutor residente de famílias aristocráticas, Hegel aceitou um professorado na Universidade de Jena, em 1801. Ali, foi influenciado por Schelling, com quem trabalhou na redação do Critical Journal of Philosophy ("Revista Critica da Filosofia"). Foi em Jena, também, que escreveu sua primeira obra importante: The Phenomenology of Spint CA Fenomenologia do Espirito"). Infelizmente, uma batalha militar em 1807 forçou a Universidade a se fechar, e Hegel passou a trabalhar por um breve período como editor de um noticiário diário. Em 1808, tornou-se diretor de uma escola em Nuremberg, onde sua filosofia continuava a florescer num ritmo natural. Em 1816, começou a ensinar filosofia na Universidade de Heidelberg. Finalmente, em 1818 tornou-se catedrático de Filosofia na Universidade de Berlim, onde ficou famoso e influente.

Hegel foi o mais influente dos idealistas alemães. Na opinião dele, apenas a mente é real: tudo o mais é a expressão da mente. A filosofia veio a ser um tipo de teologia para Hegel, porque via toda a realidade como uma expressão do Absoluto, que é Deus Tudo quanto existe é a expressão da mente divina, de modo que o real é racional e o racional é real.

Em termos de método, Hegel procurava acentuar aquilo que considerava como contradições no pensamento das pessoas, a fim de desmascarar a fraqueza das suas opiniões. Pensava que o erro é causado polo pensamento incompleto ou pela abstração. Quando ele desmascarava as "contradições", as pessoas podiam perceber que seus pensamentos eram incompletos, sendo levadas a compreender aquilo que era especifico e real. Hegel pensava na própria História como um foro onde as contradições e as insuficiências do pensamento e ação finitos são desmascaradas, permitindo que a mente infinita do Absoluto chegue a níveis superiores da expressão cultural e espiritual.

Segundo Hegel, o Estado é a realização mais sublime do homem. Embora ele enfatizasse o amor dentro da família, considerava que o Estado era uma expressão mais sublime e universal do amor familiar. O Estado produz a concretização do ideal ético; a mente da nação é o divino, "o Deus real", que em si mesma tem conhecimento e vontade. O fato de que o Estado impõe sua vontade pela força não preocupava Hegel, que considerava benéfica a guerra. A guerra evita a estagnação na história e preserva a saúde das nações. Duas nações diferentes podiam ter razão igualmente, e as duas podiam ser expressões divinas; a guerra decide qual "direito" tem que ceder lugar ao outro.

Hegel dividia a religião em quatro etapas diferentes – quatro maneiras de obter conhecimento do Absoluto. A primeira é a religião natural, ou o animismo, em que o homem adorava as árvores, os ribeiros e os animais. A segunda etapa representa Deus de forma humana, com templos edificados e estátuas honradas. Esta etapa também envolve o desenvolvimento da autoconsciência nos seres humanos. O cristianismo histórico fornece a terceira etapa. Mediante a encarnação, Deus está presente no mundo – Deus e os homens juntos. Hegel dava valor aos ensinos éticos de Jesus, especialmente os do Sermão da Montanha. Jesus não fazia distinção entre inimigos e amigos; ele rompia as desigualdades. Com Jesus, a moralidade era uma expressão espontânea da vida – uma participação da vida divina. A quarta etapa é a mais alta; é a reformulação por Hegel das crenças cristãs em conceitos da filosofia especulativa.

Segundo Hegel, a religião (como a vida da mente em geral) aparece sobretudo na forma dos pensamentos ou conceitos humanos. Sentir é a forma inferior de consciência, enquanto que o raciocínio – que distingue o homem dos animais – é a forma mais elevado. ‘Se Deus se revela ao homem, ele faz essencialmente ao homem como ser pensante... os animais não têm religião.’ O sistema de Hegel abria espaço para os aspectos eruditos e especulativos da teologia... [2]

Hegel via Deus manifestado no mundo de muitas maneiras. A própria História é estudo da providência divina. Mediante a ação divina, "contradições entre movimentos ou culturas antitéticos são repetidas vezes resolvidas numa síntese superior. Deus Se expressou plenamente na encarnação, porque aqui Sua presença não estava restrita além do mundo. Apesar disso, na encarnação Deus ficou demasiadamente ligado a um meio ambiente especifico. É necessária uma religião filosófica mais geral. Deus é amor, e, portanto, embora a negação e a oposição sejam historicamente necessárias entre as teses e antíteses, a reconciliação e a síntese são sempre essenciais. Os movimentos dialéticos da História são expressões da providência de Deus no decurso de todo o tempo.

As interpretações de Hegel variam grandemente. Muitos consideram que seu cristianismo "filosofizado" é herético, um panteísmo levemente velado. Para outros, o sistema de Hegel é uma tentativa sincera de articular a verdade cristã na linguagem filosófica. Sua influência teve amplo alcance e se estendeu para a dialética histórica de Marx por um lado, e para a preocupação de Kierkegaard com a autoconsciência e a paixão, por outro lado.


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Veja também:

Notas:

  • [1] DEVRIES P. H.: Ph.D., Universidade de Virgínia. Professor Adjunto de Filosofia, Wheaton College, Wheaton, Illinois, EUA. O texto a seguir é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, mencionado nas Referências Bibliográficas deste artigo.

  • [2] HAGGLUND, 2003: Pág. 313.


Referências bibliográficas:

  • DEVRIES, Paul Henry. Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831). In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 242 e 243.

  • HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre/RS: Concórdia, 2003.

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