Por: Alcides Amorim
Continuando nossa reflexão sobre unidades de tempo na Bíblia, no contexto da escatologia – estudo das últimas coisas –, resolvi destacar neste post, dada a profundidade do tema, apenas o conceito de dia no relato da criação.
Em Gênesis 1 encontramos: “... dia primeiro” (v. 5); “… dia segundo” (v. 8); “… dia terceiro” (v. 13); “… dia quarto” (v. 19); “… dia quinto” (v. 23); “... dia sexto” (v. 31)... A palavra hebraica para dia, em todos estes versos é “yom” (יוֹם). O sentido aqui é literal, inclusive yom aparece nos nomes de algumas festas judaicas como “Yom Kipur” (Dia do Perdão); “Yom Yerushalayim” (Dia de Jerusalém); “Yom Teruah” (Dia da Lembrança)…
Gleason L. Archer Jr. fala de três teorias acerca da palavra yom (yõm). Uma delas representa “um dia de vinte e quatro horas” e o relato de toda a criação trata-se de uma “… semana literal na qual Deus completamente restaurou do caos uma criação (registrada em Gn 1:1) que tinha sofrido uma catástrofe (possivelmente na época na qual Satanás e seus anjos foram expulsos da presença de Deus). Apoio para esta interpretação tem sido alegadamente descoberto em Is 45:18 quando se lê que Deus não criou a terra ‘em vão’ ou ‘para ser um caos’… vazia...” [1]. A terra que foi criada, não para ser vazia, “tornou-se”, “veio a ser” vazia (Hb hãyãh) [2], tornou-se um caos, depois da batalha de Satanás e seus anjos. Daí, o relato da criação tratar-se da restauração deste caos (v.1). Archer Jr. não sustenta esta teoria como sendo “verdade absoluta”, apenas a apresenta para o conhecimento do leitor. O que muitos cristãos estudiosos tentam fazer é conciliar um suposto intervalo entre o v.1 e o v. 2 (que veio a ser chamado de “Teoria do Intervalo”) com a antiguidade da terra, defendida pela “ciência”. Ou seja, o Universo (céus e terra) foi criado perfeito (v.1), talvez há bilhões de anos; num tempo indefinido, porém, houve uma rebelião de Satanás (cf. Is 14.12-14; Ez 28.12-15 e Ap 12.7-9), tornando a terra (apenas a terra, não o universo em geral) sem forma e vazia; e houve, a partir do verso 2, uma espécie de “recriação” da terra não tão antiga assim como a ciência afirma [3].
O professor Adauto Lourenço, grande defensor do Criacionismo, explica aqui, [4] de forma bem diferente do que já ouvi até hoje, este episódio da criação: o caos, a queda de Satanás etc. Quero destacar alguns pontos de sua fala:
- O que ocorre no verso 2 não é uma recriação da terra a partir do caos, mas sim uma criação em processo. Ele entende que o verbo original hãyãh, traduzido como “era”, não se aplica a “tornou-se” como alguns o fazem, afirmando que a terra tornou-se sem forma e vazia por conta da queda de Satanás.
- A expressão “… muito bom…” (v. 31), aplicada à criação de Deus não condiz em nada com uma terra perfeita e já concluída se Satanás estava nela. Ou seja, se assim fosse, haveria pecado na terra mesmo antes de o homem ter sido criado e posto no Éden.
- O primeiro dia começa no verso 2 e termina no verso 5; o jardim do Éden só começa no sexto dia, após a criação do homem (2.8).
- Considerando que o “querubim ungido” (que veio a ser Satanás) estava no “… Éden, jardim de Deus…” (Ez 28.13), portanto no mesmo lugar que estava o homem antes de ambos (o querubim e o casal Adão e Eva) pecarem, foi lá (no Éden) que o querubim, ainda antes de pecar, estava e/ou andava. Veja: “Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniquidade em ti” (Ez 28.15).
- Há uma diferença de quando “… Lúcifer, filho da alva…” (Is 14.12) pecou e recebeu a sentença de seus atos (as consequências de seu seu pecado), e de quando ele foi/será expulso do céu. Até os dias de Jó, por exemplo, ele ainda tinha acesso à terra e ao céu (Jó 1.6 e 2.1), chegou, inclusive à presença de Deus.
- Entendido que o Filho da Mulher (Ap 12) é Jesus, será Ele que expulsou ou expulsará para sempre (v. 8 ) o Inimigo. Veja mais esses nomes/adjetivos (v. 9): “grande dragão”, “antiga serpente”, “Diabo”, “Satanás”..., Ele foi/será “… precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele”. No meu entendimento (posso estar enganado), a precipitação do Diabo, o grande dragão, à terra, se dará durante a grande tribulação. E Deus dará escape a Israel por três anos e meio ou “… um tempo, e tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente” (v. 14).
Veja: “mil duzentos e sessenta dias” (Ap 12.6); “um tempo, e tempos, e metade de um tempo” (Ap 12.14) e “quarenta e dois meses” (Ap 13.5) equivalem ao mesmo espaço de tempo: “… metade de uma semana” (Dn 9.27), assunto do qual falamos um pouco aqui e pretendemos falar mais em outro momento.
- Por esta interpretação, o Diabo não foi lançado na terra entre os versos 1 e 2 de Gn 1, mas sim após a ascensão de Jesus. Ele mesmo anteviu isto antes de sua morte: “… Eu via Satanás, como raio, cair do céu” (Lc 10.18).
Veja mais em:
"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez" (Jo 1.1-3).
Notas / Referências bibliográficas:
- [1] ARCHER Jr. Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento? São Paulo: Vida Nova, 1984 (3a Ed.), pág. 94.
- [2] O verbo hãyãh traduzido em nossas bíblias como “era” pode ter este sentido de “veio a ser”, “emergiu-se de algo”, “começar a existir” etc.
- [3] Sobre a possível/suposta “Teoria do Intervalo”, ocorrida Gênesis 1.1 e 1.2, veja esta explicação a seguir, em: <https://www.gotquestions.org/Portugues/teoria-intervalo.html>. Acesso em: 1º/11/2024.
- [4] LOURENÇO, Adauto. Afinal... Gênesis Começa Com a Queda de Satanás?. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7-p-g7GSZ_I>. Acesso em: 04/11/2024.
- [5] O estudo do professor Adauto Lourenço sobre o assunto está em seu livro Gênesis 1 e 2, publicado pela Editora Fiel. Uma minúscula explicação está no vídeo a seguir: <https://www.youtube.com/watch?v=xeOlXsb0g-0>. Acesso em: 05/11/2024.
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