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07 novembro 2024

Reflexões sobre textos escatológicos (4): Dias da criação

PorAlcides Amorim

Continuando nossa reflexão sobre unidades de tempo na Bíblia, no contexto da escatologia – estudo das últimas coisas –, resolvi destacar neste post, dada a profundidade do tema, apenas o conceito de dia no relato da criação.

Em Gênesis 1 encontramos: “... dia primeiro” (v. 5); “… dia segundo” (v. 8); “… dia terceiro” (v. 13); “… dia quarto” (v. 19); “… dia quinto” (v. 23); “... dia sexto” (v. 31)... A palavra hebraica para dia, em todos estes versos é “yom” (יוֹם). O sentido aqui é literal, inclusive yom aparece nos nomes de algumas festas judaicas como “Yom Kipur” (Dia do Perdão); “Yom Yerushalayim” (Dia de Jerusalém); “Yom Teruah” (Dia da Lembrança)…

Gleason L. Archer Jr. fala de três teorias acerca da palavra yom (yõm). Uma delas representa “um dia de vinte e quatro horas” e o relato de toda a criação trata-se de uma “… semana literal na qual Deus completamente restaurou do caos uma criação (registrada em Gn 1:1) que tinha sofrido uma catástrofe (possivelmente na época na qual Satanás e seus anjos foram expulsos da presença de Deus). Apoio para esta interpretação tem sido alegadamente descoberto em Is 45:18 quando se lê que Deus não criou a terra ‘em vão’ ou para ser um caos’… vazia...” [1]. A terra que foi criada, não para ser vazia, “tornou-se”, “veio a ser” vazia (Hb hãyãh) [2], tornou-se um caos, depois da batalha de Satanás e seus anjos. Daí, o relato da criação tratar-se da restauração deste caos (v.1). Archer Jr. não sustenta esta teoria como sendo “verdade absoluta”, apenas a apresenta para o conhecimento do leitor. O que muitos cristãos estudiosos tentam fazer é conciliar um suposto intervalo entre o v.1 e o v. 2 (que veio a ser chamado de “Teoria do Intervalo”) com a antiguidade da terra, defendida pela “ciência”. Ou seja, o Universo (céus e terra) foi criado perfeito (v.1), talvez há bilhões de anos; num tempo indefinido, porém, houve uma rebelião de Satanás (cf. Is 14.12-14; Ez 28.12-15 e Ap 12.7-9), tornando a terra (apenas a terra, não o universo em geral) sem forma e vazia; e houve, a partir do verso 2, uma espécie de “recriação” da terra não tão antiga assim como a ciência afirma [3].

O professor Adauto Lourenço, grande defensor do Criacionismo, explica aqui, [4] de forma bem diferente do que já ouvi até hoje, este episódio da criação: o caos, a queda de Satanás etc. Quero destacar alguns pontos de sua fala:

  • O que ocorre no verso 2 não é uma recriação da terra a partir do caos, mas sim uma criação em processo. Ele entende que o verbo original hãyãh, traduzido como “era”, não se aplica a “tornou-se” como alguns o fazem, afirmando que a terra tornou-se sem forma e vazia por conta da queda de Satanás.

  • A expressão “… muito bom…” (v. 31), aplicada à criação de Deus não condiz em nada com uma terra perfeita e já concluída se Satanás estava nela. Ou seja, se assim fosse, haveria pecado na terra mesmo antes de o homem ter sido criado e posto no Éden.

  • O primeiro dia começa no verso 2 e termina no verso 5; o jardim do Éden só começa no sexto dia, após a criação do homem (2.8).

  • Considerando que o “querubim ungido” (que veio a ser Satanás) estava no “… Éden, jardim de Deus…” (Ez 28.13), portanto no mesmo lugar que estava o homem antes de ambos (o querubim e o casal Adão e Eva) pecarem, foi lá (no Éden) que o querubim, ainda antes de pecar, estava e/ou andava. Veja: “Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniquidade em ti” (Ez 28.15).

  • Há uma diferença de quando “… Lúcifer, filho da alva…” (Is 14.12) pecou e recebeu a sentença de seus atos (as consequências de seu seu pecado), e de quando ele foi/será expulso do céu. Até os dias de Jó, por exemplo, ele ainda tinha acesso à terra e ao céu (Jó 1.6 e 2.1), chegou, inclusive à presença de Deus.

  • Entendido que o Filho da Mulher (Ap 12) é Jesus, será Ele que expulsou ou expulsará para sempre (v. 8 ) o Inimigo. Veja mais esses nomes/adjetivos (v. 9): “grande dragão”, “antiga serpente”, “Diabo”, “Satanás”..., Ele foi/será “… precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele”. No meu entendimento (posso estar enganado), a precipitação do Diabo, o grande dragão, à terra, se dará durante a grande tribulação. E Deus dará escape a Israel por três anos e meio ou “… um tempo, e tempos, e metade de um tempo, fora da vista da serpente” (v. 14).

Veja: “mil duzentos e sessenta dias” (Ap 12.6); “um tempo, e tempos, e metade de um tempo” (Ap 12.14) e “quarenta e dois meses” (Ap 13.5) equivalem ao mesmo espaço de tempo: “… metade de uma semana” (Dn 9.27), assunto do qual falamos um pouco aqui e pretendemos falar mais em outro momento.

  • Por esta interpretação, o Diabo não foi lançado na terra entre os versos 1 e 2 de Gn 1, mas sim após a ascensão de Jesus. Ele mesmo anteviu isto antes de sua morte: “… Eu via Satanás, como raio, cair do céu” (Lc 10.18).
Bem, e os seis dias da criação foram dias de 24 horas? A resposta para esta pergunta deixo também com o professor Adauto Lourenço [5]. Ele explica que os seis dias com tardes e manhãs apontam para dias de 24 horas. Reforça este entendimento com o texto de Êxodo 20.11: “Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou.” Se Deus pediu que seu povo trabalhasse seis dias e descanse no sétimo, obviamente não seriam seis dias longos, de milhões de anos – ou um dia como mil anos, por exemplo – mas no sentido literal. Neste caso, ou eu provo que Êx 20.11 é uma exceção ou admito que trata-se de dias literais. Compare: “E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito” (Gn 2.2). Mas seis dias não são um tempo muito curto para a criação? Pensando como humano, sim, mas devemos lembrar do que a Bíblia diz: “Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, e todo o exército deles pelo espírito da sua boca… Porque falou, e foi feito; mandou, e logo apareceu” (Sl 33.6,9). Disse Deus: “Haja…” e “houve...”. Tudo foi feito pela Palavra, “o Verbo”, que estava no princípio com Deus, e sem Ele, o Verbo (JESUS) nada do que foi feito se fez (Veja Jo 1.1-3). Portanto, finalizando, os dias da criação apontam para uma idade jovem da terra, não só porque a Bíblia fala que ela é jovem mas também porque a ciência comprova.

Veja mais em:



"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez" (Jo 1.1-3).

Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] ARCHER Jr. Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento? São Paulo: Vida Nova, 1984 (3a Ed.), pág. 94.
  • [2] O verbo hãyãh traduzido em nossas bíblias como “era” pode ter este sentido de “veio a ser”, “emergiu-se de algo”, “começar a existir” etc.
  • [5] O estudo do professor Adauto Lourenço sobre o assunto está em seu livro Gênesis 1 e 2, publicado pela Editora Fiel. Uma minúscula explicação está no vídeo a seguir: <https://www.youtube.com/watch?v=xeOlXsb0g-0>. Acesso em: 05/11/2024.

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