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19 maio 2022

Formação de Portugal

 Evolução das fronteiras dos territórios na
Península Ibérica entre 914 e 12501


A formação de Portugal2, como país independente, tem origem em 1093, através das terras doadas pelo rei dom Afonso VI de Leão e Castela a D. Henrique de Borgonha.

A história de Portugal, porém, deve ser entendida desde a ocupação da Península Ibérica, que foi habitada pelos iberos, entre outros povos.

Igualmente, não podemos separar a formação de Portugal da história da Espanha.

No século VI a.C., entraram na península os celtas, procedentes da Gália – atual França. Suas tribos espalharam-se pelo território, principalmente na região do rio Tejo e deram origem a várias populações, entre as quais estavam os lusitanos.

Em 206 a.C., os romanos invadem a Península Ibérica e ali permanecem até o século V. O território foi dividido em três grandes províncias: Tarraconense, Bética e Lusitânia. Esta compreendia os atuais centro e sul de Portugal, mas também cidades que hoje estão na Espanha como Salamanca e Mérida.

Os romanos ocuparam a foz dos rios e ali instalaram seus materiais para a produção do “garo”, um tempero muito apreciado em todo Império. Mais tarde, a região sofre a mesma sorte que o Império Romano, quando este é ocupado pelas tribos germânicas.

Os “bárbaros” germanos (vândalos e suevos) chegam e dividem o território entre si. A Lusitânia é ocupada pelos suevos, que fundam um reino independente a noroeste do Tejo.

Nesse período aparece pela primeira vez a denominação "Porto Cale" (porto fiscal na entrada do rio Douro) onde hoje se encontra a cidade do Porto. Deste vocábulo se originaria o nome do país, Portugal.

Em 585 é a vez dos visigodos, aliados dos romanos e de origem germana, se fixarem na região.

Os visigodos adotaram os costumes romanos, espalham-se pelos campos, retendo para si grandes extensões de terra. Haviam se convertido ao cristianismo ariano, o que provocará inúmeras guerras de religião na Península Ibérica que só terminam quando o abandonam em 589.

No século VIII, a Península Ibérica é invadida pelos árabes que ficariam ali aproximadamente sete séculos. Importante lembrar que em alguns pontos do território, os muçulmanos ficaram menos tempo.

À exceção da região das Astúrias, núcleo de resistência cristã, o restante da península esteve sob o controle árabe.

No Reino de Leão, foragidos dos domínios muçulmanos se unem para conquistar terras. Posteriormente, por disputas internas, o reino de Leão seria desmembrado e nasceria o Reino de Castela, no século XI. Mais a leste surgiram os reinos cristãos de Aragão e Navarra.

Em 910, foi criado o Reino de Galícia, no extremo noroeste da Península Ibérica, cuja capital era Braga, atualmente em Portugal. Nesse novo reino constitui-se um condado hereditário denominado Portucalense, de onde nasceria Portugal.

O rei dom Fernando I de Leão (ou Fernando Magno) conquista cidades como Lamego, Viseu e Coimbra. Em 1065, com a morte de D. Fernando I de Leão, seu reino é dividido entre seus três filhos. Um deles, D: Afonso VI, herda o reino de Castela, e mais tarde, anexa-lhe o reino de Leão e Galícia.

As conquistas de D. Afonso VI aumentaram as lutas entre muçulmanos e cristãos. Estes tiveram que recorrer a cristãos de outras terras a fim de combatê-los. Um dos aliados foi D. Henrique de Borgonha (atualmente território francês).

Uma vez vitoriosos, D. Afonso VI casa sua filha, D.Teresa de Leão, com D: Henrique de Borgonha. Igualmente, em 1093, doa ao genro, as terras que compreendiam o antigo condado Portucalense, do rio Minho à cidade Coimbra. Este território não era independente e sim vassalo do Reino de Leão.

Com a morte de D. Henrique, o herdeiro dom Afonso Henriques tinha apenas três anos e o governo é ocupado pela viúva, dona Teresa, que tenta ser reconhecida como herdeira do reino de Castela, ao mesmo tempo que se proclama reina de Portugal.

Com o tempo, dona Teresa deixa se influenciar por nobres galegos, afastando-se dos propósitos de tornar independente o condado. No entanto, D: Afonso Henriques ganha o apoio do bispo de Braga, dom Paio Mendes e seus sucessores, que desejavam conquistar a independência de sua arquidiocese.

Em 1128, D. Afonso Henriques enfrenta a mãe e seus aliados, na Batalha de São Mamede e sai vitorioso. Mais tarde, ele se recusa a reconhecer ao rei dom Afonso VII, rei da Galícia, Leão, Castela e Toledo, como seu soberano.

D. Afonso Henriques expande seu território tomando terras aos muçulmanos. Após a Batalha de Ourique, em 1139, onde vence cinco líderes muçulmanos, Dom Afonso Henriques se proclama rei de Portugal como Afonso I.

O rei dom Afonso VII o reconhece como soberano através do Tratado de Zamora, em 1143 e o Papa Alexandre III o fará em 1179.

D. Afonso Henriques inaugura a Dinastia de Borgonha e seus sucessores encarregam-se de consolidar as fronteiras do novo país.

O último monarca da dinastia de Borgonha foi D. Fernando, que faleceu em 1381. Dois anos depois, a corte proclama D. João, o novo rei de Portugal, mestre da ordem militar de Avis, que dá início à dinastia do mesmo nome. Este episódio seria conhecido como a Revolução de Avis.

Veja também:


Notas / Referências:


10 maio 2022

O Brasil na rota do Oriente

Por DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato [1]


Ano de 1500: debruçada sobre as águas do Tejo, estendia-se a ensolarada Lisboa. Ruas estreitas e tortuosas serpenteavam em meio ao casario branco e baixo que cobria as colinas, em cujas dobras aninhavam-se igrejas e pequenas construções coladas umas às outras. Sobressaindo-se a todas elas, erguia-se o Castelo: sólido bloco de pedras a lembrar os tempos em que os mouros ameaçavam os muros da capital do Reino. Um labirinto de ruelas, becos, fontes e pequenos quintais marcava o perfil da cidade. Reformas sobrepunham telheiros na frente das casas para protegê-las da chuva. Também proliferavam balcões e sacadas. Sucessivas ampliações sobre antigos alicerces tornavam as ruas cada vez mais apertadas. 

Junto ao rio erguia-se a imponente torre do Paço da Ribeira, edifício irregular, de várias dependências subordinadas às instalações do rei, que ali passou a residir em 1503. Encontravam-se, nesse palácio, desde aposentos familiares a salas da administração do Império, como o Tribunal do Desembargo do Paço e, posteriormente, o Conselho da Fazenda e o Conselho de Estado. Quase parte do mesmo conjunto, nos armazéns do arsenal, se amontoavam armamentos de toda espécie. Comerciantes de variada proveniência cruzavam apressados o Terreiro do Paço, arena retangular na qual se fechavam os negócios e contavam-se as novidades do tempo. Nas ruas, como a da Ourivesaria da Prata, da Correaria ou a rua Nova dos Ferros, os artesãos especializados se reuniam, conforme a tradição medieval. Sob os arcos do Rossio, outra praça importante, ponto de transição entre a cidade e o campo, há muito se vendiam alimentos sobre tabuleiros. Os gritos dos vendilhões de ovos, peixe fresco, água ou pão, enchiam o ar. Mulheres, brancas e negras, saíam da Ribeira com panelões cheios de arroz-doce – introduzido na península Ibérica pelos árabes, com a denominação de “ar-ruzz com mel” – e de cuscuz marroquino, oferecendo as iguarias de porta em porta.

Um pouco mais abaixo, na praia ribeirinha, estendia-se a Ribeira das Naus, com suas oficinas e seus barcos prestes a ser lançados ao Tejo. Ao longo dela, instalavam-se os malcozinhados, pequenas tabernas fumacentas nas quais se reuniam marinheiros, prostitutas, escravos e trabalhadores braçais pobres para consumir sardinhas fritas e vinho barato. Nas águas turvas e calmas do rio desfilavam tanto embarcações transportando alimentos dos arredores, quanto barcos enfeitados, nos quais músicos embalavam a conversa dos bem-vestidos membros da Corte de d. Manuel I. No porto, tremulavam naus mercantes vindas de Gênova, Veneza, Normandia, Bristol ou de Flandres. Em terra, prontos para embarcar nas caravelas que fariam a Carreira das Índias, aglomeravam-se marujos acostumados àquele tipo de vida, além de “vadios e desobrigados” recrutados pelas ruas de outras cidades.

Quem era essa gente que mudaria o mundo? As tripulações apresentavam, desde o século XV, um leque de marinheiros de idiomas e origens diferentes. Entre os portugueses, era comum a presença de escravos negros. Quando estenderam suas campanhas ao Norte da África, os lusos procuravam quem falasse árabe ou recrutavam intérpretes capazes de se comunicar com os mouros. No imaginário da época, esses marinheiros eram vistos como “criminosos da pior espécie”, cujas penas por decapitação ou enforcamento podiam ser comutadas pelo serviço marítimo. Os testemunhos eram de que quase todos os tripulantes dos navios eram “adúlteros, malsins, alcoviteiros, ladrões, homens que acutilam e matam por dinheiro e outros de semelhante raça”. Muitas prostitutas subiam a bordo de forma clandestina, enganadas pela marujada, embarcadas por magistrados portugueses ou soldados. Quando uma dessas passageiras era encontrada, deixavam-na no porto seguinte ou a isolavam da tripulação. Os pobres embarcados dependiam da generosidade de um capelão para arranjar-lhes roupas com as quais pudessem se cobrir. Outros procuravam um capitão rico, capaz de provê-los de “vestidos e camisas bastantes” para os meses que ficavam longe da terra natal. Esses marinheiros, geralmente, portavam calções compridos e volumosos a fim de não atrapalhar os movimentos exigidos pelas manobras de navegação. Os calções eram amarrados à cintura por cordões e complementavam-se com o schaube, um sobretudo em forma de batina, sem mangas.

Pequenas – cerca de vinte metros de comprimento –, ágeis, capazes de avançar em zigue-zague contra o vento e dotadas de artilharia pesada, as caravelas eram consideradas os melhores veleiros a navegar em alto-mar. Mas, apesar de a embarcação ser boa, o cotidiano das viagens ultramarinas não era fácil. A precária higiene a bordo começava pelo espaço restrito que era utilizado pelos passageiros. Inicialmente de apenas um convés, as caravelas tendem a crescer. Em uma nau de três conveses ou pavimentos, dois eram utilizados para a carga da Coroa, dos mercadores e dos passageiros. O terceiro era ocupado em sua maior parte pelo armazenamento de água, vinho, madeira e outros objetos úteis. Nos “castelos” das embarcações encontravam-se as câmaras dos oficiais – capitão, mestre, piloto, feitor, escrivão – e dos marinheiros, armazenando-se, no mesmo local, pólvora, biscoitos, velas, panos, etc.

O banho a bordo era impossível. Além de não existir este hábito de higiene, a água potável era destinada ao consumo e ao preparo de alimentos. Nas pessoas e na comida, proliferavam todos os tipos de parasitas: piolhos, pulgas e percevejos. Confinados em cubículos, passageiros satisfaziam as necessidades fisiológicas, vomitavam ou escarravam próximos de quem comia. Por isso mesmo, costumava-se embarcar alguns litros de água-de-flor, destinada a disfarçar os odores nauseantes, além de ervas aromáticas, queimadas com a mesma finalidade. Em meio ao constante mau cheiro e associado ao balanço natural, o enjoamento era constante. A má higiene a bordo costumava contaminar os alimentos e a água embarcada. Os fluxos de ventre, para os quais não havia cura, ceifavam rapidamente indivíduos já desidratados e desnutridos.

A alimentação durante as longas viagens sempre foi um problema para a Coroa. A falta habitual de víveres em Portugal impedia que os navios fossem abastecidos com a quantidade suficiente de alimentos. O Armazém Real, encarregado do fornecimento, com certa frequência simplesmente deixava de fazê-lo. A fome crônica e a debilidade física colaboravam para a morte de uma parcela importante dos marinheiros. Em Memórias de um soldado na Índia, Francisco Rodrigues Silveira relatava, queixoso, que eram raros os “soldados que escapam das corrupções das gengivas [o temido escorbuto, doença causada pela falta de vitamina C], febres, fluxos do ventre e outra grande cópia de enfermidades...”.

Além de escassos, os alimentos muitas vezes estragavam antes mesmo de começar a viagem. Armazenados em porões úmidos, se sobreviviam ao embarque, apodreciam rapidamente ao longo da jornada. O rol dos mantimentos costumava incluir biscoitos, carne salgada, peixe seco (principalmente bacalhau salgado), banha, lentilhas, arroz, favas, cebolas, alho, sal, azeite, vinagre, mel, passas, trigo, vinho e água. Nem todos os presentes tinham acesso aos víveres, controlados rigorosamente por um despenseiro ou pelo próprio capitão. Oficiais mais graduados ficavam com os produtos que estivessem em melhores condições, muitas vezes vendendo-os numa espécie de mercado negro a outros viajantes famintos. Grumetes e marinheiros pobres eram obrigados a consumir “biscoito todo podre de baratas, e com bolor mui fedorento e fétido”, entre outros alimentos em adiantado estado de decomposição. Mel e passas eram oferecidos aos doentes da tripulação nobre. Febres altas e delírios, que costumavam atingir muitos dos tripulantes, decorriam da ingestão de carnes excessivamente salgadas e podres regadas a vinho avinagrado. Nas calmarias, quando a nau poderia ficar horas ou dias sem se mover, sob o calor tórrido dos trópicos, os marinheiros famintos ingeriam de tudo: sola de sapatos, couro dos baús, papéis, biscoitos repletos de larvas de insetos, ratos, animais mortos e mesmo carne humana. Muitos matavam a sede com a própria urina. Outros preferiam o suicídio a morrer de sede.

Na realidade, a dramática situação dos navegadores não diferia muito da enfrentada pelos camponeses em terra firme. Um trabalhador que cavasse de sol a sol, sete dias por semana, não ganhava mais do que dois tostões por dia. A quantia mal lhe permitia comprar alguns pedaços de pão. O que dizer do sustento de famílias inteiras, sem alimentos ou vestimentas? Um grande número de camponeses pobres preferia fugir da fome enfrentando os riscos do mar, mesmo conhecendo as privações a que seriam submetidos na Carreira das Índias. O sonho com o império das especiarias era um alento e uma possibilidade num quadro de miséria e desesperança.

Mas que sonho seria esse? No dia 29 de agosto de 1499 – data usualmente aceita –, depois de dois anos e dois meses de viagem, Vasco da Gama chegava a Lisboa. Voltava da expedição às Índias, em que comandara uma pequena frota composta por quatro embarcações e cerca de 150 homens. Ao longo da viagem tomara contato com o mundo muçulmano da costa oriental da África, onde hábeis mercadores controlavam inteiramente o comércio. Comércio, diga--se, de escravos capturados no interior da África e conduzidos aos portos de Sofala e Zanzibar – o Zenji-Bar, ou seja, “país dos escravos” – e de tecidos de algodão e especiarias, notadamente o gengibre e o cravo. O encontro entre o mundo europeu e o indiano deu-se, contudo, em Calicute, mercado dos produtos desejados pelos portugueses: gengibre do Dekan, canela do Ceilão, pimenta da Malásia, cravo das ilhas Molucas e todas as demais especiarias levadas por árabes para Istambul e margens do Mediterrâneo. Durante três meses, Vasco da Gama contabilizou algo em torno de 1.500 embarcações árabes nos portos da Índia. Decidiu, então, encontrar-se com o rei de Calicute, o “Senhor dos Mares”, o Samorim. No dia 28 de agosto de 1498, transportado em palanque decorado e escoltado por dois mil guerreiros, o navegador foi aclamado por músicos e homens e mulheres de pele morena, vestidos com finos e coloridos algodões. Se os portugueses não escondiam seu espanto diante dos indianos e mouros que, desordenados, os seguiam pelas ruas, os últimos estranhavam, igualmente, as barbas cerradas e vestes pesadas dos recém-chegados. O cerimonial desenrolou-se com luxo até os portugueses serem introduzidos ao Samorim: recostado a um divã de veludo verde, ele tinha o torso envolto em enormes colares de pérolas, os cabelos, os punhos e as mãos cobertas de joias. Segundo o costume do país, Gama elevou as mãos juntas ao céu e leu uma mensagem de d. Manoel I, monarca “rico de todas as coisas, mais do que qualquer rei dessas regiões”, feliz possuidor de um tesouro em metais preciosos e ouro. O português informou ainda que o rei sabia da existência de cristãos no além-mar, no fabuloso reino de Preste João, os quais os navegadores estavam encarregados de encontrar. Cordial e espetacular, a entrevista encerrou-se com um convite para que uma delegação de embaixadores o acompanhasse em seu retorno a Portugal. 

Dois dias depois, num segundo encontro, o cenário começou a mudar. Vasco da Gama teve de esperar quatro horas para ser atendido, enquanto imaginava que, muito provavelmente, o Samorim achara seus presentes medíocres. Mal sabia que as licenças de comércio que solicitara haviam sido alvo de violentas críticas por parte dos descendentes de árabes, instalados na costa do Malabar desde o século VIII, zelosos quanto ao mercado que dominavam e orgulhosos de sua fidelidade ao Corão. O Samorim, todavia, aceitou embarcar especiarias em troca de metais preciosos, coral e púrpura. Sem a assinatura de qualquer tratado comercial consistente, a data de partida foi acordada para o dia 5 de outubro, antes que soprassem os chuvosos ventos de monção. O retorno foi marcado por dificuldades decorrentes do desconhecimento que os portugueses tinham das correntes e ventos do Pacífico, além de pequenos conflitos com pesqueiros e embarcações leves. Chegaram à costa africana em janeiro de 1499, passando por Mogadíscio, Melinde, Zanzibar e erguendo em São Jorge, perto de Moçambique, um último “padrão”, monumento de pedra deixado pelos portugueses em terras que “descobriam”. Enxotada de muitos portos onde buscava água e descanso, a exausta expedição estava desfalcada. Atacada pelo escorbuto, a tripulação se reduzira a cerca de vinte homens em cada nau. A São Rafael foi destruída, “porquanto era coisa impossível navegar em três navios com tão pouca gente como éramos”, confessa um exausto Gama. Seu irmão, Paulo, veio a falecer na ilha Terceira, no caminho de volta para casa. Dos 150 marinheiros que partiram, cerca de 80 regressaram. 

Dois anos e 7.500 léguas percorridas separavam o início da expedição da data de chegada à beira do Tejo. D. Manuel ofereceu a Vasco da Gama uma recepção grandiosa. Nessa época, enfeitavam-se as janelas com colchas bordadas, panos coloridos e tapetes. Ervas aromáticas juncavam o chão das ruas enquanto hastes, tendo à ponta ardentes novelos embebidos em graxa e sebo – os faróis de fogo, como eram chamados –, clareavam o ambiente. Procissões com centenas de fiéis, candeias e velas à mão, cruzavam com aristocratas vestidos com o que tinham de melhor: espadas guarnecidas, joias, adornos de ouro e prata. Caixas de marmelada e doces de casca de cidra – o diacidrão – eram distribuídos entre os pobres. Vasco da Gama, Nicolau Coelho e alguns dos pilotos que escaparam da viagem foram regiamente premiados. O primeiro recebeu em doação os impostos da vila de Sines, até então pertencente à Ordem de Santiago, além de pensões anuais. Antecipando-se a informações indiscretas, d. Manuel apressou-se a dar notícia dos fatos ao papa Alexandre VI e aos seus vizinhos, os reis católicos – Isabel e Fernando. A intenção de colocá-los a par das notícias escondia seu interesse em acelerar os fatos. Apoiado na desculpa de que havia uma suposta população católica na Índia, que se deveria integrar à cristandade ocidental a fim de lutar contra o Islã, o monarca português ambicionava o controle do comércio de especiarias e pedras preciosas. Doravante, em vez de passar por Meca, pelo Cairo ou Alexandria, a nova rota conduziria ao cabo da Boa Esperança. Simultaneamente, o monarca pressionava o papa, através de seu embaixador em Roma, d. Jorge da Cunha, e de várias doações, para que o Vaticano permitisse a Portugal exercer o controle sobre todos os domínios marítimos, dando aos lusos o direito de descobrir novas terras. A corte papal era a incomparável encruzilhada por onde passavam as informações sobre a chegada e partida de embarcações, as rotas de viagens e transações frutuosas. Até uma nova moeda foi cunhada, preparando uma nova viagem. Seu nome? Índios. Ela deveria concorrer com o marco de prata veneziano em seu próprio terreno comercial, Calicute. 

Uma segunda expedição era preparada às pressas. D. Manuel, noivo de d. Maria, filha dos reis católicos, parecia querer apresentar Portugal ao mundo como a nova potência da cristandade ocidental. Essa expedição tanto tinha que impressionar pela quantidade de mercadorias suscetíveis de dobrar o Samorim e o mercado indiano ao comércio com Portugal, quanto mostrar-se poderosa o bastante para intimidar, até pela força das armas, os que se interpusessem a esse comércio. A meta era instalar entrepostos em Sofala, para adquirir ouro e especiarias em Calicute, além de enviar missionários, um teólogo e freis capuchinhos para catequese dos moradores locais. Depois de receber as bênçãos da Igreja, a armada, comandada por Pedro Álvares Cabral e composta de doze naus e uma caravela, zarpou com destino à Índia a 9 de março de 1500. Entre outros capitães que seguiam sob seu comando, figurava Bartolomeu Dias, que cruzara o cabo da Boa Esperança – e onde, meses depois, desapareceria num naufrágio –, e Nicolau Coelho, companheiro de Gama na sua viagem ulterior. Com 32 anos, nono filho de Fernão Cabral e d. Isabel de Gouveia, senhor de Belmonte e donatário de Azurara, o “homem que inventou o Brasil” – no dito espirituoso de Afrânio Peixoto – pertencia a uma família nobre que servira a d. Afonso V em suas cruzadas africanas e aventuras militares na península Ibérica. Era muito mais um homem de guerra, um chefe de armas, do que um navegador. A escolha de d. Manuel não fora inocente. O monarca pretendia avaliar os riscos militares de estabelecer relações comerciais e religiosas com o Oriente. O estabelecimento da Carreira das Índias exigia certa estratégia. Afinal, tratava-se do futuro do negócio das especiarias e das demais riquezas indianas. 

A armada percorreu em cinco rápidos dias o caminho até as ilhas Canárias. A essa altura, uma das naus já havia desaparecido: “comeu-a o mar”, dizia-se então. No tom que marcou tantas dessas trágicas viagens, registrou o escrivão Pero Vaz de Caminha: “Fez o capitão suas diligências para a achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais”. Segundo o mesmo cronista, a armada seguiu o “mar de longo”, ou seja, navegando direto numa grande extensão até os mares que banhavam a que seria chamada Terra de Santa Cruz. O afastamento para oeste, hoje sabemos, foi intencional, pois, desde as viagens de Diogo de Teive ao Norte da África, em cerca de 1452, sabia-se da existência de terras a noroeste dos Açores e da Madeira. Desbravava-se, então, uma região do Atlântico de difícil navegação que incluía o Mar dos Sargaços – região mítica que corresponderia a áreas não muito distantes do atual Caribe. Uma carta veneziana de 1424 representou, por sua vez, um conjunto de ilhas atlânticas, ao sul e ao norte das Canárias – Antilia, Satanases e Saya, Imana e Brazil –, que passaram a figurar em outros mapas cada vez mais a ocidente da Europa. Datada de 1474, a célebre carta de Toscanelli, endereçada ao príncipe d. João, ou a algum membro de sua futura Corte, o incentivava a buscar um caminho para as Índias em viagem transatlântica, tomando rumo ocidental e baseando-se na existência de algumas das ilhas acima mencionadas. A região, aparentemente desconhecida pelos portugueses, era, tudo indica, conhecida de marinheiros franceses, como o negociante e marinheiro Jean Cousin, provável visitante da embocadura do Amazonas em 1488, assim como dos espanhóis, Diogo de Lepe e Alonso de Hojeda, que teriam passado por trechos da costa norte brasileira antes de 1500. 

Tendo em vista a pressa de se retornar a Calicute, é de se estranhar que a frota de Cabral pudesse perder tempo “explorando” zonas desconhecidas e já chanceladas, há seis anos, pelo Tratado de Tordesilhas. Tomar posse das terras demarcadas devia fazer parte dos planos da expedição. Por que outra razão uma das treze embarcações, a conduzida por Gaspar de Lemos, teria voltado a Lisboa, anunciando a “descoberta”, quando os olhos da cristandade ocidental estavam bem abertos sobre a primeira expedição a abrir oficialmente a Carreira das Índias?

No dia 22 de abril de 1500, chegando ao sul do atual estado da Bahia, os portugueses jogaram âncora na embocadura de um pequeno rio. Depois de navegar por dez léguas ao longo da costa, fundearam numa baía a que se deu o nome de Porto Seguro. A vastidão da selva, invadindo a praia, impressionou: “as árvores são muitas e grandes”, anotava um atônito Caminha. No dia 26 de abril, uma missa celebrada pelo franciscano Henrique Soares de Coimbra marcou os festejos do Domingo de Páscoa. Em 1º de maio, uma cruz foi plantada. No ar, o som de araras, maritacas, tuins e pica-paus; era “a terra dos papagaios”, terra ruidosa que, em cor de incontáveis “prumagens”, irá figurar em vários mapas. No dia seguinte, Cabral zarpava para Calicute. O Brasil havia sido “oficialmente descoberto”.




Nota:

  • [1] Texto copiado na íntegra de: DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2010, pp., 6 a 12.


Referência bibliográfica:

  • DEL PRIORI, Mary e VENANCIO, Renato. Uma breve história do Brasil. São Paulo: Edi Editora Planeta do Brasil, 2010.

09 maio 2022

A importância da cultura para o estudo da História



O estudo a seguir é parte de minha monografia, apresentada ao professor José Mauro Gagliardi – UNIFAI, em 2000.

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Resumo

O que é cultura e qual sua relação com a História? Como um conjunto de padrões integrados de comportamento, manifestados entre os membros de uma sociedade, a cultura constitui um fenômeno de interesse e objeto de estudo por parte dos cientistas sociais. Das várias ciências que são “auxiliares” (conjugadas) da História, a Antropologia é a que dá maior contribuição para entender esse fenômeno. Por isso, historiadores sociais como os da Escola das Mentalidades, defendem uma interpretação histórica. Daí, ser a cultura um conceito antropológico e também historiográfico, uma vez que ela serve como “lente” para o entendimento da evolução humana. Os sistemas culturais – valores, crenças, religião etc – dos povos não podem ser desligados da interpretação histórica. A História, portanto, como foi proposta nesse breve trabalho, é uma ciência sociocultural que estuda o cotidiano dos indivíduos, auxiliada pelas ciências sociais...


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Acesse o trabalho completo, clicando em:

<A importância da cultura para o estudo da História>



07 maio 2022

A grande Fome de Mao: como o comunismo na China matou mais que o holocausto

Por Editora de Ideias, Gazeta do Povo [1]



A Grande Fome na China Comunista (1958-1962 [2]


A ideologia insana de Mao Tsé-tung fez com que 45 milhões de chineses morressem de fome em apenas quatro anos.

Nunca se viu nada parecido na história da humanidade. Na tentativa de implantar à força o comunismo em todos os estratos da população, o líder comunista Mao Tsé-Tung [3] colocou em ação políticas que levaram os chineses a níveis extremos de fome: registros apontam que 45 milhões de pessoas morreram entre 1958 e 1962.

Para o historiador Frank Dikotter, as mortes elevam Mao à posição de maior assassino em massa da história mundial. Dikotter teve acesso a arquivos históricos sobre o regime maoísta logo após serem abertos, em 2006. Os dados encontrados foram a base para o seu livro “A Grande Fome de Mao”, lançado em 2010.

Segundo ele, a tortura, brutalidade e o assassinato sistemático de camponeses chineses é comparável à Segunda Guerra Mundial. Pelo menos 45 milhões de pessoas morreram de fome, espancamentos ou trabalho excessivo na China entre 1958 e 1962 — o número mundial de mortes na Segunda Guerra Mundial é de 55 milhões. “Ele se classifica ao lado dos gulags e do Holocausto como um dos três maiores eventos do século 20”, diz Frank.

Em seu livro, Dikotter conta que houve um “grau impressionante de violência”, catalogado em relatórios do Bureau de Segurança Pública. Os arquivos revelam que os agricultores das comunidades rurais eram vistos pelo Partido Comunista apenas como números para compor a força de trabalho; eram pessoas completamente desumanizadas.

Para aqueles que cometiam qualquer ato de desobediência, por menor que fosse, as punições eram drásticas.

Pessoas que cometessem infrações pequenas, como furtar alguns vegetais, inclusive crianças, eram amarradas e jogadas em uma lagoa. Pais foram obrigados a enterrar seus filhos vivos ou seriam afogados em excrementos e urina, outros foram imolados, ou tiveram o nariz ou a orelha cortados. As pessoas eram forçadas a trabalhar nuas durante o inverno. Em uma aldeia, 80% das pessoas (cerca de 200 mil) foram banidas da cantina oficial porque estavam muito velhos ou doentes para trabalhar.

Uma das medidas do governo maoísta foi a instituição, em 1958, de cantinas comunitárias e proibição de cozinhas individuais nas residências. A justificativa foi que as cozinhas residenciais seriam “símbolos de egoísmo”. Para o regime maoísta, a coletivização agrícola seria um passo fundamental para a construção de uma consciência socialista na China.

A “Comuna do Povo” foi um ponto central para esse objetivo, um sistema que consolidou os agricultores em comunas com uma média de 23.000 membros. Em outubro de 1958, 99,1% dos agricultores chineses foram colocados em comunas.

“Mao acreditava que o campo poderia se erguer se fosse devidamente motivado de forma ideológica e transformado em um centro de produção agrícola e industrial. Então o campo foi reorganizado em grandes comunas populares; propriedades privadas foram apreendidas e as famílias foram separadas para serem mais produtivas. As pessoas trabalharam o tempo todo, até a exaustão”, diz o professor de Estudos Chineses da Universidade Harvard, William C. Kirby.

As já citadas cantinas comunitárias, que ofereciam refeições gratuitas para a população, foram um eixo central das comunas. Um slogan popular ordenava que os chineses “abram os estômagos, comam quanto quiserem e trabalhem duro pelo socialismo”. A cozinha das cantinas era abastecida com os alimentos cultivados pelos agricultores da comuna, que eram obrigados a entregar toda a colheita.

Sem possibilidade de administrar os próprios estoques de comida e sujeitos a uma sucessão de erros e a corrupção dos planejadores centrais do regime, os chineses rapidamente começaram a sofrer com escassez nas cantinas e se encontraram sem alternativas para alimentação.

Em uma cidade na província de Henan, mais de um milhão de pessoas (um oitavo da população) foi morta pela fome em três anos. Em outra comuna próxima, um terço da população (mais de 12 mil pessoas) morreu em nove meses. Em todo o país, oficiais do governo obrigavam agricultores a declararem safras maiores que as reais, torturando ou executando quem indicasse safras realistas.

“As pessoas morriam e a família não enterrava porque ainda podiam receber suas cotas de comida; mantinham os corpos na cama e os cobriam e os cadáveres eram comidos por ratos. As pessoas comiam cadáveres e lutavam pelos corpos. Em Gansu, eles mataram pessoas de fora. As pessoas me disseram que estranhos passavam e os matavam e comiam. E eles comiam seus próprios filhos. Era terrível”, relata Yang Jisheng, autor do livro “Tombstone”, que reconta a história da Grande Fome Chinesa.

“Eu tinha 18 anos na época e só sabia o que o Partido Comunista me dizia. Todos fomos enganados. Eu era muito vermelho, estava em uma equipe de propaganda e acreditava que a morte de meu pai era uma desgraça pessoal. Nunca pensei que fosse problema do governo”, acrescenta.

A promessa de Mao Tsé-Tung para a China era a construção de um paraíso comunista por meio da revolução, coletivização de terras agrícolas e criação de comunas gigantescas rapidamente. Em 1958, ele lançou o “Grande Salto Para Frente”: um plano ambicioso para modernizar a economia chinesa que, assim como acontece com os grandes planos socialistas, se transformou em desastre.

Execução desastrosa, combinada a uma ambição de grandeza do ditador, levaram a China para a ruína: a economia do país não se recuperou até a década de 1970, e a agricultura chinesa nunca se recuperou da destruição daquela época. Antes de Mao, a agricultura chinesa era uma das mais produtivas do mundo, mas as políticas maoístas fizeram os agricultores perderem suas terras para o estado. “Foi em suma, não apenas má política, mas uma política criminosa. Foi um crime contra a humanidade”, afirma Kirby.

O objetivo de Mao era se tornar o imperador mais poderoso da história da China, mas também ficar à frente do movimento comunista internacional — ideia que foi comprada pelo país de forma generalizada. “É um processo histórico muito complicado, porque a China acreditava no maoísmo e adotou esse caminho. Não foi um erro de uma pessoa, mas de muitas pessoas”, diz Yang Jisheng.

Segundo Yang, a fome não foi um desastre como qualquer outro, mas sim resultado de totalitarismo. A análise do autor é contrária à narrativa oficial do governo chinês, que até hoje trata a Grande Fome como um desastre natural e nega o verdadeiro número de mortes. “O problema básico está no sistema. Eles não se atrevem a admitir os problemas do sistema. Isso pode influenciar a legitimidade do Partido Comunista”, conclui.

Mas a fome não foi apenas uma consequência de um regime cruel: ela foi usada como arma para fazer as pessoas trabalharem para o Partido Comunista. E tanto opositores quanto os inaptos ao trabalho foram empurrados para a morte.

Uma pesquisa de Felix Wemheuer, professor de Estudos Modernos da China na Universidade de Colônia, na Alemanha, aponta que no período socialista a fome delineou as relações entre o Estado e a população.

A crise do final da década de 1950 foi diferente de qualquer outra fome anterior que assolou a China: foi maior em extensão, em número de mortes, e consequência direta de políticas do governo maoísta. “Foi resultado de políticas verdadeiramente bizarras destinadas a fazer com que a China ‘saltasse’ para o comunismo de uma só vez”, explica Kirby.

Um estudo do Centro de Pesquisa de Política Econômica (EUA) corrobora a afirmação de Kirby: o levantamento indica que a produção de alimentos na China em 1959 foi quase três vezes maior do que o necessário para evitar a mortalidade por fome. Segundo a pesquisa, as regiões rurais que produziram mais alimentos per capita em 1959 sofreram maior mortalidade por fome, efeito inverso que normalmente acontece durante episódios semelhantes.

Notas:

[1] Texto copiado na íntegra de: As atrocidades do comunismo que você não aprendeu na escola. In: Gazeta do Povo. E-Book, publicado em abril de 2021, pp. 71 a 77.

[2] Imagem disponível em: <https://www.institutoliberal.org.br/blog/grande-fome-na-china-comunista-1958-1962/>. Acesso em: 07/05/2022.

[3] Mao Tsé-Tung (1893 – 1976) era um estadista; filho de fazendeiro; professor na universidade de Beijing, onde toma contato com o marxismo; participou, em 1921, da fundação do Partido Comunista (PCCh), em Xangai, e criou o Exército Popular de Libertação (EPL), braço armado do partido. Em 1935, com a derrota do EPL para o Partido Nacionalista (Kuomintang) de Chiang Kai-shek, lidera a Longa Marchacontra o governo… Em outubro de 1949, Mao proclama a República Popular da China e reorganiza o país nos moldes comunistas. Em 1958 adota o Grande Salto para a Frente, plano de desenvolvimento em tempo recorde, cujo fracasso o faz ser afastado do poder pelo Partido Comunista. Em 1966 recupera o poder ao lançar a Revolução Cultural, política de doutrinação ideológica da população. Com 20 milhões de jovens, forma as Guardas Vermelhas, grupo paramilitar que desencadeia perseguições políticas em escala colossal.ao reata relações diplomáticas com os Estados Unidos (EUA) e promove o ingresso do país na ONU (Organização das Nações Unidas) em 1971. Cinco anos mais tarde, morre em Pequim (Fonte: <https://www.sohistoria.com.br/biografias/tung/ >).

06 maio 2022

Holodomor: a grande fome na Ucrânia

Por Tiago Cordeiro1

Entre 1932 e 1933, um programa desastroso de reorganização da agricultura dos estados soviéticos matou até 12 milhões de habitantes do país. Stalin sabia que a iniciativa era um fracasso gigantesco, mas não se importou.2

Holodomor3

O que acontece com um corpo humano que não recebe alimentos suficientes por muito tempo? Em termos biológicos, bastam três dias para ter início a autofagia (o organismo começa a consumir a si mesmo, primeiro em busca de gordura e depois de proteína) e dez dias para o corpo entrar num modo semelhante ao da hibernação. A temperatura do corpo, a pressão arterial e os batimentos cardíacos despencam.]Se a situação se mantiver, depois de algumas semanas, os órgãos serão reduzidos à metade de seu tamanho original. A pele perde elasticidade e a imunidade cai. A massa muscular (inclusive a cardíaca) desaparece, porque as proteínas que fazem parte de sua formação são quebradas para sustentar outras áreas, em especial o cérebro. A causa mais comum para a morte é colapso cardíaco.
Esse processo prejudica seriamente a saúde de gestantes e seus filhos. Por isso mesmo é tão difícil estimar o tamanho da tragédia que arrasou a Ucrânia entre 1932 e 1933. Alguns especialistas apontam que morreram 2 milhões de pessoas, mas há os historiadores que consideram que foram 12 milhões, quando se leva em conta as crianças que já nasceram desnutridas e com baixa imunidade e morreram depois. As estimativas mais altas levam em consideração, por exemplo, os casos de tifo, cuja incidência aumentou em mais de 20 vezes entre 1929 e 1933.
Para o governo ucraniano, morreram 3,9 milhões de pessoas de fome durante a crise e outras 6,1 milhões de crianças nos anos seguintes. À parte as dificuldades em estimar a quantidade de vítimas, o impacto demográfico foi tão grande que a população do país ficou estacionada em 30 milhões ao longo da década de 1930, antes mesmo de o país começar a fornecer homens para a Segunda Guerra Mundial.

A crise no fornecimento de alimentos marcou a história do país e ganhou um nome, Holodomor, uma expressão bem literal: em ucraniano, significa “matar de fome”. Não foi um episódio acidental: a falta de comida era resultado de uma política agrícola desastrosa conduzida por Josef Stalin. Até quando estava claro que o plano tinha dado errado, o ditador soviético se recusou a recuar. Tampouco aceitou ajuda humanitária dos países vizinhos, que observavam a situação com desespero. Até hoje se debate se Holodomor foi genocídio ou crime contra a humanidade. Mas não há nenhuma dúvida de que esse massacre poderia ter sido evitado.

Dos 60 milhões de hectares de território ucraniano, 42 milhões são adequados para o plantio. Como foi possível que um lugar assim passasse fome?

A Ucrânia é um território precioso, disputado ao longo de toda sua história. Foi um dos primeiros países anexados pela União Soviética, ainda em 1919. E isso acontece porque, entre outros motivos, seu solo é extremamente fértil. Um terço de toda a terra negra do planeta está no país. Dos 60 milhões de hectares de território ucraniano, 42 milhões são adequados para o plantio. Atualmente, o país é referência mundial na produção de grãos e um dos três maiores exportadores de milho do planeta. Como foi possível que um lugar assim passasse fome?

A culpa é da coletivização da agricultura e de uma reorganização da distribuição de alimentos em toda a União Soviética. A partir de 1930, o governo de Stalin (que havia chegado ao poder dois anos antes) iniciou um amplo programa econômico, que previa a coletivização da agricultura, incluindo a alteração dos produtos plantados por outros, e a rápida industrialização e urbanização de uma série de regiões do bloco. “O governo soviético decidiu implantar as unidades agrícolas coletivas e obrigava os proprietários de terra ucranianos a abdicar de suas propriedades. Foi um experimento horrível”, relata o embaixador da Ucrânia no Brasil, Rostyslav Tronenko. “Os fazendeiros se rebelaram. Não entendiam por que deveriam abdicar de suas terras a favor desses empreendimentos ineficazes e pouco realistas”.

Para sustentar esse plano, milhares de pessoas foram forçadas a sair do campo. E grandes fazendeiros acabaram destituídos de seus bens. Precisamente por se rebelarem, eles eram retratados pela propaganda política soviética como inimigos da Revolução, pessoas mesquinhas que escondiam comida enquanto os trabalhadores das indústrias se sacrificavam para construir um novo mundo socialista.

“No começo dos anos 1930 o regime impôs cotas de grãos exorbitantes, muitas vezes confiscando os estoques até as últimas sementes”, informa Irene Mycak, porta-voz do Holodomor Awareness Committee, de Toronto. “O território da Ucrânia foi isolado por unidades armadas para evitar que as pessoas pudessem procurar por comida em regiões vizinhas. O plano de Stalin, em 1932, era exterminar os fazendeiros ucranianos por meio da fome e, assim, quebrar o movimento nacionalista que havia iniciado nos anos 1920 e buscava devolver à Ucrânia o status de Estado independente”.

Essas alterações drásticas e mal planejadas colocaram não só a Ucrânia em crise, mas também outras áreas produtoras de cereais, em especial o Cazaquistão, que perdeu pelo menos 600 mil pessoas. A etnia local precisou de 60 anos para voltar a ser maioria em seu próprio país. Algumas partes da Rússia também foram atingidas, como a vila de Stavropol, no sudoeste da Rússia, onde morreram de fome, entre muitas outras pessoas, duas tias e um tio, além de dezenas de vizinhos, de um menino de dois anos chamado Mikhail Gorbachev.

A fome começou no próprio campo. Ali, a desorganização do plantio e da colheita fez com que muita comida se perdesse, estragada, antes de ser colhida, ou ao longo da cadeia de distribuição. Ou seja: perdeu-se alimento, num momento em que a desordem provocada pela coletivização havia reduzido a produção, de 7,2 milhões de toneladas, em 1931, para 4,3 milhões de toneladas no ano seguinte.

Para piorar o cenário, o programa soviético previa a exportação de grãos para sustentar financeiramente a construção das novas indústrias. Em resultado, enquanto trens carregados de cereais seguiam para longe da Ucrânia, ao longo do inverno de 1932 para 1933 e da primavera de 1933, pessoas caíam na rua e não levantavam mais. Crianças faleciam nos colos dos pais. Mães se prostituíam em troca de comida para os filhos. Pelo menos 2.500 pessoas foram fichadas na polícia, acusadas de cometer canibalismo. Era proibido deixar as áreas onde não havia comida. Também não se podia enterrar seus próprios mortos.

“Essa tragédia poderia ter sido evitada”, afirma Michael Ellman, professor da Universidade de Amsterdã há quatro décadas e especialista na economia da União Soviética. “Mesmo com a coletivização da agricultura, o número de mortes poderia ser menor, não fosse a aposta insistente no programa de industrialização”.

Ou seja, Moscou desmontou a base agrícola dos países-satélites mais produtivos, retirando poder dos fazendeiros experientes, na mesma medida em que forçava uma concentração de população nas cidades, onde rapidamente a falta de alimentos foi sentida. O governo soviético parecia não se importar. “As destilarias gerenciadas pelo estado dentro da Ucrânia continuaram produzindo bebidas alcóolicas para exportação, enquanto as pessoas morriam de fome”, afirma Irene Mycak.

A crise só foi superada quando o programa de reorganização passou por ajustes. Stalin também mandou toneladas de alimentos para reduzir a crise. O incidente, e o próprio termo Holodomor, só começaram a surgir a partir dos anos 1970, pelo esforço de imigrantes ucranianos vivendo no Canadá e nos Estados Unidos. Até bem perto do fim da União Soviética, em 1991, a população dos países membros do bloco comunista não sabia o que havia acontecido.

Foi só em 1987, com Mikhail Gorbachev à frente do governo soviético, que a crise acabou mencionada publicamente por um político ucraniano — no caso, Volodymyr Shcherbytskyi, primeiro secretário do Comitê Central do Partido Comunista da Ucrânia. Desde os anos 1990, o governo do país vem buscando o reconhecimento internacional para o que aconteceu.

Atualmente, 16 países caracterizam Holodomor como genocídio — afinal, matou tantas pessoas, ou mais, quantos judeus foram massacrados pela Alemanha de Adolf Hitler. Entre os países favoráveis à tese do genocídio estão Canadá, Austrália, Equador, México, Polônia, Portugal e Vaticano. “Foi genocídio. O regime comunista atacou os ucranianos, como nação”, diz Irene Mycak.

Outro grupo de países concorda com o argumento usado atualmente pelo governo da Rússia: não foi genocídio porque não visou o extermínio étnico. Cidadãos de outros países, vivendo na Ucrânia na época, também foram vitimados. Para quem concorda com essa linha de raciocínio, como os governos de Chile, Espanha e Estados Unidos, foi um ato criminoso, mas não genocídio deliberado. “Não havia a intenção de matar milhões de pessoas”, alega Michael Ellman. “Como Stalin estava em disputa contra os camponeses que se recusavam a entregar a quantidade de comida que o Estado exigia, acredito que ele até queria que essas pessoas fossem mortas, mas isso é muito diferente de organizar uma crise de fornecimento com o objetivo de matar milhões”. O Brasil nunca se manifestou formalmente sobre o assunto.

Enquanto busca reconhecimento internacional, a Ucrânia relembra as vítimas do Holodomor. Todos os anos, no quarto sábado de novembro, celebrações públicas, silenciosas, com velas e feixes de trigo, são realizadas em todo o país. Um minuto de silêncio é respeitado às 16h e não se realizam shows ou apresentações de rua neste dia. É uma data de luto pelos milhões de vidas perdidas para a fome provocada por uma política de estado desastrosa.


Notas:

1 “Tiago Cordeiro é jornalista pós-graduado em Literatura Brasileira. Nascido em Curitiba, foi repórter das revistas Época e Veja, e editor da Aventuras na História. É autor de ‘A Grande Aventuras dos Jesuítas no Brasi’ e ‘Os Primeiros Brasileiros’. Foi indicado ao Prêmio Esso de Criação Gráfica e ganhou medalha de prata no Prêmio Malofiej. Colabora com a Gazeta do Povo desde 2016”. In: <https://www.gazetadopovo.com.br/autor/tiago-cordeiro/>. Acesso em: 06/05/2022.

2 Texto copiado na íntegra e extraído de: As atrocidades do comunismo que você não apendeu na escola. Capítulo 3. Ebook publicado por Gazeta do Povo, pp. 24 a 33.

3 Imagem disponível em: <https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/ 37106/holodomor-holodomor-a-historia-que-nao-e-ensinada-nas-escolas>. Acesso em 06/05/2022.


Archimínia de Meirelles Barreto: seu exemplo e legado na história do protestantismo brasileiro

Por Alcides Barbosa de Amorim

Entre as Vozes Femininas no Início do Protestantismo Brasileiro, título do livro da Professora Rute Salviano Almeida (Anexo), quero destacar a pessoa e o trabalho de Archimínia de Meirelles Barreto, uma brasileira que muito cooperou para a história e defesa do Cristianismo Protestante em seu/nosso país.

Archimínia

Acesse o Artigo em PDF, através do link abaixo:

Archimínia de Meirelles Barreto

21 abril 2022

Colonização e Independência dos E. U. A. (Resumo)


Declaração da Independência, por John Trumbull, 1817–1818.



A colonização da América do Norte ocorreu durante o século XVII, por diversos grupos de ingleses que emigraram para lá por alguns motivos: perseguição religiosa aos puritanos (protestantes ingleses); ideias contrárias ao absolutismo inglês; desemprego nos campos etc.

As datas e os principais eventos são:

  • 1607 – fundação de Jamestown:
Início da colonização inglesa, organizada pela Companhia de Londres. Jamestown foi o núcleo da primeira colônia inglesa, denominada Virgínia; nesta região, foi introduzido o cultivo de tabaco e algodão em grandes propriedades rurais, por meio da exploração do trabalho de escravos africanos e com a produção voltada para exportação.

  • 1620 – chegada do Mayflower:

Navio que trouxe puritanos ingleses que fundaram a colônia de Massachusetts, núcleo inicial do que seria a Nova Inglaterra – grupo de colônias cuja ocupação foi baseada em:

- atividades de agropecuária e manufatura variadas;

- na pequena propriedade familiar e

- no trabalho livre com a produção voltada para o mercado interno.

  • 1756-1763 - Guerra dos Sete Anos:

Conflito militar entre França e seus aliados (Rússia, Áustria, Suécia e Saxônia) e a Inglaterra, aliada à Prússia. Apesar de vitoriosa, a Inglaterra sai da guerra muito endividada e decidida a impor novos impostos aos colonos ingleses.
  • 1764 - Lei do Açúcar:
Imposto adicional sobre o açúcar importado das colônias inglesas no Caribe. O melaço, produzido com o açúcar, era transformado em rum pelos comerciantes da Nova Inglaterra e trocado por escravos na costa da África. Esta atividade ficou conhecida como comércio triangular, e a nova taxa prejudicava os interesses dos colonos, pois aumentava seus custos.
  • 1765 – Lei do Selo:
Determinava que todos os jornais, livros e documentos publicados nas colônias deveriam pagar uma taxa, o que implicava mais despesas para os colonos. Foi revogada em 1766.
  • 1767 – Atos Townsend:
Leis que criavam novas taxas de importações para os colonos sobre produtos como vidro, papel e corantes, o que implicava mais despesas para eles.
  • 1773 – Lei do Chá:
Concedia à Companhia das Índias Orientais o monopólio da venda do produto nas colônias, o que prejudicava os comerciantes locais de chá.
  • 1773 – Festa do Chá de Boston:
Colonos reagiram à Lei do Chá, jogando no mar o carregamento de três navios da Companhia das Índias Orientais.
  • 1774 – Leis Intoleráveis:
Nome dado pelos colonos às leis impostas pelo governo inglês como punição à Festa do Chá; fechamento do Porto de Boston, indenização à Companhia das Índias Orientais e perda da autonomia administrativa da colônia de Massachusetts.
  • 1776 – Declaração de Independência dos Estados Unidos da América:
Documento inspirado nas ideais Iluminismo, declarava a independência das colônias inglesas da América do Norte.
  • 1776-1781 – Guerra de Independência:
Conflito militar entre os colonos, liderados por George Washington, e as tropas inglesas, com vitória dos colonos.
  • 1783 – Tratado de Paris:
Reconhecimento da independência dos Estados Unidos pela Inglaterra.
  • 1787 – Constituição dos Estados Unidos da América:
Documento que estabeleceu as regras para o funcionamento do novo país: república federativa presidencialista, com poderes da União divididos em Executivo, Legislativo e Judiciário. Foi adotado o voto censitário (baseado na renda dos eleitores) e mantida a escravidão para os negros.

 

As Treze Colônias

Documentos contemporâneos geralmente listam as 13 Colônias Norte-Americana do Reino da Grã-Bretanha em ordem geográfica, do Norte ao Sul:

  • As Colônias do Norte ou Nova Inglaterra:
- Província de New Hampshire mais tarde o estado de New Hampshire;
- Província da Baía de Massachusetts mais tarde os estados de Massachusetts e Maine;
- Colônia de Rhode Island mais tarde o estado de Rhode Island;
- Colônia de Connecticut mais tarde o estado de Connecticut;

  • As Colônias Centrais:

- Província de Nova Iorque, mais tarde os estados de Nova Iorque e Vermont; 
- Província de Nova Jérsei mais tarde o estado de Nova Jérsei; 
- Província de Pensilvânia mais tarde o estado de Pensilvânia; 
- Colônia de Delaware mais tarde o estado de Delaware.
  • As Colônias do Sul:

- Província de Maryland mais tarde o estado de Maryland

- Colônia e Domínio da Virgínia mais tarde os estados de Virgínia, Kentucky e Virgínia do Oeste

- Província da Carolina do Norte mais tarde os estados de Carolina do Norte e Tennessee

- Província da Carolina do Sul mais tarde o estado de Carolina do Sul

- Província da Geórgia mais tarde o estado de Geórgia.

Veja o mapa:

In: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Treze_Col%C3%B4nias>.

Veja o artigo específico sobre a Independência dos Estados Unidos em: <https://www.sohistoria.com.br/ef2/independenciaeua/>.

Campo 14 – bebês mortos a pauladas, fome e execuções: a vida em um campo de concentração norte-coreano

P or J ones R ossi  [ 1 ] Uma aula no Campo 14   Os  professores do Campo 14 eram guardas uniformizados:  tratados por Shin no desenho acima...