Translate

Mostrando postagens classificadas por data para a consulta Anticristo. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por data para a consulta Anticristo. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens

24 outubro 2024

Reflexões sobre textos escatológicos (3): tempo e tempos – Hora

Por: Alcides Amorim


Jesus respondeu: Não há doze horas no dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo” (Jo 11.9) [1].

Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última hora”  (1Jo 2.18).


No intuito de estudar textos bíblicos que tratam de escatologia – estudo das últimas coisas –, achei por bem ver um pouco sobre unidades de tempo (hora, dia, mês, ano etc.), desta feita iniciando pela palavra HORA. Isto é, os vários sentidos da palavra e, especialmente, a hora, no sentido escatológico.

Destaco abaixo, primeiramente a palavra hora como tempo definido (preciso) entendida nos tempos bíblicos no sentido hebraico e romano. Em seguida, a mesma palavra com o sentido escatológico.

1. Hora como divisão de tempo

Em seu sentido mais preciso, uma hora é um doze-avo (1/12) do período em que o sol aparece. Na referência acima, João 11.9, Jesus fala de um dia com luz de 12 horas, computadas do nascer até o pôr do sol. A noite, no entanto, era composta de três vigílias (judaicas) ou quatro vigílias (romanas), computadas desde o pôr do sol até o nascer do mesmo. “Visto que o nascer e o pôr do sol variavam conforme o período do ano, as horas bíblicas não podem ser traduzidas exatamente conforme as modernas horas cronométricas; e, seja como for, a ausência de cronômetros exatos significa que o tempo do dia era indicado em termos mais gerais do que entre nós”[2]. Os romanos computavam seu dia civil como período que se iniciava à meia-noite, enquanto que os judeus reputavam-no como tendo início ao pôr do sol. Considerando os dois modelos de contagem [3], temos:

a) Dia claro das 6 às 18 horas:

  • Primeira hora = 6 a 7 da manhã;
  • Segunda hora = 7 a 8 da manhã;
  • Terceira hora = 8 a 9 da manhã;
  • Quarta hora = 9 a 10 da manhã;
  • Quinta hora = 10 a 11 da manhã;
  • Sexta hora = 11 a 12 Meio dia;
  • Sétima hora = 12 (meio dia) a 1 da tarde;
  • Oitava hora = 1 a 2 da tarde;
  • Nona hora = 2 a 3 da tarde;
  • Décima hora = 3 a 4 da tarde;
  • Décima primeira hora = 4 a 5 da tarde;
  • Décima segunda hora = 5 a 6 da tarde, ou 18 horas.


a) Dia escuro (noite) das 18 ou 6 da tarde, às 6 horas (manhã do outro dia):

Em Mateus 14.25 encontramos: “Mas, à quarta vigília da noite, dirigiu-se Jesus para eles, andando por cima do mar”.

Segundo Russell Champlin: “… os romanos dividiam a noite em quatro vigílias, de três horas cada uma, costume esse que evidentemente foi adotado pelos judeus desde os tempos de Pompeu, e que se reflete nas Escrituras do N.T. Essas vigílias começavam, respectivamente, às 18:00 horas, às 21:00 horas, às 24:00 horas e às 3:00 horas” [4]. Considerando o critério romano, portanto, como sendo a noite dividida em quatro vigílias, temos:

  • Primeira vigília = das 18 às 21 horas;
  • Segunda vigília = das 21 às 24 horas;
  • Terceira vigília = das 24 (0 hora) às 3 horas;
  • Quarta vigília = das 3 às 6 horas.

Então, podemos dizer que Jesus dirigiu-se para seus discípulos, andando por cima do mar, à noite, entre três e seis horas da manhã. E para exemplificar também o dia segundo o critério romano, citando o texto de Mateus 20.1-10, encontramos ali a parábola dos obreiros da vinha ou parábola dos trabalhadores. Considerando apenas o sentido literal da parábola temos os termos: “madrugada” (v. 1), equivalente a algum momento antes das seis horas; “hora terceira” (v. 3), equivalente às nove horas; “hora sexta e nona” (v. 5), equivalentes, respectivamente, às doze e quinze horas; e, finalmente, “hora undécima” (v. 6), equivalente às dezessete horas.

Neste e em outros exemplos, podemos perceber a palavra hora com o sentido de o momento (a hora) de algum acontecimento. Outros exemplos: “… Pai, salva-me desta hora…” (Jo 12.27); “… Simão, dormes? não podes vigiar uma hora?” (Mc 14.37); “E Pedro e João subiam juntos ao templo à hora da oração, a nona” (At 3.1); “… E naquela mesma hora o seu criado sarou” (Mt 8.13) etc.


2. Hora no sentido profético/escatológico 

Nas Escrituras vemos também a palavra hora com o sentido profético, ou seja, de algum acontecimento a ser revelado no futuro. Sobre isto, queria destacar alguns versículos e buscar entender seus significados escatológicos.

a) Hora da volta de Jesus:

Sobre a hora da vinda de Jesus, encontramo-na em várias passagens dos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) e também em João. Exemplo: “Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor(Mt 24.42); “… daquele dia e hora ninguém sabe...”(Mc 13.32); “… porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais…(Lc 12.4). Também relacionada à ressurreição dos mortos encontramos em João: “… vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz…” (Jo 5.28).

b) Hora da recompensa dos que servem a Jesus:

As várias etapas (da chamada de trabalhadores para a vinha do “Pai de família”) de Mateus 20, se assemelham ao “reino dos céus”, disse Jesus. Isto significa que há trabalhadores que trabalham mais tempo no Reino, outros menos e outros, ainda, muito menos. Mas todos receberão os seus galardões do “Dono da vinha”, tantos os que foram chamados de “madrugada” (v. 1), quantos os que foram chamados na “hora terceira” (v. 3), “hora sexta e nona” (v. 5) e ainda na “hora undécima” (v. 6), todos serão recompensados. Observe que “horas”, descritas na parábola, tem o sentido literal (tempo de trabalho) e pagamento pelo mesmo, e também profético, podendo referir-se, no sentido espiritual, aos servos de Deus que serão recompensados pela sua atividade no Reino de Deus, o Senhor da Vinha. Portanto, para Deus, uns servem desde criança, outros começam à meia idade e, outros ainda, na velhice ou final da vida. Mas todos são alcançados pela graça de Deus. “Assim é a graça de Deus. A sua graça se adapta à necessidade, juntamente com o seu desígnio de transformar o trabalhador, mas não de acordo com os méritos do mesmo. Não obstante, Deus não ignora totalmente o mérito, porque a recompensa dos galardões será distribuída segundo o trabalho feito… O ‘dono’ não fizera qualquer promessa a estes últimos trabalhadores, nem mesmo um salário segundo fosse ‘justo’. Não obstante, receberam o galardão da promessa feito àqueles que haviam trabalhado longa e arduamente... Ficamos certos, por ensinos como estes, que o Todo-poderoso usa de benevolência, o que basta para dar à existência humana uma grande significação...” [5].

Quando (a que hora?) será a recompensa dos galardões? Será após a volta de Jesus: “E, eis que cedo venho, e o meu galardão está comigo, para dar a cada um segundo a sua obra” (Ap 22.12).

c) Última hora e hora da tentação

Quero destacar aqui três referências que falam da palavra hora no sentido de fim dos tempos e de juízo:

  • Porque já é tempo [hora] que comece o julgamento pela casa de Deus; e, se primeiro começa por nós, qual será o fim daqueles que são desobedientes ao evangelho de Deus?” (1Pe 4.17). A expressão kairós” (o kairos tou) é traduzida na versão que estou usando (ACF), por tempo (o tempo é chegado) e em outras versões (como a NVI), por “hora” (é chegada a hora). Kairós (do qual falaremos em outro momento) tem o sentido de tempo certo ou oportuno. Percebe-se pelo texto que hora ou tempo ali expresso ou ainda não chegou apesar da expressão “já é tempo/hora”, ou o final desta hora (julgamento) ainda também não chegou. Mas o certo é que o julgamento começa pelo povo de Deus. Não era ainda o fim… [e] se o julgamento é tão rigoroso para o povo de Deus, sua severidade para os incrédulos é indescritível (17b, 18; cfr. Luc .23.31). Mas o cristão tem um segredo que o incrédulo não tem. Pode entregar-se às mãos de Deus em inteira confiança, ciente de que Ele não pode falhar” [6].

  • Filhinhos, é já a última hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, também agora muitos se têm feito anticristos, por onde conhecemos que é já a última hora(1Jo 2.18). Alguns termos são importantes ser destacados neste verso: “última hora”, “anticristo” e “anticristos” (no plural). Primeiramente, a “última hora” já chegou? João diz que sim, mas ainda não terminou. Como sabemos disto? Porque Jesus ainda não voltou! Muitos “anticristos” se referem aos inimigos de Cristo, que representa um grupo (ou parte da sociedade) com índole anticristã, isto é, que vive contrária à vontade e modo de pensar de Cristo. Como eu disse aqui “… João reconhece que era esperado um único anticristo, [mas nesta sua Carta] ele dirige a sua atenção aos muitos anticristos que já apareceram negando que Jesus é o Cristo, contrariando, assim, a verdadeira natureza do Pai e do Filho... Os docetistas contemporâneos [de João] não davam crédito à humanidade de Cristo (2Jo 7), alegando que Ele parecia ter a forma humana. Para João, eles eram a concretização do espírito do anticristo”. Anticristo, neste caso, é alguém que “… assalta a Cristo propondo-se fazer ou preservar o que Ele fez, ao passo que O nega” (Westcott) [7]. Mas, há também o anticristo, um personagem maligno especial que recebe vários nomes da Bíblia, como "filho da perdição" (2 Ts 2.3; cf. Jo 17.12); “o iníquo" (2 Ts 2.8); a “besta” (Ap 13) e outros.

  • Como guardaste a palavra da minha paciência, também eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra” (Ap 3.10). Esta palavra de promessa dita por Jesus a respeito da Igreja de Filadélfia, é muitas vezes interpretada pelos dispensacionalistas/pré-tribulacionistas como um livramento dos cristãos fiéis da Grande Tribulação que virá ao mundo. A Igreja de Filadélfia, que representa o último estágio da Igreja Cristã, segundo a interpretação dispensacionalista, é também um exemplo dos cristãos fiéis que serão arrebatados da terra antes deste momento. Este é um assunto que merece um artigo à parte. Por ora, pensando na hora a que se refere o texto, quero apenas dizer que embora se trate de um momento de um determinado acontecimento, a hora, no sentido expresso aqui ainda não chegou. Chegará de forma singular com muita provação para o mundo. Paulo fala deste momento como sendo “… a ira futura” (1Ts 1.10). A ira de Deus virá, mas o povo de Deus será livrado da (ou na?) mesma. Bem, livrado através do Arrebatamento? Veremos sobre isto em outro momento…

Concluindo, até aqui, tentei destacar neste artigo, a palavra hora em dois sentidos: como um momento mais preciso, uma divisão ou parte do dia de doze horas (dia claro) ou parte de uma vigília (dia escuro/noite). Mas também no sentido profético, futurístico, que aponta para a última hora ou a hora em que virão: a grande tribulação; o surgimento de muitos anticristos – além dos que já existiram ou existem – e o Anticristo (principal); a volta do Senhor; a ressurreição dos mortos; o fim do mundo…

Veja também o vídeo de André Sanchez a seguir, sobre a primeira parte do assunto, “como as horas eram contadas na Bíblia”.


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] As referências bíblicas utilizadas em todo o artigo são da versão A.C.F. - Almeida Corrigida Fiel. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/acf>.
  • [2] BRUCE, Frederick Fyvie. Hora. Apud: SHEDD, R. P. (Editor). O Novo Dicionário da Bíblia, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1979 (3ª ed.), pág. 723.
  • [3] Veja também o cronograma feito por Jesse de Barros, aqui.

  • [4] CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por versículo. São Paulo: Hagnos. 2002, Vol. I, pág. 425 (comentário sobre Mt 14.25).

  • [5] CHAMPLIN (Nota 4): Comentário de Mateus 20.9, pág. 498. 
  • [6] MCNAB, Andrew. In: SHEDD, Russel P. (Editor). O Novo Comentário da Bíblia, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1963 (1ª ed.). Comentário sobre IPe 4.17. 
  • [7] In: SHEDD (Nota 7). Comentário sobre 1João 2.18.

31 julho 2023

Breve análise teológica sobre o Anticristo

Por Alcides Barbosa de Amorim


Os futuristas [posição atual da maioria dos evangélicos conservadores]creem que o anticristo introduzirá um período de grande tribulação no fim da história mundial, em conexão com um império poderoso tal qual uma Roma rediviva, e que dominará a política, a religião e o comércio até à vinda de Cristo(HUBBARD). Op. Cit.) [1]

A pregação do Anticristo [2]


Embora o termo "anticristo" ocorra somente nas cartas joaninas, o conceito de um arqui-oponente de Deus e de Seu Messias acha-se nos dois testamentos e nos escritos intertestamentários. A oposição é refletida em anti, que aqui provavelmente significa "contra", e não "em lugar de" embora as duas ideias possam estar presentes: apresentando-se como o Cristo, o anticristo se opõe a Ele.

1. Pano de Fundo Veterotestamentário

Pelo fato de que Cristo ainda não tinha sido plenamente revelado, o AT não oferece nenhum retrato completo do anticristo, mas fornece material para o quadro, nas descrições da oposição a Deus, pessoal ou nacional.

Belial. Certos indivíduos, infames pela sua maldade, são chamados "filhos de [ou homens de] Belial (beliya'al, provavelmente "sem valor", "inútil"), Idolatria (Dt 13.13), sodomia e estupro (Jz 19.22; 20.13), embriaguez (1 Sm 1.16), desconsideração a Deus (1 Sm 2.12), sacrilégio (1 Sm 2.17, 22), desrespeito à autoridade (1 Sm 10.27; 2 Cr 13.7), falta de hospitalidade (1 Sm 25.17, 25), perjúrio (1 Rs 2.10, 13) e maledicência (Pv 6.12: 1627) estão incluídos entre os pecados destes "homens vadios" (2 Cr 13.7), que são evitados pelos bons (SI 101.3).

Inimigos Estrangeiros. A oposição ao reino de Deus é oposição a Ele. A vã conspiração das nações contra o rei ungido por Deus, no Sl 2, pode ser uma prefiguração da ideia do anticristo. De modo semelhante, os cânticos de zombaria contra os soberanos da Babilônia (Is 14) e de Tiro (Ez 28) descrevem de modo vivo a queda calamitosa de monarcas que exercem as prerrogativas divinas. A derrota de Gogue (Ez 39.1-20; Ap 20.7-10) parece ser o clímax da luta infrutífera das nações, no sentido de frustrarem os propósitos de Deus ao atingirem o Seu povo.

O Chifre Pequeno. Esta rebelião é simbolizada pelo chifre pequeno, no livro de Daniel. O capitulo 7, o mais escatológico, parece retratar a derrota do último inimigo de Deus, ao passo que o capitulo 8 descreve Antíoco Epifânio (175-163 a. C.), o soberano estrangeiro mais odiado pelos judeus por causa da sua iniquidade pessoal e da sua perseguição implacável à religião deles.

O retrato deste "rei do norte" (Dn 11), a personificação do mal, tem ajudado de modo significante a formar a figura neotestamentária do anticristo:

  • (1) ele aboliu o holocausto contínuo e estabeleceu no templo a abominação desoladora (Dn 11.31; Mt 24.15; Mc 13.14; Ap 13.14-15);

  • (2) exaltou-se à posição de divindade (Dn 11.36-39; 2 Ts 2.3-4);

  • (3) sua morte irremediavelmente certa prevê a morte do "homem da iniquidade" às mãos de Cristo (Dn 11.45; 2 Ts 2.8; Ap 19.20).

Sejam quais forem os antecedentes dos animais em Daniel (W. Bousset: Antichrist Legend – "Lenda do Anticristo", sustenta que a batalha entre o anticristo e Deus tem sua origem na lenda babilônica da luta entre Marduque e Tiamate), claramente são nações que se opõem a Deus e ao Seu povo. A besta que sobe do mar em Ap 13.1 relembra Dn 7.3,7 e reforça o elo entre a profecia de Daniel e a descrição do anticristo no NT.

2. Desenvolvimento Intertestamentário

Duas ênfases aparecem nos apócrifos e nos pseudepígrafos:

  • (1) Roma toma o lugar da Síria como inimiga nacional, e Pompeu substitui Antíoco IV como epítome da oposição a Deus;
  • (2) Belial (Beliar) é personificado como espírito satânico.

O "iníquo" (2 Ts 2.8) tem sido ligado a Beliar, que a tradição rabínica interpretava como "sem jugo" (beliol), ou seja, aquele que recusa o jugo da lei. Esta associação parece ser reforçada pela tradução feita na LXX de belial por paranomos, "violador da lei" (Dt 13.13 etc.). Apesar disso, embora a descrição de Paulo possa refletir parcialmente a tradição de Beliar, ele faz uma distinção entre Beliar e o iníquo: Beliar é um sinônimo de Satanás (2 Co 6.15), ao passo que há diferenciação entre Satanás e o iníquo (2 Ts 2.9).

3. Desenvolvimento Neotestamentário

Os Evangelhos. As referências ao oponente de Cristo não são numerosas nem especificas. Os discípulos são advertidos de que falsos Cristos procurarão enganar até mesmo os próprios eleitos (Mt 24.24; Mc 13.22). De modo semelhante, Cristo fala daquele que vem no seu próprio nome, a quem os judeus recebem (Jo 5.43). Esta pode ser uma referência sutil ao anticristo ou a quaisquer falsos Messias que se apresentassem ao judaísmo. Até mesmo a menção do abominável da desolação (Mt 24.15; Mc 13.14), que relembra vividamente a profecia de Daniel, é feita com notável reserva. Talvez uma única personalidade esteja em vista, mas seu retrato nem sequer é esboçado.

2 Tessalonicenses. Paulo oferece um quadro mais claro do arqui-inimigo de Cristo, cuja característica mais destacada é o desprezo à lei. Dois homens – "o homem da iniquidade" (preferível a "homem do pecado") e "o iníquo" (2 Ts 2.3, 8-9) – ressaltam esta atitude de anarquia, que relembra Dn 7.25, onde o chifre pequeno procura mudar os tempos e a lei, Além disso, o anticristo faz uma reivindicação exclusiva à divindade (2 Ts 24) em termos que relembram Dn 7.25; 11.36. Paulo não retrata um pseudo-Messias que finge ser o mensageiro de Deus, mas um falso Deus que se opõe de modo malévolo a qualquer outro tipo de religião. Seu modelo pode ter sido o imperador blasfemo, Gaio 037-41 d.C.).

Ele engana a muitos com os seus sinais (2 Ts 2.9-10). Cristo operava milagres pelo poder de Deus, e os judeus os atribuíam a Satanás (Mt 12.24ss.); o anticristo operará milagres pelo poder satânico, e muitos o adorarão como Deus. Um dos nomes do anticristo – "filho da perdição" (2 Ts 2.3; cf. Jo 17.12) – revela o seu destino: Cristo o matará com o sopro da Sua boca e com o brilho da Sua vinda (2 Ts 2,8; Ap 19.15, 20; cf. Is 11.4).

O anticristo é o clímax pessoal de um principio de rebeldia que já está operando secretamente "o mistério da iniquidade" (2 Ts 2.7). Quando for retirada a mão refreadora de Deus, que preserva a lei e a ordem, este espírito de iniquidade satânica será encarnado no "iníquo".

As Cartas Joaninas. Embora João reconhecesse que era esperado um único anticristo, ele dirige a sua atenção aos muitos anticristos que já apareceram negando que Jesus é o Cristo, contrariando, assim, a verdadeira natureza do Pai e do Filho (1 João 2.8, 22:43). Os docetistas contemporâneos não davam crédito à humanidade de Cristo (2 Jo 7), alegando que Ele parecia ter a forma humana. Para João, eles eram a concretização do espírito do anticristo. O modo de ver deles ensinava que o homem era divino à parte de Deus em Cristo, e assim deixaram Deus e o mundo sem união entre si.

Ao invés de contrariar, a explicação de João complementa a de Paulo. Seguindo o exemplo de Daniel, Paulo retrata um único arqui-inimigo, que reivindica o direito exclusivo de receber adoração pessoal. João ressalta os elementos espirituais nestas reivindicações e a mentira espiritual que torna o anticristo aparentemente forte.

O Apocalipse. A besta do Apocalipse (Ap 13), que, quanto ao espírito e aos pormenores, depende de Daniel, combina em si as características de todas as quatro bestas do AT. Além disso, a besta no NT tem uma autoridade que pertence somente ao chifre pequeno da besta de Daniel. Parece que João dá a subentender que a impiedade selvagem da Antíoco será incorporada num reino; a besta, embora tenha algumas características pessoais, é mais do que uma pessoa; suas sete cabeças são sete reis (Ap 17.10-12). A própria besta é um oitavo rei, que vem de um dentre os sete. Este quadro complicado sugere que a besta simboliza o poder mundano, o espirito contrário a Deus, de uma ambição nacionalista (personificada, na profecia de Daniel, em Antíoco, e, nos dias de João, em Roma) que se encarnará num só grande demagogo – o anticristo.

À explicação de Paulo, João acrescenta pelo menos um elemento importante – o falso profeta, uma segunda besta que opera sob a autoridade do anticristo, assim como este obtém a autoridade dele do dragão, Satanás (Ap 13.2, 11-12). Depois de dirigir os empreendimentos políticos e religiosos do anticristo, o falso profeta compartilha da condenação deste na ocasião da vinda de Cristo (Ap 19.20).

4. Interpretação Cristã

Os pais da igreja geralmente acreditavam na existência de um anticristo pessoal. Sua identidade dependia de se o "mistério da iniquidade" era interpretado de modo politico ou religioso. Politicamente, o candidato mais provável era Nero, que, segundo dizia a lenda, reaparecia na forma ressurreta (redivivus) para continuar seu reinado terrível. Esta interpretação, proposta por Crisóstomo e outros, obteve uma posição de destaque neste século, através dos intérpretes preteristas do Apocalipse tais como R. H. Charles e C. A, Scott. Irineu e outros, que afirmavam que o anticristo surgiria de um contexto religioso, fizeram-no remontar à tribo de Dã, com base em Gn 49.17:0 33.22; Jr 8.16 (cf. a omissão de Dã em Ap 7.5ss.).

Os reformadores comparavam o anticristo ao papado, assim como tinham feito alguns teólogos medievais – Gregório I (que ensinava que quem assumisse o titulo de “sacerdote universal" seria precursor do anticristo), Joaquim de Floris e Wycliffe. Lutero Calvino, os tradutores da AV (versão do Rei Tiago) e os autores da Confissão de Fé de Westminster concordavam nesta identificação. Os estudiosos católicos romanos retaliaram, taxando de anticristo os opositores de Roma.

No conceito ideal ou simbólico, o anticristo é uma personificação não temporal do mal, que não se pode identificar com uma só nação, instituição ou individuo. Esta ideia obtém apoio nas cartas de João, e tem valor no fato de enfatizar a natureza constante da guerra entre as múltiplas forças de Satanás e as de Cristo.

Os futuristas (e.g., Zahn, Seiss, Scofield) sustentam que os idealistas deixam de ressaltar suficientemente o clímax desta hostilidade num adversário pessoal. Creem que o anticristo introduzirá um período de grande tribulação no fim da história mundial, em conexão com um império poderoso tal qual uma Roma rediviva, e que dominará a política, a religião e o comércio até à vinda de Cristo.


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -


Veja também:


Notas:

  • [1David A. Hubbard (1928-1996) "Foi Presidente Emérito e Professor Emérito de Antigo Testamento no Seminário Teológico Fuller. Autor de Joel e Amós - Introdução e Comentário, igualmente publicado pela Vida Nova<https://www.vidanova.com.br/livros/autores/david-a-hubbard>. O texto a seguir é uma contribuição à Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã (O. C.).


Referência bibliográfica:

  • HUBBARD, David A. Anticristo. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. I. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 81 a 84.