Por: Alcides Amorim
Sobre o comentário acerca das setenta semanas de Daniel, feito pelo Dr.
C. I. Scofield [2],
ele cita dois Pais da Igreja, Irineu e Hipólito, cuja escatologia
se assemelhava à dos fundamentalistas. Sobre o primeiro já falamos aqui e aqui e, sobre Hipólito, veja o conteúdo
abaixo.
1. Quem
era Hipólito [3]
Hipólito de Roma (c. de
170-c. de 236) foi um presbítero de língua grega na igreja em Roma que liderou
um cisma contra o Bispo
Calixto. Ele e um bispo posterior de Roma, Ponciano, foram
exilados para a Sardenha durante a perseguição feita pelo imperador Maximino
(235) Ponciano e
Hipólito aparentemente foram reconciliados antes de morrerem na Sardenha, e
vieram a ser considerados mártires.
Hipólito escreveu vários documentos
importantes. A Refutação de todas as Heresias (as vezes chamada Philosophoumena)
trata principalmente das seitas gnósticas, fazendo seus erros remontarem à
filosofia. A Tradição Apostólica é a fonte mais completa
no tocante aos costumes organizacionais e litúrgicos da Igreja ante-niceana [4] – e abrange o batismo, a
eucaristia, a ordenação e a festa do amor ágape). O Comentário de Daniel
é o mais antigo da Igreja Ortodoxa; expõe uma escatologia quillasta [5]. Contra Noeto
opõe-se a uma antiga forma de modalismo. Uma estátua de Hipólito,
presumivelmente preparada durante sua vida, traz uma inscrição que alista seus
escritos e registra uma tabela de cálculo da data da Páscoa.
As opiniões de Hipólito foram aguçadas por sua
controvérsia com Calixto. Além de suas diferenças pessoais (Calixto era um
ex-escravo com pouca educação formal, Hipólto, uma pessoa livre com muita
cultura) e da rivalidade pelo episcopado, os dois homens discordavam
doutrinariamente no tocante a duas considerações importantes. Hipólito defendia
a cristologia do Logos e fazia tanta distinção entre o Pai e Cristo, que Calixto
o chamava de "diteísta"; Calixto e seu antecessor, Zeferino,
enfatizavam a união divina, de tal maneira que Hipólito não via diferença entre
as opiniões deles e o modalismo de Sabélio. Hipólito adotava um conceito
rigorista da disciplina eclesiástica, e negava a reconciliação com a igreja
àqueles que eram culpados dos pecados mais graves, deixando nas mãos de Deus o
perdão; Calixto adotava um conceito mais lasso, e estava disposto a conceder o
perdão da igreja, especialmente nos casos de pecados sexuais.
2. Sua
escatologia
§ A
última semana de Daniel (9.27) / o Anticristo.
A exemplo de Irineu de Lyon, Hipólito
de Roma também interpretou as setenta semanas de Daniel (Dn 9.24-27) como um
período literal de 490 anos, conectando a última semana (70ª) diretamente com a
vinda do Anticristo e os acontecimentos finais da história a exemplo também dos
dispensacionalistas. A primeira metade da última semana era um período de
aparente paz e aliança feita pelo Anticristo, enquanto a segunda metade, um
período de extrema perseguição, abolição do sacrifício, “abominação da
desolação” e domínio do Anticristo sobre o mundo. Esta fase é explicada e
conectada também pelos períodos de tempos mencionados em Daniel e Apocalipse: 1260
dias (Ap 11.3; 12.6), 42 meses (Ap 11.2; 13.5) e tempo, tempos e metade de um
tempo (Dn 12.7; Ap 12.14). Após este período de tribulação, Cristo intervirá e
instaurará seu Reino definitivo.
§ Arrebatamento
da Igreja / Milênio:
Sobre o arrebatamento,
Hipólito não o via como um evento secreto
como fazem os dispensacionalistas. Para ele, a igreja passará pela perseguição
do Anticristo, especialmente durante os últimos 3 anos e meio da semana de
Daniel. Espera-se que os fiéis sejam perseverantes e aguardem a manifestação
gloriosa de Cristo no final da última semana. Na verdade, a ordem dos eventos
do final dos tempos para Hipólito será: Aparecimento
do Anticristo (Dn 7.25; 9.27; 11.36; Ap 13); Perseguição dos santos:
a Igreja sofreria durante o reinado de 3 anos e meio; Segunda vinda de
Cristo: Cristo destruiria o Anticristo e instauraria o reino. Ressurreição/arrebatamento:
ocorre na manifestação de Cristo, quando os justos são reunidos a Ele (1Ts
4.16-17). Mas, como Irineu e os dispensacionalistas modernos, Hipólito também
cria em um reinado terreno (literal) de Cristo por mil anos.
Numa tabela
criada pelo ChatGPT [6], relacionando Hipólito e dispensacionalistas,
em relação ao tempo do fim temos:
Evento |
Hipólito de Roma |
Dispensacionalismo |
a) Última semana de Daniel (Dn 9.27) |
§ É futura e se refere ao governo do Anticristo. Dividida em duas
metades de 3 anos e meio: paz aparente (1a); § Perseguição da Igreja (2a). |
§ Idem. |
b) Anticristo |
§ Figura real, governará 3 anos e meio, abolirá o sacrifício, instaurará
a abominação da desolação e perseguirá os santos. |
§ Também é figura real, dominará durante a Tribulação e fará pacto com
Israel. |
c)
Destino da Igreja durante a
tribulação |
§ A Igreja permanece na terra e sofre
perseguição do Anticristo. Não há livramento antecipado. |
§ Igreja é arrebatada
antes da Tribulação (pré-tribulacionismo). § Alguns grupos aceitam arrebatamento no meio
ou no fim da tribulação. |
d) Arrebatamento / Ressurreição (1Ts 4.16-17) |
§ Acontece junto com a segunda vinda de Cristo, após a tribulação. É
público e glorioso. |
§ O arrebatamento é secreto e anterior à tribulação (pré-tribulacionismo
clássico). Depois, ocorre uma segunda vinda visível de Cristo. |
e) Milênio (Ap 20.4-6) |
§ Literal: Cristo reinará 1.000 anos na terra após
derrotar o Anticristo. |
§ Também literal: Cristo reinará por 1.000 anos após a
Tribulação. |
f)
Israel e Igreja |
§ Não faz distinção rígida: judeus e gentios em Cristo é perseguido pelo Anticristo e depois participa do Reino. |
§ Forte distinção: Israel e Igreja têm
destinos diferentes. A Tribulação é voltada a Israel; a Igreja já terá sido
arrebatada. |
g) Sequência final |
§ Anticristo → Tribulação → Segunda Vinda de Cristo →
Arrebatamento/Ressurreição → Milênio → Juízo final → Eternidade. |
§ Arrebatamento (antes da tribulação) → 7 anos de
Tribulação (Israel no centro) → Segunda Vinda
visível → Milênio → Juízo final → Eternidade. |
Para concluir, percebemos as ideias de Hipólito
convergiam com as de dispensacionalistas, principalmente na crença da vinda de Anticristo
real, uma última semana de Daniel futura e um milênio literal. A diferença
crucial está no fato de que Hipólito coloca o arrebatamento apenas no fim da
tribulação, enquanto o dispensacionalismo (clássico) defende que a Igreja não
estará na tribulação, pois será retirada antes. Podemos afirmar, portanto, que Hipólito
é um pós-tribulacionista milenarista, enquanto para o dispensacionalismo a
ideia mais difundida é o pré-tribulacionista milenarista.
Resumo no vídeo a seguir:
- [1] Imagem ilustrativa, criado pela I. A. do ChatGpt. In: Hipólito de Roma.
- [2] Cyrus Ingerson Scofield (1843–1921): “... foi um influente ministro americano. Sua Bíblia de Referência Scofield , repleta de anotações úteis sobre o texto, foi publicada em 1909 e se tornou o padrão para uma geração de cristãos fundamentalistas e popularizou a teologia dispensacionalista...”. Veja mais aqui, aqui e também aqui.
- [3] FERGUSON, Everett. Hipólito. In: ELWELL, Walter. A. (Editor). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1988 (1ª Ed.), pág. 251-252.
- [4] Isto é, A Tradição Apostólica de Hipólito foi uma das fontes teológicas que serviram de base para o Concílio de Niceia, o primeiro dos concílios ecuménicos, ocorrido no ano 325.
- [5] Quiliasta: aquele que defende a crença num "Reino Milenar" literal onde Cristo reinará na Terra após a sua segunda vinda, com base em interpretações de passagens bíblicas como Apocalipse 20.1-6 e outras.
- [6] Para montagem deste quadro, o ChatGpt usou como base Exposição sobre Daniel de Hipólito.