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3 de setembro de 2025

A Escatologia de Hipólito e o Fundamentalismo Protestante

 Por: Alcides Amorim

Hipólito de Roma[1]

Sobre o comentário acerca das setenta semanas de Daniel, feito pelo Dr. C. I. Scofield [2], ele cita dois Pais da Igreja, Irineu e Hipólito, cuja escatologia se assemelhava à dos fundamentalistas. Sobre o primeiro já falamos aqui e aqui e, sobre Hipólito, veja o conteúdo abaixo.

1.    Quem era Hipólito [3]

Hipólito de Roma (c. de 170-c. de 236) foi um presbítero de língua grega na igreja em Roma que liderou um cisma contra o Bispo Calixto. Ele e um bispo posterior de Roma, Ponciano, foram exilados para a Sardenha durante a perseguição feita pelo imperador Maximino (235) Ponciano e Hipólito aparentemente foram reconciliados antes de morrerem na Sardenha, e vieram a ser considerados mártires.

Hipólito escreveu vários documentos importantes. A Refutação de todas as Heresias (as vezes chamada Philosophoumena) trata principalmente das seitas gnósticas, fazendo seus erros remontarem à filosofia. A Tradição Apostólica é a fonte mais completa no tocante aos costumes organizacionais e litúrgicos da Igreja ante-niceana [4] – e abrange o batismo, a eucaristia, a ordenação e a festa do amor ágape). O Comentário de Daniel é o mais antigo da Igreja Ortodoxa; expõe uma escatologia quillasta [5]. Contra Noeto opõe-se a uma antiga forma de modalismo. Uma estátua de Hipólito, presumivelmente preparada durante sua vida, traz uma inscrição que alista seus escritos e registra uma tabela de cálculo da data da Páscoa.

As opiniões de Hipólito foram aguçadas por sua controvérsia com Calixto. Além de suas diferenças pessoais (Calixto era um ex-escravo com pouca educação formal, Hipólto, uma pessoa livre com muita cultura) e da rivalidade pelo episcopado, os dois homens discordavam doutrinariamente no tocante a duas considerações importantes. Hipólito defendia a cristologia do Logos e fazia tanta distinção entre o Pai e Cristo, que Calixto o chamava de "diteísta"; Calixto e seu antecessor, Zeferino, enfatizavam a união divina, de tal maneira que Hipólito não via diferença entre as opiniões deles e o modalismo de Sabélio. Hipólito adotava um conceito rigorista da disciplina eclesiástica, e negava a reconciliação com a igreja àqueles que eram culpados dos pecados mais graves, deixando nas mãos de Deus o perdão; Calixto adotava um conceito mais lasso, e estava disposto a conceder o perdão da igreja, especialmente nos casos de pecados sexuais.

2.    Sua escatologia

§  A última semana de Daniel (9.27) / o Anticristo.

A exemplo de Irineu de Lyon, Hipólito de Roma também interpretou as setenta semanas de Daniel (Dn 9.24-27) como um período literal de 490 anos, conectando a última semana (70ª) diretamente com a vinda do Anticristo e os acontecimentos finais da história a exemplo também dos dispensacionalistas. A primeira metade da última semana era um período de aparente paz e aliança feita pelo Anticristo, enquanto a segunda metade, um período de extrema perseguição, abolição do sacrifício, “abominação da desolação” e domínio do Anticristo sobre o mundo. Esta fase é explicada e conectada também pelos períodos de tempos mencionados em Daniel e Apocalipse: 1260 dias (Ap 11.3; 12.6), 42 meses (Ap 11.2; 13.5) e tempo, tempos e metade de um tempo (Dn 12.7; Ap 12.14). Após este período de tribulação, Cristo intervirá e instaurará seu Reino definitivo.

§  Arrebatamento da Igreja / Milênio:

Sobre o arrebatamento, Hipólito não o via como um evento secreto como fazem os dispensacionalistas. Para ele, a igreja passará pela perseguição do Anticristo, especialmente durante os últimos 3 anos e meio da semana de Daniel. Espera-se que os fiéis sejam perseverantes e aguardem a manifestação gloriosa de Cristo no final da última semana. Na verdade, a ordem dos eventos do final dos tempos para Hipólito será:  Aparecimento do Anticristo (Dn 7.25; 9.27; 11.36; Ap 13); Perseguição dos santos: a Igreja sofreria durante o reinado de 3 anos e meio; Segunda vinda de Cristo: Cristo destruiria o Anticristo e instauraria o reino. Ressurreição/arrebatamento: ocorre na manifestação de Cristo, quando os justos são reunidos a Ele (1Ts 4.16-17). Mas, como Irineu e os dispensacionalistas modernos, Hipólito também cria em um reinado terreno (literal) de Cristo por mil anos.

Numa tabela criada pelo ChatGPT [6], relacionando Hipólito e dispensacionalistas, em relação ao tempo do fim temos:  

Evento

Hipólito de Roma

Dispensacionalismo

a)  Última semana de Daniel (Dn 9.27)

§ É futura e se refere ao governo do Anticristo. Dividida em duas metades de 3 anos e meio: paz aparente (1a);

§ Perseguição da Igreja (2a).

§ Idem.

b)   Anticristo

§ Figura real, governará 3 anos e meio, abolirá o sacrifício, instaurará a abominação da desolação e perseguirá os santos.

§ Também é figura real, dominará durante a Tribulação e fará pacto com Israel.

c)   Destino da Igreja durante a tribulação

§ A Igreja permanece na terra e sofre perseguição do Anticristo. Não há livramento antecipado.

§ Igreja é arrebatada antes da Tribulação (pré-tribulacionismo).

§ Alguns grupos aceitam arrebatamento no meio ou no fim da tribulação.

d)  Arrebatamento / Ressurreição (1Ts 4.16-17)

§ Acontece junto com a segunda vinda de Cristo, após a tribulação. É público e glorioso.

§ O arrebatamento é secreto e anterior à tribulação (pré-tribulacionismo clássico). Depois, ocorre uma segunda vinda visível de Cristo.

e) Milênio (Ap 20.4-6)

§ Literal: Cristo reinará 1.000 anos na terra após derrotar o Anticristo.

§ Também literal: Cristo reinará por 1.000 anos após a Tribulação.

f)   Israel e Igreja

§ Não faz distinção rígida: judeus e gentios em Cristo é perseguido pelo Anticristo e depois participa do Reino.

§ Forte distinção: Israel e Igreja têm destinos diferentes. A Tribulação é voltada a Israel; a Igreja já terá sido arrebatada.

g)  Sequência final

§ Anticristo Tribulação Segunda Vinda de Cristo Arrebatamento/Ressurreição Milênio Juízo final Eternidade.

§ Arrebatamento (antes da tribulação) 7 anos de Tribulação (Israel no centro) Segunda Vinda visível Milênio Juízo final Eternidade.

Para concluir, percebemos as ideias de Hipólito convergiam com as de dispensacionalistas, principalmente na crença da vinda de Anticristo real, uma última semana de Daniel futura e um milênio literal. A diferença crucial está no fato de que Hipólito coloca o arrebatamento apenas no fim da tribulação, enquanto o dispensacionalismo (clássico) defende que a Igreja não estará na tribulação, pois será retirada antes. Podemos afirmar, portanto, que Hipólito é um pós-tribulacionista milenarista, enquanto para o dispensacionalismo a ideia mais difundida é o pré-tribulacionista milenarista.

Resumo no vídeo a seguir:


Notas:

  •  [2] Cyrus Ingerson Scofield (1843–1921): “... foi um influente ministro americano. Sua Bíblia de Referência Scofield , repleta de anotações úteis sobre o texto, foi publicada em 1909 e se tornou o padrão para uma geração de cristãos fundamentalistas e popularizou a teologia dispensacionalista...”. Veja mais aqui, aqui e também aqui.  

  •  [3] FERGUSON, Everett. Hipólito. In: ELWELL, Walter. A. (Editor). Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, Vol. II. São Paulo: Vida Nova, 1988 (1ª Ed.), pág. 251-252.

  •  [4] Isto é, A Tradição Apostólica de Hipólito foi uma das fontes teológicas que serviram de base para o Concílio de Niceia, o primeiro dos concílios ecuménicos, ocorrido no ano 325.

  •  [5] Quiliasta: aquele que defende a crença num "Reino Milenar" literal onde Cristo reinará na Terra após a sua segunda vinda, com base em interpretações de passagens bíblicas como Apocalipse 20.1-6 e outras.

  •  [6] Para montagem deste quadro, o ChatGpt usou como base Exposição sobre Daniel de Hipólito.