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12 de junho de 2025

Ceticismo: conceito, dúvida e fé

Por: Alcides Amorim

Um cético confuso [1]

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Escrevi até aqui dois artigos específicos sobre ética: ética bíblica e ética x moral. E antes de continuar com outros artigos relativos ao assunto achei por bem falar antes sobre os conceitos de ceticismo, dogmatismo e falibalismo. E, como são assuntos longos, resolvi fazer isto em três momentos, começando, na sequência, com o ceticismo. Mas, sempre com uma pitada de apologia teológica e/ou de fé.

1.    Ceticismo: conceito

A palavra ceticismo diz respeito a um estado de um indivíduo que duvida de tudo, que é descrente e/ou tem predisposição constante para a dúvida e incredulidade. Deriva da palavra grega askesis, que significa exercício de reflexão, meditação. Fala de um indivíduo que, ao pé da letra, é uma pessoa pensativa, absorvida em si mesma e, portanto, "ausente" do mundo. Mas o ceticismo é também nome de uma corrente filosófica, cujo fundador foi o filósofo grego Pirro de Élis (360? a 272? a.C.). Ele pregava uma ideia radical, caracterizada, essencialmente, por duvidar de todos os fenômenos que rodeiam o ser humano. Para ele, seria impossível conhecer verdadeiramente qualquer coisa.

Os céticos, seguidores da escola de Pirro, “... admitiam que a realidade existe, mas afirmavam que o ser humano não teria nenhum instrumento para atingir a verdade de qualquer coisa. Em outras palavras, a filosofia deveria ser uma negação do saber, não uma busca” (CHALITA: 2004, pág. 75). Em tese, os céticos desprezam a ideia de valores sociais regendo o comportamento e as relações entre os homens. Aliás, eles defendem que a felicidade pode até ser atingida desde que o indivíduo alcance “... o estado de ataraxia, palavra grega que designa a imperturbabilidade, o estado de paz tal como concebido pelo ceticismo...” (Idem, pág. 75) e em relação com o que Pirro aprendeu do bramanismo.

Bem, se o dogmatismo – como veremos mais adiante –, por exemplo, é a crença absoluta em certas verdades, sem questionamento ou possibilidade de erro, o cético questiona tudo o que lhe é apresentado como verdade e não admite a existência de dogmas, fenômenos religiosos ou metafísicos.

Outro pensador que ficou conhecido também por conta de seu ceticismo foi o humanista francês Michel de Montaigne (1533-1592), em sua obra Ensaios. A frase atribuída a ele, “dizem que filosofar é duvidar”, expressa bem este aspecto do ceticismo, quando manifesta a sua visão de que o conhecimento humano é limitado. No entanto, o ceticismo de Montaigne não é passivo, mas sim ativo, e é usado como ferramenta para questionar e criticar os costumes, saberes e instituições da época e, portanto, seu pensamento servia para atenuar a excessiva confiança que o homem renascentista – contemporâneo seu –, tinha nas capacidades humanas. Em síntese, a obra Ensaios, de Montaigne, se caracteriza pela sua abordagem individual, subjetiva e reflexiva, onde ele explora a diversidade e complexidade do ser humano, relativizando verdades absolutas e questionando dogmas.

A questão é que se for levado ao pé da letra o ceticismo leva-nos a duvidar do próprio ceticismo. “Ao mesmo tempo, não poderíamos emitir nenhuma opinião sobre o ceticismo. Será que é possível negar tudo que está a nossa volta? Se negarmos tudo, negaremos a própria negação e a dúvida que nos fez questionar o objeto. Desta maneira, em algo devemos acreditar, ainda que tenhamos que contestar as verdades que nos rodeiam” (BEZERRA. O.C.).

O ceticismo tem ocupado o pensamento de muitos no meio religioso. No item abaixo, veremos um pouco sobre isto.

2.    O ceticismo na religião x resposta bíblica [2]

O ceticismo religioso não é sinônimo de ateísmo, sendo que céticos podem ter dúvidas sobre a religião sem rejeitá-la completamente. Exemplos históricos de céticos, como os discípulos Natanael (Jo 1.45-47) e Tomé (Jo 20.25), ilustram que esse fenômeno não é novo, mas tem se intensificado atualmente. A cultura contemporânea, marcada pelo Iluminismo, por exemplo, e pela diversidade de influências, tem contribuído para o aumento do ceticismo, especialmente entre os jovens, que consideram as respostas bíblicas simplistas.

Além disso, experiências negativas com práticas religiosas e a hipocrisia de alguns indivíduos têm levado muitos a se afastarem da fé cristã. A dependência do empirismo e a confusão provocada por diversas crenças religiosas também alimentam o ceticismo. No entanto, o ceticismo saudável é importante para questionar doutrinas errôneas e buscar verdade. O diálogo respeitável e humilde é essencial para abordar as dúvidas dos céticos e compartilhar a esperança cristã de maneira construtiva.

Na verdade, o ceticismo religioso de base intelectual, por si só, não é ruim. De fato, o ceticismo saudável é uma coisa boa — devemos ser cautelosos com o ensino falso, e recebemos a seguinte instrução: "... provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora" (1 Jo 4.1). Aqui, vemos um exemplo de ceticismo no sentido positivo: ter dúvida se algo é bom ou ruim. Uma fé saudável e duradoura incorpora permissão para questionar e buscar respostas. Deus pode resistir ao nosso escrutínio, e a dúvida não tem que equiparar a descrença. Deus nos convida: "Vinde, pois, e arrazoemos, diz o SENHOR" (Is 1.18). O apóstolo Paulo também afirma: “Portai-vos com sabedoria para com os que são de fora; aproveitai as oportunidades..." (Cl 4.5), quando podemos envolver os céticos no diálogo que conduz à verdade. O apóstolo Pedro também diz: "... antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós" (1Pe 3.15). Ele segue imediatamente esse comando com instruções sobre como envolver o questionador: "... fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo" (1Pe 3.16). A humildade e o respeito são cruciais para lidar com céticos em nossa era pós-moderna.

Mas como um cético pode encarar ou abordar um princípio ético? Como conciliar posições céticas com normas ou deveres legais? Possivelmente, um cético, ao abordar a ética, geralmente adotará uma postura questionadora e, por vezes, incrédula em relação às verdades morais e às suas bases. Em vez de assumir a existência de um código moral universal e objetivo, o cético pode se concentrar em examinar e avaliar as diversas perspectivas e costumes que formam a ética em diferentes contextos. Daí, o desafio de membros do governo (Legislativo), por exemplo, de criar uma ética social – como veremos também em outro momento – que possa ser aplicada a toda a sociedade e que contemple os céticos.

Quero terminar enfatizando a pessoa do Tomé como um cético e questionador. Mas, Jesus soube envolvê-lo no diálogo e confrontá-lo na sua fé. Vejamos:

·   Jo 14.5 – Tomé questiona a Jesus sobre o Caminho para o Pai dito por Ele.

·  Jo 14.6 – Jesus responde, ser Ele o Caminho. Será que Tomé entendeu? Parece que não, mas aceitou, pensou, creu...

·  Jo 20.25 – Conhece o ditado “sou igual a Tomé, tenho que ver para crer”? Pois é, esta frase está baseada nas palavras que ele disse: "Se eu não vir as marcas dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei".

·  Jo 20.27-29 – Jesus aparece aos discípulos, diz a Tomé para ele colocar o seu dedo nas marcas dos pregos e parar de duvidar. Ou seja, Jesus confronta a dúvida ou o ceticismo de Tomé com verdade, a fé e o milagre da ressurreição: o ceticismo de Tomé é revertido em fé, pois ele sabia que Jesus tinha morrido e agora aparece vivo. Veja a resposta de Tomé: “Senhor meu e Deus meu!”. Esta é uma das maiores verdades de um ex-cético que deixou de duvidar e passou a crer. Aceitar a Jesus como o seu Deus (deísmo de Jesus) é um dos dogmas mais importantes do Cristianismo, pois trata-se de Jesus, como o Cristo e uma das pessoas da trindade, a principal doutrina cristã. 

Veja também:

§  Ceticismo, dogmatismo e falibilismo.

§  Ética bíblica.

§  Ética e moral.

§  Ceticismo da religião.

§  O apóstolo Tomé.

Na sequência, veja o vídeo de Jonas Madureira, onde ele faz uma reflexão sobre o ceticismo, e sua relação com a ciência e a fé:

Notas:

  • [1] Um cético confuso. Imagem meramente ilustrativa, feita pela I. A. Grok em: 09/06/2025.

  • [2] Resumo/comentário do artigo “O que é o relativismo ético?“ (O.C.).

Considerações bibliográficas:

BEZERRA, Juliana. Ceticismo. In: Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/ceticismo/. Acesso em: 09/06/2025.

CHALITA, Gabriel; Vivendo a filosofia. São Paulo: Atual, 2004.

GOT QUESTIONS. Ceticismo da religião. Disponível em: https://www.gotquestions.org/Portugues/ceticismo-da-religiao.html. Acesso em: 09/06/2025.

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