Páginas:

25 de julho de 2025

Dogmatismo: breve análise filosófica

Por: Alcides Amorim  


Filosofia e dogmatismo[1]

Ouça o conteúdo:

[]...

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 

Em posts anteriores falamos um pouco sobre ética bíblica; ética x moral, ceticismo e dogmatismo no sentido teológico. Continuando, em conexão com estes temas, queremos continuar falando sobre dogmatismo, principalmente em seu sentido filosófico.

Como já vimos, o dogmatismo, ao contrário do ceticismo, refere-se à crença em verdades absolutas e inquestionáveis, geralmente baseadas em princípios estabelecidos ou em autoridades reconhecidas e que implica na adoção de uma postura de firme convicção, sem espaço para dúvidas ou críticas.

Enquanto na visão teológica cristã, o dogmatismo se refere à aceitação de dogmas ou verdades consideradas incontestáveis tendo a Bíblia como paradigma, na filosofia, o dogmatismo é entendido como o oposto do ceticismo. Enquanto o cético é descrente em muitas situações e predisposto a duvidar de tudo, o dogmático, pelo contrário, defende a possibilidade de se alcançar verdades absolutas e inquestionáveis. Mas, diferentemente do senso comum, quando ideias são aceitas como verdadeiras sem questionamento, baseadas em crenças populares ou na tradição, filosoficamente, as verdades reveladas são consideradas incontestáveis com base em estudo aprofundado e testado de determinado tema, debates, lógica, razão, ciências etc., que se tornam princípios sólidos e racionais. Por exemplo, a lógica “... é uma área do conhecimento tão exata quanto a matemática, aliás, ela explica muito do que é feito na matemática. A lógica é um campo do conhecimento que podemos chamar de dogmático, pois está fundamentada em princípios tão sólidos quanto a própria racionalidade. Dessa maneira, quando existem princípios inabaláveis que definem uma área do saber, podemos chamar essa área de dogmática[1] (In: Mundo Educação).

Bem, lógica e matemática são exemplos de disciplinas dogmáticas e/ou exatas. Mas nas áreas humanistas há também filósofos dogmáticos que, por causa de sua teoria racional bem fundamentada, resistem ao tempo e espaço, tornando-se célebres nos meios acadêmicos em geral. É possível haver rigor lógico de suas ideias e mesmo assim elas serem aprovadas pela crítica e serem aceitas como verdades ou princípios. Platão e Descartes, por exemplo, são considerados dogmáticos por acreditarem na existência de verdades eternas e imutáveis, acessíveis através da razão. O dogmatismo de Platão se manifesta em sua teoria das Ideias, onde ele postula a existência de realidades perfeitas e imutáveis, acessíveis apenas, repito, através da razão. Já Descartes, ao permear ceticismo com racionalidade, sintetizada, sobretudo em sua famosa frase "Penso, logo existo", buscava um fundamento seguro para o conhecimento através da dúvida metódica, rejeitando qualquer crença não justificada racionalmente.

·  Teoria das Ideias: A base do dogmatismo platônico reside em sua crença na existência de um mundo inteligível, separado do mundo sensível, onde residem as Ideias perfeitas e eternas. Essas Ideias, como a Beleza, a Justiça e o Bem, são consideradas modelos para as coisas do mundo material.

·  A razão como método: No chamado método cartesiano (de Descartes), investiga-se a verdade com base na dúvida metódica, com o objetivo de alcançar a certeza através da razão. Portanto, seu dogmatismo refere-se à sua abordagem filosófica que busca verdades absolutas, utilizando a razão como método para alcançar um conhecimento seguro e inquestionável. Ele acreditava ser possível alcançar verdades absolutas por meio da razão.

Voltando à Teoria das Ideias de Platão e traçando um paralelo com o conceito de dogmatismo[2], podemos afirmar que:

·   para Platão, as Ideias são verdades eternas e perfeitas;
·   o questionamento está presente no processo dialético, mas as Ideias são o fim da investigação: são tidas como certezas;
·   as Ideias não mudam. O conhecimento é alcançado quando se reconhece essas verdades imutáveis;
·   a razão pura e alma humana reconhecem as Ideias por reminiscência, pois o conhecimento não é adquirido através dos sentidos, mas sim inato e lembrado pela alma.

Portanto, o platonismo tem traços dogmáticos especialmente na crença em verdades eternas e absolutas (as Ideias). No entanto, Platão estimula o uso da razão e do diálogo filosófico (a dialética) como meio para alcançar essas verdades, diferentemente do dogmatismo fechado ao questionamento. Assim, Platão não é dogmático no método, mas o é no resultado: ele crê que há verdades definitivas a serem descobertas.

E ainda sobre Descartes: este propõe que existem ideias inatas, ou seja, ideias que não vêm da experiência, mas já estão na mente desde o nascimento. Entre essas estão, por exemplo, a ideia de Deus, de substância, de infinito e de perfeição. Ele distingue entre: Ideias adventícias, provenientes dos sentidos; Ideias factícias, criadas pela imaginação e Ideias inatas, que pertencem à própria natureza da mente racional. Ele rejeita o dogmatismo no ponto de partida, pois inicia sua filosofia duvidando de tudo — inclusive das ideias tradicionais. Porém, após esse processo, ele reconstrói o conhecimento com base em ideias inatas que ele considera absolutamente certas, como a existência do "eu pensante" e de Deus. Assim, podemos afirmar que há um paralelo entre o dogmatismo e o resultado final do pensamento cartesiano, que sustenta algumas verdades inquestionáveis, embora seu o método é essencialmente antidogmático, pois exige que todo conhecimento seja submetido à dúvida antes de ser aceito como verdadeiro.

O meio-termo entre o ceticismo  e o dogmatismo é o chamado escrutínio crítico. O dogmatismo e o escrutínio crítico representam atitudes opostas diante do conhecimento, da verdade e das crenças. Daí, podemos concluir com uma pergunta: é possível um código de ética que concilia – filosoficamente – dogmatismo e escrutínio crítico? Um código de ética dogmática parte do princípio de que os valores estão dados, são absolutos, inquestionáveis e vêm de uma fonte superior (Deus, tradição, razão pura, etc.). Já o escrutínio crítico exige liberdade de questionamento, inclusive sobre os fundamentos dos próprios valores éticos. Portanto, do ponto de vista crítico, um código dogmático pode ser visto como autoritário ou ingênuo. Mas há também uma relação indireta ou dialética. Assim, o escrutínio crítico não precisa destruir o dogma, mas pode oferecer uma via de renovação e aprofundamento...

Veja também o meu vídeo sobre o assunto a seguir:


Notas / Referências bibliográficas:

  • [1] Imagem meramente ilustrativa, feita pelo I.A. Chat Gpt.

2 comentários:

  1. Olá, amigos, o áudio inserido no post apresenta um conteúdo na Língua Portuguesa mais amplo do que o texto escrito.
    não deixe de curtir e de comentar...
    Abraços!

    ResponderExcluir
  2. Dogmatismo: "... crença em verdades absolutas e inquestionáveis, geralmente baseadas em princípios estabelecidos ou em autoridades reconhecidas e que implica na adoção de uma postura de firme convicção, sem espaço para dúvidas ou críticas." Este conceito se tornou tão estranho (e fora de moda) em nossa sociedade, mas ao mesmo tempo, os que rejeitam os dogmas (cristãos ou filosófico, por exemplo) aceitam leis ou medidas jurídicas que ultrapassem qualquer nível de razoabilidade ou bom-senso, desde que agradem a minoria que defende a ditadura do pensamento único...

    ResponderExcluir

Deixe seu comentário: