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26 de maio de 2025

Ética Bíblica

Biblia Sagrada: a base judaico-cristã da ética

Estude a Bíblia para ser sábio; creia na mesma para ser salvo; siga os seus preceitos para ser santo” (Billy Graham).

Já destacamos brevemente aqui os conceitos/diferenças entre a ética e a moral. E continuando, queremos destacar abaixo o conceito de ética bíblica. Ou seja, a Ética teológica, que trata daquilo que pode ser aproveitado dos alegados entendimentos de uma determinada comunidade, no tocante a esta vida ou a do porvir.

A ética [1] acha seu lugar num dicionário teológico exatamente porque nem no pensamento judaico nem no pensamento cristão ela pode ser separada do seu contexto teológico, a não ser visando o propósito da concentração. Toda a teologia bíblica tem implicações morais nas quais consiste a ética bíblica.

1.    No Antigo Testamento

Ao reconhecer o AT como escritura cristã, a Igreja adotou alguns precedentes morais embaraçosos: a queima das bruxas, a taça envenenada para a prova moral, o castigo de famílias inteiras, a poligamia, o concubinato e muita violência e guerra. Mas também foi herdeira de grande dose de instrução moral, advertências, exemplos, alta inspiração e fé moral, que aumentou incomensuravelmente os recursos éticos do cristianismo.

A principal conquista foi, sem dúvida, o fundamento teocrático da ética como a vontade de Deus, santa, fiel e boa, uma ética que se baseava naquilo que Deus já fizera como Criador e Redentor do Seu povo. Assim, o Decálogo começa com "Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão"; ao passo que a aliança sem igual que ligava Israel ao seu Deus, não num vínculo natural (como se Deus fosse o ancestral mais remoto) mas num relacionamento moral, que se originou na escolha, promessa e libertação da parte de Deus, às quais Israel correspondeu com obediência e confiança gratas, conferiu uma qualidade sem paralelo de humildade e confiança ao pensamento ético judaico. Corretamente entendida, a obediência não procurava obter o favor divino, mas era inspirada por ele.

O próprio Decálogo (perpetuando ideais ainda mais antigos) é um documento ético notável, sendo que sua forma tradicional abrange um código duplo de deveres religiosos (Ex 20.3-12) e sociais (vv. 13-17) embora submeta as duas áreas (a adoração, a proibição dos ídolos, o juramento, o dia sagrado e a piedade filial, de um lado; e a santidade de vida, casamento, das posses, da verdade e do desejo, do outro lado) à autoridade divina direta. Inevitavelmente esta forma de mandamento deu seu tom à moralidade judaica, embora o mandamento final contra a cobiça entre num âmbito onde o legalismo nada possa fazer.

O desenvolvimento desta base ética no "Livro da Aliança" (Ex 20.22-23.19; veja 24.7) reflete um fundo histórico simples nômade e agrícola, e leva um senso de justiça e de responsabilidade comedida às condições primitivas; os delitos capitais são numerosos, a escravidão é aceita, mas a equidade e a piedade começam a afetar a vida social.

Deuteronômio enfatiza um espirito humanitário, uma liberalidade, compaixão e santidade interior ("Amarás o SENHOR teu Deus", 6.5) inteiramente de conformidade com o ensino dos profetas. Amós tornou a ética essencial ao relacionamento entre Israel e Deus, e sua moralidade era pura, autodisciplina, apaixonadamente defensora dos pobres e oprimidos, oposta à crueldade, ao dolo, ao luxo e ao egoísmo. Isaias e Miquéias exigiam uma religião de conformidade com o caráter do Santo de Israel. Jeremias, Ezequiel e Isaias 40-66 aplicam as lições amargas do exilio na Babilônia de modos éticos inexoráveis, embora sempre dentro do contexto do propósito inabalável de Deus pelo Seu povo. O Deus de Israel é enfaticamente o Autor e Guardião da lei moral, exigindo acima de tudo que os homens pratiquem a justiça, amem a misericórdia e andem humildemente com o seu Deus (Mq 6.8).

O ensino moral judaico posterior incluía (em Provérbios, Eclesiastes, Jó. Siraque) "sabedoria" ética valiosa, cujo alvo era simplificar o dever em reverência prática por Deus, o mais simples bom-senso naqueles que se sabem criaturas do Eterno: "O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria" (SI 111.10). O ideal da sabedoria é expresso de modo eloquente em Jó 31.

O exilio na Babilônia e o domínio estrangeiro que o seguiu tanto ameaçaram a autoidentidade judaica que uma ênfase tremenda foi dada à lei escrita e oral, que entesourava tudo quanto era distintivamente judaico. A piedade, o nacionalismo e o orgulho combinaram-se para produzir um legalismo exagerado, um fardo para a maioria e uma fonte de cegueira moral, casuísmo hipócrita e farisaísmo para muitos. Daí surgiu a oposição "religiosa" a Jesus, para quem o legalismo não tinha nenhuma autoridade divina, e à ênfase que o cristianismo dava à liberdade.

 

2.    No Novo Testamento

Uma longa tradição ética foi resumida, portanto, quando João Batista apareceu, exigindo pureza, retidão, honestidade e solicitude social (Lc 3.10-14). Mas especialmente iluminadora é a discriminação de Jesus, ao retomar do judaísmo seu monoteísmo ético, sua consciência social e o relacionamento entre a religião e a moralidade, enquanto rejeitava a tendência ao farisaísmo, o legalismo duro e externo, o nacionalismo, o cultivo de mérito e a não diferenciação entre o ritual e a moralidade. Por outro lado, Jesus levou a exigência da retidão ainda mais longe do que a Lei tinha feito, penetrando na mentalidade e no motivo por trás do comportamento (Mt 5.17-48), voltando aos propósitos originais de Deus (Mc 2.27; Mt 19.3-9) ou ao mandamento suficiente e sobrepujante do amor a Deus e ao próximo (Mt 22.35-40). Neste resumo de todo o dever, religioso e social, em termo do amor, acha-se a contribuição mais característica de Jesus ao pensamento ético, e Seu exemplo do significado do amor e Sua morte por amor aos homens perfazem Sua contribuição mais poderosa à realização ética.

A religião e a ética encontram-se de novo no evangelho do reino de Deus, que Cristo pregou, Sua versão da esperança messiânica e da visão dos profetas de Deus como Senhor da História; a descrição que Cristo fez da vida no reino, com suas oportunidades e obrigações, dá aplicação à Sua ideia radical e realista de justiça e de amor à vida da família, mordomia cristã das riquezas, responsabilidade diante do estado, os males sociais e o fato da enfermidade e crueldade do pecado. Em todos os âmbitos, a obediência à vontade de Deus constitui-se no reino e assegura as suas bênçãos, embora possa envolver a perda da própria vida, que terá lucro eterno.

Mas o Rei também é Pai, e os cidadãos do reino são Seus filhos, que compartilham de uma condição e de uma vida que refletem o caráter de Deus, numa comunhão e rum espírito de perdão, em liberdade e confiança, que tornam alegre a obediência. Por trás de tudo, está a lealdade pessoal dos homens ao próprio Jesus como Salvador e Senhor, naquele amor (Jo 14.15; 21.15-17), o desejo de ser como Cristo torna-se um incentivo moral de imenso poder emocional. Semelhante amor deleita-se em guardar os mandamentos de Cristo.

Há bons motivos para se crer que a igreja apostólica oferecia treinamento moral considerável aos convertidos, abrangendo a abstinência dos pecados antigos e dos costumes pagãos, a firmeza sob a perseguição, o incentivo à comunhão e a submissão aos líderes. Este treinamento provavelmente incluía listas de deveres de maridos, esposas, pais, filhos, servos, escravos, vizinhos (veja Colossenses e 1 Pedro). O desenvolvimento mais antigo do ensinamento ético cristão provavelmente seja melhor lustrado em 1 Pedro, onde a ênfase recai sobre a santidade e a submissão às autoridades civis (2.13-17), aos senhores de escravos (2.18-25), aos maridos (3.1-7) e dentro da comunhão (3.8-9, 4.8-11:5.5-6). Este tema inesperado não somente descreve o significado da vida sob o domínio divino; ele segue o conceito bíblico da essência do pecado como vontade própria.

Ilustrações da vida cristã moral mais antiga são melhor vistas na galeria impressionante de Lucas (em Atos) de pessoas essencialmente boas, felizes, socialmente úteis, corajosas e transformadas, que corresponde estreitamente ao seu quadro de Jesus em seu evangelho. Tiago, também, provavelmente apresenta um quadro primitivo da tomada de posição moral da igreja, numa série de meditações sobre as grandes palavras de Jesus segundo o modo de literatura de sabedoria judaica.

A preocupação ética de Paulo era ir contra o legalismo que fracassara na sua própria vida e que ameaçava limitar a Igreja a uma seita judaica; ele assim fazia ao insistir na suficiência da fé para salvar judeus e gentios, igualmente, e na liberdade do cristão para seguir a orientação do Espírito (Gálatas). Ao transmitir aos convertidos a tradição comum do ensinamento ético (Rm 6.17; 2 Ts 2.15; 3.6), Paulo explicava especialmente o significado ético da fé e a natureza da vida no Espírito.

Enfrentando o desafio de quem dizia que, se a justificação é pela fé somente, o crente pode continuar impunemente no pecado, Paulo responde que a fé que salva envolve tão grande identificação pessoal com Cristo na morte ao pecado, ao eu, e ao mundo, e na ressurreição para uma vida nova de liberdade, consagração e triunfo, que continuar no pecado ao exercer semelhante fé é incoerente, desnecessário e impossível (Rm 6; Gl 2.20). Para Paulo, a fé que salva, santifica. Se algum crente achar que não acontece assim, ele está deixando de ser aquilo que em Cristo veio a ser – morto para o pecado, vivo para Deus.

O outro tema ético de Paulo argumenta que aquilo que a Lei nunca pode fazer, por causa da fraqueza da natureza humana, "a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus" realiza, de modo que a lei é cumprida em nós (Rm 8.1-4). Jeremias e Ezequiel já tinham ligado o poder invisível de Deus na criação e na história (Espírito) com o novo coração e a nova vontade necessários em Israel. Lucas, ao demonstrar que Jesus traz o Espírito e O outorga, e João, ao descrever o Espírito como o outro Eu de Jesus, revelam como, no pensamento cristão primitivo, a ideia inteira do Espírito divino estava estampada com a imagem de Jesus (At 16.7). Paulo declara que o efeito desta identificação é produzir a o caráter semelhante ao de Cristo – o fruto do Espírito – em cada crente bem disposto (Gl 5.22-23, Rm 5.5: 8.9-14). Esta transformação dos homens pela dinâmica interior do Espírito de Cristo é um dos temas éticos centrais do cristianismo.

Outro tema comum em todo o ensinamento ético do NT é a imitação de Cristo. Os evangelhos sinóticos apresentam o tema como simplesmente seguir a Jesus. João expõe o ideal de Christus Exemplar, como amar (13.34; 15.12), obedecer (9.4, 15:10) ficar firme (15.20) e servir humildemente (13.14-15), conforme Jesus fez por nós. 1 João a liga com a esperança cristã (3.2). Pedro associa a imitação especialmente com a Cruz (1 Pe 2.21-25; 3.17-18; 4.1,13). Paulo faz dela o alvo da adoração (2) Co 3.18), do ministério (Ef 4.11-13), da exortação (1 Co 11.1) e da providência divina (Rm 8.28-29) definindo seu significado mais interno como ter "a mente de Cristo" (1 Co 2.16, Fp 2.5) “o Espirito de Deus" (1 Co 7.40).

Resumo.

Em contraste com os sistemas filosóficos, as marcas permanentes da ética bíblica são: seu fundamento no relacionamento com Deus; sua obrigação imposta e objetiva à obediência; eu apelo aquilo que há de mais profundo no homem, sua relevância social realista, e sua capacidade de adaptação e desenvolvimento contínuos

A formulação bíblica final do ideal como a semelhança a Cristo relaciona-se diretamente com o amor e a gratidão despertados pela experiência da redenção, está arraigada na História objetiva (como implicação ética óbvia da Encarnação): faz um forte apelo às melhores intuições morais do homem, exige um ministério semelhante ao de Cristo entre os necessitados deste mundo e o cumprimento do reino de Deus na terra e no decurso dos séculos cristãos suas muitas formas e interpretações têm comprovado sua adaptabilidade flexível às condições mutáveis. O mandamento bíblico antigo: "Sede santos, porque Eu sou santo", acha um claro reflexo na promessa bíblica mais recente: "Seremos como Ele".

Nota / Referência bibliográfica:

  • [1] WHITE, Reginald E. O. Ética Bíblica. In: Enciclopédia Histórico-Teológica. Editor Walter A. Elwell. Vol. II. São Paulo: Vida Nova: 1988, Pág. 87-90 (Texto copiado na íntegra e adaptado à nova regra ortográfica).

 

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